• Nenhum resultado encontrado

Festa do Pato: Turismo, Cultura e Patrimônio Alimentar na região rural de Joinville

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Festa do Pato: Turismo, Cultura e Patrimônio Alimentar na região rural de Joinville"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

Festa do Pato: Turismo, Cultura e Patrimônio Alimentar na região rural de Joinville Dayanne Schetz 1

Introdução

O presente trabalho é resultado da pesquisa “Memórias femininas, identidades e patrimônio alimentar: histórias sobre a região de Joinville/SC”, coordenado pela professora Janine Gomes da Silva, vinculado ao Laboratório de Estudos de Gênero e História e ao Laboratório de Memória, Acervos e Patrimônio, da Universidade Federal de Santa Catarina. Dentro de tal pesquisa me propus a trabalhar, de maneira mais aprofundada, as questões ligadas a Festa do Pato, realizada na Estrada Mildau, em Joinville; relacionada principalmente a questão dos usos do patrimônio alimentar para atrair turistas para tal evento.

A Estrada Mildau, localizada no distrito de Pirabeiraba, no município de Joinville, ganha visibilidade no estudo realizado. Apesar de, no decorrer da pesquisa terem sido abarcadas outras Estradas da região rural de Joinville, como Estrada Bonita, Estrada do Pico, Estrada Blumenau...; a Estrada Mildau foi a que recebeu destaque aqui por ser o local em que

1

Graduada no Curso de História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Foi bolsista PIBIC/CNPq através do projeto ‘Memórias femininas, identidades e patrimônio alimentar: histórias sobre a região de Joinville/SC’, coordenado pela professora Janine Gomes da Silva, professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: day_schetz02@hotmail.com

Resumo: A pesquisa que vem sendo realizada em torno do patrimônio alimentar relaciona a

gastronomia à cultura da população da região rural da cidade de Joinville. O presente trabalho busca perceber de que maneira a gastronomia “típica” e/ou “tradicional” vem fortalecendo o turismo na Festa do Pato, em Joinville, e de que forma essa comida vem sendo construída como um patrimônio pela população local.

Para tanto foram realizadas entrevistas com pessoas da região rural, especialmente aquelas que participam de alguma maneira da Festa do Pato, que acontece anualmente no mês de maio, na Sociedade Mildau, na cidade de Joinville. Além destas entrevistas buscaram-se reportagens presentes nos jornais Notícias do Dia e A Notícia que circulam na cidade de Joinville. Estes trazem notícias sobre as festas, como por exemplo, de que maneira a população faz os preparativos e atrações da Festa, onde na própria programação há a indicação do horário em que as comidas “típicas” serão servidas, atraindo assim, o olhar de turistas bem como valorizando a identidade étnica da cultura alemã, presente na festa.

(2)

2

acontece a Festa do Pato, apresentada com aspectos “tradicionais” 2

e chegou neste ano a sua décima primeira edição.

Mesmo que de maneira breve, será abordado também aspectos da história da colonização da região que faz parte o município de Joinville, para que então possa ser esclarecida aqui a importância para os estudos acerca de tal Festa, visando não apenas a questão patrimonial, mas também a memória das pessoas que vem fazendo parte da mesma.

Joinville, no passado, fazia parte da Colônia Dona Francisca, uma homenagem feita a Francisca Carolina, filha do então Imperador do Brasil, Dom Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon e da Imperatriz brasileira e Arquiduquesa da Áustria, Maria Leopoldina (GUEDES, 2005, p. 15).

As terras que compreendem hoje as cidades de Joinville, São Bento do Sul, Guaramirim, Jaraguá do Sul, Corupá, Schroeder, Campo Alegre e Garuva, eram parte integrante do dote da princesa Francisca Carolina, que ela havia recebido em seu casamento, no ano de 1843, com o príncipe François Philipe, da cidade de Joinville, na França. Os príncipes foram morar na França, e permaneceram lá até 1848. Com o intuito de refazer seu patrimônio e sabendo da política colonizadora brasileira, desfizeram-se de parte das terras que possuíam no Brasil. Cristian Schroeder foi contratado pelo procurador do príncipe no Brasil, Leoncé Aubé, para promover a colonização nas terras que eram dote da princesa. Schroeder criou, então, uma companhia colonizadora e, no ano de 1851, chegam os primeiros imigrantes à Colônia Dona Francisca. E, em meio a todas as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes que ali se instalaram (sendo eles alemães, suíços e noruegueses, inicialmente), como a falta de infraestrutura para iniciarem uma nova vida ali, já no ano de 1869 foi empossada a primeira Câmara Municipal, surgindo o município de Joinville, nome dado em homenagem ao príncipe casado com Dona Francisca (Idem, p. 15-18).

Joinville deixou de ser uma pequena cidade e foi se constituindo como cidade grande, recebendo migrantes de várias regiões do país, principalmente a partir da década de 1960. Aquela que anteriormente era uma colônia de imigrantes, principalmente alemães, deu espaço a um local com diferentes etnicidades (SILVA; ESTEVES, 2011, p. 43).

2

A palavra tradicional é empregada neste trabalho entre aspas, por ser assumido aqui o termo utilizado por Hobsbawm, como sendo uma “tradição inventada”, ou seja, por ser “[...] um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado." (HOBSBAWM, E. 1997, p. 9).

(3)

3

Mesmo com a presença de outras etnias na cidade, se vê, na Festa do Pato, por exemplo, um grau de importância que é conferido à cultura alemã, onde o pato é o atrativo principal da Festa e que tem como intuito atrair turistas. A presente pesquisa vem, então, buscar compreender de que maneira a gastronomia vem sendo construída pelas pessoas da região como um patrimônio alimentar, como uma comida “tipicamente” alemã, na tentativa de sempre inovar aquilo que é “tradicional”, para assim ter atrativos turísticos.

Com o presente artigo busca-se apresentar os resultados da pesquisa, discutindo questões gastronômicas, culturais e patrimoniais relacionadas à Festa do Pato, apontando sua importância para a região da Estrada Mildau. Estas questões permitirão que seja possível perceber aquilo que se quer construir quando se busca representar uma cultura, uma identidade com um tipo de comida, neste caso, o pato. Por isso o trabalho feito com a história oral e as notícias, bem como a discussão de conceitos como identidade, patrimônio alimentar, tradição e memória proporcionarão uma percepção das apropriações que são feitas deste evento.

Alimentação e Cultura: a construção de um patrimônio alimentar

A alimentação pode ser encarada sob duas perspectivas: uma delas enquanto aspecto material, sendo uma ‘resposta à fome’; e outra sob o aspecto cultural e social, tomada como uma construção, como algo simbólico. Há ainda um terceiro enfoque que vem sendo dado a comida, como um meio de construção social da memória (MINTZ, Apud AMORIM, 2008, p. 1). Percebendo a alimentação como uma representação, pode-se entendê-la como representativa de culturas; os produtos regionais vêm ganhando destaque, sendo um contraponto com a industrialização e mundialização dos alimentos, mas para tanto, “enfeitam-se de mil atrativos” (POULAIN, 2004, p. 33). Surgem então os pratos rústicos e naturais, ligados também a uma etnocozinha, que surgem na França em momento em que se fazia necessário um inventário do patrimônio gastronômico de suas províncias: a criação de uma cozinha regional. Era preciso “recolocar as práticas culinárias tradicionais no contexto cultural que as fez nascer: os costumes, as crenças, as mentalidades regionais [...]” (Idem, p. 34). A ideia que Poulain apresenta, embora tendo a França como base de pesquisa e estudos, pode ser aplicada também na Estrada Mildau, no distrito de Pirabeiraba, cidade de Joinville, em Santa Catarina.

(4)

4

Com a Festa do Pato é preciso que antes se faça uma breve discussão a respeito da ave utilizada para o preparo dos pratos em tal evento. Na Fenarreco, em Brusque, por exemplo, tem-se como atrativo a gastronomia alemã, trazendo como seu prato principal o marreco com repolho roxo (EQUIPE ECOVIAGEM, 2009); já na festa realizada em Joinville, aquele que aparece como atrativo é o pato, não só na mesa, servido com repolho roxo, mas também na Corrida do Pato. Essa diferença entre as duas aves em festas tão próximas, que dizem trazer a comida “típica” alemã, tem sido motivo de intriga e questionamentos: afinal, por que em duas cidades que distam pouco mais de cem quilômetros, haveria essa diferenciação na gastronomia alemã? Outra dúvida: na Festa do Pato é realmente utilizado o pato, ou há uma confusão de nomenclatura, como foi possível perceber, por exemplo, na entrevista realizada com Doris Polzin, por exemplo, a entrevistadora pergunta sobre os pratos que caracterizam as festas na região, e aqueles que são consumidos pelas pessoas que vivem ali, como pato e marreco, e a resposta da entrevistada é que “até criava os patos, marrecos, essas coisas, não é?” (POLZIN, 2010).

Em momentos assim que foi preciso parar e pensar: o que é realmente ‘típico’ na gastronomia alemã, na própria região rural de Joinville? O pato ou o marreco? Na Corrida do Pato, por exemplo, sabe-se que as aves utilizadas não são marrecos, e sim patos, como é possível ver na imagem abaixo.

(5)

5

Na imagem podemos ver os patos em raias e ‘incentivados’ a correr. A ave não pode voar e o competidor não pode tocá-la durante o trajeto, até a linha de chegada. (A NOTÍCIA, 13 de maio de 2012, s/p.). A principal diferença entre patos e marrecos estaria no bico das aves enquanto os patos costumam ter uma protuberância próxima as narinas, os marrecos tem o bico liso. Sua variação biológica estaria também no tamanho: marrecos são ligeiramente menores do que patos (VASCONCELOS, s/d, s/p.).

Na tentativa de encontrar as respostas para as dúvidas surgidas, em pesquisas feitas, o blog de Rodrigo Leitão (Jornalista e enófilo, colunista da Rádio Band News Brasília e da Revista Chef. Nível 2 do Wine & Spirit Education Trust e Nível Avançado ABS-Brasília) traz o marreco recheado com repolho roxo como sendo “típico” da gastronomia alemã no estado de Santa Catarina. Informa que as aves se equivalem e que o pato seria mais utilizado na gastronomia francesa, e aqui no Brasil seria mais comum ao Norte do país, onde o Pato com Tucupi, por exemplo, é “tradicional”. Já o marreco seria mais utilizado na culinária alemã e austríaca (LEITÃO, 2011, s/p.). Margarete Rosenstock afirma que o “tradicional mesmo do alemão, [é] o marreco, não é, recheado e o repolho roxo” (ROSENSTOCK, 2010). Os restaurantes com comida “tipicamente” alemã de Joinville oferecem aos clientes, além de outros pratos, marreco recheado com repolho roxo (SILVA, 2011, p. 391). Não é a intenção aqui buscar as ‘origens’ dos pratos, se são mais consumidos na Alemanha ou na França, mas entender o porquê dessa questão marreco ou pato: se nos restaurantes de Joinville o “tradicional” é o marreco, por que a região tem uma Festa do Pato?

Possivelmente, para muitos moradores e moradores, e turistas, pouco importa qual ave é realmente servida na festa. O que importa é saber que é uma comida “tipicamente” ligada à alimentação e a cultura alemã na região. É isso que atrai o olhar das pessoas e seu interesse: para aqueles que moram na região, valorizar um prato que eles e elas consideram, além de saboroso, representativo de sua cultura; e para aqueles que vão visitar a Estrada, especialmente nos dias que a Festa ocorre, poder experimentar algo que lhes é novo e “típico” de um local.

Segundo informações obtidas com a entrevistada, Rosinha Sommerfeld, moradora da Estrada Mildau, a Festa do Pato chama muita atenção, devido ao fato de que “a Festa do Pato não existia dentro de Santa Catarina”, a primeira é a de Joinville. Ainda, segundo ela, “nós somos a segunda dentro do Brasil. [...] A primeira, parece que fica no Rio Grande [...]. Fica bem, bem longe mesmo.” (SOMMERFELD, 2008).

(6)

6

Para a entrevistada, a Festa tem forte ligação com a cultura alemã, “porque os alemães, justamente eles que gostam, eles que criam os patos.” (Idem). Ela afirma, ainda, que é mais difícil ir à casa de ‘brasileiros’ e encontrar criação de patos e marrecos (Idem). Mais uma vez, parece comum a presença das duas aves na região, mas no site G1, a informação é de que a criação de patos é tradicional nessa região (G1, 2011, s/p.). É principalmente na região rural de Joinville que se pode perceber de forma mais clara, as “receitas típicas vinculadas a discursos que valorizam as origens étnicas das/dos moradoras/es da cidade” (SILVA, Op. Cit., p. 391), pode-se perceber as questões de identidade.

Sobre essa diferenciação entre ‘brasileiros’ e ‘alemães’, é preciso, pois, entender a identidade como algo relacional e formada a partir das diferenças, sendo uma construção simbólica e social (WOODWARD, 2009, p. 10 – 11). Quanto aos processos simbólicos e sociais para a construção da identidade, o primeiro diz respeito ao modo como damos sentido as práticas e as relações sociais, podendo definir, por exemplo, quem é incluído e quem é excluído; com relação ao segundo, “é por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são ““vividas” nas relações sociais.” (Idem, p. 14). Construída em nosso exterior, ou seja, a forma como imaginamos ser vistos pelos outros (HALL, 1998, p. 39), a identidade surge como um meio de afirmar uma cultura que predominaria na região da Estrada Mildau. Assim, possivelmente, haja essa intenção das pessoas fortalecerem as identidades locais, como uma reação de defesa dos grupos étnicos que se sentem ameaçados com a presença de outros (Idem, p. 85).

A questão é que, como outras festas da região (do Arroz, da Polenta, do Cará...) esta também tenta mostrar a sua ‘identidade’, dando destaque à cultura alemã, principalmente através da culinária. O alimento, segundo Robertson Smith, é um meio de criar solidariedades, catalisar a comunidade e socializar o indivíduo em sua cultura (RIAL, 2010, p. 107). Seria por meio da comida, segundo Lévi-Strauss, que seria possível que captássemos atitudes inconscientes de uma sociedade (Idem, p. 109). O alimento, a comida, seria então um meio de reconhecimento entre as pessoas. Na região rural de Joinville pode-se considerar o pato (ou o marreco) com repolho roxo como um identificador da comunidade descendente de alemães ali. A comida pode ser considerada um patrimônio cultural por ser capaz de constituir a identidade de um território (FROEHLICH; DULLIUS; VENDRUSCOLO, 2010, p. 169). Então, o pato com repolho roxo pode ser considerado um patrimônio para a comunidade da Estrada Mildau. Não necessariamente para toda a comunidade, mas para aqueles que veem importância naquele prato, como um local em que se ‘perpetuará’ uma memória (Idem, p.

(7)

7

175). As tradições e as histórias tanto de alemães quanto de italianos estariam presentes na vida das pessoas de forma interiorizada ou diluída, dentro de alguns grupos, e segundo Miriam Santos, são evocadas enquanto meio de negociar uma estratégia de manutenção das distintividades (Idem, p. 183). Seria esta uma maneira de se afirmar diante dos outros grupos étnicos: mostrando a cultura alemã por intermédio de um prato que a própria população considera típico.

Turismo e Tradição: A Festa do Pato

Sendo a festa um evento em que se celebra um fato e onde há reunião de um grupo de pessoas para que tal fato seja celebrado, o pato é a atração da Festa que acontece na Estrada Mildau há onze anos. O pato aqui não é só um prato ‘típico’ da região; é também atrativo quando vivo, sendo um corredor. Além da gastronomia, aquilo que atrai o olhar dos turistas é a Corrida do Pato. Rosinha Sommerfeld fala não apenas sobre a criação da Festa do Pato, mas também sobre as corridas. Ela informa que não havia grande conhecimento de como aconteciam festas semelhantes, mas que, segundo ela, acontece uma festa no Rio Grande do Sul, onde o pato também é atrativo. As pessoas que organizam a Festa do Pato de Joinville começaram a entrar em contato com os organizadores daquela Festa que acontece no Rio Grande do Sul, por e-mail e por telefone, mas não chegaram a ir até lá e ver como funcionava a Corrida do Pato, então eles teriam pensado,

nós vamos fazer umas raias, assim, de corredor, de um metro de largura por quinze metros de comprido, doze ou quinze metros, e... Porque é um animalzinho, e a gente não pode castigar, também, não é? É um ser vivo ali, um animalzinho, então... Um bichinho. (SOMMERFELD, 2008).

A corrida ocorre no domingo, mas antes há um treino, que acontece no sábado. Existem duas regras para tal corrida: “o pato não pode voar e o “condutor” não deve encostar na ave. Para fazer o bichinho sair do lugar, tem de correr e bater palmas” (A NOTÍCIA, 2011, p. 10).

Se na corrida há preocupação em não maltratar o bichinho, sendo que as ‘estrelas’ (que em sua maioria tem nome de jogadores de futebol, como Ronaldinho, ou corredores de Fórmula 1, como Fittipaldi) não tem o mesmo destino das demais aves da festa: os outros patos são ‘aquecidos’ na cozinha. No ano de 2011 cerca de meia tonelada de pato foi preparada para os almoços de sábado e domingo (A NOTÍCIA, 2011, p. 10). Já no ano de

(8)

8

2012, trezentas aves tornaram-se o prato principal da festa, sendo que aproximadamente seis mil pessoas teriam passado por lá (Idem, 2012, s/p.). Mas não apenas o pato recheado com repolho roxo é considerado “típico”. A Schwarzsauer 3

também é preparada, juntamente com a sopa branca, para ser servida na festa, na sexta-feira (Idem, 2011, p.10), que é mais um exemplo do vinculo que há com a cultura germânica.

Percebe-se, pelos números divulgados, a importância de tal festividade, que teria surgido através de reuniões entre grupos de amigos, apreciadores da carne do pato (SOMMERFELD, 2008). “Tradição” da cultura alemã local, a preparação da ave para a Festa aconteceria entre as próprias mulheres de descendência alemã, da região. Para Margarete Rosenstock, professora de culinária que mora em Joinville, a Festa do Pato é algo bom, e as pessoas que organizam criam essas aves e,

eles mesmos fazem a comida, tem as senhoras que já são dali, que já são capacitadas para isso. Então, assim, a gente acompanha. Mas dizer que eu vou fazer a comida, não. Isso é tradição deles, não é? E isso eles não passam também para ninguém. (Margarete Rosenstock, Entrevista, 2010).

Existem estudos que não estão relacionados a alimentação propriamente dita, mas com o ‘paladar’, sendo este considerado uma “experiência culturalmente construída” (GONÇALVES, 2007, p. 161) e, sendo assim, é preciso pensar por que “determinadas sociedades ou culturas elegem determinados alimentos em detrimentos de outros para sua alimentação” (Idem). Pensando, então, em categorias: comida de dia-a-dia e comida de festas, e comidas de ‘nacionais’ e ‘regionais’ (ou estrangeiros), tem-se como ponto para pensar essa questão a fala de Dionísio Trapp, quando ele rememora os pratos “típicos” que sua mãe fazia, como o pato com repolho roxo, diz que era feito aos domingos, principalmente quando tinha alguma festa em casa, não era um prato do dia-a-dia; e, lembrando-se dos pratos “tradicionais” diz que “depois começaram com a feijoada, que é muito bom, gostoso, gosto também, como; mas nada mais típico do que um, não é? Um pato assado, não é?” (TRAPP, s/d).

Magrit Hüttl, falando sobre as comidas “tradicionais” que tem na Festa, aponta para a importância de se conservar esse aspecto “tradicional” nos pratos, para que possa ser um chamariz para atrair mais pessoas para a festa. Ela diz que

3

(9)

9

O melhor de tudo é o tradicional. A gente até pode incrementar em casa, se você vai fazer só para ti [...].Mas numa festa o tradicional... Que as pessoas vem pelo tradicional, não é? [...] Eles não vêm pelo inovado, pelo moderno. Eles vêm pelo tradicional; por que inovar, a gente pode inovar em casa, não é? [...] Mas na festa, se você for servir um marreco, ou um pato, que não tenha repolho roxo, não está certo. Foge da tradição. (HÜTTL, 2010).

Mais uma vez pato e marreco aparecem juntos como sendo ‘típicos’, ‘tradicionais’ de uma cultura.

Pratos “típicos” e os usos do gênero: memórias femininas

Ainda que de maneira breve, torna-se importante destacar como questões relacionadas ao gênero aparecem na Festa, pois, de maneira geral, as pessoas relacionam a importância das mulheres intimamente ligadas à cozinha, para a preparação do prato ‘típico’ da Festa do Pato.

A maioria das entrevistas foi realizada com mulheres, não apenas da Estrada Mildau, mas também de outras Estradas pertencentes à região rural da cidade de Joinville. Com estas entrevistas buscou-se perceber, entre outras questões, as representações sobre o papel da mulher, neste caso, relacionada com a Festa do Pato. Mais do que uma simples identificação dos papéis sociais que atuam neste evento, que acabaria por naturalizá-los e enrijece-los, é preciso perceber como essas relações se estabelecem e se determinam neste espaço (PEDRO, 1994, p. 42).

Na entrevista de Margrit Hüttl, por exemplo, quando perguntada sobre como era feita a divisão dos trabalhos na festa, entre homens e mulheres, ela informa que:

os homens participam em partes. Para eles, geralmente, sobra a parte pesada: buscar lenha para fazer fogo nos fornos; carregar os panelões pesados, não é? [...]Essa é a parte masculina. Assar carne de brasa, não é, de grelhados, e é o básico que serve para os homens.

Os homens são encarregados, então, de cuidar especialmente das questões que acontecem fora do espaço da cozinha, o que aparece ainda, na Festa, como um universo exclusivamente feminino.

Por meio das entrevistas realizadas, pode-se constatar o que Michelle Perrot trata como sendo uma ‘especificidade’ da memória feminina, não estando ligada a natureza ou ao biológico, mas sim, ligada a práticas socioculturais, que acabam permeando as questões que constituem a memória (PERROT Apud KOFES; PISCITELLI, 1997, p. 348). Pode-se dizer,

(10)

10

ainda, que a memória é também identitária, pois “a diferença sexual é ainda o elemento fixo inicial e as posições iniciais e sua relação para a representação de papéis é dada, é estabelecida: mulheres e homens” (KOFES; PISCITELLI, 1997, p. 351). Não é que todas as mulheres lembrem-se de uma maneira e os homens de outra, mas, especificamente, as mulheres da Estrada Mildau, ligadas a Festa do Pato, que estão intimamente ligadas com a preparação dos pratos “típicos”, lembraram de uma maneira diferenciada, ou seja, lembraram mais das questões relacionadas ao preparo dos pratos.

Considerações finais

Com o artigo aqui elaborado, buscou-se perceber de que forma o turismo, a cultura e o patrimônio alimentar permeiam a Festa do Pato, na Estrada Mildau, em Joinville.

Foi possível perceber a forte presença da cultura alemã na Festa, onde o atrativo principal, na alimentação, é o pato com repolho roxo. A festa vem crescendo a cada ano e é um atrativo que vem chamando a atenção do público que visita a Festa, não só pela comida, mas também pela Corrida do Pato, por exemplo.

As questões de gênero também se fazem presentes em tal festa, com divisões sexuadas do trabalho, onde a área da cozinha é de exclusividade das mulheres, que tem a grande responsabilidade de levar à mesa dos visitantes os pratos ‘típicos’, que vem se constituindo como um patrimônio alimentar.

Trazendo a culinária local como típica, percebe-se que esta é carregada de saberes étnicos ou rurais e “trabalha com a rememoração do passado, remetendo a lembranças da infância ou trabalhando com sentimentos de família” (FROEHLICH; DULLIUS; VENDRUSCOLO, 2010, p. 185). A comida ‘caseira’, ‘típica’, ou colonial seriam capazes de dar um sabor especial ao prato preparado, sendo carregadas de significado e história (Idem), como pode ser percebido na Festa do Pato: uma cultura (alemã) ganhando visibilidade por meio de uma comemoração e atraindo olhares por sua alimentação, que se propõem “típica” e/ou “tradicional”.

(11)

11 Referências

AMORIM, Susana R.F.; FERNANDES, Marilne T.M.; PEREIRA, Edmundo M.M. Alimentação: A construção social da memória pelo patrimônio. Disponível em: <http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2008/anais/arquivosEPG/EPG01589_01_O.pdf>. Acesso em 09 de agosto de 2011.

EQUIPE ECOVIAGEM. Fenarreco, em SC, promete a festa mais gostosa do Brasil: A Fenarreco teve início em 1986, em Brusque, passando a integrar as festas de Outubro de Santa Catarina. Tem como atrativo a gastronomia típica alemã. Disponível em: <http://ecoviagem.uol.com.br/noticias/social/gastronomia-tipica/fenarreco-em-sc-promete-a-festa-mais-gostosa-do-brasil-10192.asp>. Acesso em 16 de maio de 2012.

FROEHLICH, José. M.; DULLIUS, Paulo. R.; VENDRUSCOLO, Rafaela.. Território Quarta Colônia/RS: Patrimônio cultural e gastronomia em foco. In: FIRKOWSKI, Olga L. C. de F. (org.). Transformações territoriais: experiências e desafios. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010. P. 169 – 191.

GUEDES, Sandra P.L. de Camargo. A Colônia Dona Francisca: A vida... O medo... A morte. In: ____ (org.). Histórias de (I)migrantes: o cotidiano de uma cidade. Joinville: UNIVILLE, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1998. HOBSBAWM, Eric. 1997. Introdução: a invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. (orgs.), A invenção das tradições. 2ª ed., São Paulo, Paz e Terra. KOFES, Suely; PISCITELLI, Adriana. Memória de “Histórias femininas, memórias e experiências”. Cadernos Pagu. (8/9), 1997. P. 343 – 354.

LEITÃO, Rodrigo. Marreco recheado e pinot noir alemão. In:____. Gourmet Brasília: Blog

do Rodrigo Leitão. 27 de julho de 2011. Disponível em: <

http://gourmetbrasilia.blogspot.com.br/2011/07/marreco-recheado-e-pinot-noir-alemao.html>. Acesso em 16 de maio de 2012.

PEDRO, Joana Maria. Relações de Gênero na pesquisa histórica. Revista Catarinense de História. Nº 2, 1994. P. 35 – 44.

POULAIN, Jean-Pierre. A mundialização e os movimentos de deslocalização e de relocalização da alimentação. In:_________. Sociologia da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2004. p. 29 – 47.

RIAL, Carmen. As práticas alimentares e suas interpretações. In: GUIVANT, Julia S.; SPAARGAREN, Gert; RIAL, Carmen (org.). Novas práticas alimentares no mercado global. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010. p. 107 – 129.

SILVA, Janine Gomes da. Memória, Alimentação e Etnias. In: História Unissinos. Setembro/Dezembro 2011. p. 391 – 397.

SILVA, Janine Gomes da; ESTEVES, Valéria König. Narrativas e Memórias de uma área rural. In: Revista Territórios e Fronteiras. V.4 N.1 – Jan/Jul2011. p. 43.

VASCONCELOS, Yuri. Qual a diferença entre pato, ganso, marreco e cisne? Mundo Animal. In: Mundo Estranho. Disponível em: < http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-a-diferenca-entre-pato-ganso-marreco-e-cisne>. Acesso em 03 de maio de 2012.

(12)

12

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual.In: Tomaz Tadeu SILVA (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

Entrevistas

HÜTTL, Margrit. 16.09.2010. Bom Retiro; Joinville – Santa Catarina. Entrevista concedida à Daniela Pereira. Acervo de Janine Gomes da Silva.

POLZIN, Doris. 17. 09. 2010. Estrada do Pico; Joinville – Santa Catarina. Entrevista concedida à Maria Elisa Horn Iway e Karina Esteves. Acervo de Janine Gomes da Silva. ROSENSTOCK, Margarete Maria da Silva. 17.08.2010. Rua Juta W. G. Wendel, 193, Costa e Silva; Joinville – Santa Catarina. Entrevista concedida à Daniela Pereira. Acervo de Janine Gomes da Silva.

SOMMERFELD, Rosinha. 20.10.2008. Estrada Mildau; Joinville – Santa Catarina. Entrevista concedida à Janine Gomes da Silva. Acervo da entrevistadora.

TRAPP, Dionísio. S/d. Joinville – Santa Catarina. Entrevista concedida à Maria Elisa Horn Iway. Acervo de Janine Gomes da Silva.

Jornais

A NOTÍCIA – AN JOINVILLE. "Rubinho" vence Corrida do Pato em Joinville: Ave com nome do piloto de Fórmula 1 ganhou corrida divertida e tradicional durante a Festa do Pato, no distrito de Pirabeiraba. Joinville, 13 de maio de 2012. Nº 1491. Disponível em: < http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default.jsp?uf=2&local=18&section=Geral&newsID= a3756924.xml>. Acesso em 16 de maio de 2012.

A NOTÍCIA – AN JOINVILLE. GP de Pirabeiraba vai começar: Sociedade Mildau prepara evento que há dez anos promove a tradicional corrida. Joinville, 06 de maio de 2011. Nº 1120.

Disponível em: <

http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3299996.xml&t emplate=4187.dwt&edition=17050&section=2003>. Acesso em 18 de novembro de 2011. G1 – GLOBO RURAL. Joinville, SC, realiza mais uma edição da Festa do Pato: A criação de pato é tradicional na região. Durante os festejos de maio, a ave vira atração também nas

pistas. 09 de maio de 2011. Disponível em: <

http://g1.globo.com/economia/agronegocios/vida-rural/noticia/2011/05/joinville-sc-realiza-mais-uma-edicao-da-festa-do-pato.html>. Acesso em 17 de maio de 2012.

Referências

Documentos relacionados

O predomínio de processo inflamatório crônico granu- lomatoso, nos grupos controle e experimento de três dias, mostra que não houve diferenças importantes entre eles evidenciando

Para além do programa de desparasitação instituído, estes animais com níveis de OPG mais elevados são potenciais candidatos para um controlo anti-helmíntico através

Ao longo do processo evolutivo, o ser vivencia as mais diversas personalidades, nos mais diversos momentos e nas mais diversas situações, e quase sempre, tendo

A partir de 2004, com a junção de desenvolvimento tecnológico e inovação em política pública, o Brasil implementou um sistema de vanguarda para monitoramento e fiscalização

3 Drawing on statistical tools to estimate the impact of monitoring and law enforcement efforts on deforestation, they find that, from 2007 through 2016, these efforts avoided

Having controlled for municipal precipitation, temperature, and PRODES satellite visibility, as well as for municipality xed eects, we argue that the only remaining channel

Artigo 2º - A autorização para ocupação de dependências próprias de zeladoria dar-se-á por meio de Portaria do Dirigente Regional de Ensino, a ser publicada no Diário Oficial

[r]