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A MEMÓRIA E O TESTEMUNHO COMO FERRAMENTAS POTENCIALIZADORAS PARA O JORNALISMO NARRATIVO NA HQ MENINAS EM JOGO

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Academic year: 2021

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A MEMÓRIA E O TESTEMUNHO COMO FERRAMENTAS POTENCIALIZADORAS PARA O JORNALISMO NARRATIVO NA HQ

M

ENINASEM JOGO

MEMORY AND TESTIMONY AS POTENTIALIZING TOOLS FOR NARRATIVE JOURNALISM IN THE

HQMENINAS EM JOGO CHRISTINA FERRAZ MUSSE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA cferrazmusse@gmail.com

CLAUDIA DE ALBUQUERQUE THOMÉ UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

cthomereis@gmail.com

LAURA SANÁBIO FREESZ REZENDE UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

laura.sanabio@gmail.com

TALITA SOUZA MAGNOLO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA talita.magnolo@yahoo.com.br

Recibido: 27 de agosto de 2020 Aceptado: 27 de noviembre de 2020

Resumo

Este artigo analisa a História em Quadrinhos Meninas em jogo, publicada em 2014 no site da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, denunciando a violência sexual contra crianças e adolescentes no contexto da Copa do Mundo. Objetiva-se analisar como a História em Quadrinhos é um potencial suporte para o jornalismo narrativo, especialmente quando utiliza a memória através de testemunhos para construir sua história. O estudo, embasado na proposta de análise crítica da narrativa proposta por Luiz Gonzaga Motta, buscará comprovar que tanto a memória, como os testemunhos presentes na HQ podem ser considerados importantes ferramentas para a construção de um jornalismo narrativo, ampliando assim, as novas práticas e métodos do fazer jornalístico. Além de comprovar a eficácia da utilização de depoimentos na História em Quadrinhos, o trabalho traz como alguns resultados significativos do entendimento da construção narrativa, através do diálogo entre a temática elencada para a reportagem em quadrinhos, os fatos e também as experiências e vivências de personagens consideradas periféricas.

Palavras-chave: jornalismo narrativo, reportagem em quadrinhos, memória, testemunho, análise crítica da narrativa

Abstract

This article analyzes the comic strip Girls at play, published in 2014 on the website of the Public Agency for Investigative Journalism, denouncing sexual violence against children and adolescents in the context of the World Cup. The Brazilian agency is recognized for its independent work and online publications. The objective is to analyze how Comic Books are a potential support for narrative journalism, especially when it uses memory through testimonies to build their historical narrative. This study, based on the critical analysis of narratives proposed by Luiz Gonzaga Motta, will seek to prove that both the memory and

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the testimonies present in the HQ can be considered important tools for the construction of narrative journalism, thus expanding the new practices and methods of doing journalism. In addition to proving the effectiveness of using testimonials in Comics, the work brings as some significant results from the understanding of narrative construction, through the dialogue between the theme listed for the comic report, the facts, and also the experiences and experiences of characters considered peripheral and that probably would not have space in other media to tell their stories.

Keywords: narrative journalism, comic reporting, memory, testimony, critical analysis of narrative

jornalismo em quadrinhos vem conquistando espaço nos últimos anos, fato que é corroborado pelo número de prêmios conquistados por reportagens quadrinísticas no ramo jornalístico. A pauta Jogo sujo: Copa faz crescer ameaça de exploração sexual infantil, da jornalista Andrea Dip, venceu, em 2014, o VII Concurso Tim Lopes de Jornalismo Investigativo no Brasil, na categoria especial “violência sexual contra crianças e adolescentes, no contexto da Copa do Mundo de 2014”. A matéria desenvolvida depois da premiação levou à produção da HQ Meninas em jogo (2014). O objeto escolhido é de acesso gratuito e irrestrito, através do site da Agência Pública. Essa facilidade de distribuição foi um dos fatores determinantes para a escolha da reportagem como foco de análise. Dentre as reportagens da Agência Pública, optamos pela matéria produzida por repórteres brasileiro, com o recorte específico da realidade no nosso país. Além disso, a temática da violência sexual se mostra relevante ao observarmos os dados mostrados na própria HQ. Até a produção deste artigo, não foram encontrados outros estudos que incluíssem a reportagem Meninas em jogo como temática.

Esse movimento em relação aos quadrinhos também se repete em outros países da América Latina. Em 2017, a historieta mexicana Buscadores en un país de desaparecidos venceu o prêmio Gabo na categoria Imagem. No mesmo ano, os quadrinhos El hábito de la mordaza conquistaram a competição como Inovação. O Prêmio Gabo é um concurso promovido pela Fundación Gabriel García Márquez (Fundación Gabo), que busca, através de uma aliança pública-privada, fazer publicações independentes capazes de promover a opinião pública como elemento fundamental para a cidadania.

Para este artigo, utilizaremos como objeto de estudo a história em quadrinhos Meninas em jogo, escrita pela jornalista Andrea Dip, repórter da Agência Pública, e ilustrada pelo quadrinista Alexandre de Maio. Andrea começou

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a trabalhar na área de direitos humanos em 2001, na revista Caros Amigos,1 e já foi colaboradora da Marie Claire2 e da Trip3 Alexandre de Maio, atualmente, é colaborador do Catraca Livre4e possui um sitesobre jornalismo em quadrinhos.

Interessa-nos investigar a construção da história do jornalismo em quadrinhos através do entendimento da importância da memória e dos testemunhos, juntamente com a perspectiva da convergência entre mídia e literatura.5 Os quadrinhos, além de literatura, possuem uma linguagem autônoma em relação aos outros gêneros, mantendo forte diálogo com o cinema e a arte. A semelhança com a literatura se dá pela narrativa impressa, que tem começo, meio e fim. Entretanto, os quadrinhos possuem seus recursos próprios, como imagem e falas em balões diferenciados.

Além de estudar o cruzamento entre a história em quadrinho e jornalismo, o intuito é detectar o potencial da HQ como suporte para reportagens jornalísticas narrativas, que tenham como foco a memória e os testemunhos,6 enquanto ferramentas significativas para a construção das histórias. Propomos, portanto, a apresentação da HQ Meninas em jogo, tendo como base teórica o método da Análise crítica da narrativa, de Luiz Gonzaga Motta e a identificação desta como um novo tipo de jornalismo narrativo, que é potencializado através da utilização de técnicas narrativas como a memória e o testemunho. Este entendimento está relacionado a conceitos, aspectos e percepções sobre a importância da preservação das lembranças e conservação de registros, responsáveis por reconstruir uma narrativa do passado pessoal e traumático das personagens.

Partimos do pressuposto de que a memória é um fenômeno social – podendo ser classificada como individual ou coletiva – e a sociedade se comporta como produtora de conhecimentos e história. Propomos que a memória recente não seja reconstituída somente pelos testemunhos, mas também através de documentos, como é o caso dessa reportagem, que são capazes de conservar resíduos do passado e propor diálogos possíveis sobre temáticas delicadas e muitas vezes ignoradas ou não valorizadas pela grande mídia. Acreditamos que este estudo comprovará que o jornalismo narrativo está aberto às novas práticas e

1 Caros Amigos é uma revista mensal fundada em 1997, considerada uma das referências da mídia

independente e de esquerda no Brasil. Suas publicações impressas encerraram em 2017.

2 A revista Marie Claire é um periódico mensal direcionada para mulheres. A revista é distribuída

em diversos idiomas em diferentes países. Recentemente, tem abordado temas polêmicos e questões relacionadas aos direitos humanos.

3 A revista trata dos mais diversos temas, desde assuntos cotidianos até discussões políticas. 4 Segundo o próprio site, o “A grande missão da Catraca Livre é usar a comunicação para

empoderar os cidadãos. Empoderar se traduz, em nosso jornalismo, na busca do maior número possível de informações que mostrem possibilidades acessíveis e de qualidade, virtuais ou presenciais, em todas as áreas da atividade humana: da cultura, passando pela saúde e mobilidade, até educação e lazer.”

5 A convergência entre mídia e literatura não é novidade. Ela apenas foi potencializada. Em seu livro Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema, Vera Figueiredo já́ situava produções no limite

entre as áreas da Comunicação e a dos estudos de Literatura Brasileira.

6 No próprio site da Agência Pública, é possível encontrar outras reportagens que utiliza

depoimentos como base para a construção da narrativa. Elas podem ser encontradas em: https://apublica.org/hq/.

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métodos de representação de informações factuais, ampliando assim, as possibilidades do fazer jornalístico.

O jornalismo em quadrinhos como gênero narrativo

A aproximação do jornalismo com a literatura é antiga. Na Europa, ainda no século XVII, já circulavam produções lítero-jornalísticas voltadas para as classes populares (Thomé 28). Um dos destaques da época era o escritor e jornalista inglês Daniel Defoe, conhecido pelo romance Robinson Crusoe (Martinez, “Jornalismo Literário: a realidade” 72). No Brasil, dois nomes de destaque são João do Rio, que utilizava o pseudônimo Paulo Barreto, e Euclides da Cunha, que cobriu a insurreição de Canudos para o jornal O Estado de S. Paulo e publicou o material completo na obra Os sertões (1902). O que ligava todos esses autores era o fato de que, em suas obras, havia uma tentativa de “dar voz às pessoas comuns, com seus problemas e limitações” (77). Com o surgimento dos folhetins, no século XIX, a relação entre literatura e jornalismo se intensificou:

Folhetim era o nome dado a uma parte de jornal, o rodapé da página, onde eram publicadas variedades, críticas literárias, receitas. Passou a significar também trecho de pequenas histórias, publicadas em episódios, no pé da página do jornal. O texto inaugural do gênero é atribuído a Frédéric Soulié, em 1836, com o folhetim As memórias do diabo.(Thomé 31)

Essas narrativas populares foram consideradas produtos da indústria cultural, ocupando, primeiramente, as páginas de jornais e, depois, outras mídias, como rádio e televisão (15). No Brasil, o folhetim pode ser considerado, também, como um romance, publicado em capítulos nos jornais para que pudessem ser acompanhados diariamente pelos leitores (33).

O produto da relação entre jornal e literatura recebeu o nome de Jornalismo Literário (Martinez, “Jornalismo Literário: a realidade” 72). Esse gênero fronteiriço, segundo Martinez, utilizava técnicas literárias e elementos jornalísticos, como levantamento e apuração das informações. Existe, ainda, uma discussão sobre o jornalismo literário como disciplina, mas esse desenvolvimento, segundo Bak e Martinez tem sido lento:

Há várias razões para essa lacuna. Para começar, como parte da premissa científica mais básica, o campo dos Estudos de Jornalismo Literário está, como deveria estar, em constante construção. Dê-nos uma área do conhecimento que consista apenas de certezas e teremos um exemplo perfeito de um campo morto. Baseado neste conceito científico fundamental, para ser considerado uma disciplina o jornalismo literário precisará continuar avançando em muitas frentes. (645)

Para ter o status de disciplina, o jornalismo literário precisaria de “um corpo de textos primários e secundários sobre os quais se fundar, e os estudos da última década” (645). Além disso, seria necessário criar epistemologias, metodologias e práticas específicas. Enquanto esse caminho ainda é percorrido, o jornalismo

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literário é tido como um gênero em expansão (Martinez, “Jornalismo Literário: revisão” 32).

Nos anos de 1960, um movimento nos Estados Unidos utilizou algumas dessas técnicas para criar um novo modo de narrativa, através do que foi chamado de New Journalism ou Novo Jornalismo. Sem perder os critérios de noticiabilidade,7 as matérias jornalísticas passaram a ter apuração mais intensa e detalhada. A possibilidade de escrever utilizando maior grau de subjetividade aproximou as reportagens dos contos literários, mas em uma narrativa de não-ficção. Autores como Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote, que escreveu o clássico A sangue frio,8 inauguram esse estilo do New Journalism (Cosson 19). A construção cena a cena e os fluxos de consciência,9 captavam os detalhes do cotidiano dos personagens.

Para que as reportagens tivessem profundidade, os autores do New Journalism recorriam à entrevista como um dos pilares para construção das narrativas. Além do registro dos diálogos, os autores começaram a narrar características dos personagens, a apresentar as cenas de pontos de vista diferentes e a detalhar roupas e gestos. O pesquisador Felipe Pena ainda complementa:

Não pense que basta aplicar os recursos para se tornar um jornalista literário. Principalmente porque você só conseguirá aplicá-los se for um repórter extremamente engajado, entrevistando com exaustão cada um de seus personagens até arrancar tudo que puder com o máximo de profundidade possível. Para isso, é preciso passar vários dias com as pessoas sobre as quais vai escrever. E, no momento de mostrar os diversos pontos de vista, sua capacidade de descrição deve superar os melhores romances realistas. Mas lembre-se de que você está trabalhando com um texto de não-ficção. (55)

No Brasil, na década de 1970, surgiu um outro gênero autônomo situado nas fronteiras dos discursos literário e jornalístico, denominado “romance-reportagem” (Cosson 9). Existe uma grande discussão entre teóricos e críticos do gênero para entender se ele foi baseado no modelo estadunidense do New Journalism ou se ele foi um produto da época política vivida no país.

O romance-reportagem ganhou mais espaço durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Nesse período, houve forte censura aos veículos de comunicação. Por isso, muitos jornalistas acabavam recorrendo à literatura para fazer suas denúncias (17). Os leitores, por sua vez, passaram a ver, nessa literatura, a possibilidade de encontrar informações jornalísticas:

7 Esses critérios de noticiabilidade são chamados de valores-notícia, que incluem imediatismo,

empatia, ineditismo e interesse público.

8 A versão original, em inglês, recebeu o nome de In Cold Blood (1965). O autor contou, em 343

páginas, a história do assassinato de uma família no interior do Kansas, nos Estados Unidos. O livro-reportagem demorou cinco anos para ser concluído.

9 O fluxo de consciência, segundo Cosson, era o desvendamento da consciência da personagem

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Tal papel [...] era efetivado pelos escritores e exigido pelo público carente de informações não divulgadas por outros canais. Não seria sem razão, portanto que a literatura da década de 1970 se encontrasse, então, presa a um desejo de veracidade, a um compromisso com a atualidade e com a referencialidade, elementos próprios do jornalismo que terminou assumindo vicariamente. Daí também o fato de suas narrativas poderem ser denominadas genericamente como romances-reportagens, bem como o de esse tipo de narrativa ter obtido um considerável apreço do público. (16) Os quadrinhos jornalísticos absorveram muitas características do New Journalism, como o aprofundamento na descrição do personagem e da cena. Esses fatores são essencialmente importantes para a realização do trabalho do quadrinista, que, geralmente, busca fazer os traços do desenho da forma mais próxima à realidade. Nesse estilo de quadrinho, o documental é bastante presente e a narrativa é de não-ficção, ou seja, é uma adaptação de histórias reais.

Assim como no romance-reportagem, o jornalismo em quadrinhos (JHQ) também busca fazer denúncias através de sua narrativa complexa e híbrida. Da mesma forma que o romance-reportagem não poderia ter a predominância de um só gênero (romance ou reportagem), o jornalismo em quadrinhos também não pode ser visto apenas como uma interseção entre dois tipos de narrativa. O JHQ é considerado um gênero autônomo que busca apoio tanto no jornalismo quanto nos quadrinhos.

Luiz Beltrão, um dos pioneiros nos estudos de gêneros jornalísticos no Brasil, fez, ainda na década de 1960, uma categorização do jornalismo, dividindo-o entre infdividindo-ormativdividindo-o, dividindo-opinativdividindo-o e interpretativdividindo-o. O termdividindo-o “jdividindo-ornalismdividindo-o em quadrinhdividindo-os” foi popularizado apenas nos anos de 1990, com a publicação da reportagem Palestina, de Joe Sacco, porém, as técnicas desse gênero já haviam sido aplicadas anteriormente. Beltrão classificou as histórias em quadrinhos no jornalismo, que ele chama de comic, como parte do gênero jornalístico “caricatura”, essencialmente opinativo (123).

Para José Marques de Melo, os gêneros jornalísticos podem ser separados entre informação, comentários e entretenimento e, inicialmente, o autor classificou as histórias em quadrinhos e suas variedades como entretenimento, mas, em obras mais recentes, fez uma articulação entre informação –descrição dos fatos– e opinião –versão dos fatos– e uma leitura do real. Para o autor, ainda há evidências de que os quadrinhos no jornalismo trazem uma preocupação com a produção das matérias, que outros formatos de quadrinhos, como charges, cartoons e tiras, não exigem.

Da Silva e Guimarães complementam essa classificação ao considerarem o jornalismo em quadrinhos como um gênero especializado, que possui uma linguagem própria, uma apuração não-convencional e uma hibridização das características informativas, opinativas e até mesmo interpretativas: “Independente de usar as histórias em quadrinhos como suporte, esse novo gênero mantém as mesmas responsabilidades encontradas no jornalismo produzido para qualquer

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outro veículo de comunicação, ou seja, informar, opinar, interpretar e entreter” (100). Mesmo com o suporte de outras narrativas, como literatura e cinema, as reportagens em quadrinhos devem cumprir com a ética jornalística.

Para Vergueiro, professor do Observatório de Quadrinhos da USP, esse material mistura manifestações artísticas para criar um enquadramento que possibilita novas formas de contar histórias, através de imagens e elementos narrativos específicos. A imagem, para os quadrinhos, é de extrema importância, pois abre um espaço especulativo ou imaginário que permite captar e reconstruir cenários que não poderiam ser fotografados de forma tradicional.

Para que a narrativa e suas imagens sejam validadas, é preciso levar em conta o que o pesquisador Felipe Muanis chama de “certificado de fabulação”. Esse certificado seria uma validade para as estratégias de argumentação utilizadas nos discursos documentais. Ainda, segundo Muanis, é importante que esse certificado seja dado para que a narrativa tenha “não apenas de uma extensa documentação, mas também do único registro possível de uma época que inventariou hábitos, costumes, utensílios, vestuário, espaços urbanos e acontecimentos” (88). No caso da HQ Meninas em jogo, que será apresentada no tópico a seguir, essa autenticidade é validade pela presença da jornalista como testemunha dos fatos.

Meninas em jogo

A Agência Pública de Jornalismo Investigativo foi fundada, no Brasil, em 2011, sem fins lucrativos, por repórteres mulheres e, atualmente é hospedada na internet, contando com doações de fundações privadas e financiamento coletivo para realizar suas reportagens. O site ainda coloca em destaque que todas as pautas e todos os projetos são próprios e que “nenhum financiador pode interferir nas investigações ou ter acesso ao conteúdo produzido antes da publicação no nosso site”.10 Além de Meninas em jogo, a Pública já teve outros trabalhos premiados. A reportagem “São Gabriel e seus demônios” por Natalia Viana, publicada em 15 de maio de 2015 na Agência Pública de Jornalismo Investigativo, venceu o Prêmio Gabo 2016, da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), na categoria texto.

A HQ Meninas em jogo foi a primeira reportagem em quadrinhos realizada pela Agência Pública e, depois disso, foram lançadas mais oito reportagens. Em junho de 2014, foi publicada A história de Jaílson, um operário da Copa por Ciro Barros e Alvaro Maia. No ano seguinte, foi veiculada a HQ Os pesadelos de Guantánamo, reportagem traduzida para o português pela própria Agência Pública e originalmente publicada pela revista estadunidense Symbolia. Foram mais três reportagens em quadrinhos da Symbolia: Compartimento 13, sobre o desamparo de sem-tetos nos Estados Unidos; A história de Meera, que conta a história de uma jovem nepalesa que caiu numa rede de tráfico de pessoas; Sequestrado na Síria, que fala sobre um fotógrafo francês que ficou detido na Síria.

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Na página da Pública, ainda é possível encontrar outras reportagens em quadrinhos como a Tec-exploração pelo Center for Investigative Reporting, contando a realidade sobre o tráfico de trabalhadores estrangeiros para a indústria de alta tecnologia dos Estados Unidos, a HQ: O Haiti é aqui por Adriano Kitani e Enio Lourenço, uma websérie para combater estereótipos sobre imigrantes haitianos que vivem em Santo André (SP, Brasil), e, a mais recente Ricardo Silva, executado pela PM por Bruno Nobru, Ciro Barros e Julio Falas em 2017, que conta a história do carroceiro de 39 anos conhecido como Negão, assassinado pela polícia brasileira.

Todas essas narrativas têm algo em comum: a forma como foram pautadas. O jornalismo em quadrinhos é produzido de uma maneira diferente, como comenta o ilustrador e jornalista Robson Vilalba no documentário Jornalismo em quadrinhos de Leilane Sversuti:

Você tem que tentar encontrar pauta que seja, de alguma forma, atemporal e que seja universal, que várias pessoas se identifiquem com aquela pauta. Para mim, um dos desafios do jornalismo em quadrinhos é encontrar esse tipo de pauta, uma pauta que ela tenha interesse independente da região de onde a pessoa mora, Paraná, São Paulo, Bahia, e que também possa ser lida amanhã ou possa ler lida daqui a um ano com o mesmo interesse do momento em que ela foi publicada. (em Sversuti 10 min)

A HQ Meninas em jogo também teve uma pauta mais aprofundada. A pauta original Jogo sujo: Copa faz crescer ameaça de exploração sexual infantil, que recebeu o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, na categoria “Violência sexual contra crianças e adolescentes no contexto da Copa do Mundo 2014”, deu origem a cinco capítulos de histórias em quadrinhos. Posteriormente, foi disponibilizada uma versão com todos os capítulos reunidos, e é este material que será abordado para efeito de análise.

A apuração da matéria começou em março de 2013, quando, em uma entrevista publicada pela Agência Pública, foram denunciados os abusos sexuais contra crianças e adolescentes no Ceará, Nordeste do Brasil. Durante três meses, Andrea Dip e Alexandre De Maio percorreram as cidades do estado para tentar mostrar a teia de exploração sexual que estava ganhando cada vez mais força com a aproximação da Copa do Mundo, realizada no Brasil, em 2014.

A memória e o testemunho como construção narrativa

Neste artigo, é proposta a apresentação de uma reportagem em quadrinhos elaborada através dos depoimentos, colhidos pela jornalista Andrea Dip. É preciso discorrer sobre a importância dos testemunhos enquanto expressões de memória, já que a elaboração da reportagem não seria possível sem a fala dos personagens, cujas histórias são únicas e têm o seu valor. Além disso, buscamos comprovar como a memória e o testemunho são potencializadores para a criação de um novo modo de jornalismo narrativo, representado, aqui, pela HQ Meninas em jogo. Segundo Worcman e Vasquez Pereira, a memória:

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[...] entendida no sentido original do termo, ou seja, tudo aquilo que uma pessoa retém na mente como resultado de suas experiências. Ela é seletiva, seja um procedimento consciente ou não. Portanto, não é um depósito de tudo que nos acontece, mas um acervo de situações marcantes. Diante disso, então, o que seria a história? É a narrativa que articulamos a partir dos registros de memória. Toda história é uma articulação de passagens que ficaram marcadas. Numa sociedade sempre há quem tenha o poder de registrá-la em jornais, livros, arquivos, etc. Mas, na medida em que se multiplica o número das vozes, e se ouvem mais pessoas, novos testemunhos passam a fazer parte desse grande arquivo. Com isso, ganha a história: em diversidade, riqueza e representatividade. (10-11)

O crescimento da cultura da memória ganhou força a partir dos anos 1970 e 1980, e atingiu proporções inimagináveis na década de 1990. O comportamento humano mudou, quando passou a valorizar o passado em detrimento à excessiva importância que se dava ao futuro, como aconteceu no início do século XX. O autor afirma que a cultura, que se fundamentava no ideal de “futuros presentes”, desde a década de 1980, voltou-se para os acontecimentos passados. Em seu livro Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia, Huyssen explica que nunca se deu tanta atenção ao passado, como hoje se dá na sociedade contemporânea, desde os registros mais simplórios até a criação de monumentos, museus e bibliotecas, por exemplo. A memória social se transformou ao longo dos anos em um tema recorrente de debates e discussões, que ganharam força e estão cada vez mais valorizados no âmbito da Comunicação, Ciências Humanas em geral e, até mesmo, na confecção de reportagens jornalísticas.

Acervos estão sendo criados para documentar e registrar as mudanças socioeconômicas, ambientais e culturais das sociedades através da voz das pessoas, tais como o Museu da Pessoa,11 que valoriza depoimentos orais e histórias de vida. Segundo Huyssen (Seduzidos pela memória), o excesso de informação produzida pela sociedade atual e o boom dos estudos sobre a memória geram a supervalorização do passado, cujos estudos são campos vastos de pesquisa e trazem importantes elementos para a discussão sobre qualquer tema da atualidade – principalmente por ser um campo interdisciplinar. Neste artigo, discutimos sobre um tema recente, a Copa do Mundo de 2014, tendo como foco a exploração sexual de crianças e adolescentes.

11 O Museu da Pessoa foi criado em 1991 e tem como principal função contribuir com a

democratização da memória social reconhecendo o valor da história de vida de toda e qualquer pessoa. Ao estimular que as pessoas, por si mesmas, compartilhem e ouçam suas histórias de vida, o museu busca colaborar com o desenvolvimento de uma sociedade que reconhece e valoriza o outro. Toda história de vida tem valor e deve fazer parte da memória social; ouvir o outro é essencial para respeitá-lo e compreendê-lo e toda pessoa tem um papel como agente de transformação da História. Constituído como uma organização da sociedade civil de interesse público, o museu não tem fins lucrativos e tem sua sede de trabalho na cidade de São Paulo. A experiência brasileira do Museu da Pessoa já inspirou a criação de três núcleos internacionais que hoje compõem a Rede de Núcleos do Museu da Pessoa: Braga, Portugal, Bloomington, Indiana, EUA e Montreal, Quebec, Canadá (Worcman e Vasquez Pereira).

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Nesse contexto, buscamos compreender a importância não somente da memória individual dos personagens de Meninas em jogo, mas também a potência de seus depoimentos, enquanto importantes ferramentas para a expansão de novos formatos do fazer jornalístico narrativo. É relevante apontar que os testemunhos orais trazem à tona memórias, lembranças e acontecimentos relevantes para a História que, por pouco, quase desapareceram ou, no nosso caso, não ganham espaço e simplesmente não são contados, por motivos possivelmente políticos ou por não serem considerados importantes para a grande mídia. Todavia, eles estão sendo disponibilizados ao público, como é o caso da reportagem em quadrinhos que está sendo analisada, e possibilitando a reconstituição de uma experiência, que tem como fonte principal a memória. Mais do que isso, cabe a nós perceber que as fontes orais se incorporam às memórias vividas, antes tão marginalizadas e silenciadas, para a construção de novas identidades.

Ao discutir sobre o jornalismo em quadrinhos, devemos levar em consideração o testemunho das personagens, mas também da jornalista, como um relato testemunhal, que possui uma subjetividade e perspectiva próprias, principalmente se partirmos do pressuposto de que os testemunhos, além de importantes para a memória, também são os responsáveis por aproximar as histórias e seus leitores.

Os depoimentos das vítimas, seja na HQ ou em outras reportagens, segundo Aline Zouvi , poderiam ser associados a uma consulta a um psicólogo ou psicanalista, pois existe, ali, um “espaço de rememoração de traumas e construção narrativa” (75). Essa sensibilidade passada pela personagem é reforçada pela narradora, já que a reportagem Meninas em jogo contextualiza não somente um momento político e cultural, mas também o importante papel do jornalista naquele momento, uma das personagens principais da narrativa. Levaremos em conta que a importância do testemunho das personagens estará justamente no fato de terem vivenciado aquele momento, não importando inconsistências com datas ou nome de pessoas; o depoimento tem valor em virtude do que aquelas pessoas viveram. Desta forma, podemos afirmar, inclusive, que reportagens deste estilo não seriam possíveis sem os depoimentos e a rememoração dos personagens, que são checados, seguindo os pressupostos do jornalismo.

Para Halbwachs, as lembranças estão inseridas em um contexto social e é por isso que os indivíduos, dentro de suas relações sociais particulares, conseguem elaborar suas lembranças, tanto pessoais como também entrelaçadas com as memórias de outras pessoas. No caso de Meninas em jogo, as memórias compartilhadas são extremamente pessoais, mas, de certa forma, tocam um coletivo de mulheres que sofrem abuso no mundo inteiro. Portanto, quando o autor observa que o indivíduo não tem capacidade de sustentar as suas memórias por muito tempo, porque precisaria de outros para mantê-las, é exatamente essa relação que precisa ser construída: das personagens com a jornalista e das personagens com seus leitores.

Pollak argumenta que a memória é formada por três elementos constitutivos: acontecimentos, personagens e lugares (203-204). De acordo com o autor, quando

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a entrevista é utilizada como principal aporte metodológico, como é o caso da HQ que está sendo analisada, devemos considerar que os acontecimentos vividos pela depoente estão em primeiro lugar; em segundo lugar, os acontecimentos vivenciados pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa sente pertencer; e, em terceiro lugar, os acontecimentos fora do espaço-tempo, ou seja, por meio de uma socialização política ou histórica, um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado – o que o autor chama de memória herdada.

O jornalismo em quadrinhos enquanto portador de relatos memorialísticos sobre traumas ou denúncias de violência, é capaz de transmitir a realidade vivida. Em diálogo com este pensamento, Alberti afirma que “ao contar suas experiências, o entrevistado transforma aquilo que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido” (77). Sendo assim, a narrativa jornalística tem importante papel neste processo como constituidora de uma de muitas possíveis versões dos acontecimentos e situações passadas, se tornando assim, um importante conector com a memória das depoentes.

Neste contexto, podemos dizer que, ao falar sobre suas experiências, as depoentes estão narrando sobre sua história, e a jornalista, por sua vez, se torna a narradora da reportagem que escreveu. Sendo assim, o ato de narrar, passa a ser uma experiência enraizada na existência humana, cujos primórdios estão nas mais antigas tradições de se contar histórias, de preservar uma memória, ou seja, é um modo de expressão universal, em que a construção de culturas, identidades e até mesmo de uma sociedade está baseada nas narrativas de um determinado tempo e espaço, segundo Motta. Vivemos através de narrações e construímos nossa identidade pessoal narrando. Portanto, nossa vida é uma “teia de narrativas” na qual estamos enredados –o autor também chama isto de “mar de histórias”.

Para Motta, como nos contos, reais ou imaginários, nossas narrativas nunca terminam, mas sempre nos entrelaçam, envolvendo-nos e representando-nos. A forma como organizamos nossas narrativas destaca acontecimentos, carrega significações específicas e pontua uma história pessoal e exclusiva. Narrar é dar sentido à vida, pois construímos nosso passado, nosso presente e nosso futuro.

A apresentação da HQ

Meninas em jogo

Em Análise crítica da narrativa (2013), Motta fala do texto como uma obra aberta em construção de sentido e de uma narrativa potencializada pela linguagem,12

12 As narrativas tecem nossas vidas e são formas de expressão universal enraizadas na cultura

humana. Além disso, produzem sentidos e constituem a realidade tal como a conhecemos. Quando narramos, construímos nossas experiências e damos significação para nossas vidas –construímos, assim, nosso passado, presente e futuro–, constituímos nossa moral, nossos costumes e mitos pessoais. De acordo com o autor, o estudo das narrativas, principalmente do ponto de vista crítico, foi e continua sendo tema de debates e discussões no âmbito da Comunicação e das Ciências Humanas. Além disso, segundo o autor, toda forma de discurso é um tipo de poder que é exercido na relação de quem fala e de quem escuta, sendo considerado muitas vezes um jogo cujas relações de força fazem com que a comunicação narrativa crie afinidades discursivas interpessoais e

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pensada como uma estratégia de construção da realidade: “A enunciação narrativa é uma atitude intencional e argumentativa, portanto: toda narrativa se origina em uma estratégia enunciativa” (38). Com o intuito de entender esses dispositivos discursivos, nortearemos este estudo, tendo como base, além do método, a apresentação feita pelo autor de Sete Movimentos, que auxiliarão na compreensão crítica da construção narrativa, permitindo, portanto, o estudo empírico da narrativa jornalística.

Acreditamos que este método, dentre tantos outros de igual relevância será capaz de responder aos nossos questionamentos pois defendemos que as narrativas estão incorporadas na nossa existência e, portanto, devemos estudá-las para compreender o sentido da vida e entender quem somos, pois, apesar de nossa história ser individual, nossa identidade é uma narrativa coletiva que tem a capacidade de transformar o nosso “eu” em um relato valorativo de nós mesmos e nossos reflexos na sociedade na qual estamos inseridos.

Motta ressalta a importância de compreender como criamos representações e apresentações do mundo, levando em consideração que as narrativas representam uma organização e apresentação dele. No estudo das narrativas jornalísticas, em especial, o jornalismo em quadrinhos, é possível diferenciar as representações factuais e fictícias, entendendo o uso intencional ou estratégico de recursos linguísticos para produzir efeitos de real ou irreal. Com a apresentação da HQ Meninas em jogo, será possível promover este entendimento, mas também abrir portas para discussões futuras acerca de sua relevância e sua multifacetada forma narrativa.

O primeiro movimento elencado pelo autor é sobre “compreender a intriga como síntese do heterogêneo”. Motta propõe a identificação das partes componentes da história. Isso inclui conflitos, episódios, a organização do enredo, os personagens principais e os pontos de ataque, que são transgressões ou rupturas que dão maior tensão à narrativa. Em Meninas em jogo, o contexto é apresentado no início da reportagem. Em 2013, houve um volume intenso de manifestações no Brasil e muitos deles tiveram como pauta o descontentamento com a realização da Copa do Mundo de 2014, no país, enquanto faltavam recursos para saúde, educação, segurança e infraestrutura (figura 1).

coletivas. Existe sempre uma contra força de quem vê ou ouve uma estória, e essa relação permite que o sentido seja construído pelos dois lados.

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Figura 1. Contextualização da época da Copa do Mundo, na página 05. Fonte: apublica.org. Acesso em: 07 dez. 2020.

À medida que o enredo se desenrola, a reportagem mostra a situação que seria apresentada: a exploração sexual durante a Copa do Mundo –apenas um dos problemas que deveriam ser enfrentados. Através de dados e depoimentos, a repórter Andrea Dip mostra que a exploração já era um assunto grave há muito tempo e, além disso, era preciso levar em conta outras questões, como a realidade desfavorável na economia do Ceará e o período de seca que já havia causado complicações.

O segundo movimento propõe o estudo dos fatos. Segundo Motta, é possível atrair e seduzir o leitor a partir das respostas emocionais do interlocutor e, dentro desse contexto, buscam-se analisar, também, os elementos de espaço e tempo dentro do discurso. Essas referências de momento e lugar, que situam enunciado e sujeitos, são chamadas de “dêiticos”. Para construir essa narrativa, o autor recorre a apresentação de diferentes posturas, entonações, contextos, enquadramentos, ritmos e interpretações, que podem ser sugeridas pelo texto ou pelo jornalista.

Logo no início da reportagem, após contextualizar o motivo da ida de Andrea Dip e Alexandre De Maio a Fortaleza e apresentar a situação de crise do local, foram mostrados os transtornos causados pelas obras da Copa do Mundo. Fortaleza foi uma das cidades-sede, juntamente com vilarejos do entorno, como Canoa Quebrada e Porto de Pecém, regiões litorâneas com altos índices de prostituição, que acabaram sendo as mais prejudicadas. Vários locais são identificados, como, por exemplo, no primeiro quadro, quando aparece o registro “Fortaleza, março de 2013”, ou quando Andrea conta como foi o dia em que decidiu seguir com a pauta: “São Paulo, dezembro de 2013. Agência Pública de Jornalismo Investigativo”. Nos outros locais, como delegacias, centros de apoios e órgãos oficiais, a autora busca trazer os responsáveis por aquele espaço e mostrar seus vínculos com as histórias.

Apesar de conflitos novos surgirem a cada episódio, a temática, durante toda a reportagem, gira em torno da exploração sexual de crianças e adolescentes

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daquela região. Além do problema em si, a falta de interesse das autoridades para a ser percebida como uma das maiores barreiras para o fim dessa prática. Como mostrado na página 10 (figura 2), a repórter e a ex-presidente do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente Mônica Sillan, flagraram uma garota menor de idade com um senhor e avisaram à polícia, que diz não poder fazer nada.

Figura 2. Policiais dizendo que não podem interferir no caso, na página 10. Fonte: apublica.org. Acesso em: 07 dez. 2020.

Para que a narrativa jornalística seja construída, é importante prestarmos atenção nas palavras utilizadas, como por exemplo, quando a jornalista fala, na página 11, que “teoricamente” o fluxo de denúncias acontecia de uma forma, mostrando que, na realidade, não é dessa maneira que acontece. Também é necessário analisarmos a frequência das palavras-chave, no caso da HQ Meninas em jogo, as que aparecem com mais frequência são “violência” e “exploração”, geralmente conectando as partes dos conflitos às ações que modificam a história.

As ações são apresentadas, na maioria das vezes, de forma temporal e os verbos são utilizados predominantemente no presente. Esse uso recorrente do presente é uma das marcas do jornalismo, dando uma ideia de atualidade e dinamismo aos fatos. Para falar do passado, a autora utiliza muito os flashbacks, principalmente quando se trata dos depoimentos dos personagens, como é o caso de Mariana (19), que teve seu nome trocado por motivo de proteção, e estava narrando sobre como ela contou para a avó que estava sofrendo abusos: “Vó, ele queria fazer coisa comigo, pegar nas minhas partes” (figura 3). No quadro seguinte, ela retoma a conversa com a repórter e completa: “Ela achou que era minha mentira, disse que eu estava inventando”. Esse é um jogo narrativo que também era muito utilizado por autores do New Journalism para auxiliar na construção cena a cena.

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Figura 3. Diálogo de Mariana com a avó, na página 19. Fonte: apublica.org. Acesso em: 07 dez. 2020.

Analisando o terceiro movimento, passamos a pensar nos novos episódios, que apresentam circunstâncias, cenários e características de personagens que podem transformar a história. Um desses pontos de transformação é o script, que é o repertório que cada personagem acumula ao longo da vida e já que cada indivíduo possui um repertório diferente, a mesma história consegue desenvolver memórias, interpretações e até interferências distintas em cada episódio. Na página 14, por exemplo, podemos ver um homem estrangeiro, que pergunta para uma das meninas: “Você̂ gostar de futebol? A final da Copa ser Brasil e Suíça”. O tom coloquial da frase e a conjugação errada do verbo “gostar” traz à memória dos leitores o modo como muitos estrangeiros falam o português, o que ajuda na visualização da cena.

O quarto movimento é caracterizado pelo enquadramento, pela perspetiva e pelo ponto de vista, o que permite analisar as ações dos personagens e as intrigas nos enredos. Os frames, que são as reconstituições das situações colocadas nas narrativas através do posicionamento do narrador, são repletos de subjetividades e emoções, que são passadas através de símbolos.

O detalhamento do ambiente, as expressões faciais, os costumes e todas as outras descrições só farão sentido se o repórter souber lidar com os símbolos. Se puder atribuir significado a eles e, mais importante ainda, se tiver a sensibilidade para projetar a ressignificação feita pelo leitor. (Pena 55)

Em Meninas em jogo, existem duas narrativas paralelas e que devem ser levadas em consideração: uma delas é a história da violência que está sendo contada e, a outra, é a cobertura jornalística feita por Andrea Dip, que também é bastante presente na reportagem. Através da narração em primeira pessoa, podemos perceber que a autora é, ao mesmo tempo, personagem e narradora da trama.

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Além da caracterização dos desenhos, como as tatuagens da jornalista (figura 4), é possível observar, também, traços de subjetividade e de emoção na narração. Por vezes, a jornalista, que aparece frequentemente nos quadrinhos e é peça-chave na narrativa, parece exercer um papel de narradora onisciente. Nesse ponto, o quadrinista Alexandre De Maio também se mostra importante instrumento, pois a reconstrução detalhada das cenas é feita como se ele e Andrea estivessem presentes na hora dos fatos, mostrando veracidade através dos desenhos.

É interessante pensar que as reportagens em quadrinhos permitem trazer diálogos que possivelmente não seriam publicados em um jornal tradicional impresso. Na página 18, por exemplo, há o registro da conversa entre Mariana e Andrea, em que a garota diz: “Suas tatuagens são lindas! Muito chique, parece da capricho”. E Andrea responde: “Puxa, muito obrigada! Quantos anos você̂ tem, Mariana?”. Só a partir daí, ela começa a entrevista.

Figura 4. As semelhanças das tatuagens da jornalista nos quadrinhos e em uma foto. Fonte do desenho: reprodução apublica.org

Outro ponto significativo nessa narrativa é a justificação das fontes. A jornalista deixa claras as restrições de fontes e as mudanças em relação a nomes ou rostos dos entrevistados. Ela explica, por exemplo, que não entrevistou nenhuma jovem na rua, porque não se sentiu apta a fazer esse tipo de abordagem sem causar algum tipo de trauma e, fazendo isso, ela inclui o leitor não só na história, mas também no processo narrativo.

A representação dos personagens, através dos nomes, desenhos e características de personalidades, é o que Motta conta como o quinto movimento, intitulado “Personagem: Metamorfose de pessoa à persona”, onde os personagens

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não são pessoas e, sim, a representação das pessoas (190). A apresentação, nesse movimento, é feita para tentar entender os motivos que levaram os personagens a serem caracterizados da forma como feito na narrativa e para buscar compreender como essa descrição pode influenciar no enredo da reportagem.

A repórter é a personagem que mais aparece nos quadros. Na maioria das vezes, as outras pessoas são identificadas por nome, sobrenome e uma identificação do personagem com a história. Com a exceção das meninas, que tiveram os rostos e nomes trocados por medidas de segurança, a autora diz que o desenho dos participantes é fiel à fisionomia deles na vida real e, quando não foi possível fazer o retrato, a repórter avisa que houve mudança de nome ou do rosto desenhado, geralmente identificando com um asterisco e com a explicação da troca. Com o intuito de facilitar a visualização da apresentação, fizemos um quadro com todos os personagens, suas identificações e suas caracterizações. Todos os depoimentos dos personagens são fundamentais para a construção da narrativa. A apresentação de cada um, com nome, profissão e relação com o local e os acontecimentos traz mais veracidade aos relatos.

Quadro 1.

Apresentação dos personagens - em ordem alfabética

Personagem Identificação / Caracterização

Alexandre De Maio Quadrinista da reportagem. Aparece na primeira página e em mais 3 durante toda a HQ (01)

Alice Oliveira

Membro da Aproce (Associação das Prostitutas do Ceará). (15) Alice é uma das informantes da autora. Ela conta um pouco sobre a situação da prostituição no Ceará e comenta sobre alguns casos com Andrea.

Andrea Dip

Jornalista e autora da reportagem. Aparece na primeira página e não é identificada pelo nome. (01)

Podemos perceber que se trata da repórter pela fala em primeira pessoa e pelos desenhos dos quadrinhos. Ela foi desenhada com suas tatuagens, o que facilita a identificação para quem já conhece a repórter.

Bisneta do fundador de Canoa Quebrada

Não é identificada pelo nome. É artesã e conta sobre o povoamento da vila. “Os turistas começaram a chegar há uns 30 anos. Primeiro vieram os mochileiros, que ficavam na nossa casa, nas casas dos pescadores. Depois os estrangeiros começaram a comprar casas, pousadas, bares”.

Carol

Carol da Dececa (Delegacia de combate à exploração da criança e do adolescente), que falaria sobre as estatísticas da exploração, é uma personagem que, na realidade, não aparece nos quadrinhos (25). Os quadrinhos mostram, em duas páginas inteiras, Andrea tentando, por telefone, falar com Carol. Mas sem êxito. Até que uma moça atende e fala que eles não têm condições de dar atenção para esse assunto, porque são muitas

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denúncias, poucas pessoas que trabalham no cartório e poucos recursos para dar andamento a todas elas.

Conselheiro do

Conselho Tutelar Teve sua imagem e seu nome preservados. (27)

Del Lagamar Mediador de conflitos. É ele que fala sobre como os estrangeiros abordam as meninas.

Dona do Bordel

Dona do Bordel - sem nome. Ela é vilã em se tratando do problema da exploração, mas é talvez, para as meninas, uma “salvação” que dá oportunidade de trabalho.

Exploradores/ abusadores

A identificação de abusadores só acontece duas vezes durante toda a matéria: na página 14, quando a autora mostra um homem estrangeiro falando na boate, e na página 37, em que um dos entrevistados fala sobre o zelador de uma escola que foi flagrado abusando de uma aluna e aponta para o abusador, que não tem sua imagem desenhada nos quadrinhos. Vilões principais. Não foram entrevistados e não são nomeados durante a reportagem.

Francisco Wilton

Conhecido como “Pequeno”. Morador do entorno do Estádio Castelão, é identificado como Pequeno, nome pelo qual, segundo a autora ele é conhecido na favela de Babilônia City.

“Gringos”

Os estrangeiros que estavam na casa noturna não são identificados pelo nome e suas falas contém erros de português, evidenciando o sotaque: “Você̂ gostar de futebol? A final da Copa ser Brasil e Suíça”.

Gustavo

Seu nome real não é Gustavo. Ele é uma testemunha, e diz: “eu mesmo flagrei um zelador da única escola pública daqui em uma cena obscena com um menino de 13 anos. Chamei a polícia, o oficial disse que estava a caminho e nunca chegou. O homem inclusive é aquele ali, sentado naquele muro” (p.3.)

Juliana Andrade

“Defensora pública do NADIJ (Núcleo de Atendimento da Infância e Juventude da defensoria), que monitora a situação dos abrigos de acolhimento a vítimas de exploração sexual e abuso” (12)

Juditi e sua irmã Bruna

Juditi e a irmã Bruna conversam com dois homens: “Eu ser Juditi e essa ser minha irmã Bruna”. E Bruna explica: “Ela ficou 5 anos morando na Europa com ex marido gringo dela. Aí ficou assim, esqueceu como fala o português” (14).

Lídia

Lídia, da Barraca da Amizade. Na apresentação de Lídia, a repórter fala um pouco mais sobre a Barraca, “Uma das ONGs mais antigas e respeitadas pelo trabalho de abordagem com prostitutas, meninos e meninas em situação de exploração sexual e travestis” (15).

Luana

“Eu tenho 16 anos. Nasci aqui, mas quando tinha 3 meses minha mãe me levou para morar no sítio com minha avó, em outra cidade no interior do Ceará”.

Maria Ilna “Juíza da 12ª vara criminal, especializada em crimes sexuais contra crianças e adolescentes” (13).

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Mariana

“Mariana, de 13 anos, foi a primeira a querer falar. Pequena, com rosto e voz de criança, começa a narrar as atrocidades pelas quais passou” (18). A caracterização da personagem com “rosto e voz de criança” nos faz criar uma imagem mental, já que não podemos olhar pelos quadrinhos, pois o rosto foi trocado.

Meninas que sofrem com a exploração sexual

Vítimas. As meninas são desenhadas com certo sofrimento no rosto e deixam a dor transparecer, principalmente, nas falas. Elas, na maioria das vezes, começaram a sofrer abusos desde muito pequenas e não obtiveram o apoio necessário na época. Muitas vezes essa ausência de suporte é caracterizada como vilã na trama.

Meninas que trabalham na casa noturna que fica atrás da delegacia de proteção ao turista

Possuem fala, mas nem todas são identificadas pelo nome. (18)

Mulheres na casa de prostituição.

A dona, que não tem seu nome revelado, apresenta as meninas. “Luiza, gerente”; “Cintia, 21 anos. 6 anos de pista”; “Bruna, 35. 20 anos de pista”. (32)

Mônica Sillan

Ex-presidente do Conselho Estadual dos direitos da Criança e do Adolescente. Como conselheira, ela é a heroína que luta contra a exploração, mas é vítima do sistema ao não conseguir encontrar saídas para resolver a situação.

Policiais Não identificados pelo nome. Vilões. Fingem não ver a situação de exploração e a negligência dos órgãos competentes.

Preto Zezé

Seu nome verdadeiro é Francisco José Pereira de Lima. Presidente da CUFA (Central única das Favelas) (12). Autor do documentário “Selva de Pedra- a Fortaleza noiada”.

Tércio Vellardi Coordenador e professor da ONG Recicriança, que, segundo ele, já ajudou cerca de 100 crianças e as chama pelo nome. Fonte: Quadro elaborado pelas autoras do trabalho.

O sexto movimento dá destaque às estratégias argumentativas. Cabe, aqui, apresentar os efeitos de real, que dão veracidade à história, e os efeitos de sentido, responsáveis pelas emoções. O efeito de real, de acordo com Motta “opera uma mediação que é ao mesmo tempo linguística e temporal” (199). Por isso, é feita uma apresentação dos advérbios de tempo e lugar e a linguagem tem a intenção de atingir o receptor, que, por sua vez, não é um agente passivo e terá um modo diferente de resposta à leitura, dependendo das estratégias argumentativas utilizadas.

Para a construção desse feito, um dos artifícios mais utilizados é o uso de imagens. Dar rostos às pessoas aproxima o leitor da situação e causa maior empatia ao ler a história. Na última página, o desenhista Alexandre De Maio nos mostra algo além dos números. Dizer que 165 crianças e adolescentes sofrem abuso sexual por dia no Brasil é um dado chocante. Porém, ele se torna ainda mais forte se observarmos 165 crianças e adolescentes desenhados em uma página,

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todos com rostos diferentes, alguns sorrindo, outros conversando, como apresentado a seguir (figura 5).

Figura 5. 165 crianças e adolescentes sofrem abuso sexual todos os dias no Brasil. Fonte: apublica.org. Acesso em 28 jul. 2020.

Além da imagem, o uso de dados estatísticos e a demarcação de data e local também são importantes para construir uma narrativa mais próxima do real e uma dessas atualizações sobre o local chama a atenção, na página 16 da HQ, em que Andrea mostra o entorno do estádio Castelão, em Fortaleza, por imagens desenhadas a partir do Google Maps (figuras 6 e 7), na tentativa de mantê-las bem fiéis, como podemos comprovar nas imagens a seguir:

Figura 6. Entorno do estádio Castelão nos quadrinhos. Fonte: apublica.org. Acesso em: 28 jul. 2020.

(21)

Figura 7. Fotos do entorno do estádio Castelão pelo Google Maps.

Fonte: Google maps, disponível em https://goo.gl/ydPjSU. Acesso em: 28 jul. 2020.

Como último movimento, Motta fala sobre permitir às metanarrativas aflorarem, que possibilitam o entendimento dos princípios éticos e a moral construída ao longo do enredo. Durante a cobertura jornalística, Andrea coloca sua própria ética de forma bem clara ao, por exemplo, afirmar que não gostaria de causar mais sofrimentos às vítimas e, por isso, resolveu entrevistá-las apenas em centros que contavam com apoio psicológico. A autora também justifica suas escolhas e a necessidade que sentiu de continuar a apurar a matéria, que foi inicialmente publicada em uma pequena reportagem. Na página 3 dos quadrinhos, a autora diz: “A gente publicou a entrevista, mas essa história do tráfico de meninas para a Copa não sai da minha cabeça”. Além desse traço moral, ela ainda demonstra empatia, principalmente nos relatos das vítimas (figura 8): “Mariana, de 13 anos, foi a primeira a querer falar. Pequena, com rosto e voz de criança, começa a narrar as atrocidades pela qual passou” (18).

Em relação à violência em si, o problema se mostra muito maior do que o imaginado inicialmente e a situação de pobreza e a falta de proteção por parte do Estado, juntamente com o crime organizado dificultaram a resolução da questão da exploração sexual. A moral que fica é que a situação é tão complexa que foge ao controle do cidadão e até de indivíduos de órgãos oficiais, mas que existem pessoas e organizações que ainda lutam para mudar essa realidade. A apresentação dos movimentos proporcionou um melhor entendimento da construção narrativa da história, mas também comprovou a importância do testemunho das personagens. Tanto a memória como a fala destas meninas são as possibilidades para se falar de um trauma e um sofrimento tão grande, tornando assim, o testemunho como ferramenta indispensável neste tipo de reportagem e construção do jornalismo narrativo.

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Figura 8. Trecho da conversa entre Mariana e a repórter Andrea Dip, na página 18. Fonte: apublica.org. Acesso em: 07 dez.2020.

Considerações finais

Neste artigo, apresentamos a História em Quadrinhos Meninas em jogo, publicada em 2014, no site da Agência Pública, escrita por Andrea Dip, cujo tema principal é a denúncia da violência sexual contra crianças e adolescentes, no contexto da Copa do Mundo, no Brasil, em 2014. Através do embasamento no método de Análise crítica da narrativa de Luiz Gonzaga Motta e, especialmente, na apresentação dos sete movimentos de compreensão da narrativa, foi possível comprovar que a História em Quadrinhos pode ser um significativo suporte para o jornalismo narrativo, especialmente por utilizar a memória, através de testemunhos para construir sua história. A apresentação englobou todos os capítulos e foi embasada na proposta de análise crítica da narrativa, proposta por Motta. Este estudo auxiliou a comprovar que tanto a memória, como os testemunhos presentes na HQ podem ser considerados importantes ferramentas para a construção de um jornalismo narrativo, ampliando assim, as novas práticas e métodos do fazer jornalístico.

O trabalho trouxe a discussão sobre a relevância dos depoimentos como ferramentas indispensáveis para a construção da história destas personagens, que partiu inicialmente de uma inquietação da própria jornalista. Além disso,

(23)

acreditamos que este método pode e deve ser usado cada vez mais para tratar de situações traumáticas e/ou polêmicas no cotidiano. A fala, na maioria dos casos liberta o depoente de seus próprios fantasmas o faz se sentir importante, o faz entender que aquela história tem valor e é única por si só.

Pudemos averiguar uma apresentação clara do contexto social e político do qual a reportagem trata, mas também uma contextualização mais detalhada e focada na exploração sexual de meninas e adolescentes durante a realização da Copa do Mundo no Brasil. Como uma boa reportagem jornalística, observa-se a referência correta de fatos históricos, mas também de dêiticos espaço-temporais que auxiliaram o entendimento e apreensão da informação pelo leitor.

Vale ressaltar que a temática elencada para a reportagem em quadrinhos dialoga, não somente com os fatos, mas traz à tona experiências e vivências de personagens consideradas periféricas e que, provavelmente, não teriam espaço em outras mídias para contar suas histórias. Dito isso, foi possível observar uma construção de uma narrativa jornalística diferenciada, mas que cumpre com seu papel de informar e expor histórias do cotidiano.

Por ser composto por quadros, o jogo narrativo é mais facilmente percebido, principalmente na construção das cenas, que remete às características do New Journalism. Esses frames permitiram o entendimento do posicionamento da narradora, enquanto um personagem subjetivo e com emoções próprias. Essa presença massiva da repórter se dá para mostrar a importância do assunto que foi tratado ali, demonstrando ao leitor a fragilidade das situações cotidianas que por muitos motivos não ganham as páginas dos principais jornais. Situações estas que apresentam uma complexa demanda de empatia por parte da sociedade e ações urgentes de governos e autoridades competentes.

A apresentação nos permitiu enxergar duas histórias paralelas, sendo uma o tema principal da História em Quadrinhos -a exploração sexual- e a própria cobertura jornalística realizada por Andrea. Neste contexto, foi possível provar que as memórias se apresentam em diferentes repertórios para falar de uma mesma história e isso a torna única já que apresenta ao leitor diferentes interpretações e inferências distintas.

Por fim, é possível concluir que os depoimentos foram fundamentais para a construção da narrativa jornalística Meninas em jogo dando veracidade aos fatos e caracterizações fiéis aos personagens, criando assim, uma relação de empatia e compreensão com o leitor. Acreditamos que este tipo de narrativa jornalística pode ser potencializada pelas memórias, representadas neste caso, pelos testemunhos e se tornar uma importante ferramenta para denunciar e falar sobre assuntos delicados, mas que ao mesmo tempo, necessitam de nossa atenção.

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