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auloTJSP –
Ap 0035539-14.2013.8.26.0053 – 6.ª Câm. Direito
Público – j. 14.09.2015 – v.u. – rel. Des. Leme de Campos
– Área do Direito: Administrativo; Imobiliário e Registral.
LICITAÇÃO – Nulidade – Ocorrência – Leilão de terreno doado à
Fazen-da Pública – Área pública ocupaFazen-da para fins de moradia – Interesse Fazen-da
comunidade local que deve ser resguardado em detrimento a eventuais
prejuízos financeiros suportados pelo poder público.
Veja também Doutrina
• A função social dos imóveis públicos à luz do direito urbanístico, de Felipe Mêmolo Portela – RTSP 5-6/281 (DTR\2014\18597);
• Direito real de uso – Transferência do direito de construir no estatuto da cidade, direi-to à terra urbana, o aparecimendirei-to das favelas, função social da propriedade, a MedProv 2.220/2001, a desafetação e a ordem urbanística, de Rômolo Russo Júnior – RDI 55/113 (DTR\2003\368);
• Estatuto da cidade e a função social da propriedade, de Regina Maria Macedo Nery Ferrari – RT 867/52 (DTR\2008\126); e
• Política urbana e a questão habitacional, de Maria Garcia – RDCI 22/72 (DTR\1998\524);
ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ap
0035539-14.2013.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Fazenda do
Esta-do de São Paulo, é apelaEsta-do Defensoria Pública Esta-do EstaEsta-do de São Paulo.
Acordam, em 6.ª Câm. de Direito Público do TJSP, proferir a seguinte decisão:
“Deram provimento parcial ao recurso, com rejeição da matéria preliminar, nos
termos do voto do E. relator. V.U. Sustentaram oralmente o Dr. Hamilton Neto
Funchal e a Dra. Amanda de Moraes Modotti”, de conformidade com o voto do
relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Maria Olívia
Alves (presidente sem voto), Sidney Romano dos Reis e Reinaldo Miluzzi.
ApCiv 0035539-14.2013.8.26.0053 – São Paulo.
Apelante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo.
Apelada: Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Juíza prolatora: Alexandra Fuchs de Araújo.
Voto 25.157.
Ementa:
1NECerceamento de defesa – Inexistência – Desnecessidade da
dila-ção probatória almejada – Inexistência de motivadila-ção deficiente. Ilegitimidade
ativa – Pertinência subjetiva da Defensoria para figurar no polo ativo da
pre-sente demanda – Preliminares afastadas.
Ação declaratória – Ocupação em área pública – Terreno doado ao Estado
de São Paulo e que se tornou objeto de concorrência pública – Necessidade de se
resguardar o interesse da comunidade local (direito à moradia) em detrimento
de eventuais prejuízos financeiros a serem suportados pelo Poder Público –
Nu-lidade dos processos administrativos – Manutenção da sentença, neste ponto.
Honorários advocatícios – Confusão entre credor e devedor – Aplicação da
Sú-mula 421 do STJ – Exclusão da verba – Decisão alterada em parte. Recurso
parcialmente provido.
NE Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibili-zado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.
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atuação Coletiva e vulNerabiliDaDe:
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iv0035539-14.2013.8.26.0053 (tJsP)
resumo: Trata-se de comentário a
deci-são do Tribunal de Justiça de São Paulo, de setembro de 2015, em ação civil pú-blica proposta pela Defensoria Púpú-blica na proteção e defesa do direito à moradia. O acórdão expressa o entendimento de que a Defensoria “deve atuar não só em favor dos economicamente hipossuficientes, mas também daqueles que ostentam posição de vulnerabilidade organizacional e jurídica”, contribuindo a compreensão de que a fra-gilidade a exigir a atuação defensorial não é
apenas de ordem econômica ou financeira, o que repercute na defesa do consumidor. Os critérios para aferição das condições de atuação não podem ser largos a ponto de adentrar-se no campo de atuação da advo-cacia ou do Ministério Público, mas igual-mente não pode ser restrito a abandonar ou inviabilizar a defesa do portador de outras vulnerabilidades (tão bem lembradas pelo documento As 100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça) que sem a atuação de-fensorial continuaria necessitado do acesso
à Justiça. Na nossa compreensão, agiu com profícuo acerto o acórdão ao reconhecer e afirmar tal premissa de atuação; todavia, compreendemos equivocada a aplicação da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, vez que, como demonstrado, ao que parece, os seus precedentes são anteriores a LC 132/2009 que alterou a LC 80/1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública)
e por meio do art. 4.º, XXI determinou ser sua função institucional “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos”.
Palavras-Chave: Defensoria Pública.
Vulne-rabilidade. Atuação coletiva. Justiça mate-rial. Súmula 421-STJ.
suMário: 1. O Acórdão – 2. Resumo do Caso – 3. Comentário: 3.1 Da legitimidade coletiva da
Defensoria Pública: 3.1.1 Os danos da pobreza transcendem o pobre: a Defensoria Pública interessa a ricos e pobres; 3.1.2 Das dimensões da vulnerabilidade e as “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça”; 3.1.3 O significado de “ausência de recursos”: a neces-sidade do diálogo entre art. 5.º, LXXIV e o art. 134 da CF; 3.1.4 Da coerência do acórdão em análise com julgamento do Supremo Tribunal Federal (2015) e do Superior Tribunal de Justiça (2015): a força da coerência em prol da efetividade material; 3.2 Da Súmula 421 x Atualização da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública por meio da LC 132/2009 – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. o A
córdão
A ementa da ApCiv 0035539-14.2013.8.26.0053 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo diz o seguinte:
“Cerceamento de defesa – Inexistência – Desnecessidade da dilação probatória almejada – Ine-xistência de motivação deficiente. Ilegitimidade ativa – Pertinência subjetiva da Defensoria para figurar no polo ativo da demanda – Preliminares afastadas.
Ação declaratória – Ocupação em área pública – Terreno doado ao Estado de São Paulo e que se tornou objeto de concorrência pública – Necessidade de se resguardar o interesse da comunidade local (direito à moradia) em detrimento de eventuais prejuízos financeiros a serem suportados pelo Poder Público – Nulidade dos processos administrativos – Manutenção da sentença, neste ponto. Honorários Advocatícios – Confusão entre credor e devedor – Aplicação da Súmula 421 do STJ – Exclusão da verba – Decisão alterada em parte. Recurso parcialmente provido.”
A seguir, os comentários acerca dos pontos mais relevantes do julgado a repercutirem na defesa do consumidor.
2. r
esuMo
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Aso
Trata-se de julgamento, pela 6.ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 14 de setembro de 2015, de apelação proposta pela Fazenda do Estado de São Paulo em face de sentença de proce-dência em Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública de São Paulo na defesa do direito à moradia de diversas famílias a ocuparem imóveis pertencentes ao Estado de São Paulo, os quais fo-ram desapropriados em 1970 e atualmente, objeto de concorrência pública, não obstante servirem de moradia para diversas famílias hipossuficientes que preenchem os requisitos para Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia – Cuem.
Pretende, portanto, a Defensoria Pública, a nulidade dos “processos de licitação descritos na exor-dial consistentes na alienação de 60 (sessenta) imóveis pertencentes ao Estado de São Paulo”. A sentença proveu a pretensão autoral, reconhecendo a legitimidade coletiva da Defensoria Pública e garantindo-lhe o direito a honorários, ainda que da Fazenda Estadual.
O acórdão manteve a sentença com exceção do reconhecimento do direito da Defensoria Pública à honorários pagos pela Fazenda Pública Estadual.
3. c
oMentário
Em que pese a importância e utilidade do mérito da ação (direito à moradia e direito ao contraditó-rio em processo administrativo) o presente comentácontraditó-rio limitar-se a análise da legitimidade coletiva da Defensoria Pública e ao seu direito a honorários.
3.1 Da legitimidade coletiva da Defensoria Pública
O acórdão é expresso ao concluir que “A Defensoria Pública deve atuar não só em favor dos eco-nomicamente hipossuficientes, mas também daqueles que ostentam posição de vulnerabilidade organizacional e jurídica”, deixando claro que a “a atividade institucional do órgão vai muito além da assistência jurídica apenas àqueles que não dispõem de recursos financeiros” vez que “inexiste limitação constitucional quanto à possibilidade da Defensoria atuar na defesa de interesses cole-tivos, sendo certo que a LC 132/2009 veio justamente para reafirmar esta possibilidade (vide nova redação dada ao art. 40 da LC 80/1994).”
Neste sentido, importante lembrar que, ao lado da sedimentação da possibilidade e necessidade de atuação coletiva por parte da doutrina1 e da jurisprudência,2 tal evolução também se fez notar na
esfera normativa estrita: (a) primeiro, ainda em 1990, com o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/1990); (b) depois, com a Lei 11.448/2007 que alterou a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); (c) para em seguida ser reafirmada com a LC 132/2009 que atualizou a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994), (d) com alteração do texto constitucio-nal por meio da Emenda Constitucioconstitucio-nal 80/2014 e ainda com (e) o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).
Desta feita, para melhor compreensão da Justiça da decisão, o presente comentário inicialmente abordará a repercussão coletiva lato sensu da Defensoria Pública enquanto instituição constitucio-nal; para logo em seguida analisar-se a diretriz internacional contida nas “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça” sobre vulnerabilidade e então, analisar a coerência do julgado em analise com posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, faz-se uma reflexão sobre a possibilidade de equivoco da Súmula 421 diante da LC 132 que modifi-cou a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994).
1. Na doutrina destaca-se parecer da Professora Ada Pellegrini Grinover, o qual encontra-se pu-blicado na obra sousa, José Augusto de Sousa. Uma nova Defensoria Pública pede passagem:
reflexões sobre a Lei Complementar 132/2009, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2011. p. 473-491. 2. Na jurisprudência destaca-se a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3943 (07.05.2015)
3.1.1 Os danos da pobreza transcendem o pobre: a Defensoria Pública
interessa a ricos e pobres
Quanto maior a vulnerabilidade, maior deve ser a efetiva proteção para que se possam cumprir os compromissos assumidos com os direitos humanos e com o próprio Estado Democrático de Direito, em benefício de toda a sociedade, meta para cujo cumprimento a Defensoria Pública tem uma contribuição importante, pois como lembra José Augusto Garcia, “assim como o sistema processual, caracteriza-se a Defensoria Pública pela meta de atuar dinamicamente o ordenamento jurídico--constitucional, a este conferindo efetividade”.3
Onde estiver, direta ou indiretamente, direito ou interesse de pessoa em condição de vulnerabilida-de, estará a legitimidade – e necessidade – de atuação da Defensoria. E a fragilidade de quem quer que seja acaba por influir na realidade de todos, inclusive do não vulnerável.
Neste sentido, importante lembrar que a vida contemporânea não permite visão fragmentada da realidade e a garantia de um mínimo de direitos a todos os humanos, em maior ou menor in-tensidade, consciente ou inconscientemente, interessa a todos, ricos e pobres, vulneráveis e não vulneráveis. As agressões às pessoas em condição de vulnerabilidade, a bem da indivisibilidade e interdependência da humanidade, refletem-se em diversos setores e, para bem compreender essa ligação, vem se afirmando, por várias frentes, da física quântica a questões ambientais,4 pois, “[...]
em última análise, todos dependemos de todos, e a sorte de cada um está inexoravelmente ligada a sorte dos demais”.5
Cuidar da pessoa em condição de vulnerabilidade é também cuidar de quem é poderoso. Estamos em uma etapa em que precisamos solidificar instrumentos capazes de garantir a dignidade humana, aproximar a normatividade da realidade, a prática da teoria, quem pensa o Direito de quem os rea-liza, de pautar adequadamente os Tribunais com a tradução correta e real das verdadeiras aflições das pessoas em condição de vulnerabilidade para que se possa “atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”.6
A decisão em análise é um concreto exemplo desta interligação e repercussão: embora originária de uma ação dirigida ao Poder Público e com foco no direito à moradia enquanto política pública o seu fundamento serve a variadas outras dimensões de concretização de direitos vez que explicita que a desigualdade a justificar a atuação do Estado por meio da Defensoria Pública não se exaure na perspectiva fática ou econômica, como inclusive já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na análise das dimensões da vulnerabilidade do consumidor.
3. souza, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria
Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da LC 132/2009) a visão individualista a respeito da instituição? Revista Forense, São Paulo, 2010, vol. 408, p. 167.
4. Para citar apenas um, entre muitos exemplos, é do desrespeito e da desigualdade que nasce a violência urbana. Então nem que seja para proteger o seu próprio filho, é preciso olhar para o direito do outro.
5. trindade, Antonio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del
Rey, 2006. p. 9.
6. caPPelletti, Mauro; garth, Brian. Acesso à justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto
3.1.2 Das dimensões da vulnerabilidade e as “100 Regras de Brasília para o
Acesso à Justiça”
A Cumbre Judicial Ibero-americana é uma articulação das instâncias máximas do Poder Judiciário da região ibero-americana. Reúne os Presidentes dos Tribunais e Cortes Supremas de Justiça e dos Conselhos de Magistratura dos países ibero-americanos e tem por um dos objetivos promover o desenvolvimento de políticas que tendam a facilitar o acesso à Justiça. Um dos resultados da atua-ção da Cumbre Judicial Ibero-americana foi a aprovaatua-ção das 100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, as quais têm como principal destinatário os poderes públicos para que possam garantir o acesso e a todos os servidores e operadores do sistema de Justiça para que possam conferir às pessoas vulneráveis o tratamento adequado.7
O principal aspecto desse documento a interessar a presente análise está na definição dos benefi-ciários das regras através do conceito das pessoas em condição de vulnerabilidade, qual seja: “(3) Se consideran en condición de vulnerabilidad aquellas personas que, por razón de su edad, género, estado físico o mental, o por circunstancias sociales, económicas, étnicas y/o culturales, en-cuentran especiales dificultades para ejercitar con plenitud ante el sistema de justicia los derechos reconocidos por el ordenamiento jurídico.
(4) Podrán constituir causas de vulnerabilidad, entre otras, las siguientes: la edad, la discapacidad, la pertenencia a comunidades indígenas o a minorías, la victimización, la migración y el desplaza-miento interno, la pobreza, el género y la privación de libertad.
La concreta determinación de las personas en condición de vulnerabilidad en cada país dependerá de sus características específicas, o incluso de su nivel de desarrollo social y económico.”
Registre-se que a compreensão das dimensões da vulnerabilidade já era tratada implicitamente na jurisprudência da CorteIDH, como se vê adiante:
“[...] 112. Generalmente los migrantes se encuentran en una situación de vulnerabilidad como su-jetos de derechos humanos, en una condición individual de ausencia o diferencia de poder con respecto a los no-migrantes (nacionales o residentes). Esta condición de vulnerabilidad tiene una dimensión ideológica y se presenta en um contexto histórico que es distinto para cada Estado, y es mantenida por situaciones de jure (desigualdades entre nacionales y extranjeros en las leyes) y de facto (desigualdades estructurales). Esta situación conduce al establecimiento de diferencias en el acceso de unos y otros a los recursos públicos administrados por el Estado.
113. Existen también prejuicios culturales acerca de los migrantes, que permiten la reproducción de las condiciones de vulnerabilidad, tales como los prejuicios étnicos, la xenofobia y el racismo, que dificultan la integración de los migrantes a la sociedad y llevan la impunidad de las violaciones de derechos humanos cometidas en su contra”.8
No mesmo sentido é o conceito de “racismo ambiental”, assim compreendido como “as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e sobre outras comunidades, discriminadas por sua ‘raça’, origem ou cor”.9 Se para a cura o primeiro passo
7. Informações extraídas de: [http://www.cumbrejudicial.org/web/guest/resultados_de_cumbre]. 8. Trata-se da Opinión Consultiva oc-18/03 de 17 de septiembre de 2003 sobre a Condición
Ju-rídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Disponível em: [http://www.corteidh.or.cr/ docs/opiniones/seriea_18_esp.pdf].
é o diagnóstico, para a Justiça não é diferente: compreender esses “pontos de partidas” é essencial para a concretização do acesso à Justiça.
Muitas vezes tem-se a cumulação de desigualdade, em que o aspecto econômico é apenas mais um lado a ser considerado, mas não é o único. Há casos, entretanto em que a lesão é justamente o impedimento de acesso aos recursos e não a inexistência deles, como muitas vezes acontece em casos de violência de gênero, como se verá no tópico seguinte.
Nesse sentido, inclusive, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça em trecho a seguir transcrito:
“(...) A expressão “necessitados” deve ser interpretada de maneira mais ampla, não se restringin-do, exclusivamente, às pessoas economicamente hipossuficientes, que não possuem recursos para litigar em juízo sem prejuízo do sustento pessoal e familiar, mas sim a todos os socialmente vulneráveis”.10
O propósito, repita-se, não é abrir a porta e autorizar a atuação indiscriminada da Defensoria Pú-blica; mas ao contrário, é apenas não ignorar a vastidão de vulnerabilidade existente que, sem a atuação do Estado, através da Defensoria, permanecerá na invisibilidade, mas produzindo injustiças visíveis. Apenas, a bem da efetividade, busca-se não objetivar o que não pode ser objetivado, como se a dimensão da vida humana coubesse em compartimentos hermeticamente fechados.
Ressalte-se, que essa perspectiva difundida e consolidada pelas “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça” foi compreendida e absorvida pelo MERCOSUL, que no art. 2.º da Recomendação Mercosur/CMC 01/2012 determina que cabe à Defensoria Pública a adoção de medidas de proteção às pessoas, que, por razão de sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias so-ciais, econômicas, étnicas e/ou culturais, se encontram em uma situação especial de vulnerabilidade para exercer com plenitude os direitos reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos.
3.1.3 O significado de “ausência de recursos”: a necessidade do diálogo
entre art. 5.º, LXXIV e o art. 134 da CF
Por clara e evidente leitura dos arts. 5.º, LXXIV, e 134 da CF verifica-se que o Estado, através da Defensoria Pública, deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que por insuficiência de recursos tenham necessidade de acesso à Justiça.
A Constituição não restringiu a ausência de recursos à falta de recursos econômicos. E nem poderia fazê-lo sob pena de incongruência com seus próprios princípios, pois estes determinam a igualdade a todos os necessitados de Justiça. Não se admite interpretação restritiva de direitos fundamentais. Sobre a questão, oportuna a leitura do entendimento de Frederico Rodrigues Viana de Lima:11
“A compreensão dos arts. 5.º, LXXIV, e 134, da CF, no entanto, deve ser feita não a partir de um exa-me literal, mas sim consoante um enfoque jurídico-teleológico. Com efeito, a junção das expressões insuficiência de recursos (art. 5.º, LXXIV, CF) e necessitado (art. 134, CF) não resulta obrigatoriamente na fórmula insuficiência de recursos econômicos. O sistema jurídico e a realidade social contempo-rânea apresentam outros tipos de necessidade e outras espécies de insuficiência de recursos que também reclamam especial proteção do Estado” (sem destaque no original).
10. Trecho da decisão em AREsp 50212, Ministro Herman Benjamin, data da publicação 24.10.2011, Agravo em Recurso Especial 50.212 – RS (2011/0135599-5).
E prossegue exemplificando:
“Basta imaginar a situação vivenciada pelo réu no processo penal, o qual deve obrigatoriamente ter assistência técnica, seja ele carente ou não, uma vez que somente a autodefesa não se harmoniza com os princípios albergados pela Constituição. Em circunstâncias como esta, é possível identificar uma espécie de insuficiência de recursos (técnicos) que é responsável por produzir uma específica necessidade (jurídica). A insuficiência não é de recursos econômicos e, por conseguinte, a neces-sidade não é de ordem financeira. Sob este enfoque, a insuficiência de recursos e a necesneces-sidade expressam um universo muito mais abrangente que a mera incapacidade financeira, englobando outras situações também carecedoras de auxílio.”
Essa interpretação não significa que a Defensoria pode atender tudo e todos, que o acesso, tal qual à educação e saúde (CF, art. 205), é universal. Há o espaço igualmente constitucional destinado à ad-vocacia, que deve ser respeitado (é como diz o ditado popular: “se se quer respeito é preciso respei-tar”). O que se quer que se compreenda é que a necessidade não advém exclusivamente de questões econômicas, mas de outras questões de vulnerabilização do ser humano a que o Estado não pode se furtar de enxergar e proteger: se o Estado, através da Defensoria, não cuidar dessas situações, elas continuarão, na sua invisibilidade, produzindo visíveis injustiças, pois a ausência de recursos lhes impede de contratar advogado ou muitas vezes de simplesmente conhecer seus direitos.
O necessitado de Justiça é, pois, quem, por sua condição de vulnerabilidade, não tem acesso aos re-cursos necessários à sua defesa. A missão constitucional da Defensoria Pública é garantir o acesso à Justiça aos necessitados, assim compreendidos como aqueles que por circunstâncias sociais, econô-micas, sexuais, étnicas e/ou culturais, não têm acesso aos recursos para exercitar com efetividade os seus direitos. Os recursos, portanto, não são apenas os econômicos, mas também os organizacionais ou jurídicos, por exemplo.
3.1.4 Da coerência do acórdão em análise com julgamento do Supremo
Tribunal Federal (2015) e do Superior Tribunal de Justiça (2015): a
força da coerência em prol da efetividade material
Há uma frase, atribuída a Vivante, que os “raios já delimitavam os círculos antes de serem chamados de raios”. A coerência e verdade tem várias formas de manifestação, difundindo-se naturalmente. Assim é que, não obstante tenham existido questionamentos de ordem constitucional e infracons-titucional, a legitimidade coletiva da Defensoria Pública encontra-se ratificada por aqueles a quem cabe a uniformização da interpretação constitucional e infraconstitucionais, Supremo Tribunal Fe-deral e Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.
3.1.3.1 Da ADIN 3943
No plano constitucional, por meio da ADIn 3943 proposta em 16.08.2007 e julgada em 07.05.2015, o Supremo Tribunal Federal, destacando que a atuação coletiva da Defensoria Pública “vem se con-solidando desde o reconhecimento da respectiva legitimidade para ajuizar ação civil pública”12 e que
a Emenda Constitucional 80/2014 sobreveio como “reforço máximo da incontestável legitimidade construída pela Defensoria Pública no Brasil, resultado de trabalho responsável e incessante na de-fesa dos que muito necessitam – em especial da dignidade apregoada no art. 1.º da Constituição da
República – e normalmente não têm a quem se socorrer quando o desafio é fazer valer os próprios direitos e deveres.”,13 sendo entretanto, a constitucionalidade evidente mesmo antes da EC 80/2014,
a qual “coerente com as novas tendências e crescentes demandas sociais , confirma o movimento surgido na década de 1960 de ampliação de garantia de acesso integral à Justiça.”, vez que qualquer interpretação restritiva deporia contra a concretização do acesso à Justiça, como se vê adiante: “(...) A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública?
A quem interessaria restringir ou limitar, aos parcos instrumentos da processualística civil, a tutela dos hipossuficientes (tônica dos direitos difusos e individuais homogêneos do consumidor, por-tadores de necessidades especiais e dos idosos)? A quem interessaria limitar os instrumentos e as vias assecuratórias de direitos reconhecidos na própria Constituição em favor dos desassistidos que padecem tantas limitações? Por que apenas a Defensoria Pública deveria ser excluída do rol do art. 5.º da Lei 7.347/1985?
A ninguém comprometido com a construção e densificação das normas que compõem o sistema constitucional de Estado Democrático de Direito.
(...)
Condicionar a atuação da Defensoria Pública à comprovação prévia da pobreza do público-alvo diante de situação justificadora do ajuizamento de ação civil pública (conforme determina a Lei 7.347/1985) parece-me incondizente com princípios e regras norteadores dessa instituição per-manente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da Constituição da República.”
Do inteiro teor do acórdão, destacam-se as seguintes citações, respectivamente, dos Professores José Afonso da Silva e Ada Pellegrini Grinover:
“Nem sempre o conceito de “insuficiência” pode ser definido a priori. O caso, a situação jurídica concreta, especialmente quando se trate de defesa em juízo, é que vão indicar se o interessado está ou não em condições de organizar a defesa de seus direitos por conta própria. Não é necessário que o interessado seja absolutamente desprovido de recursos, seja miserável” (silva, José Afonso da.
Comentário contextual à Constituição. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 173).
“nesse amplo quadro, delineado pela necessidade de o Estado propiciar condições, a todos, de amplo acesso à justiça [evidencia a importância d]a garantia da assistência judiciária. E ela também toma uma dimensão mais ampla, que transcende o seu sentido primeiro, clássico e tradicional. Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos minus habentes. E este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único. Isso porque existem os que são necessitados no plano econômi-co, mas também existem os necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.
(...)
Assim, mesmo que se queira enquadrar as funções da Defensoria Pública no campo da defesa dos necessitados e dos que comprovarem insuficiência de recursos, os conceitos indeterminados da Constituição autorizam o entendimento - aderente à ideia generosa do amplo acesso à justiça - de
que compete à instituição a defesa dos necessitados do ponto de vista organizacional, abrangendo portanto os componentes de grupos, categorias ou classes de pessoas na tutela de seus interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos” (fls. 1198-1200).”14
Inclusive, a decisão em análise tem o julgamento da ADIn 3943 como um de seus fundamentos.
3.1.3.2 Dos embargos de divergência em REsp 1.119.577 – RS
Enquanto o Supremo Tribunal Federal analisou, como visto, questão em tese, o Superior Tribunal de Justiça, julgou caso concreto de atuação da Defensoria Pública na defesa de usuários de plano de saúde e a questão a ser respondida foi: a coletividade usuária de plano de saúde pode ser defendida pela Defensoria Pública?
O caminho delineado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ na análise da questão foi peculiar: inicialmente, no julgamento do REsp 119577/RS em 15.05.2014, o STJ entendeu que “em se tratan-do de interesses coletivos em sentitratan-do estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos deter-minados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.” por concluir “ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.” A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul – DPRS, autora da respectiva ação coletiva, opôs embar-gos de divergência, o qual fora julgado em 21.10.2015.
Para dirimir a dúvida (vez que a DPRS apresentou vários julgados do STJ afirmando a legitimidade), a Corte Especial do STJ, considerou a relevância do paradigma destacando o seguinte trecho do voto-condutor:15
“a expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da CF), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gera-ções futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana. “
Por sua clareza, oportuno transcrever (na perspectiva de contribuir para sua repercussão e divul-gação) o trecho a seguir do acórdão paradigma que foi transcrito no voto da Ministra Relatora dos Embargos de Divergência:
“(...) Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos,
14. Transcrição parcial. 15. Páginas 10 e 11.
não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Bas-ta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da presBas-tação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis. A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos beneficiados incluir, direta ou reflexamente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada a cen-tenas ou milhares de necessitados, deixando-os à mingua diante de graves lesões de natureza supra individual. Nesse sentido, já decidiu o STJ que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ‘tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial’ (REsp 555.111/RJ, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, DJe 18.12.2006). Objeto da presente demanda, o direito à Educação é considerado questão da mais alta relevância, capaz de justificar a propositura da Ação Civil Pública, até mesmo pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso. Em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legiti-midade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente do STJ ampliasse essa legitimidade para o ancho campo da dignidade humana: ‘a legitimatio ad cau-sam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/2007, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais’”(REsp 1.106.515/MG, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 02.02.2011, grifei).”
3.2 Da Súmula 421 x Atualização da Lei Orgânica Nacional da Defensoria
Pública por meio da LC 132/2009
Um derradeiro ponto a se refletir é a decisão de que seria inviável o pagamento de honorários advo-catícios à Defensoria “nos casos em que o responsável pelo pagamento da verba é o ente federativo da qual a Defensoria faz parte, subsistindo confusão entre credor e devedor (art. 381 do CC).” Ocorre que a Defensoria Pública é órgão autônomo,16 o qual não pertence a qualquer pessoa
jurídi-ca de direito público, não há relação de subordinação. Ao contrário, em regra, existe um Fundo de Aparelhamento ativo do órgão que é justamente para onde se destinam os valores eventualmente
16. Segundo a decisão TJMS, Apelação Cível 2007.025343-7/0000-00, 3.ª Turma Cível, Desembar-gador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007, mencionada no artigo: vargas, Cirilo Augusto. Súmula 421 do STJ: um equívoco que persiste. Jus Navigandi, Teresina,
ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: [http://jus.com.br/revista/texto/14707]. Acesso em: 25.09.2012, com a autonomia, “a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do gover-no, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo”.
pagos a título de honorários, inexistindo qualquer confusão entre credor e devedor, como esclarece abaixo Cirilo Vargas:17
“Tudo indica que existe no aludido precedente do STJ uma imprecisão terminológica, que foi rati-ficada pela Súmula 421: órgão é entidade despersonalizada, não se discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalida-de jurídica. Impõe-se o reconhecimento personalida-de personalida-destinatários diversos personalida-de receitas: Estado membro (ou União Federal) e Defensoria Pública, estadual ou federal. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública perten-ce à Fazenda, estadual ou federal. [...] A Súmula 421 revela também um privilégio injustificável (e circunstancial) para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro e União Federal como credores dos honorários recolhidos pela Defensoria Pública somente quando são sucumbentes em causa patrocinada por Defensor Público”.
De fato, em 11 de março de 2010, foi aprovada a Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça – STJ com o seguinte teor:
“Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”.
Reforçam esse entendimento de inaplicabilidade da súmula e de perfeito cabimento do pagamento de honorários pela Fazenda Pública Estadual ou Federal alguns dispositivos da Lei Orgânica Defen-sorial atualizada pela LC 132/2009, entre os quais o que determina ser função institucional defen-sorial “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”.18
Verificando-se os precedentes apontados na Súmula 421, observa-se que todos eles são anteriores à LC 132/2009. Ou seja, a súmula parece ser incompatível com a Lei Orgânica Nacional da Defensoria. Inclusive, não se pode esquecer que é corolário da autonomia defensorial que suas funções ins-titucionais “serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”,19 e impedir
o recebimento dos honorários devidos nessas atuações acaba por alimentar “descaso estatal em relação às defensorias”.20
Dessa forma, a súmula parece carecer de aplicabilidade, posto que parte da premissa equivocada de que a Defensoria Pública pertence a pessoa jurídica de direito público, equívoco que certamente decorre da proximidade da sua aprovação (03/2010) com a vigência da LC 132/2009 (10/2009). Tanto que os precedentes jurisprudenciais que lhe deram sustentação foram obtidos antes da LC 132/2009.
17. Ob. cit. Disponível em: [http://jus.com.br/revista/texto/14707/sumula-no-421-do-stj-um-equi-voco-que-persiste#ixzz27RsySNSE].
18. Art. 4.º, XXI, da LONDP. 19. Art. 4.º, § 2.º, da LONDP.
20. Trecho do artigo Honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas: crítica à Súmula 421 do STJ, de Francisco Falconi. Disponível em: [http://franciscofalconi.wordpress.com/2012/06/07/ honorarios-sucumbenciais-das-defensorias-publicas-critica-a-sumula-421-do-stj/].
4. c
onclusão
O julgamento da Apelação Cível 0035539-14.2013.8.26.0053 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, portanto, é um passo importante na consolidação da compreensão de quem seja o “ne-cessitado de Justiça”, trazendo para a realidade do critério de atendimento da Defensoria Pública as sabias e oportunas lições sobre as dimensões de vulnerabilidade, as quais são imprescindíveis a que o acesso à Justiça possa realmente ser concretizado.
A decisão, assim, “sentiu” a realidade dos que necessitam de justiça em sua complexa realidade, pois, como nos lembra Carlos Ayres Britto, “[...] pois não se pode esquecer jamais que o próprio substanti-vo ´sentença´ vem do verbo sentir (é da poetisa Adélia Prado o juízo de que ´o olhar amoroso sobre as coisas descobre um sentido daquilo, na perspectiva final do sentido da vida’).”
5. r
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