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Veja também Doutrina. Tribunal de Justiça de São Paulo

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TJSP –

Ap 0035539-14.2013.8.26.0053 – 6.ª Câm. Direito

Público – j. 14.09.2015 – v.u. – rel. Des. Leme de Campos

– Área do Direito: Administrativo; Imobiliário e Registral.

LICITAÇÃO – Nulidade – Ocorrência – Leilão de terreno doado à

Fazen-da Pública – Área pública ocupaFazen-da para fins de moradia – Interesse Fazen-da

comunidade local que deve ser resguardado em detrimento a eventuais

prejuízos financeiros suportados pelo poder público.

Veja também Doutrina

• A função social dos imóveis públicos à luz do direito urbanístico, de Felipe Mêmolo Portela – RTSP 5-6/281 (DTR\2014\18597);

• Direito real de uso – Transferência do direito de construir no estatuto da cidade, direi-to à terra urbana, o aparecimendirei-to das favelas, função social da propriedade, a MedProv 2.220/2001, a desafetação e a ordem urbanística, de Rômolo Russo Júnior – RDI 55/113 (DTR\2003\368);

• Estatuto da cidade e a função social da propriedade, de Regina Maria Macedo Nery Ferrari – RT 867/52 (DTR\2008\126); e

• Política urbana e a questão habitacional, de Maria Garcia – RDCI 22/72 (DTR\1998\524);

ACÓRDÃO – Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ap

0035539-14.2013.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Fazenda do

Esta-do de São Paulo, é apelaEsta-do Defensoria Pública Esta-do EstaEsta-do de São Paulo.

Acordam, em 6.ª Câm. de Direito Público do TJSP, proferir a seguinte decisão:

“Deram provimento parcial ao recurso, com rejeição da matéria preliminar, nos

termos do voto do E. relator. V.U. Sustentaram oralmente o Dr. Hamilton Neto

Funchal e a Dra. Amanda de Moraes Modotti”, de conformidade com o voto do

relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Maria Olívia

Alves (presidente sem voto), Sidney Romano dos Reis e Reinaldo Miluzzi.

(2)

ApCiv 0035539-14.2013.8.26.0053 – São Paulo.

Apelante: Fazenda Pública do Estado de São Paulo.

Apelada: Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Juíza prolatora: Alexandra Fuchs de Araújo.

Voto 25.157.

Ementa:

1NE

Cerceamento de defesa – Inexistência – Desnecessidade da

dila-ção probatória almejada – Inexistência de motivadila-ção deficiente. Ilegitimidade

ativa – Pertinência subjetiva da Defensoria para figurar no polo ativo da

pre-sente demanda – Preliminares afastadas.

Ação declaratória – Ocupação em área pública – Terreno doado ao Estado

de São Paulo e que se tornou objeto de concorrência pública – Necessidade de se

resguardar o interesse da comunidade local (direito à moradia) em detrimento

de eventuais prejuízos financeiros a serem suportados pelo Poder Público –

Nu-lidade dos processos administrativos – Manutenção da sentença, neste ponto.

Honorários advocatícios – Confusão entre credor e devedor – Aplicação da

Sú-mula 421 do STJ – Exclusão da verba – Decisão alterada em parte. Recurso

parcialmente provido.

NE Nota do Editorial: O conteúdo normativo no inteiro teor do acórdão está disponibili-zado nos exatos termos da publicação oficial no site do Tribunal.

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omeNtÁrio

D

efeNsoria

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0035539-14.2013.8.26.0053 (tJsP)

resumo: Trata-se de comentário a

deci-são do Tribunal de Justiça de São Paulo, de setembro de 2015, em ação civil pú-blica proposta pela Defensoria Púpú-blica na proteção e defesa do direito à moradia. O acórdão expressa o entendimento de que a Defensoria “deve atuar não só em favor dos economicamente hipossuficientes, mas também daqueles que ostentam posição de vulnerabilidade organizacional e jurídica”, contribuindo a compreensão de que a fra-gilidade a exigir a atuação defensorial não é

apenas de ordem econômica ou financeira, o que repercute na defesa do consumidor. Os critérios para aferição das condições de atuação não podem ser largos a ponto de adentrar-se no campo de atuação da advo-cacia ou do Ministério Público, mas igual-mente não pode ser restrito a abandonar ou inviabilizar a defesa do portador de outras vulnerabilidades (tão bem lembradas pelo documento As 100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça) que sem a atuação de-fensorial continuaria necessitado do acesso

(3)

à Justiça. Na nossa compreensão, agiu com profícuo acerto o acórdão ao reconhecer e afirmar tal premissa de atuação; todavia, compreendemos equivocada a aplicação da Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, vez que, como demonstrado, ao que parece, os seus precedentes são anteriores a LC 132/2009 que alterou a LC 80/1994 (Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública)

e por meio do art. 4.º, XXI determinou ser sua função institucional “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos”.

Palavras-Chave: Defensoria Pública.

Vulne-rabilidade. Atuação coletiva. Justiça mate-rial. Súmula 421-STJ.

suMário: 1. O Acórdão – 2. Resumo do Caso – 3. Comentário: 3.1 Da legitimidade coletiva da

Defensoria Pública: 3.1.1 Os danos da pobreza transcendem o pobre: a Defensoria Pública interessa a ricos e pobres; 3.1.2 Das dimensões da vulnerabilidade e as “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça”; 3.1.3 O significado de “ausência de recursos”: a neces-sidade do diálogo entre art. 5.º, LXXIV e o art. 134 da CF; 3.1.4 Da coerência do acórdão em análise com julgamento do Supremo Tribunal Federal (2015) e do Superior Tribunal de Justiça (2015): a força da coerência em prol da efetividade material; 3.2 Da Súmula 421 x Atualização da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública por meio da LC 132/2009 – 4. Conclusão – 5. Referências.

1. o A

córdão

A ementa da ApCiv 0035539-14.2013.8.26.0053 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo diz o seguinte:

“Cerceamento de defesa – Inexistência – Desnecessidade da dilação probatória almejada – Ine-xistência de motivação deficiente. Ilegitimidade ativa – Pertinência subjetiva da Defensoria para figurar no polo ativo da demanda – Preliminares afastadas.

Ação declaratória – Ocupação em área pública – Terreno doado ao Estado de São Paulo e que se tornou objeto de concorrência pública – Necessidade de se resguardar o interesse da comunidade local (direito à moradia) em detrimento de eventuais prejuízos financeiros a serem suportados pelo Poder Público – Nulidade dos processos administrativos – Manutenção da sentença, neste ponto. Honorários Advocatícios – Confusão entre credor e devedor – Aplicação da Súmula 421 do STJ – Exclusão da verba – Decisão alterada em parte. Recurso parcialmente provido.”

A seguir, os comentários acerca dos pontos mais relevantes do julgado a repercutirem na defesa do consumidor.

2. r

esuMo

do

c

Aso

Trata-se de julgamento, pela 6.ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 14 de setembro de 2015, de apelação proposta pela Fazenda do Estado de São Paulo em face de sentença de proce-dência em Ação Civil Pública ajuizada pela Defensoria Pública de São Paulo na defesa do direito à moradia de diversas famílias a ocuparem imóveis pertencentes ao Estado de São Paulo, os quais fo-ram desapropriados em 1970 e atualmente, objeto de concorrência pública, não obstante servirem de moradia para diversas famílias hipossuficientes que preenchem os requisitos para Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia – Cuem.

(4)

Pretende, portanto, a Defensoria Pública, a nulidade dos “processos de licitação descritos na exor-dial consistentes na alienação de 60 (sessenta) imóveis pertencentes ao Estado de São Paulo”. A sentença proveu a pretensão autoral, reconhecendo a legitimidade coletiva da Defensoria Pública e garantindo-lhe o direito a honorários, ainda que da Fazenda Estadual.

O acórdão manteve a sentença com exceção do reconhecimento do direito da Defensoria Pública à honorários pagos pela Fazenda Pública Estadual.

3. c

oMentário

Em que pese a importância e utilidade do mérito da ação (direito à moradia e direito ao contraditó-rio em processo administrativo) o presente comentácontraditó-rio limitar-se a análise da legitimidade coletiva da Defensoria Pública e ao seu direito a honorários.

3.1 Da legitimidade coletiva da Defensoria Pública

O acórdão é expresso ao concluir que “A Defensoria Pública deve atuar não só em favor dos eco-nomicamente hipossuficientes, mas também daqueles que ostentam posição de vulnerabilidade organizacional e jurídica”, deixando claro que a “a atividade institucional do órgão vai muito além da assistência jurídica apenas àqueles que não dispõem de recursos financeiros” vez que “inexiste limitação constitucional quanto à possibilidade da Defensoria atuar na defesa de interesses cole-tivos, sendo certo que a LC 132/2009 veio justamente para reafirmar esta possibilidade (vide nova redação dada ao art. 40 da LC 80/1994).”

Neste sentido, importante lembrar que, ao lado da sedimentação da possibilidade e necessidade de atuação coletiva por parte da doutrina1 e da jurisprudência,2 tal evolução também se fez notar na

esfera normativa estrita: (a) primeiro, ainda em 1990, com o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/1990); (b) depois, com a Lei 11.448/2007 que alterou a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985); (c) para em seguida ser reafirmada com a LC 132/2009 que atualizou a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994), (d) com alteração do texto constitucio-nal por meio da Emenda Constitucioconstitucio-nal 80/2014 e ainda com (e) o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).

Desta feita, para melhor compreensão da Justiça da decisão, o presente comentário inicialmente abordará a repercussão coletiva lato sensu da Defensoria Pública enquanto instituição constitucio-nal; para logo em seguida analisar-se a diretriz internacional contida nas “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça” sobre vulnerabilidade e então, analisar a coerência do julgado em analise com posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, faz-se uma reflexão sobre a possibilidade de equivoco da Súmula 421 diante da LC 132 que modifi-cou a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (LC 80/1994).

1. Na doutrina destaca-se parecer da Professora Ada Pellegrini Grinover, o qual encontra-se pu-blicado na obra sousa, José Augusto de Sousa. Uma nova Defensoria Pública pede passagem:

reflexões sobre a Lei Complementar 132/2009, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2011. p. 473-491. 2. Na jurisprudência destaca-se a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 3943 (07.05.2015)

(5)

3.1.1 Os danos da pobreza transcendem o pobre: a Defensoria Pública

interessa a ricos e pobres

Quanto maior a vulnerabilidade, maior deve ser a efetiva proteção para que se possam cumprir os compromissos assumidos com os direitos humanos e com o próprio Estado Democrático de Direito, em benefício de toda a sociedade, meta para cujo cumprimento a Defensoria Pública tem uma contribuição importante, pois como lembra José Augusto Garcia, “assim como o sistema processual, caracteriza-se a Defensoria Pública pela meta de atuar dinamicamente o ordenamento jurídico--constitucional, a este conferindo efetividade”.3

Onde estiver, direta ou indiretamente, direito ou interesse de pessoa em condição de vulnerabilida-de, estará a legitimidade – e necessidade – de atuação da Defensoria. E a fragilidade de quem quer que seja acaba por influir na realidade de todos, inclusive do não vulnerável.

Neste sentido, importante lembrar que a vida contemporânea não permite visão fragmentada da realidade e a garantia de um mínimo de direitos a todos os humanos, em maior ou menor in-tensidade, consciente ou inconscientemente, interessa a todos, ricos e pobres, vulneráveis e não vulneráveis. As agressões às pessoas em condição de vulnerabilidade, a bem da indivisibilidade e interdependência da humanidade, refletem-se em diversos setores e, para bem compreender essa ligação, vem se afirmando, por várias frentes, da física quântica a questões ambientais,4 pois, “[...]

em última análise, todos dependemos de todos, e a sorte de cada um está inexoravelmente ligada a sorte dos demais”.5

Cuidar da pessoa em condição de vulnerabilidade é também cuidar de quem é poderoso. Estamos em uma etapa em que precisamos solidificar instrumentos capazes de garantir a dignidade humana, aproximar a normatividade da realidade, a prática da teoria, quem pensa o Direito de quem os rea-liza, de pautar adequadamente os Tribunais com a tradução correta e real das verdadeiras aflições das pessoas em condição de vulnerabilidade para que se possa “atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”.6

A decisão em análise é um concreto exemplo desta interligação e repercussão: embora originária de uma ação dirigida ao Poder Público e com foco no direito à moradia enquanto política pública o seu fundamento serve a variadas outras dimensões de concretização de direitos vez que explicita que a desigualdade a justificar a atuação do Estado por meio da Defensoria Pública não se exaure na perspectiva fática ou econômica, como inclusive já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na análise das dimensões da vulnerabilidade do consumidor.

3. souza, José Augusto Garcia de. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria

Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da LC 132/2009) a visão individualista a respeito da instituição? Revista Forense, São Paulo, 2010, vol. 408, p. 167.

4. Para citar apenas um, entre muitos exemplos, é do desrespeito e da desigualdade que nasce a violência urbana. Então nem que seja para proteger o seu próprio filho, é preciso olhar para o direito do outro.

5. trindade, Antonio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del

Rey, 2006. p. 9.

6. caPPelletti, Mauro; garth, Brian. Acesso à justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto

(6)

3.1.2 Das dimensões da vulnerabilidade e as “100 Regras de Brasília para o

Acesso à Justiça”

A Cumbre Judicial Ibero-americana é uma articulação das instâncias máximas do Poder Judiciário da região ibero-americana. Reúne os Presidentes dos Tribunais e Cortes Supremas de Justiça e dos Conselhos de Magistratura dos países ibero-americanos e tem por um dos objetivos promover o desenvolvimento de políticas que tendam a facilitar o acesso à Justiça. Um dos resultados da atua-ção da Cumbre Judicial Ibero-americana foi a aprovaatua-ção das 100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade, as quais têm como principal destinatário os poderes públicos para que possam garantir o acesso e a todos os servidores e operadores do sistema de Justiça para que possam conferir às pessoas vulneráveis o tratamento adequado.7

O principal aspecto desse documento a interessar a presente análise está na definição dos benefi-ciários das regras através do conceito das pessoas em condição de vulnerabilidade, qual seja: “(3) Se consideran en condición de vulnerabilidad aquellas personas que, por razón de su edad, género, estado físico o mental, o por circunstancias sociales, económicas, étnicas y/o culturales, en-cuentran especiales dificultades para ejercitar con plenitud ante el sistema de justicia los derechos reconocidos por el ordenamiento jurídico.

(4) Podrán constituir causas de vulnerabilidad, entre otras, las siguientes: la edad, la discapacidad, la pertenencia a comunidades indígenas o a minorías, la victimización, la migración y el desplaza-miento interno, la pobreza, el género y la privación de libertad.

La concreta determinación de las personas en condición de vulnerabilidad en cada país dependerá de sus características específicas, o incluso de su nivel de desarrollo social y económico.”

Registre-se que a compreensão das dimensões da vulnerabilidade já era tratada implicitamente na jurisprudência da CorteIDH, como se vê adiante:

“[...] 112. Generalmente los migrantes se encuentran en una situación de vulnerabilidad como su-jetos de derechos humanos, en una condición individual de ausencia o diferencia de poder con respecto a los no-migrantes (nacionales o residentes). Esta condición de vulnerabilidad tiene una dimensión ideológica y se presenta en um contexto histórico que es distinto para cada Estado, y es mantenida por situaciones de jure (desigualdades entre nacionales y extranjeros en las leyes) y de facto (desigualdades estructurales). Esta situación conduce al establecimiento de diferencias en el acceso de unos y otros a los recursos públicos administrados por el Estado.

113. Existen también prejuicios culturales acerca de los migrantes, que permiten la reproducción de las condiciones de vulnerabilidad, tales como los prejuicios étnicos, la xenofobia y el racismo, que dificultan la integración de los migrantes a la sociedad y llevan la impunidad de las violaciones de derechos humanos cometidas en su contra”.8

No mesmo sentido é o conceito de “racismo ambiental”, assim compreendido como “as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e sobre outras comunidades, discriminadas por sua ‘raça’, origem ou cor”.9 Se para a cura o primeiro passo

7. Informações extraídas de: [http://www.cumbrejudicial.org/web/guest/resultados_de_cumbre]. 8. Trata-se da Opinión Consultiva oc-18/03 de 17 de septiembre de 2003 sobre a Condición

Ju-rídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados. Disponível em: [http://www.corteidh.or.cr/ docs/opiniones/seriea_18_esp.pdf].

(7)

é o diagnóstico, para a Justiça não é diferente: compreender esses “pontos de partidas” é essencial para a concretização do acesso à Justiça.

Muitas vezes tem-se a cumulação de desigualdade, em que o aspecto econômico é apenas mais um lado a ser considerado, mas não é o único. Há casos, entretanto em que a lesão é justamente o impedimento de acesso aos recursos e não a inexistência deles, como muitas vezes acontece em casos de violência de gênero, como se verá no tópico seguinte.

Nesse sentido, inclusive, o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça em trecho a seguir transcrito:

“(...) A expressão “necessitados” deve ser interpretada de maneira mais ampla, não se restringin-do, exclusivamente, às pessoas economicamente hipossuficientes, que não possuem recursos para litigar em juízo sem prejuízo do sustento pessoal e familiar, mas sim a todos os socialmente vulneráveis”.10

O propósito, repita-se, não é abrir a porta e autorizar a atuação indiscriminada da Defensoria Pú-blica; mas ao contrário, é apenas não ignorar a vastidão de vulnerabilidade existente que, sem a atuação do Estado, através da Defensoria, permanecerá na invisibilidade, mas produzindo injustiças visíveis. Apenas, a bem da efetividade, busca-se não objetivar o que não pode ser objetivado, como se a dimensão da vida humana coubesse em compartimentos hermeticamente fechados.

Ressalte-se, que essa perspectiva difundida e consolidada pelas “100 Regras de Brasília para o Acesso à Justiça” foi compreendida e absorvida pelo MERCOSUL, que no art. 2.º da Recomendação Mercosur/CMC 01/2012 determina que cabe à Defensoria Pública a adoção de medidas de proteção às pessoas, que, por razão de sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias so-ciais, econômicas, étnicas e/ou culturais, se encontram em uma situação especial de vulnerabilidade para exercer com plenitude os direitos reconhecidos pelos ordenamentos jurídicos.

3.1.3 O significado de “ausência de recursos”: a necessidade do diálogo

entre art. 5.º, LXXIV e o art. 134 da CF

Por clara e evidente leitura dos arts. 5.º, LXXIV, e 134 da CF verifica-se que o Estado, através da Defensoria Pública, deve prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que por insuficiência de recursos tenham necessidade de acesso à Justiça.

A Constituição não restringiu a ausência de recursos à falta de recursos econômicos. E nem poderia fazê-lo sob pena de incongruência com seus próprios princípios, pois estes determinam a igualdade a todos os necessitados de Justiça. Não se admite interpretação restritiva de direitos fundamentais. Sobre a questão, oportuna a leitura do entendimento de Frederico Rodrigues Viana de Lima:11

“A compreensão dos arts. 5.º, LXXIV, e 134, da CF, no entanto, deve ser feita não a partir de um exa-me literal, mas sim consoante um enfoque jurídico-teleológico. Com efeito, a junção das expressões insuficiência de recursos (art. 5.º, LXXIV, CF) e necessitado (art. 134, CF) não resulta obrigatoriamente na fórmula insuficiência de recursos econômicos. O sistema jurídico e a realidade social contempo-rânea apresentam outros tipos de necessidade e outras espécies de insuficiência de recursos que também reclamam especial proteção do Estado” (sem destaque no original).

10. Trecho da decisão em AREsp 50212, Ministro Herman Benjamin, data da publicação 24.10.2011, Agravo em Recurso Especial 50.212 – RS (2011/0135599-5).

(8)

E prossegue exemplificando:

“Basta imaginar a situação vivenciada pelo réu no processo penal, o qual deve obrigatoriamente ter assistência técnica, seja ele carente ou não, uma vez que somente a autodefesa não se harmoniza com os princípios albergados pela Constituição. Em circunstâncias como esta, é possível identificar uma espécie de insuficiência de recursos (técnicos) que é responsável por produzir uma específica necessidade (jurídica). A insuficiência não é de recursos econômicos e, por conseguinte, a neces-sidade não é de ordem financeira. Sob este enfoque, a insuficiência de recursos e a necesneces-sidade expressam um universo muito mais abrangente que a mera incapacidade financeira, englobando outras situações também carecedoras de auxílio.”

Essa interpretação não significa que a Defensoria pode atender tudo e todos, que o acesso, tal qual à educação e saúde (CF, art. 205), é universal. Há o espaço igualmente constitucional destinado à ad-vocacia, que deve ser respeitado (é como diz o ditado popular: “se se quer respeito é preciso respei-tar”). O que se quer que se compreenda é que a necessidade não advém exclusivamente de questões econômicas, mas de outras questões de vulnerabilização do ser humano a que o Estado não pode se furtar de enxergar e proteger: se o Estado, através da Defensoria, não cuidar dessas situações, elas continuarão, na sua invisibilidade, produzindo visíveis injustiças, pois a ausência de recursos lhes impede de contratar advogado ou muitas vezes de simplesmente conhecer seus direitos.

O necessitado de Justiça é, pois, quem, por sua condição de vulnerabilidade, não tem acesso aos re-cursos necessários à sua defesa. A missão constitucional da Defensoria Pública é garantir o acesso à Justiça aos necessitados, assim compreendidos como aqueles que por circunstâncias sociais, econô-micas, sexuais, étnicas e/ou culturais, não têm acesso aos recursos para exercitar com efetividade os seus direitos. Os recursos, portanto, não são apenas os econômicos, mas também os organizacionais ou jurídicos, por exemplo.

3.1.4 Da coerência do acórdão em análise com julgamento do Supremo

Tribunal Federal (2015) e do Superior Tribunal de Justiça (2015): a

força da coerência em prol da efetividade material

Há uma frase, atribuída a Vivante, que os “raios já delimitavam os círculos antes de serem chamados de raios”. A coerência e verdade tem várias formas de manifestação, difundindo-se naturalmente. Assim é que, não obstante tenham existido questionamentos de ordem constitucional e infracons-titucional, a legitimidade coletiva da Defensoria Pública encontra-se ratificada por aqueles a quem cabe a uniformização da interpretação constitucional e infraconstitucionais, Supremo Tribunal Fe-deral e Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.

3.1.3.1 Da ADIN 3943

No plano constitucional, por meio da ADIn 3943 proposta em 16.08.2007 e julgada em 07.05.2015, o Supremo Tribunal Federal, destacando que a atuação coletiva da Defensoria Pública “vem se con-solidando desde o reconhecimento da respectiva legitimidade para ajuizar ação civil pública”12 e que

a Emenda Constitucional 80/2014 sobreveio como “reforço máximo da incontestável legitimidade construída pela Defensoria Pública no Brasil, resultado de trabalho responsável e incessante na de-fesa dos que muito necessitam – em especial da dignidade apregoada no art. 1.º da Constituição da

(9)

República – e normalmente não têm a quem se socorrer quando o desafio é fazer valer os próprios direitos e deveres.”,13 sendo entretanto, a constitucionalidade evidente mesmo antes da EC 80/2014,

a qual “coerente com as novas tendências e crescentes demandas sociais , confirma o movimento surgido na década de 1960 de ampliação de garantia de acesso integral à Justiça.”, vez que qualquer interpretação restritiva deporia contra a concretização do acesso à Justiça, como se vê adiante: “(...) A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-se-lhe a legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública?

A quem interessaria restringir ou limitar, aos parcos instrumentos da processualística civil, a tutela dos hipossuficientes (tônica dos direitos difusos e individuais homogêneos do consumidor, por-tadores de necessidades especiais e dos idosos)? A quem interessaria limitar os instrumentos e as vias assecuratórias de direitos reconhecidos na própria Constituição em favor dos desassistidos que padecem tantas limitações? Por que apenas a Defensoria Pública deveria ser excluída do rol do art. 5.º da Lei 7.347/1985?

A ninguém comprometido com a construção e densificação das normas que compõem o sistema constitucional de Estado Democrático de Direito.

(...)

Condicionar a atuação da Defensoria Pública à comprovação prévia da pobreza do público-alvo diante de situação justificadora do ajuizamento de ação civil pública (conforme determina a Lei 7.347/1985) parece-me incondizente com princípios e regras norteadores dessa instituição per-manente e essencial à função jurisdicional do Estado, menos ainda com a norma do art. 3º da Constituição da República.”

Do inteiro teor do acórdão, destacam-se as seguintes citações, respectivamente, dos Professores José Afonso da Silva e Ada Pellegrini Grinover:

“Nem sempre o conceito de “insuficiência” pode ser definido a priori. O caso, a situação jurídica concreta, especialmente quando se trate de defesa em juízo, é que vão indicar se o interessado está ou não em condições de organizar a defesa de seus direitos por conta própria. Não é necessário que o interessado seja absolutamente desprovido de recursos, seja miserável” (silva, José Afonso da.

Comentário contextual à Constituição. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 173).

“nesse amplo quadro, delineado pela necessidade de o Estado propiciar condições, a todos, de amplo acesso à justiça [evidencia a importância d]a garantia da assistência judiciária. E ela também toma uma dimensão mais ampla, que transcende o seu sentido primeiro, clássico e tradicional. Quando se pensa em assistência judiciária, logo se pensa na assistência aos necessitados, aos economicamente fracos, aos minus habentes. E este, sem dúvida, o primeiro aspecto da assistência judiciária: o mais premente, talvez, mas não o único. Isso porque existem os que são necessitados no plano econômi-co, mas também existem os necessitados do ponto de vista organizacional. Ou seja, todos aqueles que são socialmente vulneráveis: os consumidores, os usuários de serviços públicos, os usuários de planos de saúde, os que queiram implementar ou contestar políticas públicas, como as atinentes à saúde, à moradia, ao saneamento básico, ao meio ambiente etc.

(...)

Assim, mesmo que se queira enquadrar as funções da Defensoria Pública no campo da defesa dos necessitados e dos que comprovarem insuficiência de recursos, os conceitos indeterminados da Constituição autorizam o entendimento - aderente à ideia generosa do amplo acesso à justiça - de

(10)

que compete à instituição a defesa dos necessitados do ponto de vista organizacional, abrangendo portanto os componentes de grupos, categorias ou classes de pessoas na tutela de seus interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos” (fls. 1198-1200).”14

Inclusive, a decisão em análise tem o julgamento da ADIn 3943 como um de seus fundamentos.

3.1.3.2 Dos embargos de divergência em REsp 1.119.577 – RS

Enquanto o Supremo Tribunal Federal analisou, como visto, questão em tese, o Superior Tribunal de Justiça, julgou caso concreto de atuação da Defensoria Pública na defesa de usuários de plano de saúde e a questão a ser respondida foi: a coletividade usuária de plano de saúde pode ser defendida pela Defensoria Pública?

O caminho delineado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ na análise da questão foi peculiar: inicialmente, no julgamento do REsp 119577/RS em 15.05.2014, o STJ entendeu que “em se tratan-do de interesses coletivos em sentitratan-do estrito ou individuais homogêneos, diante de grupos deter-minados de lesados, a legitimação deverá ser restrita às pessoas notadamente necessitadas.” por concluir “ao optar por contratar plano particular de saúde, parece intuitivo que não se está diante de consumidor que possa ser considerado necessitado a ponto de ser patrocinado, de forma coletiva, pela Defensoria Pública. Ao revés, trata-se de grupo que ao demonstrar capacidade para arcar com assistência de saúde privada evidencia ter condições de suportar as despesas inerentes aos serviços jurídicos de que necessita, sem prejuízo de sua subsistência, não havendo falar em necessitado.” A Defensoria Pública do Rio Grande do Sul – DPRS, autora da respectiva ação coletiva, opôs embar-gos de divergência, o qual fora julgado em 21.10.2015.

Para dirimir a dúvida (vez que a DPRS apresentou vários julgados do STJ afirmando a legitimidade), a Corte Especial do STJ, considerou a relevância do paradigma destacando o seguinte trecho do voto-condutor:15

“a expressão ‘necessitados’ (art. 134, caput, da CF), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gera-ções futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, ‘necessitem’ da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana. “

Por sua clareza, oportuno transcrever (na perspectiva de contribuir para sua repercussão e divul-gação) o trecho a seguir do acórdão paradigma que foi transcrito no voto da Ministra Relatora dos Embargos de Divergência:

“(...) Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos,

14. Transcrição parcial. 15. Páginas 10 e 11.

(11)

não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Bas-ta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da presBas-tação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis. A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos beneficiados incluir, direta ou reflexamente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada a cen-tenas ou milhares de necessitados, deixando-os à mingua diante de graves lesões de natureza supra individual. Nesse sentido, já decidiu o STJ que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ‘tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial’ (REsp 555.111/RJ, 3.ª T., rel. Min. Castro Filho, DJe 18.12.2006). Objeto da presente demanda, o direito à Educação é considerado questão da mais alta relevância, capaz de justificar a propositura da Ação Civil Pública, até mesmo pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso. Em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legiti-midade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente do STJ ampliasse essa legitimidade para o ancho campo da dignidade humana: ‘a legitimatio ad cau-sam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/2007, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais’”(REsp 1.106.515/MG, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 02.02.2011, grifei).”

3.2 Da Súmula 421 x Atualização da Lei Orgânica Nacional da Defensoria

Pública por meio da LC 132/2009

Um derradeiro ponto a se refletir é a decisão de que seria inviável o pagamento de honorários advo-catícios à Defensoria “nos casos em que o responsável pelo pagamento da verba é o ente federativo da qual a Defensoria faz parte, subsistindo confusão entre credor e devedor (art. 381 do CC).” Ocorre que a Defensoria Pública é órgão autônomo,16 o qual não pertence a qualquer pessoa

jurídi-ca de direito público, não há relação de subordinação. Ao contrário, em regra, existe um Fundo de Aparelhamento ativo do órgão que é justamente para onde se destinam os valores eventualmente

16. Segundo a decisão TJMS, Apelação Cível 2007.025343-7/0000-00, 3.ª Turma Cível, Desembar-gador Relator Oswaldo Rodrigues de Melo, julgamento em 17.09.2007, mencionada no artigo: vargas, Cirilo Augusto. Súmula 421 do STJ: um equívoco que persiste. Jus Navigandi, Teresina,

ano 15, n. 2482, 18 abr. 2010. Disponível em: [http://jus.com.br/revista/texto/14707]. Acesso em: 25.09.2012, com a autonomia, “a instituição deixou de ser um simples órgão auxiliar do gover-no, passando a ser órgão constitucional independente, sem qualquer subordinação ao Poder Executivo”.

(12)

pagos a título de honorários, inexistindo qualquer confusão entre credor e devedor, como esclarece abaixo Cirilo Vargas:17

“Tudo indica que existe no aludido precedente do STJ uma imprecisão terminológica, que foi rati-ficada pela Súmula 421: órgão é entidade despersonalizada, não se discute. Todavia, se o órgão é autônomo (como, no caso, a Constituição afirma ser), pouco importa a ausência de personalida-de jurídica. Impõe-se o reconhecimento personalida-de personalida-destinatários diversos personalida-de receitas: Estado membro (ou União Federal) e Defensoria Pública, estadual ou federal. Pensar o contrário é concordar com a absurda tese de que toda e qualquer verba honorária fixada em prol da Defensoria Pública perten-ce à Fazenda, estadual ou federal. [...] A Súmula 421 revela também um privilégio injustificável (e circunstancial) para a Fazenda Pública, pois trata o Estado membro e União Federal como credores dos honorários recolhidos pela Defensoria Pública somente quando são sucumbentes em causa patrocinada por Defensor Público”.

De fato, em 11 de março de 2010, foi aprovada a Súmula 421 do Superior Tribunal de Justiça – STJ com o seguinte teor:

“Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença”.

Reforçam esse entendimento de inaplicabilidade da súmula e de perfeito cabimento do pagamento de honorários pela Fazenda Pública Estadual ou Federal alguns dispositivos da Lei Orgânica Defen-sorial atualizada pela LC 132/2009, entre os quais o que determina ser função institucional defen-sorial “executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação, inclusive quando devidas por quaisquer entes públicos, destinando-as a fundos geridos pela Defensoria Pública e destinados, exclusivamente, ao aparelhamento da Defensoria Pública e à capacitação profissional de seus membros e servidores”.18

Verificando-se os precedentes apontados na Súmula 421, observa-se que todos eles são anteriores à LC 132/2009. Ou seja, a súmula parece ser incompatível com a Lei Orgânica Nacional da Defensoria. Inclusive, não se pode esquecer que é corolário da autonomia defensorial que suas funções ins-titucionais “serão exercidas inclusive contra as Pessoas Jurídicas de Direito Público”,19 e impedir

o recebimento dos honorários devidos nessas atuações acaba por alimentar “descaso estatal em relação às defensorias”.20

Dessa forma, a súmula parece carecer de aplicabilidade, posto que parte da premissa equivocada de que a Defensoria Pública pertence a pessoa jurídica de direito público, equívoco que certamente decorre da proximidade da sua aprovação (03/2010) com a vigência da LC 132/2009 (10/2009). Tanto que os precedentes jurisprudenciais que lhe deram sustentação foram obtidos antes da LC 132/2009.

17. Ob. cit. Disponível em: [http://jus.com.br/revista/texto/14707/sumula-no-421-do-stj-um-equi-voco-que-persiste#ixzz27RsySNSE].

18. Art. 4.º, XXI, da LONDP. 19. Art. 4.º, § 2.º, da LONDP.

20. Trecho do artigo Honorários sucumbenciais das Defensorias Públicas: crítica à Súmula 421 do STJ, de Francisco Falconi. Disponível em: [http://franciscofalconi.wordpress.com/2012/06/07/ honorarios-sucumbenciais-das-defensorias-publicas-critica-a-sumula-421-do-stj/].

(13)

4. c

onclusão

O julgamento da Apelação Cível 0035539-14.2013.8.26.0053 pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, portanto, é um passo importante na consolidação da compreensão de quem seja o “ne-cessitado de Justiça”, trazendo para a realidade do critério de atendimento da Defensoria Pública as sabias e oportunas lições sobre as dimensões de vulnerabilidade, as quais são imprescindíveis a que o acesso à Justiça possa realmente ser concretizado.

A decisão, assim, “sentiu” a realidade dos que necessitam de justiça em sua complexa realidade, pois, como nos lembra Carlos Ayres Britto, “[...] pois não se pode esquecer jamais que o próprio substanti-vo ´sentença´ vem do verbo sentir (é da poetisa Adélia Prado o juízo de que ´o olhar amoroso sobre as coisas descobre um sentido daquilo, na perspectiva final do sentido da vida’).”

5. r

eFerênciAs

caPPelletti, Mauro; garth, Brian. Acesso à justiça. Traduzido por Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2002.

liMa, Frederico Rodrigues Viana. Defensoria pública. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

sousa, José Augusto de Sousa. Uma nova Defensoria Pública pede passagem: reflexões sobre a Lei

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______. A Defensoria Pública e os Processos Coletivos: comemorando a Lei Federal 11.448, de 15 de janeiro de 2007.

______. O destino de Gaia e as funções constitucionais da Defensoria Pública: ainda faz sentido (sobretudo após a edição da LC 132/2009) a visão individualista a respeito da instituição? Revista Forense, São Paulo, 2010.

trindade, Antonio Augusto Cançado. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del

Rey, 2006.

Weis, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

a

mélia

s

oaresDa

r

oCha Professora na Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Defensora Pública do Estado do Ceará. amelia.rocha@uol.com.br

Trata-se de ação ordinária ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São

Paulo em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, em que a autora

pre-tende a declaração de nulidade dos processos de licitação descritos na exordial.

A r. sentença de f., cujo relatório se adota, julgou procedentes os pedidos,

fa-cultando-se aos moradores e possuidores o contraditório e a ampla defesa na esfera

administrativa. Despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados

em 10% do valor atribuído à causa, a encargo da ré.

(14)

Recorre a Fesp (f.), postulando pela reforma do julgado. Invoca,

preliminar-mente, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa e motivação deficiente,

bem como a ilegitimidade ativa da Defensoria. Indica a prescrição do direito de

concessão de uso especial. No mérito, aduz o seguinte: (i) inconstitucionalidade

da previsão legal na qual se funda a pretensão da autora; (ii) os possuidores

assina-ram termos de permissão de uso com o DER, de modo que a ocupação é precária,

não havendo prova de que a posse ocorreu de forma ininterrupta e sem oposição,

requisito necessário para a concessão da benesse; (iii) alguns dos imóveis

ultra-passam o limite de 250 m e outros estão ocupados por comerciantes e residentes

unifamiliares de classe média, o que não se coaduna com as exigências impostas

pela MedProv 2.220/2001; (iv) a avaliação do preenchimento de todos os

pressu-postos necessários para o reconhecimento desta espécie excepcional de usucapião

demanda análise individualizada de cada ocupante, o que não foi feito, no caso;

(v) em se tratando de bem público, há mera detenção, que não merece proteção

possessória; (vi) o procedimento administrativo é regular, pois observou-se a

pu-blicidade; (vii) a suspensão dos certames de concorrência compromete a agenda e

o orçamento do Poder Público, causando lesão à ordem e economia públicas.

Res-salta, por fim, a impossibilidade do Estado ser condenado a título de honorários

advocatícios em demanda ajuizada pela Defensoria Pública, que compõe a mesma

pessoa jurídica de direito público (Súmula 421 do STJ).

Contrarrazões às f.

Manifestação da PGJ às f.

É o relatório.

Trata-se de ação ordinária ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São

Paulo em face da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, em que a autora

preten-de a preten-declaração preten-de nulidapreten-de dos processos preten-de licitação preten-descritos na exordial

consis-tentes na alienação de 60 (sessenta) imóveis pertencentes ao Estado de São Paulo.

Registra a autora que, em meados de 1970, o DER (autarquia estadual)

desa-propriou inúmeros terrenos nos bairros do Brooklin e Campo Belo para a

cons-trução de anel viário, tendo sido o local ocupado por diversas famílias, ante a não

realização da obra. No ano de 2006, tais imóveis foram doados para o Estado de

São Paulo, sendo que, agora, são objeto de concorrência pública. Sustenta que

diversas famílias hipossuficientes residem no local, sendo hipótese de concessão

especial para fins de moradia. No mais, aduz a irregularidade dos procedimentos

administrativos, os quais tramitaram sem a instauração de contraditório em favor

dos moradores, que só ficaram sabendo do ato 15 dias antes do leilão.

O recurso merece prosperar em parte.

Inicialmente, afasta-se as preliminares invocadas pela Fesp.

No que toca ao cerceamento de defesa, tem-se que a questão versada nos autos

diz respeito à matéria de fato e de direito, já devidamente comprovadas pelos

(15)

ele-mentos produzidos, podendo as demais provas serem dispensadas pela

magistra-da, se desnecessárias, sendo cabível a prolação da sentença desde logo.

Nesse esteio, é assente a jurisprudência de nossos tribunais:

“A tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos

que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões

determinan-tes de decisão, como limideterminan-tes ao livre convencimento do Juiz, que deve formá-lo

com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese

em que não há que se falar cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da

lide”, e que “o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide,

desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao

constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força

pro-bante para nortear e instruir seu entendimento” (REsp 102303/PE, rel. Min.

Vi-cente Leal, DJ 17.05.1999). (grifou-se).

E está correto a insigne julgadora de primeiro grau, pois os elementos trazidos

a lume na presente situação são suficientes à formação de juízo acerca do mérito

do litígio, sendo absolutamente despiciendas outras provas para a solução do caso

em apreço.

Veja-se que o julgado não partiu de alegações unilaterais, mas de elementos

processuais.

Neste ponto, em especial, há prova acerca da hipossuficiência dos moradores

locais e do longo período de habitação (conforme Relatório de Vistoria de f.;

Pare-cer Técnico Socioeconômico de f.; e fotos de f.).

Assim, não há se falar em cerceamento de defesa se a magistrada a quo,

conven-cida plenamente pelo conjunto probatório contido nos autos, considerou

dispen-sável para o julgamento da causa a dilação probatória.

Quanto à ilegitimidade ativa, melhor sorte não assiste à apelante.

A Defensoria Pública deve atuar não só em favor dos economicamente

hipossu-ficientes, mas também daqueles que ostentam posição de vulnerabilidade

organi-zacional e jurídica.

E isso, vale dizer, decorre da interpretação que deve ser dada ao conceito de

“necessitados” (contido no art. 134 da CF/1988), donde se extrai que a atividade

institucional do órgão vai muito além da assistência jurídica apenas àqueles que

não dispõem de recursos financeiros.

Ora, inexiste limitação constitucional quanto à possibilidade da Defensoria

atuar na defesa de interesses coletivos, sendo certo que a LC 132/2009 veio

justa-mente para reafirmar esta possibilidade (vide nova redação dada ao art. 4.º da LC

80/1994).

Não se olvide, ademais, a inovação trazida pela Lei 11.448/2007, que modificou

a redação do art. 5.º da LACP, assentando a legitimidade da Defensoria para ajuizar

ação civil pública.

(16)

Aliás, o STF, no dia 07 de maio deste ano, julgou improcedente a ADIn 3943,

proposta pela Conamp, que questionava justamente a constitucionalidade deste

dispositivo.

Agora, portanto, subsiste contexto legal e jurisprudencial no sentido de

viabili-zar a atuação do órgão para tutela de interesses coletivos, como já havia sinalizado

este E. Tribunal:

“Ação civil pública – Defensoria Pública – Legitimidade ativa – Inteligência

do art. 5.º da Lei 7.347/1985 – Precedentes – Ação que visa defesa de direitos de

pessoas de baixa renda – Vínculo com o objetivo da instituição – Recurso provido”

(Ap 994.09.258292-4, rel. Des. Luciana Bresciani, j. 10.03.2010).

Passa-se ao mérito da ação.

A controvérsia deve ser analisada a partir do direito fundamental à moradia,

principalmente considerando-se o cenário político atual, marcado por inúmeros

conflitos fundiários e pela precariedade habitacional.

Nesse sentido, de se ponderar que o Estado de São Paulo é proprietário dos

imóveis em questão desde 2006 e a concorrência pública ora questionada só veio

a acontecer no ano passado (2014).

A desídia, portanto, prevaleceu por mais de 8 anos, assertiva que deve ser

con-siderada quando confrontada com a expectativa daqueles que atribuíram função

social aos terrenos mencionados acima.

Veja-se, no espectro jurídico, que as teses da Fesp são infundadas.

A começar pela inconsistência do argumento relativo à prescrição da causa de

pedir. Entende a Fazenda que os moradores teriam o prazo de 5 anos, a partir da

vigência da MedProv 2.220/2001, para requerer a concessão de uso para fins

espe-ciais de moradia.

Nesse ponto, importante retificar a impropriedade técnica cometida pela

recor-rente, que invocou matéria de mérito (prescrição da causa de pedir) para sustentar

a carência da ação (pela impossibilidade jurídica do pedido).

A confusão, a bem da verdade, foi ocasionada pela própria fragilidade do

ar-gumento, uma vez que o lapso temporal imposto pelo art. 1.º da referida Medida

Provisória não tem relação com eventual perda do direito de ação, mas sim com o

tempo necessário para a obtenção da benesse.

É o que se depreende da leitura do dispositivo:

“Art. 1.º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco

anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros

quadra-dos de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou

de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em

relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário,

a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural”.

(17)

É dizer: se o requisito temporal for excedido como confessa a Fesp, ainda que

de forma implícita subsistirá fundamento jurídico para que se reconheça o

cum-primento da exigência em questão.

E que não se fale em inconstitucionalidade do ato normativo.

Ao que parece, a MedPrev 2.220/2001 veio apenas regulamentar instituto de

direito à moradia diante da previsão constitucional consubstanciada no art. 183

da CF/1988.

Sem se olvidar da impossibilidade de usucapião de imóveis públicos, há, de

outro lado, possibilidade de concessão de direitos reais sobre a posse destes bens,

mormente levando-se em conta que o caput do dispositivo constitucional

aponta-do não faz distinção entre áreas públicas e áreas privadas.

Sob este contexto, decidiu o Órgão Especial desta Corte pela constitucionalidade

da MP em apreço:

“Arguição de inconstitucionalidade – MedProv 2.220/2001 – Concessão de

uso especial para fins de moradia (Cuem) – Alegada vulneração ao art. 24, I, da

CF/1988 – Inocorrência contornos de verdadeira política pública de

abrangên-cia nacional – Dever do Estado-juiz de interpretá-lo conforme a constituição, a

prestigiar a correta narrativa da norma fundante, decorrente, in casu, de histórica

reivindicação dos movimentos pela reforma urbana – Situação fundiária do país

e, em especial, do Estado de São Paulo que desautoriza desregulamentação da

matéria – Perigo de repetição do que se observa no caso do direito de greve, na

medida em que inexistiria, de forma inequívoca, interesse em disciplinar assunto

que toca aspectos patrimoniais de enorme relevo de estados e municípios – Risco,

ademais, de ver vulnerado direito social fundamental, na medida em que a Cuem

representa uma das poucas hipóteses legais de regularização fundiária de

interes-se social em imóveis públicos urbanos – Precedentes doutrinários – Arguição de

inconstitucionalidade rejeitada – Afastada a questão de fundo preliminar,

rejeita--se arguição de inconstitucionalidade” (Arguição de Inconstitucionalidade 0041454

43.2012.8.26.0000, rel. designado Renato Nalini, j. 30.01.2013).

É bem verdade que o presente caso não exige o reconhecimento do direito

sub-jetivo das famílias residentes no local em relação ao Cuem; até porque a Defensoria

não fez qualquer pedido expresso nesse sentido.

Contudo, imperioso que este julgador se debruce sobre a questão, já que ela

compreende parte da causa de pedir da demanda, além de servir como fundamento

à aferição da regularidade dos processos administrativos de concorrência pública

(pretensão imediata).

Irretocável, aqui, a ponderação da magistrada singular ao afirmar que “(...) o

que se verifica nos autos, e que não foi negado pela ré, é que se buscou realizar

uma regularidade formal dos procedimentos licitatórios. Contudo, a regularidade

de um procedimento licitatório não pode ser reconhecida se através desta

regula-ridade se busca violar e atropelar direitos fundamentais.

(18)

Alega a Fesp que os moradores da área são meros ocupantes, que nunca

pos-suíram o imóvel como seu, uma vez que não é possível possuir com animus

do-minem um imóvel público. Ora, esta afirmativa é a negação da existência jurídica

do instituto da Cuem, cuja existência é real no mundo jurídico, e está previsto em

diversos diplomas legais.

Afirma a Fazenda do Estado que os ocupantes sabiam que eram meros

au-torizatários da área, e que tinham ciência de que exerciam a mera custódia dos

imóveis. Esta afirmativa não afasta a essência da posse exercida para fins de

reco-nhecimento do direito à Cuem: o fato é que construíram os imóveis, realizaram

benfeitorias, pagam luz, água e inclusive IPTU, com a ciência por parte do Estado

e do Município. (...)” (f. grifos nossos).

Em outras palavras, para julgar o pedido principal (tutela declaratória de

nuli-dade), é preciso abordar a situação social daqueles que seriam prejudicados com a

concorrência pública.

E é neste ponto que se rechaça a argumentação acerca da mera detenção dos

terrenos ocupados (imóveis públicos) ou do não preenchimento dos requisitos

necessários para a Cuem.

Não se trata, como visto, de analisar o cumprimento das exigências da

Me-dProv 2.220/2001, mas de ponderar as circunstâncias sociais atinentes ao embate.

Nesse sentir, este relator consignou em sede de cognição sumária que: “é de se

resguardar o interesse da comunidade local em detrimento de eventuais prejuízos

financeiros a serem suportados pelo Poder Público”. (f.).

Até porque, de acordo com as diretrizes impostas pelo Órgão Especial na já

mencionada Arguição de inconstitucionalidade 0041454-43.2012.8.26.0000,

sub-siste “responsabilidade política” do Poder Judiciário em face de interesses

ilegíti-mos da Administração.

Conforme consignado no julgamento da referida arguição: “(...) Por mais

para-doxal que pareça, os Estados e Municípios, em especial os mais ricos – a contrariar

o comando constitucional aqui enunciado – se beneficiam dos processos

especula-tivos imobiliários e com ele mantêm promíscua relação. (...)”.

Ao que parece, o Estado de São Paulo seguiu este caminho.

O ente estatal preocupou-se tão somente com a consolidação da concorrência

pública, deixando de lado as implicações sociais decorrentes disso.

Tanto é verdade que fez constar nos editais de licitação o seguinte: “O imóvel

encontra-se ocupado e serão de responsabilidade do comprador todas as

providên-cias e despesas necessárias para regularizar esta situação, especificamente quanto

à desocupação, não cabendo ao Estado qualquer responsabilidade ou qualquer

diligência relativamente a esta pendência” (confira-se, a título elucidativo, f.).

Em outras palavras, conjecturou-se a venda dos terrenos, previu-se a

desocupa-ção involuntária dos moradores e nada se ponderou em favor daqueles que seriam

desabrigados de uma hora para outra.

(19)

Os “despejos” forçados implicariam revogação indireta das permissões de uso

anteriormente concedidas pelo próprio Poder público; algumas delas, aliás,

exis-tentes desde a década de 80.

No mínimo, caberia à Administração Estadual elaborar estudo de impacto

so-cial, antevendo eventual situação de vulnerabilidade.

Mas não o fez.

Desta feita, conflitando-se os interesses sub judice, é de se priorizar a função

social da cidade e do bem-estar de seus habitantes.

A corroborar com esta linha de fundamentação:

“Apelação cível – Ação declaratória de concessão de uso especial para fins de

moradia – Invocação do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e dos arts. 182 e

183 da CF/1988 – Pedido de reconhecimento do direito à concessão especial de

uso, regulamentado pela MedProv 2.220/2001 – Sentença de procedência –

Re-curso da Municipalidade – Desprovimento de rigor. Concessão de uso especial

para fins de moradia – Imóvel público situado em área urbana habitado, por pelo

menos 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, com metragem inferior

a 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) – Possibilidade – Ausência de

pedido administrativo que não impede o reconhecimento judicial do direito (art.

5.º, XXXV, CF/1988) – Direito à moradia (art. 6.º, CF/1988) – Data prevista no

art. 1.º da MedProv 2.220/2001 (30.06.2001) que não impede a concessão

espe-cial de uso pelo Poder Público para outros períodos – Interpretação teleológica e

constitucional das exigências previstas na medida provisória. R. Sentença mantida.

Recurso desprovido” (Ap 0011400-95.2013.8.26.0053, rel. Des. Sidney Romano

dos Reis, j. 11.08.2014)

Ainda:

“Direito administrativo. Concessão de uso especial para fins de moradia. A falta

do pedido administrativo, previsto no art. 6.º da MedProv 2.220/2001, não

repre-senta óbice para a concessão de uso especial para fins de moradia na hipótese em

que a Administração tinha ciência inequívoca da situação dos autores, bem como

da necessidade de cumprir seu dever legal de promover a regularização fundiária

de seus imóveis. Interpretação teleológica e constitucional da exigência prevista na

lei. Sentença reformada. Recurso provido” (Ap 9281954-53.2008.8.26.0000, rel.

Des. Nogueira Diefenthäler, j. 02.06.2014).

De tudo isso, exsurge a nulidade dos processos administrativos.

A almejada concorrência haveria de ter sido formulada com base em debate

honesto com a população interessada. O processo deveria ter sido público, dotado

de caráter democrático e arquitetado sob a égide do devido processo legal (art. 5.º,

LIV, CF/1988).

Em contraposições a essas premissas, vê-se que algumas declarações juntadas

nos autos dão conta de que sequer houve a notificação dos moradores locais (f.).

(20)

Como bem observado pela Procuradoria Geral de Justiça, “(...) a ausência de

notificação de alguns moradores, ou, ainda, a notificação de alguns outros com

apenas 15 dias de antecedência da data do leilão dos imóveis, feriu não só os

pos-tulados do contraditório e da ampla defesa, como também violou o princípio da

proteção à confiança (...)” (f.).

Por último, de argumentar que não se cerceia o Direito do Poder Público em dar

a destinação que entender mais apropriada à área, pois sabe-se que a posse é precária,

em tese. Mas, para tal fim, necessita cumprir todos os requisitos necessários junto à

co-munidade, mormente a prévia informação às entidades familiares a serem removidas,

bem como assegurar-lhes o direito fundamental à moradia, constituindo um conselho

gestor para o pleno debate com essa comunidade.

Portanto, bem agiu a magistrada singular ao optar pela procedência da ação, de

modo que a sentença só merece retoque no que tange aos honorários advocatícios.

Com efeito, o percebimento de tal verba é inviável nos casos em que o

respon-sável pelo pagamento da verba é o ente federativo da qual a Defensoria faz parte,

subsistindo confusão entre credor e devedor (art. 381 do CC/2002).

Neste sentido, foi editada a Súmula 421 do STJ, segundo a qual: “Os honorários

advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa

jurídica de direito público à qual pertença”.

Veja:

“Execução de honorários advocatícios sucumbenciais – Improcedência dos

embargos opostos pela Fazenda Estadual decretada em primeiro grau – Hipótese,

todavia, em que realmente não cabe a condenação em honorários advocatícios nas

demandas contra o Estado, em que a parte vencedora for representada pela

Defen-soria Pública, em face da existência de confusão (arts. 1.049 do CC/1916 e 381 do

atual CC/2002) – Incidência da Súmula 421 do STJ – Apelo da Fazenda Estadual

provido para o fim de reconhecer a inexigibilidade do título executivo judicial

em causa” (Ap 0021574-37.2011.8.26.0053, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j.

29.04.2015).

Desta feita, o recurso comporta parcial guarida apenas no que diz respeito à

exclusão da condenação relativa aos honorários advocatícios. Quanto às demais

matérias, nenhuma reforma está a merecer o r. decisum monocrático – o qual

inclu-sive fica ratificado, nos termos do art. 252 do Regimento Interno desta E. Corte de

Justiça – proferido em consonância com os argumentos acima articulados, não se

vislumbrando, para fins de prequestionamento, qualquer violação aos dispositivos

legais e constitucionais invocados pela recorrente.

Isto posto, afastadas as preliminares, dá-se provimento em parte ao recurso –

Leme de Campos, relator.

Referências

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