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CAIO PAIVA THIMOTIE ARAGON HEEMANN JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

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Academic year: 2021

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CAIO PAIVA

THIMOTIE ARAGON HEEMANN

JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL

DE DIREITOS HUMANOS

(2)

Copyright © 2015, Dizer o Direito Editora

Todos os direitos desta edição reservados à Dizer o Direito Editora.

Capa:

Kleber Mendes | kleber.smendes@gmail.com Projeto gráfico e editoração:

Carla Piaggio | www.carlapiaggio.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P149 Paiva, Caio Cezar de Figueiredo

Jurisprudência internacional de direitos humanos / Caio Cezar de Figueiredo Paiva e Thimotie Aragon Hee-mann. – Manaus: Dizer o Direito, 2015.

432 p.

ISBN: 978-85-00000-00-0 1. Direitos humanos 2.Direito internacional 3. Hee-mann, Thimotie Aragon I. Título.

CDU 342.7:341

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Adriana Sena Gomes CRB 5/ 1568

www.dizerodireito.com.br

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, total ou parcial, constitui violação da lei nº 9.610/98.

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EDIÇÃO

É com muita felicidade que apresentamos ao público o primeiro livro brasileiro que trata especificamente da jurisprudência internacional de direitos humanos. Buscamos expor o conteúdo de maneira clara e siste-mática e com uma linguagem acessível, facilitando a compreensão do lei-tor acerca dos casos internacionais de direitos humanos e seus principais pontos.

Ao desenvolver esta obra, adotamos a classificação do Professor André de Carvalho Ramos e elencamos a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional e outros tribunais internacionais penais como nais de direitos humanos. Fizemo-lo porque é inegável que estes tribu-nais, embora não sejam estritamente órgãos de proteção dos direitos hu-manos, acabam por tutelar, seja de forma direta, seja de forma indireta, os direitos humanos dos indivíduos e também os direitos humanos glo-bais — estão entre estes últimos, por exemplo, a autodeterminação dos povos, o direito ao desenvolvimento e a preservação do meio ambiente. Também inserimos nesta primeira edição os dois novos casos que envol-vem o Brasil na jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direi-tos Humanos. Os casos ainda aguardam julgamento pelo tribunal inte-ramericano e, portanto, ainda não receberam um nome em definitivo da Corte até o fechamento desta edição. Por conseguinte, nominamos estes dois casos da forma que eram popularmente conhecidos durante a sua tramitação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Aguardamos as críticas construtivas e sugestões dos leitores.

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RAGON

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EEMANN

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UMÁRIO

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APÍTULO

I

GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS HUMANOS E DE DIREITO INTERNACIONAL EM SENTIDO AMPLO 11

C

APÍTULO

II

CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 15

Caso Loayza Tamayo vs. Peru 16

Caso Villagrán Morales e Outros vs. Guatemala “Caso dos Meninos de Rua” 26

Caso Olmedo Bustos e Outros vs. Chile (“A Última Tentação de Cristo”) 29

Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua 42

Caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros vs. Trinidad e Tobago 50

Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica 58

Caso Tibi vs. Equador 66

Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname 84

Caso Fermin Ramirez vs. Guatemala 89

Caso Yatama vs. Nicarágua 96

Caso Palamara Iribarne vs. Chile 112

Caso González e outras vs. México ("Campo Algodonero") 118

Caso Barreto Leiva vs. Venezuela 123

Caso Vélez Loor vs. Panamá 130

Caso Lopez Mendoza vs. Venezuela 138

Caso Atala Riffo ninãs vs. Chile 148

Caso Povo Indígena Kichwa Sarayaku vs. Equador 152

(5)

Caso Mohamed vs. Argentina 162

Caso Artavia Murillo e outros ("Fecundação in vitro") vs. Costa Rica 167

Caso Mendonza e outros vs. Argentina 172

Caso Comunidades Afrodescendentes Deslocadas da Bacia do Rio Cacarica vs. Colômbia (“Operação Gênesis”) 176

Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia 183

Caso Liakat Ali Alibus vs. Suriname 191

Caso Brewer Carias vs. Venezuela 197

Caso Norin Catrimán e outros (dirigentes, membros e ativista do povo indígena Mapuche) e vs. Chile 202

Caso Arguelles e outros vs. Argentina 206

C

APÍTULO

III

O BRASIL NA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 211

Caso Ximenes Lopes vs. Brasil 212

Caso Nogueira de Carvalho e outros vs. Brasil 218

Caso Escher e outros vs. Brasil 222

Caso Garibaldi vs. Brasil 228

Caso Gomes Land e outros vs. Brasil ("Caso Guerrilha do Araguaia") 234

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil 267

Caso Cosme Rosa Genoveva e outros vs. Brasil ("Caso Favela Nova Brasília") 270

C

APÍTULO

IV

O BRASIL E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS DA

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 275

Caso Penitenciária Urso Branco 276

Caso crianças e adolescentes privados de liberdade no "Complexo do Tatuapé" da FEBEM 282

(6)

Caso das pessoas privadas de liberdade na

Penitenciária "Dr. Sebastião Martins Silveira", São Paulo 284

Caso Unidade de Internação Socioeducativa no Espírito Santo 287

Caso Complexo Penitenciário de Curado em Pernambuco 289

Caso Complexo Penitenciária de Pedrinhas 292

C

APÍTULO

V

O BRASIL NA COMISSÃO

INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 295

Caso José Pereira vs. Brasil

(Relatório n˚95⁄03, Caso 11.289 — Solução Amistosa) 296

Caso dos Meninos Emasculados do Maranhão 301

Caso Comunidades Indígenas da Bacia do Rio Xingu vs. Brasil ("Caso Belo Monte") 309

Caso pessoas privadas de liberdade no "Presídio Central de Porto Alegre" 315

Caso Maria da Pena Maia Fernandes vs. Brasil 316

Caso Jailton Neri da Fonseca vs. Brasil 323

Caso Simone André Diniz vs. Brasil 326

C

APÍTULO

VI

O BRASIL NO SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS 331

Caso Alyne da Silva Pimentel Teixeira vs. Brasil 332

C

APÍTULO

VII

CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO CONTENCIOSA DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 339

Caso Reino Unido vs. Albânia ("Caso do Estreito de Corfu") 340

Caso República Democrática do Congo vs. Bélgica ("Caso Yerodia") 347

(7)

Caso Alemanha vs. Itália (Grécia como terceiro inteverniente) ("Caso Ferrini") 359

Caso Bélgica vs. Senegal ("Caso Habre") 366

Caso Austrália vs. Japão

("Caso das Atividades Baleeiras na Antártica") 388

C

APÍTULO

VIII

PARECERES CONSULTIVOS DA

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA 391

Caso Reparação de danos sofridos por agente das Nações Unidas ("Caso Folke Bernadotte") 392

C

APÍTULO

IX

CASOS JULGADOS PELO

TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 397

Caso The Prosecutor vs. Thomas Lubanga Dyilo 398

CasoThe Prosecutor vs. Mathieu Ngudjolo Chui 406

Caso The Prosecutor vs. Germain Katanga 408

C

APÍTULO

X

CASOS JULGADOS POR OUTROS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 411

Caso The Prosecutor vs. Charles Taylor ("Caso Diamantes de sangue") 412

(8)

CAPÍTULO I

GRAMÁTICA BÁSICA DE DIREITOS HUMANOS

E DE DIREITO INTERNACIONAL

EM SENTIDO AMPLO

(9)

CAPÍTULO II

CASOS JULGADOS PELA JURISDIÇÃO

CONTENCIOSA DA CORTE INTERAMERICANA

DE DIREITOS HUMANOS

(10)

r

esumodo

c

Aso

Haniff Hilaire, George Constantine e outras trinta pessoas foram proces-sadas e condenadas, em Trinidad e Tobago, como autoras do crime de homicídio intencional (doloso), a elas tendo sido imposta, consequente-mente, de acordo com a Lei de Delitos contra a Pessoa, a pena de morte, cuja execução se daria através da forca. Referida Lei prescreve a pena de morte como única sanção aplicável ao delito de homicídio doloso.

Das 32 presumidas vítimas, 30 se encontravam presas e aguardando exe-cução da pena capital, enquanto que uma delas teve a sua pena comuta-da e a outra, o senhor Joey Ramiah, foi executacomuta-da em junho de 1999, mui-to embora a Corte Interamericana, a pedido da Comissão Interamericana, já houvesse adotado diversas medidas provisórias entre 1998 e 1999 para preservar a vida das vítimas, as quais foram ignoradas pelo Estado de-mandado, que denunciou a Convenção Americana em 25/05/1998, não prejudicando, porém, a apuração dos fatos que ensejaram esse Caso, seja porque ocorridos antes da denúncia, seja porque esta, nos termos do art. 78 da CADH, somente produz efeito após um ano.

A Comissão considerou que Trinidad e Tobago violaram diversos disposi-tivos da CADH, mas especialmente os artigos 4.1 (direito à vida), 4.2 (pena de morte automática), 5.1 (direito à integridade pessoal) e 8.1 (direito à du-ração razoável do processo) em relação ao art. 1.1 (obrigação de respeitar direitos), considerando, pois, que a “pena de morte obrigatória”, para todas

caso Hilaire, constantine e Benjamin e

outros vs. trinidad e tobago

Ó

rgão

J

ulgador

:

Corte Interamericana de Direitos Humanos

S

enTença

:

(11)

as pessoas acusadas de homicídio doloso, sem analisar as circunstâncias do caso concreto, transforma dita pena numa sanção inumana e injusta. A Corte Interamericana foi instada, então, a decidir se a “pena de morte obrigatória” viola a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), o que respondeu afirmativamente, constatando que a Lei de Delitos contra a Pessoa de Trinidad e Tobago, ao ordenar a aplicação da pena de morte de maneira automática e genérica para o crime de homicídio intencional/ doloso, sem qualquer juízo de valor sobre o caso concreto, constitui-se numa privação arbitrária da vida, violando, consequentemente, o art. 4º da CADH. A Corte considera, ainda, que o fato de as vítimas terem sido colocadas em situação de constante ameaça, no denominado corredor da morte, de que a qualquer momento poderiam ser levadas à forca, qua-lifica as condições de detenção como tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes. Considerou a Corte, também, dentre outras conclusões, que Trinidad e Tobago violou o dever de adotar disposições de direito interno (art. 2º), o direito ao prazo razoável (artigos 7.5 e 8.1), direito a um recurso efetivo (artigos 8 e 25) e o direito de todo condenado à morte solicitar anis-tia, indulto ou comutação de pena (art. 4.6).

Por fim, a Corte determinou que o Estado demandado se abstenha de aplicar a Lei de Delitos contra a Pessoa e, dentro de um prazo razoável, a modifique para adequá-la às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, destacando, igualmente, que Trinidad e Tobago não deve, em qualquer caso e qualquer que seja o resultado dos novos julga-mentos das vítimas47, aplicar a pena de morte.

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ontosimPortAntes sobreocAso

1. Fases da regulação jurídica internacional da pena de morte

Conforme registra André de Carvalho Ramos, há três fases da regulação ju-rídica internacional da pena de morte: “A primeira fase é a da convivência tutelada, na qual a pena de morte era tolerada, porém com estrito regramen-to”, o qual abrangia, segundo o autor, limites como o da natureza do crime, vedação da ampliação, devido processo legal penal e vedações circunstan-47 Deve-se encarar com naturalidade o fato de que acusados, ainda que de crimes gra-ves, contra a vida p. ex., venham a se tornar vítimas perante o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, desde que tenha havido, no caso, conduta ilegal praticada pelo Estado.

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cias. “A segunda fase do regramento internacional da pena de morte é a do banimento com exceções. (...) A terceira — e tão esperada — fase do regra-mento jurídico da pena de morte no plano internacional é a do baniregra-mento em qualquer circunstância”48. Podemos dizer que o Brasil se encontra,

atual-mente, na “segunda fase” da regulação internacional da pena de morte, eis que, embora tenha aderido ao bloco normativo internacional de repressão à pena de morte (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o seu Segundo Protocolo Facultativo; Convenção Americana de Direitos Huma-nos e o seu Protocolo Adicional), reservou-se no direito de aplicar a pena capital no caso de guerra declarada, nos termos do art. 5º, XLVII, a, da CF. Indicativo, ainda, do rumo à “terceira fase” da regulação internacional da pena de morte, é o fato de os Tribunais Penais Internacionais ad hoc para a ex-Yugoslávia (1993) e para Ruanda (1994) não terem aplicado a pena capital, que tampouco está prevista no Estatuto de Roma (de 1998) do Tribunal Penal Internacional.

Para os países que, a exemplo do Brasil, estão parados na “segunda fase” da regulação internacional da pena de morte (recordemos: banimento da pena capital com exceções), o Direito Internacional dos Direitos Hu-manos impõe uma condicionante intransponível, qual seja, a de que o sujeito tenha praticado um “crime grave” (neste sentido, o art. 6.2 do PIDCP e o art. 4.1 da CADH). E o que pode ser considerado um crime de natureza “grave”? No âmbito da proteção global dos direitos humanos, o Comitê de Direitos Humanos da ONU já estabeleceu que crimes graves são aqueles que “impliquem em perdas de vidas humanas”49. A

jurispru-dência do sistema global é seguida pelo sistema regional americano, o que pode ser visto no próprio precedente formado neste Caso Hilarie, 48 RAMOS, André de Carvalho. In: PETERKE, Sven (Coord.). Manual Prático de Direitos

Humanos Internacionais. Brasília: ESMPU/DF, 2010, p. 248-250.

49 Cf. Observação Geral nº 6 e também as Observações Finais sobre o Irã. Ainda na juris-prudência do Comitê, se encontram precedentes que concluem pela violação do PIDCP no caso de aplicação da pena de morte em crime de roubo à mão armada sem vítima fatal (Caso Lubuto vs. Zambia, 1995) e também em casos de aplicação obrigatória/au-tomática da pena capital, sem analisar as circunstâncias particulares do caso concreto (Caso Kennedy vs. Trinidad y Tobago, em 2000, e Caso Thompson vs. San Vicente y Las Granadinas, em 2002). Também no âmbito da ONU, a antiga Comissão de Direitos Hu-manos instou os Estados a velarem para que “o conceito de ‘crimes mais graves’ se

limi-te aos delitos inlimi-tencionais com consequências fatais ou extremamenlimi-te graves e que não imponham a pena de morte por atos não violentos” (Cf. Resolução 2005/59 Questão da

Pena Capital da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Disponível em: <http://www. acnur.org/biblioteca/pdf/4339. pdf?view=1>, p. 3).

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em que, mesmo diante de um crime contra a vida (homicídio doloso), a Corte Interamericana censurou a aplicação da pena de morte (muito embora, advirta-se, a principal faceta da decisão relaciona-se à “obriga-toriedade” da pena capital).

2. Repúdio à aplicação obrigatória da pena de morte

No Caso Hilaire e outros vs. Trinidad e Tobago, objeto destes breves aponta-mentos, a importância da decisão da Corte Interamericana está no “repúdio à aplicação obrigatória da pena de morte sem individualização penal e pos-sibilidade de indulto, graça ou anistia”4. Registra Antônio Augusto Cançado Trindade, ainda, ter sido esta “a primeira vez que um tribunal internacional determina que a pena de morte ‘obrigatória’ é violatória de um tratado de di-reitos humanos como a Convenção Americana, que o direito à vida é violado pela aplicação da pena de morte de modo genérico e automático, sem indivi-dualização e sem as garantias do devido processo legal, e que, entre as medi-das de reparação, deve o Estado demandado modificar sua legislação penal para harmonizá-la com a normativa de proteção internacional dos direitos humanos e abster-se, em qualquer caso, de executar os condenados” (§ 1º). Consta do julgamento deste Caso Hilaire referência, pela Corte Interamerica-na, à decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos em Woodson vs. North Carolina (1976), em que, da mesma forma, se estabeleceu que a condenação obrigatória à pena de morte constitui uma violação das garantias do devido processo da Emenda XIV e do direito a não ser submetido a um tratamento cruel ou incomum da Emenda XIII, em relação com a Constituição dos EUA. Neste mesmo Caso, a Suprema Corte americana também indicou que a im-posição da pena de morte requer uma consideração dos aspectos relevantes do caráter do acusado e as circunstâncias do crime praticado.

3. Pena de morte e aspectos subjetivos do condenado

Sobre “aspectos relevantes” da pessoa do acusado/condenado, o art. 4.5 da CADH estabelece que “Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez”. Importante ressaltar, aqui, a importantíssima conclusão da Comissão Interamericana no Caso Michael Domingues vs. EUA, em 2002, ao assentar que “o Estado atuou em violação de uma norma de jus cogens internacional ao senten-ciar Michael Domingues à pena de morte por um delito que cometeu quan-do tinha 16 anos. Portanto, se o Estaquan-do vier a executar o Sr. Domingues em virtude desta sentença, a Comissão conclui que será responsável por uma

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grave e irreparável violação do direito à vida do Sr. Domingues segundo o artigo I da Declaração Americana”50. Curiosidade: o Caso Michael

Domin-gues teve como representante da vítima, na Comissão Interamericana, um Defensor Público do Condado Clark (EUA), que havia complementado peti-ção anteriormente apresentada por uma entidade de defesa dos direitos humanos dos EUA. Importante: o Caso Michael Domingues representa uma superação do precedente da Comissão firmado no Caso Roach e Pinkerton vs. EUA, em que se estabeleceu que não existia, naquele momento, uma norma consuetudinária em direito internacional que impedisse a aplica-ção da pena de morte a menores de 18 anos. Interessante: em consulta de lista com os nomes das pessoas executadas nos EUA por crimes cometidos antes dos 18 anos de idade, não se encontra o nome de Michael Domingues, fato que leva a crer que os EUA tenham acatado o parecer da Comissão51.

Ainda sobre a proibição de aplicação da pena de morte a determinados gru-pos de pessoas, embora os Pactos Internacionais prevejam expressamente apenas menores de 18 anos, maiores de 70 anos e mulheres grávidas, impor-tante ressaltar que o Conselho Econômico e Social da ONU, em sua Resolu-ção nº 1989/64, recomenda aos Estados membros abolirem a pena de mor-te — também — para os casos de pessoas que padeçam de retardo mental ou com capacidade mensal claramente limitada. Da mesma forma, a antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua Resolução nº 2005/59, que, além de prever a hipótese dos deficientes mentais, ainda amplia a situação de gravidez para abranger também mulheres com filhos bebês52.

4. Atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a res-peito de países que não aderiram a CADH

Poderia surgir a seguinte dúvida: mas se os EUA não aderiram à CADH, como a Comissão pode ser instada a se manifestar sobre violações de direitos humanos praticadas por aquele país? A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui uma particularidade interessante, qual seja, a de integrar o sistema da Carta da OEA e também o sistema da Conven-50 Para consultar e ler na íntegra o Relatório da Comissão neste Caso: <http://cidh.oas.

org/annualrep/2002port/ EstadosUnidos.12285.htm> (em português).

51 Cf. OLIVEIRA, Sonia de. A proibição de imposição da pena de morte a delinquentes juvenis como norma jus cogens prevista pela Comissão Interamericana. Revista

Bra-sileira de Direito Internacional, Curitiba, v. 5, jan./jun. 2007, p. 88-89.

52 Informação extraída de Estándares internacionales relativos a la aplicación de la pena de muerte. Comisión Internacional de Juristas, Genebra/Suíça, p. 19. Disponí-vel em: <http://www.refworld.org/pdfid/530ef6f94.pdf>.

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ção Americana de Direitos Humanos. E qual a vantagem desta previsão? Simples, porém, muito importante: a Comissão poderá atuar em casos de violação de direitos humanos nos quais o país acusado não tenha ratifica-do a Convenção Americana de Direitos Humanos, mas integre, por outro lado, a OEA — Organização dos Estados Americanos. Vejamos, neste sen-tido, a didática exposição de André de Carvalho Ramos:

“Por disposição expressa da Carta da OEA, partes expressivas das atribuições da Comissão só se desenvolverão sob a égide da Carta da OEA caso o Estado alvo ainda não tiver ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos. Até o momento, somente 24 dos 35 Estados da OEA ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos. Há, então, uma relação de subsidiariedade: caso o Estado tenha ratificado a Convenção Americana, a Comissão atuará sob a égide de tal diploma; se pertencer ao grupo de 11 Estados que ainda não a ratificou a Comissão atuará de acordo com a Carta da OEA e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.

Em síntese, a OEA, com base nos preceitos de sua Carta, não esperou pelo surgimento e fortalecimento do sistema próprio interamericano de proteção aos direitos humanos. Para tanto, a Comissão Interame-ricana de Direitos Humanos foi criada em 1959 e, em seu estatuto, consta a atribuição de promover os direitos humanos proclamados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de 1948. (...)

O Estatuto da Comissão possibilita que ela receba petições indivi-duais contendo alegadas violações a direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana, de maneira similar ao sistema de petição individual sob a égide da Convenção Ameri-cana de Direitos Humanos. O objetivo desse sistema é a elabora-ção de recomendaelabora-ção ao Estado para a observância e garantia de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem.

(...)

Caso o Estado não cumpra com tais recomendações, a Comissão de-cide pelo encaminhamento à Assembleia Geral para que esta adote, como órgão político encarregado do respeito às disposições da Carta da OEA, medidas para fomentar o respeito aos direitos humanos”53.

53 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 198-200.

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5. O fenômeno do “corredor da morte”

Outro tema importante, que pode ser abordado a partir das considera-ções sobre a pena de morte, é o denominado “fenômeno do corredor da morte” (death row phenomenon), que foi severamente criticado pela Corte Interamericana neste Caso Hilaire. Sobre o assunto, imprescindível lembrar que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no conhecido Caso Soering vs. Reino Unido, determinou que o “corredor da morte” é um tra-tamento cruel, inumano e degradante, e justamente por essa razão impe-diu que o Estado demandado extraditasse o indivíduo demandante (um nacional alemão) aos EUA, onde poderia ser condenado à morte e, conse-quentemente, submetido ao sofrimento intenso e prolongado de espera de execução no “corredor da morte”, cenário que evidenciaria violação do art. 3º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

6. Brasil e pena de morte para extraditando

Para finalizar, sem qualquer pretensão de esgotar este — inesgotável — tema da “pena de morte”, devemos recordar que o Brasil não pode entre-gar extraditando a Estado que poderá aplicar a pena de morte, entendi-mento este consolidado na jurisprudência do STF desde 1959 (Plenário, Ext 218) até os dias atuais (Plenário, Ext 1201, julgada em 2011). A exceção, ainda conforme a jurisprudência do Supremo, ficaria por conta da hipóte-se em que a Constituição Federal brasileira admite a aplicação da pena de morte, nos termos do seu art. 5º, XLVII, a, quando seria permitida, portan-to, a extradição (neste sentido: Plenário, Ext 633, julgada em 1996).

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ncidênciA dotemAemProvAsdeconcursos

(DPE/SP — DEFENSOR PÚBLICO, 2006 — FCC) Em atenção ao que dispõe o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos seu Segundo Protocolo Adicional com vista à Abolição de Pena de Morte, a pena de morte é: a| proibida em qualquer hipótese, pois o direito à vida é inerente à

pes-soa humana, sendo vedada a formulação de reserva pelo Estado-Par-te, no ato de ratificação do tratado.

b| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada pelo Estado-Parte, no ato de ratificação do tratado, relacionada à sua aplicação apenas em tempo de guerra.

c| proibida em qualquer hipótese, exceto mediante reserva formulada pelo Estado-Parte, no ato de ratificação, relacionada à sua aplicação

(17)

apenas aos crimes mais graves, obedecidos os princípios da legalida-de, anterioridade e jurisdicionalidade.

d| permitida nos Estados-partes a que a pena de morte não havia sido abolida, à época da ratificação do tratado, mas reservada aos crimes mais graves, e obedecidos os princípios da legalidade, anterioridade e jurisdicionalidade.

e| permitida nos casos mais graves, obedecido o devido processo legal, a fim de compatibilizar o direito individual à vida com o direito social à segurança pública.

Gabarito: a alternativa correta é a letra (B), conforme explicação veiculada

nos Pontos Importantes sobre o Caso.

(MPT — 16º CONCURSO PROCURADOR DO TRABALHO — ADAPTADA) As-sinale a alternativa INCORRETA:

De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos, em ne-nhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.

Gabarito: a alternativa (C) está correta e, por isso, não deveria ter sido

marcada. Neste sentido, dispõe o art. 4.4 da CADH: “Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos co-muns conexos com delitos políticos”.

Embora não se trate de uma Questão de Concurso, chamo a atenção dos alunos que estudam — principalmente — para o concurso do MPF para o seguinte Caso apresentado por André de Carvalho Ramos no Manual Prático de Direitos Humanos Internacionais, produzido pela Es-cola Superior do Ministério Público da União (ESMPU):

O Estado X inflige a pena de morte a delinquentes adolescentes a par-tir dos 14 anos. Ele não ratificou nenhum tratado internacional vetando essa prática. Ademais, corroborou várias vezes sua opinião oficial de que tal prática seria seu “bom direito”. A prática de impor a pena de morte aos jovens autores de delitos violaria, mesmo assim, obrigações internacionais emanadas dos direitos humanos?

comentário: A resposta, coincidente com a apresentada pelo professor

André de Carvalho Ramos, se encontra nos Pontos Importantes sobre o Caso, destacando-se, pois, o importantíssimo Caso Michael Domingues vs. EUA apreciado pela Comissão Interamericana.

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c

Aso

O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, popularmente conhecido como “caso Guerrilha do Araguaia”, trata da responsabilidade do Estado bra-sileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de aproximadamente setenta pessoas, entre elas integrantes do PCB (Parti-do Comunista Brasileiro) e camponeses da região (Parti-do Araguaia, situada no Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975.

A maioria das vítimas desaparecidas integrava (ou pelo menos havia uma suspeita de que o fizessem) o movimento de resistência intitulado “Guer-rilha do Araguaia”, conhecido por realizar atos de resistência e oposição aos militares. Naquela época, o governo do Estado brasileiro implemen-tou ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes do movi-mento “Guerrilha do Araguaia”, no que obteve êxito.

Ocorre que, no dia 28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal nº 6.683, popularmente conhecida como “Lei da Anistia”. Esse diploma nor-mativo perdoou todos aqueles que haviam cometidos crimes políticos ou conexos com eles no período da ditadura militar, o que acabou gerando a irresponsabilidade de todos os agentes do Estado brasileiro que par-ticiparam dos massacres ocorridos no período da ditadura, inclusive em relação aos fatos ocorridos na região do Araguaia.

A controvérsia chegou até a Comissão Americana de Direitos Humanos no dia 07 de agosto de 1995, através de petição apresentada pelo Centro

caso Gomes land e outros vs. Brasil

("caso Guerrilha do araguaia")

Ó

rgão

J

ulgador

:

Corte Interamericana de Direitos Humanos

d

eCiSão

:

(19)

de Justiça e de Direito Internacional (CEIJL) e também pela organização não-governamental Human Rights Watch, em nome dos familiares dos desaparecidos na região do Araguaia.

No dia 21 de novembro de 2008, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou um relatório de mérito sobre o feito, com o propósi-to de que o Brasil adotasse suas recomendações. O prazo foi prorrogado duas vezes sem que o Estado se manifestasse sobre o caso, o que levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a submeter o caso à Cor-te InCor-teramericana de Direitos Humanos. A Comissão pugnou pela respon-sabilização do Estado brasileiro pela violação dos seguintes dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos: artigo 3º (direito ao re-conhecimento da personalidade jurídica), artigo 4º (direito à vida), artigo 5º (direito à integridade pessoal), artigo 7º (direito à liberdade pessoal), artigo 8º (garantias judiciais), artigo 13 (liberdade de pensamento e de ex-pressão) e artigo 25 (proteção judicial). A Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos ainda fez referência à promulgação da Lei da Anistia no Estado brasileiro, que ocasionou a não-realização da investigação penal e do cumprimento do dever de perseguir e julgar os responsáveis pelos massacres no caso Gomes Lund vs. Brasil.

O Estado Brasileiro alegou quatro exceções preliminares, postulando que a Corte: a) não poderia atuar como uma “quarta instância” diante do Judiciá-rio Brasileiro; b) declarasse a sua incompetência, em razão dos fatos ocorri-dos no caso “Guerrilha do Araguaia” terem ocorrido antes da aceitação da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo Brasil (cláu-sula ratione temporis); c) a falta de interesse processual dos representantes das vítimas no caso; d) a falta do esgotamento dos recursos administrati-vos. Entretanto, nenhuma destas exceções foi acolhida pela Corte Intera-mericana de Direitos Humanos, que passou a julgar o mérito da causa. No mérito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu por una-nimidade que:

“3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a

investi-gação e sanção de graves violações de direitos humanos são incom-patíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

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4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurí-dica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Huma-nos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em confor-midade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma.

5. O Estado descumpriu a obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e 1.1 do mesmo instrumento, como consequência da interpretação e aplicação que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garan-tias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos ar-tigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis, em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada, indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos parágrafos 137 a 182 da mesma.

6. O Estado é responsável pela violação do direito à liberdade de pen-samento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Ame-ricana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1, 8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber infor-mação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Ame-ricana, em relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da pre-sente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão.

7. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pes-soal, consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presen-te Senpresen-tença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão”.

Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a sua sentença constitui per se uma forma de reparação, além de outras

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medidas que devem ser tomadas pelo Brasil como forma de reparação no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. São elas:

1. O Estado deverá conduzir eficazmente a investigação penal dos fa-tos do presente caso, esclarecer, responsabilizar penalmente e aplicar sanções e consequências dispostas em lei;

2. Determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado das vítimas e da execução extrajudicial;

3. O Estado não poderá aplicar a lei de anistia em benefício dos auto-res, ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se da obrigação;

4. As autoridades que realizarão as investigações disponham de todos os recursos necessários para realizá-las da melhor forma possível, as pessoas que participem da investigação recebam a devida segurança, não sejam realizados atos que prejudiquem o processo investigativo; 5. Que os supostos responsáveis militares sejam julgados em jurisdi-ção ordinária e não em jurisdijurisdi-ção militar;

6. O resultado dos processos deverá ser publicamente divulgado, para que a sociedade brasileira conheça os fatos, objeto do presente caso; 7. O Estado deve esforçar-se para que, com brevidade, sejam encontra-dos os restos mortais das vítimas da Guerrilha do Araguaia. O Estado também deve ser encarregado de custear possíveis despesas funerárias; 8. Conceder o prazo de seis meses, contados a partir da notificação da sentença para requerer atendimento psicológico e psiquiátrico, que deverá ser prestado por entidades públicas, na localidade mais próxi-ma à vítipróxi-ma, e os medicamentos necessários;

9. A sentença deverá ser publicada no Diário Oficial e também em um jornal de grande circulação nacional. A sentença ainda deve ser publicada em formato de livro eletrônico na internet;

10. Deve ser realizado um ato público para o reconhecimento de res-ponsabilidade internacional, no prazo de um ano após a publicação da sentença, na presença de altas autoridades nacionais, com cober-tura do evento pela imprensa;

11. O Estado brasileiro deverá implementar, em prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos em todos os níveis das forças armadas;

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13. O Estado brasileiro deverá adotar medidas legislativas que refor-cem o acesso à informação da população;

14. Realizar a criação de uma Comissão da Verdade para que se inves-tigue e se faça conhecer toda a verdade sobre os fatos ocorridos no período da ditadura militar;

15. O pagamento da quantia de US$ 3.000,00 (três mil dólares) para cada familiar da vítima pelo dano material;

16. O pagamento da quantia de US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares) para cada familiar direto e de US$ 15.000,00 (quinze mil dó-lares) para cada familiar indireto;

17. O pagamento de US$ 5.000,00 (cinco mil dólares) aos familiares e US$ 35.000,00 (trinta e cinco mil dólares) a favor do grupo “Tortura Nunca Mais” da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo e do Centro pela Justiça e o Direito Internacio-nal, respectivamente a título de custas e gastos”237.

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1. O caso “Guerrilha do Araguaia” envolve o tema da justiça de transi-ção e suas quatro dimensões

O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil é mais um caso julgado pela Corte In-teramericana de Direitos Humanos238 envolvendo Leis de Anistia, Justiça de

transição e suas quatro dimensões. Em uma breve síntese, entende-se por justiça de transição (ou “transitional justice”) um conjunto de mecanismos judiciais ou extrajudiciais utilizados por uma sociedade como um ritual de passagem à ordem democrática após graves violações de direitos huma-nos por regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a res-ponsabilidade dos violadores de direitos humanos, o resguardo da justiça e a busca da reconciliação. Assim, a justiça de transição compreende diversas práticas administrativas e judiciais que visam deslegitimar o regime antId.

237 Uma breve síntese da sentença do caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/ casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. 238 O primeiro caso julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos

envolven-do Justiça de Transição e Leis de Anistia foi o caso Barrios Altos vs. Peru. Outros julgados envolvendo o tema também já foram apreciados e julgados pela Corte IDH, são eles: Almonacid Arellano e outros vs. Chile, La Cantuta vs. Peru, Gelman vs.

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ocrático anterior, como por exemplo, prover indenizações aos familiares das vítimas, responsabilizar o Estado pelos abusos cometidos etc. Histori-camente, o conceito de “justiça de transição” e suas quatro dimensões é de autoria do Conselho de Segurança da ONU. Vejamos o conceito Onusiano proferido por Jorge Chediek, representante residente do Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e coordenador residente do Sistema ONU Brasil: “Para a família da ONU, justiça de transição é o conjun-to de mecanismos usados para tratar o legado histórico da violência dos re-gimes autoritários. Em seus elementos centrais estão a verdade e a memória, através do conhecimento dos fatos e do resgate da história. Se o Desenvol-vimento Humano só existe de fato quando abrange também o reconheci-mento dos direitos das pessoas, podemos dizer que temos a obrigação moral de apoiar a criação de mecanismos e processos que promovam a justiça e a reconciliação. No Brasil, tanto a Comissão de Anistia quanto a Comissão da Verdade configuram-se como ferramentas vitais para o processo histórico de resgate e reparação, capazes de garantir procedimentos mais transparentes e eficazes. É papel da ONU, como agente de mudança e de transformação, sen-sibilizar e predicar àqueles que não compartilham destes ideais a importân-cia da construção e do respeito aos Direitos Humanos, pedra fundamental sobre a qual está edificada a Carta das Nações Unidas. É através desse prisma que os ideais de um mundo mais justo e pacífico devem ser concretizados. Justiça, paz e democracia não são objetivos que se excluem. Ao contrário, são imperativos que se reforçam”239.

Outrossim, o Conselho de Segurança da ONU também definiu quatro práticas para lidar com o regime de exceção. A doutrina costuma chamar essas facetas de “dimensões”. São elas: a) direito à memória e à verdade; b) direito à reparação das vítimas (e seus familiares); c) o adequado trata-mento jurídico aos crimes cometidos no passado; d) a reforma das insti-tuições para a democracia. Sobre o conceito de justiça de transição e suas dimensões, é a lição de André de Carvalho Ramos: “A justiça de transição engloba o conjunto de dispositivos que regula a restauração do Estado de Direito após regimes ditatoriais ou conflitos armados internos, engloban-do quatro dimensões (ou facetas): (i) direito à verdade e à memória; (ii) o direito à reparação das vítimas; (iii) o dever de responsabilização dos perpe-tradores das violações de direitos humanos e, finalmente (iv) a formatação 239 CHEDIEK, Jorge. Justiça de Transição. Manual para a América Latina. ONU. Brasil e Nova Iorque. p.16. Disponível em: <http:// www.dhnet.org.br/verdade/resisten-cia/a_pdf/manual_justica_transicao_america_latina.pdf>.

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democrática das instituições protagonistas da ditadura (por exemplo, as Forças Armadas)”240.

Vejamos cada uma das facetas da justiça de transição:

1.1. Direito à verdade e à memória

O direito à verdade e à memória nada mais é do que uma busca de toda informação ou esclarecimento de interesse público para que a população saiba o que realmente aconteceu ou não durante o período do regime antId.ocrático. Essa faceta da justiça de transição pode ser concretiza-da através de mediconcretiza-das administrativas, resguarconcretiza-dando a história do país afetado pelo regime antId.ocrático, e também através de ações judiciais que visem obter a devida reparação pelos danos sofridos no regime an-tId.ocrático, bem como responsabilizar os responsáveis pelas violações de direitos humanos. Nessa linha, André de Carvalho Ramos esclarece que o direito à verdade e à memória é dotado de uma dupla finalidade. Vejamos o esclarecimento do autor: “O direito à verdade consiste na exigência de toda informação de interesse público, bem como exigir o esclarecimento de situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos. Tem du-pla finalidade: o conhecimento e também o reconhecimento das situações, combatendo a mentira e a negação de eventos, o que concretiza o direito à memória. (...) O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta históri-ca, mediante Comissões da Verdade (ver abaixo a Lei n. 12.528/2012), quanto na sua faceta judicial (fruto das ações judiciais — cíveis e criminais — de punição dos agentes responsáveis)”241.

1.2. Direito à reparação das vítimas

Essa dimensão da justiça de transição pode ser realizada tanto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo próprio Judiciário bra-sileiro. O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de inúmeras ma-neiras, tais como: a publicação da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Diário Oficial da União como pedido de desculpas; a descoberta do que efetivamente ocorreu no período do regime antId. ocrático; a localização dos corpos das vítimas do delito de desapareci-mento forçado no período ditatorial; a concessão de indenizações para os familiares das vítimas etc. No caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro 240 15 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 623 241 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 623.

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a indenizar diversos familiares das vítimas desaparecidas na região do Araguaia. Além disso, e como concretização do direito à reparação das vítimas (e seus familiares), o Judiciário brasileiro vem entendendo que a Lei de Anistia não pode ser estendida à esfera civil, o que possibilita que as pessoas suspeitas de cometer atos ilícitos no período entre 1661 e 1979 possam ser demandadas na justiça para que reparem seus danos.

1.3. A reforma das instituições para a democracia

Desde o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil vem evoluindo para o cumprimento dessa dimensão da justiça de transição. A Constitui-ção Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o que muitos entendem como o regime mais democrático de toda a história brasileira. Nesta linha, as próprias Forças Armadas passaram por um processo de reformulação e democratização desde o fim do período ditatorial. Atualmente, a liberda-de liberda-de expressão, a liberdaliberda-de liberda-de ir e vir, o direito liberda-de reunião e o direito liberda-de associação, estão consagrados como direitos fundamentais e não podem sofrer limitação arbitrária por parte do Estado. Entretanto, se reconhece que o Brasil ainda pode melhorar seu regime democrático, principalmen-te no que tange a concretização de direitos sociais242.

2. Divergência entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana de Direitos Humanos

No dia 21 de outubro de 2008, o Conselho Federal da OAB ajuizou uma ADPF almejando conferir interpretação conforme a Constituição para que a Lei da Anistia brasileira fosse interpretada no sentido de excluir os agentes da ditadura militar dos seus efeitos. Em síntese, o Conselho Federal da OAB invocou preceitos fundamentais constitucionais como o princípio da igualdade, o direito à verdade, o princípio republicano e a dignidade da pessoa humana. Ocorre que, no dia 28 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a demanda proposta pelo CFOAB. Segundo o STF, a Lei da Anistia deve ser aplicada aos atos crimi-nosos cometidos pelos agentes da ditadura. Já no dia 24 de novembro de 2010, quase sete meses após a decisão proferida pelo Supremo na ADPF 153, a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, reconhecendo a invalidade da Lei de Anistia

brasi-242 Segundo o conceito moderno, a democracia não consistiria somente no governo das maiorias, mas também em um regime em que todos os indivíduos possam exercer seus direitos básicos sem qualquer privação ou arbitrariedade.

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leira e condenando o Estado brasileiro a investigar e punir os agentes da ditadura militar pelas graves violações de direitos humanos ocasionadas na região do Araguaia durante o período ditatorial. Segundo a Corte In-teramericana de Direitos Humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos todas as anistias de graves violações de direitos humanos e não somente as “autoanistias”243. Desse modo, restou

instalada uma divergência entre a jurisprudência da Corte Interamerica-na de Direitos Humanos e do Supremo TribuInteramerica-nal Federal.

2.1. Critérios para solucionar essa divergência: Diálogo das Cortes e Teo-ria do Duplo Controle

Diante da celeuma instalada em razão da divergência entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a doutri-na244 propõe dois critérios para que se tente uma harmonização entre os

entendimentos colocados em questão.

O primeiro critério, considerado de natureza preventiva, é o do “diálogo das cortes”. Embora não haja um verdadeiro “conflito” entre uma decisão do Supremo Tribunal Federal e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é necessário que os tribunais domésticos e interna-cionais andem lado a lado para que a proteção internacional dos direitos humanos se perfectibilize da melhor maneira possível. Com a adoção do “diálogo das cortes”, haveria uma maior interação entre os tribunais na-cionais e internana-cionais e, consequentemente, menos ações de responsa-bilização por violações de direitos humanos, dado que os entendimentos dos tribunais nacionais estariam, muito provavelmente, alinhados com a jurisprudência das cortes internacionais. Sobre o diálogo das cortes, é a lição de André de Carvalho Ramos: “(...) como seria possível a execução da parte central da condenação brasileira no caso Gomes Lund, que é justa-mente a obrigação de investigar, perseguir em juízo e punir criminaljusta-mente os agentes da ditadura militar que violaram barbaramente os direitos hu-manos naquele período? Antes de responder, parto da seguinte premissa: não há conflito insolúvel entre às decisões do STF e da Corte de San José, uma vez que ambos os tribunais têm a grave incumbência de proteger os direitos humanos. Eventuais conflitos são apenas conflitos aparentes, fruto do pluralismo normativo que assola o mundo de hoje, aptos a serem solu-cionados pela via hermenêutica. Para resolver esses conflitos aparentes, há 243 As leis de “autoanistias” também são chamadas de “anistia amnésica”.

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dois entendimentos. O primeiro deles é preventivo e consiste no apelo ao ‘Diálogo das Cortes’ e à fertilização cruzada entre os tribunais. Com isso, an-tevejo, no futuro, o uso pelo STF das posições dos diversos órgãos internacio-nais de direitos humanos aos quais o Brasil já se submeteu. Claro que não é possível obrigar os juízos nacionais ao ‘diálogo das Cortes’, pois isso des-naturaria a independência funcional e o Estado Democrático de Direito”245.

No atual estágio da proteção internacional dos direitos humanos, o crité-rio do diálogo das cortes é, na maioria das vezes, insuficiente. No Brasil, o próprio STF tem postura lamentável ao ignorar, na grande maioria dos casos, os precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, fa-zendo-lhes menção apenas quando determinado entendimento da Corte IDH corrobora o entendimento que o STF pretende que prevaleça.

O segundo critério é o da “teoria do duplo controle (ou do duplo crivo” de direitos humanos. Caracterizada a insuficiência do “diálogo das cortes”, a doutrina criou a teoria do duplo controle (ou duplo crivo) de direitos hu-manos para tentar solucionar a divergência entre a jurisprudência nacio-nal e a internacionacio-nal. Segundo essa teoria, os direitos humanos possuem no Brasil uma dupla garantia: controle abstrato de constitucionalidade, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, e o controle de convencionalida-de autêntico246, exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Assim, com base na teoria do duplo controle de direitos humanos, seria possível dirimir uma eventual controvérsia aparente entre uma decisão do Supremo Tribunal Federal e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos; seria necessário para tanto que o entendimento espo-sado por ambas as Cortes respeite ao mesmo tempo o crivo da constitu-cionalidade e o crivo da convenconstitu-cionalidade247. Vejamos a lição do criador

da teoria do duplo controle, o professor e Procurador Regional da Repúbli-ca André de Carvalho Ramos: “De um lado, o STF, que é o guardião da Cons-tituição e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF 153 (controle abstrato de constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem consti-245 RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3. ed. São

Paulo: Saraiva, 2013, p. 393-394.

246 Segundo a doutrina, há duas modalidades de controle de convencionalidade: o con-trole provisório e o concon-trole autêntico. Essa discussão será abordada oportunamente. 247 A Corte Interamericana de Direitos Humanos utilizou a expressão “control de con-vencionalidad”, pela primeira vez (25 de novembro de 2003), no julgamento de “Myrna Mack Chang vs. Guatemala”.

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tucional. Por outro lado, a Corte de San José é guardiã da Convenção Ameri-cana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte IDH, a Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da dita-dura. Com base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão do STF e da Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que se respeita o crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o crivo de convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Todo ato interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois crivos. Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve o Estado envidar todos esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os da-nos causados. No caso da ADPF 153 houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou (com votos contrários, diga-se) por um, o controle de constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. Cabe, agora, aos órgãos internos (Ministério Público, Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. A partir da teoria do duplo controle, agora deveremos exigir que todo ato interno se conforme não só ao teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor da jurisprudência interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de Direito”248.

Ainda sobre a teoria do duplo controle, é importante ressaltar que o Minis-tério Público Federal adota essa teoria, conforme o parecer do PGR na ADPF 320, que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal em um futuro próximo.

2.2. A propositura de uma nova ADPF pelo PSOL e a não-violação do ne bis in Id.

Irresignado com a postura do Estado brasileiro diante da inércia e do não-cumprimento da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, o Partido So-cialismo e Liberdade (PSOL) ingressou no dia 15 de maio de 2014 com uma ADPF no Supremo Tribunal Federal para que a corte máxima do Judiciário brasileiro reconheça a validade e o efeito vinculante da de-cisão proferida pela Corte IDH no caso da Guerrilha do Araguaia. Em-bora possa parecer um tanto confuso, não há que se falar em qualquer conflito entre a ADPF 153 (já julgada pelo Supremo Tribunal Federal) e a 248 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva: 2014, p. 408.

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ADPF 320, proposta pelo PSOL em 2014, visto que são ações com preten-sões diversas. O objetivo da ADPF 153, proposta pelo Conselho Federal da OAB, era que o STF adotasse uma interpretação da Lei de Anistia, nos conformes da Constituição, de forma a excluir do alcance de sua prote-ção os agentes da ditadura. Como já abordamos anteriormente, o STF decidiu pela improcedência da primeira ADPF. Já na ADPF 320, o objetivo da demanda é obter do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento da validade e do caráter vinculante da decisão proferida no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Assim, não há que se falar em qualquer conflito ou violação ao princípio do ne bis in Id. neste caso.

Não deixamos de lamentar o fato de ser necessária a propositura de uma nova ADPF para que o Estado brasileiro cumpra os ditames da sentença do caso Gomes Lund. Isso porque o Brasil aderiu à jurisdição da Corte Inte-ramericana de Direitos Humanos, e as decisões da Corte de San José são vinculantes. Assim, por uma proteção internacional dos direitos humanos cada vez mais ampla, espera-se que, com uma nova composição do Su-premo Tribunal Federal, o julgamento da ADPF 320 tenha destino diverso da ADPF 153. O Ministério Público Federal já exarou parecer favorável pelo conhecimento e procedência parcial da ADPF 320.

3. Dever de investigar e punir como norma de jus cogens

As “garantias de não-repetição” consistem em uma das formas de repa-ração por violação de direitos humanos utilizadas pela Corte Interame-ricana de Direitos Humanos para que se assegure que os Estados julga-dos por sua jurisdição não tornem a violar direitos humanos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos. Dentro dessas garantias de não-repetição, insere-se o dever de investigar e punir, conforme o qual o Estado condenado pela jurisdição da Corte IDH é sentenciado a investigar e punir os autores das violações de direitos humanos. Desse modo, evita-se tanto a reincidência da conduta violadora de direitos humanos quanto a própria impunidade dos responsáveis. O dever de investigar e punir foi utilizado pela primeira vez no caso Velásquez Rodriguez vs. Honduras249,

249 Foi em razão do dever de investigar e de punir aplicado pela Corte IDH no caso Velásquez Rodriguez vs. Honduras que nasceu a “Doutrina Velásquez Rodriguez”. Essa doutrina determina que o Estado deve reprimir penalmente as violações de direitos humanos. Desse modo, se o Estado condenado se quedar inerte nesta ta-refa, será responsabilizado tanto pelas violações dos direitos humanos ocorridas em seu território, quanto pela impunidade dos autores dessas violações.

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primeiro caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos desde o início de seus trabalhos no ano de 1988. Vejamos a lição de An-dré de Carvalho Ramos sobre o ponto em análise: “Diante da gravidade das condutas de violações de direitos humanos, pode ser fixado o dever do Estado em investigar e punir os responsáveis pelas violações, de modo a evitar a impunidade e prevenir a ocorrência de novas violações. Tal objetivo de prevenção da ocorrência de novas violações insere o chamado “dever de investigar, processar e punir” como forma de garantia de não repetição”250.

O dever de investigar e punir foi utilizado pela Corte Interamericana de Di-reitos Humanos na sentença proferida contra o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. O tribunal interamericano ordenou que o Bra-sil investigasse os fatos e punisse os responsáveis pelas violações de direitos humanos na região do Araguaia. Nessa linha, a Corte IDH reiterou o caráter de norma de jus cogens do dever de investigar e punir, ressaltando o caráter cogente e imperativo dessa norma para a comunidade internacional como um todo. Com o intuito de elucidar qualquer dúvida sobre o conceito de nor-ma de jus cogens, vejamos a explicação de André de Carvalho Ramos sobre o que são essas normas imperativas: “No Direito Internacional, a norma im-perativa em sentido estrito (também denominada norma cogente ou norma de jus cogens) é aquela que contém valores considerados essenciais para a comunidade internacional como um todo, e que, por isso, possui superiorida-de normativa no choque com outras normas superiorida-de Direito Internacional. Assim, pertencer ao jus cogens não significa ser considerado norma obrigatória, pois todas as normas internacionais o são: significa que, além de obrigatória, a norma cogente não pode ser alterada pela vontade de um Estado”251.

4. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu um manda-do internacional implícito de criminalização contra o Brasil: a tipifica-ção do delito de desaparecimento forçado

Ao condenar o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil proce-desse à tipificação do crime de desaparecimento forçado. Quando uma lei, tratado ou até mesmo uma sentença internacional profere uma or-dem de criminalização de determinada conduta, estamos diante do que 250 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos

Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, p. 291-292.

251 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

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a doutrina convencionou chamar de mandado de criminalização. Esses mandados de criminalização podem ser nacionais (quando previstos na Constituição Federal) ou internacionais (quando previstos em um tratado internacional ou ainda em uma decisão de um tribunal internacional). Atendo-nos ao âmbito internacional, caso a ordem para a tipificação de uma determinada conduta esteja prevista em um tratado internacional, dar-se-á o nome de mandado internacional expresso de criminalização. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: “Quanto à primeira obrigação (criminalizar condutas), os tratados de direitos humanos esti-pulam diversos mandados internacionais expressos de criminalização, que consistem em cláusulas previstas em tratados ordenando a tipificação pe-nal naciope-nal de determinada conduta, a imposição de determinada pena, a vedação de determinados benefícios (por exemplo, a proibição da prescri-ção penal) ou até mesmo o tratamento prisional específico”252.

Por outro lado, caso o comando para a tipificação de uma determinada con-duta advenha de uma sentença de determinado tribunal internacional, atri-bui-se o nome de mandado internacional implícito de criminalização. Nesse sentido, invoca-se novamente a doutrina de André de Carvalho Ramos: “A justificativa para a existência de mandados implícitos de criminalização está na chamada dupla dimensão dos direitos humanos, já vista, e também, no próprio princípio da proibição de insuficiência (faceta positiva da proporcio-nalidade). Os mandados implícitos de criminalização pressupõem a atividade de interpretação de textos normativos. No direito Internacional dos Direitos Humanos, tais mandados foram extraídos de textos convencionais, em es-pecial graças à atividade hermenêutica de duas Cortes regionais de direitos humanos: a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos. Estas interpretaram, respectivamente, a Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos no sentido de reconhecer a necessidade de punição penal aos autores de viola-ções de direitos humanos. (...) Assim sendo, o Direito Internacional dos Direi-tos Humanos estipulou verdadeiros mandados implíciDirei-tos de criminalização por meio do reconhecimento do dever de investigar e punir criminalmente os autores de violações de direitos humanos. De fato, para que se puna criminal-mente é necessário que o Estado antes tenha tipificado a conduta em tela”253.

252 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

Interna-cional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 245.

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Questiona-se: seria possível a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenar o Brasil pelo delito de desaparecimento forçado ainda que o Es-tado brasileiro não tenha esta conduta criminalizada em sua legislação interna? Sim! Segundo o entendimento da Corte Interamericana de Direi-tos Humanos no caso Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia (1993), a ausência de tipificação do delito de desaparecimento não deve impedir a condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir como mola propulsora para uma condenação em âmbito internacional e, por conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise254. Portanto,

ao condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de uma série de indiví-duos na região do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos nada mais fez do que manter o seu entendimento já consolidado.

Por fim, e a título de curiosidade, ressalta-se que tramita na Câmara dos De-putados um PL de autoria do senador Vital do Rego para tipificar a conduta de desaparecimento forçado e acrescentá-lo ao rol de crimes hediondos. Tra-ta-se do PL 6.240/2013, que possui a seguinte ementa: “Acrescenta art. 149-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar o crime de desaparecimento forçado de pessoa, e acrescenta inciso VIII ao art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para considerar esse crime hediondo”.

4.1. Primeira aparição do desaparecimento forçado na jurisdição da Cor-te InCor-teramericana de Direitos Humanos e a questão do ônus da prova

É possível dizer que as discussões envolvendo o delito de desaparecimen-to forçado “nasceram” jundesaparecimen-to com a atividade judicante da Corte Intera-mericana de Direitos Humanos. Isso porque os três primeiros casos julga-dos pela Corte de San José versaram sobre o tema: Velásquez Rodriguez vs. Honduras, Fairén Garbi e Solis vs. Honduras e Godínez Cruz vs. Honduras. A doutrina costuma fazer referência a estes três casos como “os três casos hondurenhos”. Nestes casos, a Corte Interamericana de Direitos Huma-nos firmou sua jurisprudência tradicional no sentido de que, Huma-nos casos envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o ônus de provar que o indivíduo não está desaparecido é do Estado.

Ainda nessa linha de raciocínio e segundo seu próprio entendimento acerca do ônus da prova no delito de desaparecimento forçado, a Corte 254 A Corte Interamericana de Direitos Humanos também adotou este

entendimen-to nos casos Heliodoro Portugal vs. Panamá (sentença proferida em 12.08.2008) e Goiburú e outros vs. Paraguai (sentença proferida em 22.09.2006).

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Interamericana de Direitos Humanos decidiu no caso Anzualdo Castro vs. Peru que, diante de circunstâncias razoáveis para suspeitar que algum in-divíduo tenha sido vítima do crime de desaparecimento forçado, o Estado deve abrir uma investigação ex officio.

Atualmente, o delito de desaparecimento forçado é um dos temas mais frequentes nos julgamentos da Corte IDH. Citamos como exemplos de casos envolvendo o delito de desaparecimento forçado: Heliodoro Portu-gal vs. Panamá, Bámaca Velásquez vs. Guatemala, Blanco Romero e outros vs. Venezuela, Caballero Delgado e Santana vs. Colombia, Gómez Palomino vs. Peru, Anzualdo Castro vs. Peru, La Masacre de Mapiripán vs. Colombia, González Medina e Familiares vs. República Dominicana e Osório Rivera e Familiares vs. Peru.

4.2. Elementos estruturantes do delito de desaparecimento forçado se-gundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Nos casos Gómez Palomino vs. Peru (2005), Osório Rivera e Familiares vs. Peru (2013), González Medina e Familiares vs. República Dominicana (2012) e Gelman vs. Uruguai (2011), a Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu os três elementos estruturantes para que se reste configurado o delito de desaparecimento forçado. São eles: a) a privação da liberdade; b) a intervenção direta de agentes estatais ou a aquiescência destes; e c) a negativa de reconhecer a detenção e de revelar o fim ou o paradeiro da pessoa interessada.

4.3. Desaparecimento forçado, extradição e dupla tipicidade

Para viabilizar o pleito da extradição, o requisito da dupla tipicidade é me-dida que se impõe. Entende-se por princípio da dupla tipicidade (também chamado de “princípio da dupla incriminação” ou da “identidade da in-fração”) a necessidade de que determinada conduta seja tipificada tan-to no estado requerido quantan-to no estado requerente da extradição. Para que seja satisfeito o requisito da dupla tipicidade, não é necessário que a conduta criminosa tenha o mesmo nomen juris em ambos os países. Ao realizar a análise de pedidos de extradição envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que estaria satisfeito o princípio da dupla tipicidade, mesmo não havendo a tipificação do delito de desaparecimento na ordem interna brasileira. Para chegar a este raciocínio, o STF entendeu que o delito de sequestro previsto no art. 146 do Código Penal brasileiro seria equivalente ao

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