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BREVE HISTÓRICO DOS ESTUDOS DAS LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS Nataniel dos Santos Gomes (UFRJ/SUAM).

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BREVE HISTÓRICO DOS ESTUDOS DAS LÍNGUAS INDÍGENAS BRASILEIRAS

Nataniel dos Santos Gomes (UFRJ/SUAM). Estudar a linguagem é estudar a humanidade. Em nenhum outro lugar a cultura é tão bem espelhada como na fala.

SOCIEDADE INTERNACIONAL DE LINGÜÍSTICA É óbvio que os índios não representam um povo, mas muitos povos, que se diferem bastante entre si. É claro que as línguas também são diferen-tes. Provavelmente na época da chegada dos primeiros europeus em nossa terra, o número de línguas fosse, no mínimo, o dobro do que é hoje. Assim, cada língua tem determinados traços, que podem coincidir com outras, mas no seu conjunto caracterizam-se como um sistema único de expressão hu-mana.

Algumas das línguas desaparecidas foram documentadas, mas a grande maioria não deixou-nos um traço sequer.

No passado as informações e dados lingüísticos sobre as línguas in-dígenas brasileiras pertenciam ao registro dos etnógrafos, principalmente no século XIX, e as obras jesuíticas a um passado ainda mais remoto. Quere-mos dizer os primeiros contatos científicos com as línguas indígenas foram feitos através de missionários nos tempos da colonização, com grande re-percussão para os estudos da atualidade.

Todos os trabalhos são extrema importância, principalmente no re-gistro de línguas já extintas. Os etnólogos alemães responsáveis por estes trabalhos tiveram excelente formação, por isto podemos confiar em seus re-gistros para as análises atuais.

A obra jesuítica traz trabalhos comparativos de suma importância pa-ra análise das línguas já extintas da família Tupi da costa. Esses Tupi ti-nham vindo do sul em movimentos migratórios, expulsando outros povos, que estavam a pouco tempo no litoral, de modo que foram estes que tiveram contato com os colonizadores e missionários. Os portugueses desprezaram as outras línguas por causa disto.

O missionário jesuíta apaixonou-se pelo Tupi a ponto de considerar-se hostil às outras línguas, criando a noção de padrão. É lógico que naquele momento o missionário tinha o objetivo apenas religioso. O ideal era tal, que rapidamente se suprimiu o problema da comunicação. E de acordo com Mattoso Câmara, os missionários obtiveram certo resultado com isso, usan-do as gramáticas latinas como base. É a chamada língua geral, que chegou a se implantar em certas regiões do Brasil. E esta expressão foi utilizada ini-cialmente pelos portugueses e espanhóis para qualificar as línguas indígenas de uma determinada área.

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O problema gerado foi o da simplificação fonética muito grande, tendendo a deixar de lado tudo aquilo que era exótica para sua reprodução, e adulterando-se as categorias genuínas e o valor de morfemas, graças a regu-larização pelos modelos de gramática latina.

Feitos estes comentários, trabalhos como do Padre Anchieta tornam-se gramáticas fundamentais para estes estudos. Assim tornam-se propagou um não-Tupi em certos grupos mestiços, fornecendo um grande vocabulário para o português do Brasil.

Nos estudos modernos temos pecado por somente fazermos listas de palavras, sem uma sistematização, uma interpretação, salvo raríssimas ex-ceções gerativistas. As listas foram e são preparadas muitas vezes com inte-resses etnológicos.

De qualquer forma não devemos ser críticos demais. Deste trabalho surgiu a primeira tentativa de classificação dos quatro grupos indígenas: Tupi, Jê, Aruak e Karib.

A lingüística estruturalista se instaura nos anos sessenta, através de Joaquim Mattoso Câmara Jr. É criado o Setor de Lingüística do Departa-mento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. Este foi o primeiro programa na modernidade de lingüística voltado para o estudo das línguas indígenas brasileiras. O programa teve entre as figuras principais os lingüis-tas do Summer Institute of Linguistics (SIL), missão cristã-evangélica de ca-ráter acadêmico, que trouxe como metas a descrição das línguas, a confec-ção de dicionários, além da classificaconfec-ção genética das línguas.

Neste período a produção acadêmica brasileira foi mínima, com u-mas poucas dissertações de mestrado e artigos, sempre de um aspecto parci-al da língua.

E ao longo deste período formam-se as bases para o avanço dos es-tudos tipológicos, que começaram nos anos 80. Seus eses-tudos entram na UnB no final daquele período, através de Aryon Rodrigues, o mesmo acon-tecendo na UFPE, UFPA, UFSC. Há um evidente desenvolvimento nas di-versas Universidades. Começam a surgir as teorias gerativas. Em 1987 é lançado o Programa de Pesquisa Científica sobre as Línguas Indígenas, um novo impulso nos estudos.

Nos anos 90, ocorre um desenvolvimento gradual e progressivo, principalmente com o ressurgimento do museu paraense Emílio Goeldi e a reformulação do setor de Lingüística do Museu Nacional. Temos um avan-ço nos estudos tipológicos, retomados por trabalhos gerativistas, embora a prática metodológica permaneça.

Retorna-se a investigação histórica e comparativa. Possibilita-se um diálogo entre etnoarqueologia e a lingüística.

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Os trabalhos, de um modo geral, são parciais e raramente surge uma gramá-tica completa. Afinal quem pode agüentar uma pesquisa de campo desta en-vergadura? De modo que o lingüista acaba trabalhando em projetos de edu-cação escolar, o que exige tempo e dediedu-cação, que consideramos, no míni-mo justo, comíni-mo forma de retorno aos povos indígenas.

O maior número de publicações se deve a editoras universitárias, ex-ceto Línguas Brasileiras, de Aryon Rodrigues, livro gera e introdutório. A editora da UNICAMP dedica algum espaço para o assunto em seus periódi-cos. E finalmente o SIL (Summer Institute of Linguistics) lança gramáticas completíssimas, publicadas em três volumes, Handbook of Amazonian Lan-guages.

O SIL tem uma presença importantíssima na produção de vocabulá-rio, em projetos de educação, em cartilhas, manuais, gramáticas, livros de textos e etc, ainda que questionável por alguns, principalmente por sua po-sição apolítica (quem sabe governamental).

Atualmente o Museu Nacional e o Goeldi estão desenvolvendo li-nhas de produção e uma produção internacional, conquistando novos fó-runs. Notamos um aumento considerável na participação de graduandos e pós-graduandos.

É interessante notar que possuímos 177 línguas indígenas, sendo boa parte delas inéditas. A maior parte da produção é fruto da ação do SIL. Se-gundo a Prof. Bruna Franchetto, deste total de línguas 160 estão na Amazô-nia, tendo 34 uma boa documentação (28 da Amazônia), 114 têm alguma forma de documentação e 23 sem nenhum registro.

Devido aos contatos do SIL no início de seu trabalho, estamos ten-tando intercâmbios com as Universidades de Eugene, Rice e outras nos EUA. E certamente outros contatos serão ainda travados.

Infelizmente, ainda não temos nenhum banco de dados que centralize as informações sobre projetos, pesquisas e textos.

O curso de especialização do Museu Nacional enfatiza uma boa for-mação teórica. E ao mesmo tempo vão surgindo cursos nas mais diversas Universidades e instituições. Mas afinal onde se formam tais pesquisadores?

Instituições oficiais:

· Universidade Federal do Rio de Janeiro (Setor de Lingüística do Museu Nacional), sendo o centro de pesquisas mais antigo, possuindo am-plo material do SIL;

· Universidade Estadual de Campinas (Instituto de Estudos da Linguagem), com o início dos estudos em 1977;

· Museu Paraense Emílio Goeldi (Departamento de Ciências Hu-manas), sendo um instituto de pesquisa do CNPq, que ressurge das cinzas graças à dedicação do Dr. Denny Moore;

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· Universidade Federal do Pará (Departamento de Línguas e Lite-raturas Vernáculas);

· Universidade de Brasília (Departamento de Lingüística, Línguas Clássicas e Vernáculas), tomou fôlego com a chegada do Prof. Aryon Ro-drigues;

· Universidade Federal de Goiás (Museu Antropológico);

· Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal de Alagoas;

· Universidade Federal de Santa Catarina; · Fundação Universidade Federal de Rondônia; · Universidade de São Paulo.

Instituições não-oficiais:

· Summer Institute of Linguistics;

· Associação Lingüística Evangélica Missionária (ALEM) De um modo geral as populações indígenas recebem muito pouco do mundo acadêmico, quando recebem. Na realidade, a ajuda tem surgido a partir dos programas de cursos de formação para professores indígenas, co-mo parte da herança do SIL, hoje rebatizado de Sociedade Internacional de Lingüística.

Recentemente o SIL lançou um projeto para documentação sócio-lingüística das línguas Arara, Parakanã e Araweté.

O SIL tem sido muito criticado por ter lingüistas trabalhando com um intuito também religioso, a tradução da Bíblia para aqueles povos, sendo chamados de fundamentalistas. Mas será que os críticos sabem o que signi-fica fundamentalismo? O próprio Aryon Rodrigues diz que o maior catálogo de línguas do mundo é da Wycliffe Bible Translators (Dallas, 1984), orga-nização irmã do SIL. É claro que o problema está em algumas metodologias missionárias que de fato são carentes de contextualização, mas a oposição é tanta que se colocam todos os grupos no mesmo rótulo.

O SIL na década de 70 participou ativamente da escolarização dos índios, mas por questões políticas estes lingüistas foram obrigados a deixar o campo, o que poderia Ter sido uma grande oportunidade para o meio aca-dêmico mostrar sua força, que se queixava de falta de espaço para a pesqui-sa. Mesmo assim pouco se aproveita deste período, porque, de um modo bastante geral, só os missionários tinham a perseverança de permanecer no campo. O SIL também tem seu lado acadêmico que pouco se comenta. Nos anos 80, o SIL volta ao campo com apoio da FUNAI para ajuda no trabalho de edições bilíngües, gerando novas críticas das instituições universitárias.

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O próprio Mattoso Câmara deu um curso de especialização no Mu-seu Nacional junto a uma lingüista do Summer, a Drª Sarah Gudschinsky, e ao que tudo indica com grande aproveitamento.

Eles realizaram a coleta de dados de várias línguas ágrafas, para as-sim realizarem a sua descrição, dando cursos de treinamento para trabalhos de campo em lingüística para os membros do Departamento de Antropolo-gia do Museu Nacional, participando da publicação de diversos dicionários bilíngües e outros. Após os longos anos de coleta de dados a línguas chega a possuir uma forma. A partir deste grande passo eles produzem uma literatu-ra apropriada paliteratu-ra aquela nação.

A alfabetização na língua materna é fundamental para os membros da SIL, começando pelos adultos e passando em seguida para as crianças. Assim, eles são incentivados a produzir seu próprio material de leitura.

Outra crítica muito comum é da irregularidade da produção, que cremos poder acontecer em qualquer instituição por fatores contrários ao pesquisador, como uma viagem, uma doença e outros, não sendo este um bom argumento.

Certo lingüista afirmou que estava pouco preocupado com que tipo de texto fosse produzido, se a Bíblia ou contos indígenas, mas que se dei-xasse uma marca daquela língua.

O ex-secretário Nacional do Meio-Ambiente, o senhor José Antônio Lutzenberger faz o seguinte comentário, para aqueles que acham que os missionários estão em busca de minérios:

O que está por trás não são meia dúzia de padres e pastores que vão levar o perigo da internacionalização... Então, não sou a favor dos missionários e nun-ca disse que era... duvido que a maioria deles esteja lá se fazendo de missioná-rios para encontrar minério. Ora quem quer encontrar minério acha até por sa-télite. Não precisa estar andando com Bíblia.

Não fazemos parte desta organização missionária, mas cabe-nos a pergunta aos pesquisadores: Por que não fazemos um trabalho aplicado, que é de suma importância para os povos indígenas? Por que nos preocupamos tanto com as teorias, que na maioria dos casos não têm nenhum valor para os índios? Será que só estamos preocupados com os títulos, como muitas vezes Darcy Ribeiro acusou os antropólogos? Será que somos tão radicais que não valorizamos o trabalho do outro que tem uma percepção diferente do mundo?

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BIBLIOGRAFIA

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