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LEVANTAMENTO HISTÓRICO SOBRE AS FORÇAS REPRESSORAS DO ESTADO: relatos de violência na Ditadura-Militar

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Academic year: 2021

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LEVANTAMENTO HISTÓRICO SOBRE AS FORÇAS REPRESSORAS DO ESTADO: relatos de violência na Ditadura-Militar

Rafael Battalini, Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil. Daniele de Andrade Ferrazza, Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, Brasil.

Contato: rafaelpsicouem@gmail.com Palavras-chave: Repressão. Segurança pública. Psicologia Social.

A violência policial é pauta frequente nas discussões acadêmicas e jornalísticas da atualidade brasileira. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2015, no ano de 2014 a polícia no Brasil matou três mil e nove pessoas, fazendo uma vítima a cada três horas. Contudo, apesar da evidência e importância do tema dado pela grande mídia, pelos meios de comunicação em massa, mídias sociais e discursos políticos, não há grande número de produções acadêmicas na área de Psicologia sobre o tema.

Nessa perspectiva, objetivou-se identificar as semelhanças e diferenças entre as organizações policiais de cada momento histórico e político desde o seu surgimento no Brasil, com principal destaque as situações marcadas pela violência psicológica e física. Para isso realizamos uma pesquisa bibliográfica que buscou levantar a constituição histórica da polícia no Brasil e um relato de uma pessoa que sofreu perseguição, tortura, entre outras violências físicas e psicológicas por parte das forças militares policiais no período da Ditadura Militar no Brasil. Nesse sentido, foi feito a análise dos relatos de Cecilia Maria Bouças Coimbra publicados em forma de depoimento e memórias reveladas pela Comissão Nacional e Estadual da Verdade do Estado do Rio de Janeiro.

O depoimento de Cecília Coimbra, membro da Diretoria do “Grupo Tortura Nunca Mais” do Rio de Janeiro, professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF) na área de Psicologia, apresenta a repressão sofrida durante a ditadura civil-militar. Militante de esquerda, Cecília foi presa, torturada e reconheceu 11 torturadores, citados e identificados naquele depoimento. A escolha desse depoimento se deve ao fato da depoente ser mulher que lutou na linha de frente contra a ditadura militar no Brasil, compor o “Grupo Tortura Nunca Mais” e estar envolvida diretamente com os temas da Psicologia e Direitos Humanos.

Alguns breves apontamentos sobre a constituição histórica da polícia no Brasil

Para Holloway (1997), o marco inicial das atividades policiais no Brasil é por volta de 1808 com a vinda da família real, “que possibilitou a reprodução das instituições burocráticas portuguesas em solo brasileiro, mesmo com toda subserviência da Polícia brasileira aos

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interesses das elites portuguesa e brasileira, há características de atividade policial” (Souza & Morais, 2011). No período Imperial, até mesmo antes da independência do Brasil, surgem as duas principais organizações policiais que existem até hoje, embora muito diferente da qual conhecemos na atualidade: a Polícia Militar e a Polícia Cívil. O processo de criação das forças policiais foi intencionada por interesses e conflitos políticos entre o poder central e as lideranças locais, levando em consideração toda a realidade social e econômica que permeava o Brasil, uma sociedade conservadora e de base escravista (Holloway, 1997). Com todo o aparato jurídico que a Lei Imperial nº555 de 1850 pretende impor, criam-se colônias militares e presídios, nos quais a polícia deverá atuar, além de intervir também em espaços considerados públicos, defendendo o território dos ditos inimigos e propondo a manutenção da ordem e norma social (Faria, 2011).

Com a Proclamação da República, no ano de 1889, instaura-se uma nova ordem política no país e também uma nova organização para os aparatos repressores da República. Um novo contexto de país exigiria novos modelos de mecanismos de controle social, no ocidente era o ápice do positivismo jurídico, que influenciaria diretamente no código penal brasileiro reformulado em 1890 (Souza & Morais, 2011). Com o fim da escravidão no Brasil, ocorre um processo de migração em massa da população rural, camponeses, trabalhadores da terra e ex-escravos para centros urbarnos. Essa população passa a ser considerada um problema social, quando seus hábitos, suas práticas religiosas, suas atitudes consideradas ociosas e recreativas passam a ser criminalizadas pelo novo código penal. Modificações que culminarão na perseguição policial de grande parcela da população pobre e negra considerada inadequada e desajustada aos interesses da elite brasileira.

Em 1930, ocorre um Golpe de Estado que daria fim a Primeira República. Getúlio Vargas assume a presidência como governo provisório, mas com uma série de estratégias políticas, mantém-se no poder por 15 anos. Sua intenção era instaurar uma nova ordem política baseada no Estado como controlador social e econômico (Souza & Morais, 2011). O governo de Getúlio se consolida por volta de 1937 e, suas principais características, segundo Costa (2004), estão relacionadas “pela excessiva centralização no plano federativo e pela limitação dos canais de participação no plano partidário”. Vamos perceber a constituição de uma força militar autoritária e política no período de governo de Getúlio Vargas e, ao longo de seu mandato, o Brasil vai se tornando um Estado Nacionalista autoritário, porém de uma forma sútil, com todo um aparato legislativo que justificasse a legalidade dos atos repressivos por parte do governo.

Após um golpe de Estado aplicado pelas forças militares, com apoio de cidadãos que se alinhavam com uma política conservadora, a partir de 1964, a população brasileira sofrerá com a

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instauração da ditadura militar que marcará uma trágica história para o país. Desses 21 anos de ditadura militar, pelo menos 14 anos foram marcados de regime totalitário e autoritário com o uso de técnicas de controle social através de aparatos repressores, ideológicos e políticos, minuciosamente planejados. Em 1968, oficiais do exército e militares se organizam para iniciar uma longa operação de atos repressivos e perseguições contra os que se opunham ao regime instaurado. Nesse período damos destaque ao governo do Marechal Humberto Castelo Branco (1964-1967), que toma o poder após os oficiais militares afastarem e perseguirem todos os políticos que se opunham ao Golpe de Estado, principalmente, os que pudessem estar ligados as bases aliadas do governo de João Goulart (1961-1964).

Os militares passam a instituir Atos Institucionais que, após o golpe, iriam servir como as bases principais para os atos repressivos e controle social. Ao longo do período de ditadura foram constituídos 17 atos constitucionais, dentre eles, destaca-se o Ato Institucional nº5: publicado em 1968. Este ato incluía a proibição de manifestações de natureza política, além de vetar o “habeas corpus” para crimes contra a segurança nacional. Concedia ao Presidente da República enormes poderes, tais como fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares, entre outras determinações. (Goulart, 2011, p.1).

O depoimento de Cecília Coimbra sobre a repressão sofrida durante a ditadura militar é um importante material de análise para a compreensão das atitudes violentas da polícia naquele período:

Falar daqueles três meses em que fiquei detida incomunicável sem um único banho de sol ou qualquer outro tipo de exercício é falar de uma viagem ao inferno: dos suplícios físicos e psíquicos, dos sentimentos de desamparo, solidão, medo, pânico, abandono, desespero. [...] De capuz, tive minhas roupas arrancadas e meu corpo molhado. Fios foram colocados e senti os choques elétricos: no bico dos seios, vagina, boca, orelha e por todo o corpo. Gritavam palavrões e impropérios, chutavam-me. [...] A tortura não quer “fazer” falar, ela pretende calar e é justamente essa a terrível situação: através da dor, da humilhação e da degradação tentam transformar-nos em coisa, em objeto. (Coimbra, 2004).

Em janeiro de 1985, Tancredo Neves (1910-1985) vence Paulo Maluf (1931-) nas eleições feitas pelos colegiados e delegações. Tancredo morre antes de assumir o cargo de presidente e José Sarney (1930-) assume à presidência da República. Período denominado de Nova República e que será um momento marcado pelo fim das forças militares no poder político econômico no Brasil.

Repressão, violência e perseguição policial

Constantemente vemos as mídias se dirigirem as corporações policiais como um aparato de segurança pública, pois em teoria esse seria o seu papel. Contudo, na prática o aparato de Segurança Pública parece não funcionar bem assim. Segundo Sousa (2011): “a história da

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Polícia brasileira é marcada por uma herança escravocrata, clientelista e autoritária”. Após o período da ditadura militar no Brasil, mais especificamente, a partir do ano de 1985, e com a Constituição de 1988, denominada de Constituição Cidadã, surge a Secretaria de Segurança Pública com propostas de realizar reformas significativas nos postos policiais. As mudanças feitas após a constituição tinham um viés político que na teoria visava a segurança e a prevenção de riscos da população brasileira. Segundo o Artigo 144 da Constituição Federal (Brasil, 2010): “A segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]”. Como é de nosso conhecimento a Constituição de 1988 tinha como viés uma sociedade livre de injustiças, com argumentos sobre liberdade, solidariedade, erradicação da pobreza, além de premissas para a diminuição das desigualdades de classe e o respeito a dignidade da vida humana. É nesse contexto que se cria, como uma organização política e administrativa, a polícia militar atual (Souza & Morais, 2011).

Embora na teoria o aparato policial deva ser de segurança e de respeito às propostas da Constituição de 1988, a polícia militar brasileira ainda está marcada e caracterizada como repressora, violenta, torturadora, agindo com perseguições vingativas e assassinatos. (Coimbra, 2002). Segundo Minayo e Adorno (2013), a população que mais sofre com os atos policiais é a população negra e pobre, moradores de periferia ou favelas. A polícia do Brasil, segundo pesquisas realizada pela Anistia Internacional, é uma das mais violentas que existe no mundo atualmente. Nunca se falou tanto no Brasil sobre o tema da ”Guerra às Drogas” como se tem falado no século XXI. Não é para menos, pois os governos brasileiros em conjunto com setores privados investem milhões de reais na política proibicionista e, geralmente, essas práticas não solucionam o problema relacionado a produção, venda e consumo de drogas no país. Na verdade, pelo contrário, o que se vê é a constituição de um “rio de sangue”, marcado na sua grande maioria pelo sangue de jovens negros, pobres e periféricos, ou sangue de policiais em combate com o narcotráfico e/ou ainda nas famigeradas “balas perdidas” de confrontos (Leeds, 2015).

Ao fazer o resgate histórico da constituição e organização policial no Brasil, podemos concluir que desde a vinda da familia real para o país um dos principais papéis da polícia é a vigilância, o controle e a manutenção de uma suposta ordem e norma social. Essa ordem é caracterizada pelos momentos históricos e políticos que perpassamos. Como regra geral, essas organizações sempre fizeram o uso de práticas violentas e armas de fogo. Desde a constituição da polícia cada momento histórico teve um perfil de governo, e esse perfil vai definir quem são os inimigos internos e externos, quem são os indíviduos que fogem à norma e fornecem riscos a manutenção da ordem, seja essa ordem política, social, legislativa ou religiosa. Para esse controle

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e manutenção da ordem, estabelecida muitas vezes em forma de lei, as organizações policiais vão usar de práticas e táticas agressivas e discriminatórias, violência essa que tem aval do Estado. Na presente pesquisa ao analisarmos o depoimento de uma mulher torturada na ditadura militar brasileira, que diz respeito a um momento histórico específico, vamos ver que as práticas violentas perpetuam desde a constituição dessas organizações e que em diversos momentos se mostraram cada vez mais violentas, principalmente no que diz respeito ao período da ditadura militar.

Referências

Adorno, S. (2002). Exclusão socioeconômica e violência urbana. Sociologias, Porto Alegre, v. 8, n. 4, p.84-135.

Coimbra, M. C., Passos, E. & Barros, R. B. (2002). Direitos humanos no Brasil e o grupo

Tortura Nunca Mais/RJ. In: Equipe Clínico-Grupal Grupo Tortura Nunca Mais/rj (org.). Clínica

e política: subjetividade e violação dos direitos humanos. Rio de Janeiro, Te Cora/Instituto Franco Basaglia

Elizabeth, L. (2015). Segurança Pública em números. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Brasil, São Paulo. ISSN 1983 - 7364, p. 12 - 52.

Minayo, M. C. & Adorno, S. (2013). Risco e (in)segurança na missão policial. Ciênc.

Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p.13-23.

Paulo, V. (Org.). (2010). Luta, substantivo feminino. Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura. São Paulo: Caros Amigos.

SINPEF, (2016). História da polícia no Brasil. Polícia do Brasil: sua origem e participação no sistema criminal brasileiro. Disponível em: < http://sinpefpb.org.br/historia-da-policia-no-brasil-2/>. Acesso em: 18 dez. 2016.

Souza, C. S. & Morais, M. S. (2011). Polícia e sociedade: uma análise da história da segurança pública brasileira.

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