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A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu um manda- manda-do internacional implícito de criminalização contra o Brasil: a

tipifica-ção do delito de desaparecimento forçado

Ao condenar o Estado brasileiro no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ordenou que o Brasil proce-desse à tipificação do crime de desaparecimento forçado. Quando uma lei, tratado ou até mesmo uma sentença internacional profere uma or-dem de criminalização de determinada conduta, estamos diante do que 250 RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade Internacional por Violação de Direitos

Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, p. 291-292.

251 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

a doutrina convencionou chamar de mandado de criminalização. Esses mandados de criminalização podem ser nacionais (quando previstos na Constituição Federal) ou internacionais (quando previstos em um tratado internacional ou ainda em uma decisão de um tribunal internacional). Atendo-nos ao âmbito internacional, caso a ordem para a tipificação de uma determinada conduta esteja prevista em um tratado internacional, dar-se-á o nome de mandado internacional expresso de criminalização. Nesse sentido, é a lição de André de Carvalho Ramos: “Quanto à primeira obrigação (criminalizar condutas), os tratados de direitos humanos esti-pulam diversos mandados internacionais expressos de criminalização, que consistem em cláusulas previstas em tratados ordenando a tipificação pe-nal naciope-nal de determinada conduta, a imposição de determinada pena, a vedação de determinados benefícios (por exemplo, a proibição da prescri-ção penal) ou até mesmo o tratamento prisional específico”252.

Por outro lado, caso o comando para a tipificação de uma determinada con-duta advenha de uma sentença de determinado tribunal internacional, atri-bui-se o nome de mandado internacional implícito de criminalização. Nesse sentido, invoca-se novamente a doutrina de André de Carvalho Ramos: “A justificativa para a existência de mandados implícitos de criminalização está na chamada dupla dimensão dos direitos humanos, já vista, e também, no próprio princípio da proibição de insuficiência (faceta positiva da proporcio-nalidade). Os mandados implícitos de criminalização pressupõem a atividade de interpretação de textos normativos. No direito Internacional dos Direitos Humanos, tais mandados foram extraídos de textos convencionais, em es-pecial graças à atividade hermenêutica de duas Cortes regionais de direitos humanos: a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos. Estas interpretaram, respectivamente, a Convenção Ame-ricana de Direitos Humanos e a Convenção Europeia de Direitos Humanos no sentido de reconhecer a necessidade de punição penal aos autores de viola-ções de direitos humanos. (...) Assim sendo, o Direito Internacional dos Direi-tos Humanos estipulou verdadeiros mandados implíciDirei-tos de criminalização por meio do reconhecimento do dever de investigar e punir criminalmente os autores de violações de direitos humanos. De fato, para que se puna criminal-mente é necessário que o Estado antes tenha tipificado a conduta em tela”253.

252 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

Interna-cional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 245.

253 RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem

Questiona-se: seria possível a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenar o Brasil pelo delito de desaparecimento forçado ainda que o Es-tado brasileiro não tenha esta conduta criminalizada em sua legislação interna? Sim! Segundo o entendimento da Corte Interamericana de Direi-tos Humanos no caso Caballero Delgado e Santana vs. Colômbia (1993), a ausência de tipificação do delito de desaparecimento não deve impedir a condenação do Estado em âmbito internacional. O fato de o Estado ainda não ter criminalizado a conduta de desaparecimento forçado deve servir como mola propulsora para uma condenação em âmbito internacional e, por conseguinte, uma futura tipificação do delito em análise254. Portanto, ao condenar o Brasil pelo desaparecimento forçado de uma série de indiví-duos na região do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos nada mais fez do que manter o seu entendimento já consolidado.

Por fim, e a título de curiosidade, ressalta-se que tramita na Câmara dos De-putados um PL de autoria do senador Vital do Rego para tipificar a conduta de desaparecimento forçado e acrescentá-lo ao rol de crimes hediondos. Tra-ta-se do PL 6.240/2013, que possui a seguinte ementa: “Acrescenta art. 149-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar o crime de desaparecimento forçado de pessoa, e acrescenta inciso VIII ao art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para considerar esse crime hediondo”.

4.1. Primeira aparição do desaparecimento forçado na jurisdição da Cor-te InCor-teramericana de Direitos Humanos e a questão do ônus da prova

É possível dizer que as discussões envolvendo o delito de desaparecimen-to forçado “nasceram” jundesaparecimen-to com a atividade judicante da Corte Intera-mericana de Direitos Humanos. Isso porque os três primeiros casos julga-dos pela Corte de San José versaram sobre o tema: Velásquez Rodriguez vs. Honduras, Fairén Garbi e Solis vs. Honduras e Godínez Cruz vs. Honduras. A doutrina costuma fazer referência a estes três casos como “os três casos hondurenhos”. Nestes casos, a Corte Interamericana de Direitos Huma-nos firmou sua jurisprudência tradicional no sentido de que, Huma-nos casos envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o ônus de provar que o indivíduo não está desaparecido é do Estado.

Ainda nessa linha de raciocínio e segundo seu próprio entendimento acerca do ônus da prova no delito de desaparecimento forçado, a Corte 254 A Corte Interamericana de Direitos Humanos também adotou este

entendimen-to nos casos Heliodoro Portugal vs. Panamá (sentença proferida em 12.08.2008) e Goiburú e outros vs. Paraguai (sentença proferida em 22.09.2006).

Interamericana de Direitos Humanos decidiu no caso Anzualdo Castro vs. Peru que, diante de circunstâncias razoáveis para suspeitar que algum in-divíduo tenha sido vítima do crime de desaparecimento forçado, o Estado deve abrir uma investigação ex officio.

Atualmente, o delito de desaparecimento forçado é um dos temas mais frequentes nos julgamentos da Corte IDH. Citamos como exemplos de casos envolvendo o delito de desaparecimento forçado: Heliodoro Portu-gal vs. Panamá, Bámaca Velásquez vs. Guatemala, Blanco Romero e outros vs. Venezuela, Caballero Delgado e Santana vs. Colombia, Gómez Palomino vs. Peru, Anzualdo Castro vs. Peru, La Masacre de Mapiripán vs. Colombia, González Medina e Familiares vs. República Dominicana e Osório Rivera e Familiares vs. Peru.

4.2. Elementos estruturantes do delito de desaparecimento forçado se-gundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos

Nos casos Gómez Palomino vs. Peru (2005), Osório Rivera e Familiares vs. Peru (2013), González Medina e Familiares vs. República Dominicana (2012) e Gelman vs. Uruguai (2011), a Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu os três elementos estruturantes para que se reste configurado o delito de desaparecimento forçado. São eles: a) a privação da liberdade; b) a intervenção direta de agentes estatais ou a aquiescência destes; e c) a negativa de reconhecer a detenção e de revelar o fim ou o paradeiro da pessoa interessada.

4.3. Desaparecimento forçado, extradição e dupla tipicidade

Para viabilizar o pleito da extradição, o requisito da dupla tipicidade é me-dida que se impõe. Entende-se por princípio da dupla tipicidade (também chamado de “princípio da dupla incriminação” ou da “identidade da in-fração”) a necessidade de que determinada conduta seja tipificada tan-to no estado requerido quantan-to no estado requerente da extradição. Para que seja satisfeito o requisito da dupla tipicidade, não é necessário que a conduta criminosa tenha o mesmo nomen juris em ambos os países. Ao realizar a análise de pedidos de extradição envolvendo o delito de desaparecimento forçado, o Supremo Tribunal Federal entendeu que estaria satisfeito o princípio da dupla tipicidade, mesmo não havendo a tipificação do delito de desaparecimento na ordem interna brasileira. Para chegar a este raciocínio, o STF entendeu que o delito de sequestro previsto no art. 146 do Código Penal brasileiro seria equivalente ao

deli-to de desaparecimendeli-to forçado para fins de aferir se está preenchida ou não a dupla tipicidade255.

Para encerrar, é importante ressaltar que o desaparecimento forçado não pode ser considerado crime político para fins de extradição, conforme ar-tigo 13 da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado256. Sobre o ponto, importante registrar que, embora o Brasil tenha ratificado a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, o mes-mo não pode se falar da Convenção Interamericana sobre o Desapareci-mento Forçado, que, embora tenha sido aprovada pelo Congresso Nacio-nal, ainda não foi ratificada pelo Estado brasileiro.

Ainda sobre a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pes-soas contra o Desaparecimento Forçado, o artigo 5º do referido compro-misso internacional prevê que: “a prática generalizada de desaparecimen-to forçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direidesaparecimen-to internacional aplicável, o qual está sujeito às condições nele previstas”257. A matéria foi tratada da mesma maneira pelo Estatuto de Roma (TPI).

5. O Brasil foi processado por violações de direitos humanos