• Nenhum resultado encontrado

João Paulo S. de Siqueira, “O Contrato por Adesão Como Simulacro de Equilíbrio Negocial: Breves Questões Discursivas” - 687

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "João Paulo S. de Siqueira, “O Contrato por Adesão Como Simulacro de Equilíbrio Negocial: Breves Questões Discursivas” - 687"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

Ano 6 (2020), nº 6, 687-699

SIMULACRO DE EQUILÍBRIO NEGOCIAL:

BREVES QUESTÕES DISCURSIVAS

João Paulo S. de Siqueira

Resumo: O macro discurso imperante em nossa sociedade apre-senta o “contrato por adesão” como um instrumento estritamente benéfico e apto a possibilitar os desejos de consumo. O presente estudo objetiva ir além desse entendimento do senso comum e, utilizando conceitos básicos da semiótica e da análise do dis-curso, questionar e tentar entender o contrato por adesão como um simulacro de poder que, por meio de artifícios retóricos, em verdade, direciona o consumo e camufla uma relação negocial assimétrica e impositiva de interesses.

Palavras-Chave: Contrato por adesão, discurso, simulacro. THE ADHESION CONTRACT LIKE A NEGOTIATING BALANCE SIMULACRUM: BRIEF DISCURSIVE QUES-TIONS

Abstract: The macro discourse prevalent in our society presents the adhesion contract like a strictly beneficial instrument and able to make the consumption wishes. The present study aims going beyond this common sense understanding and, using basic concepts of semiotics and discourse analysis, asking and trying to understand the adhesion contract as a powerful simulacrum, by means of rhetorical tricks, in truth, directs the consumption  Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Mestre em Consumo, Cotidiano e Desenvolvimento Social pela Universidade Federal Rural de Pernam-buco. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil. Advogado, professor e pes-quisador.

(2)

and belie a asymmetric negotiating relationship. Keywords: Adhesion contract, speech, simulacrum.

INTERDISCIPLINARIDADE: VAMOS PENSAR NISSO? Teorema de Godel determina que “não existe

sis-tema formal de conhecimento que contenha em si mesmo a sua norma de não contradição” (apud

GHELEN, 2005, p.22), na mesma linha de pensa-mento Eric Landowski assevera que “o ‘real’ é

rico o bastante para que nenhum ramo do saber possa jamais pretender esgotar sozinho todos os seus aspectos” (1992, p. 59),

desta maneira, não se pode analisar qualquer ciência ou conhe-cimento, sejam eles linguísticos, jurídicos, econômicos, sociais, humanos, exatos, empíricos ou não, como sistemas fechados e blindados de outras formas de conhecer o mundo.

É fundamental ter a consciência que o Direito é uma ci-ência alopoiética, constitui um saber aberto e interativo, que não nasce e desenvolve-se sozinho, imune a influências e perspecti-vas e influências externas. Além disso, só pode ser efetivamente entendido e alcançar seus objetivos se utilizar os embasamentos e orientações de outros campos do saber.

É a reafirmação das ideias de complementariedade, inte-ração, interdependência e contradição que regem as ciências e, dessa forma, questões jurídicas, econômicas, semióticas, cultu-rais, sociais e antropológicas atuam juntas na construção do co-nhecimento científico. Assim sendo, não podemos preterir as di-ferentes, opostas e conflitantes abordagens teórico-metodológi-cas entre os diversos campos do saber.

Por questões metodológicas, neste breve trabalho, foram utilizados alguns conceitos básicos da semiótica e da análise do discurso como elementos de orientação e sustentação para o en-tendimento do contrato por adesão como um simulacro de poder

(3)

e possibilidade de acesso ao consumo, além de transmitir ao con-sumidor a falsa ideia de representar um elemento de paridade negocial.

CONTRATO POR ADESÃO E ANÁLISE DO DISCURSO A teoria contratual clássica1, representada com maior ên-fase pela doutrina francesa do século XVIII, estabeleceu os qua-tro pilares que sustentam o instituto do contrato, quais sejam: o consensualismo, a força obrigatória, a relatividade obrigacional das partes envolvidas e a autonomia da vontade. Importante o esclarecimento que, de maneira ampla, todos esses preceitos per-duram na ordem jurídica moderna, porém com alcances, aplica-ções e perspectivas distintas do previsto no Direito clássico.

Essa corrente doutrinária estabelecia que a relação con-tratual caracterizava-se como um negócio jurídico firmado entre partes em situação de igualdade e com liberdade para estabele-cerem a forma e o conteúdo daquele acordo de vontades2. Po-rém, as transformações sociais, jurídicas, produtivas e principal-mente econômicas alteraram essa concepção contratual indivi-dualista e paritária.

As alterações ocorridas na sociedade como a eclosão da Revolução Industrial que comprovou a falsa ideia de igualdade formal, o fornecimento de serviços em grande escala, propaga-ção dos preceitos socialistas que defendiam a solidariedade so-cial e principalmente a massificação do consumo, demonstraram que o modelo contratual propagado pelo liberalismo não podia mais cumprir seu papel e dar respostas adequadas às 1 Essa teoria contratual foi proposta e aceita pelo Estado Liberal diante de seus pre-ceitos de liberdade individual e livre iniciativa, que posteriormente foi complemen-tada e substituída pelas ideias do Estado Social, embasadas pelos ideais de dignidade da pessoa humana e função social do contrato.

2 Importante lembrar que o acordo de vontades, declaradas e convergentes (consensu-alismo) é o principal elemento constitutivo do contrato para a teoria de formação con-tratual da tradição jurídica europeia continental, que influencia e conduz os ordena-mentos jurídicos latino americanos.

(4)

necessidades da nova sociedade.

Surge assim, no contexto da sociedade capitalista, o “contrato por adesão”, uma nova modalidade de contratação, mais rápida e capaz de promover as soluções necessárias a uma sociedade consumista, dinâmica e de relações comerciais estan-dardizadas3 e dialéticas.

Contrato por adesão4 é aquele cujas cláusulas são prees-tabelecidas, redigidas de maneira unilateral por um dos contra-tantes, sem que a outra parte possa discutir ou alterar o conteúdo da contratação, somente cabendo a esta a aceitação do que foi proposto ou a não efetivação do negócio.

A metodologia de formulação dessas contratações ex-pressa-se pela elaboração e imposição de cláusulas predispostas apresentadas num “contrato – formulário”, fator que não se re-sume a uma mera forma de redação, vai mais além, representa a real determinação do conteúdo contratual imposto ao outro con-tratante, que diante de suas necessidades e desejos de consumo sujeita-se e aceita o que foi proposto/imposto.

Essa formulação é essencial para a caracterização dessa forma de contratar, pois se houver a possibilidade de negociação e flexibilização de seus dispositivos, o instrumento perde sua es-sência e deixa de ser um contrato por adesão.

Fundamental o esclarecimento que essa relação negocial pode ser analisada sob dois aspectos: as condições gerais dos contratos e os contratos por adesão, a primeira trata da fase pré-negocial, ocorre com a elaboração das cláusulas que serão ofer-tadas e impostas ao público, mas ainda sem a aceitação do 3 Entender a estandardização das relações de consumo como o processo de padroni-zação dos atos comerciais, característica essencial numa sociedade de consumo mas-sificado, que exige que as negociações sejam efetivadas de maneira rápida, sendo o contrato por adesão o instrumento apto para reger e efetivar essas transações. 4 Neste breve trabalho, contratos padronizados e por adesão são tratados como sinô-nimos, na prática negocial correspondem a mesma figura, porém é importante o es-clarecimento que parte da doutrina entende que seus resultados são distintos: a con-tratação padronizada objetiva a maximização da eficiência da negociação, por outro lado os contratos por adesão objetivam a criação de um monopólio de mercado.

(5)

aderente, já o contrato por adesão marca o momento de celebra-ção do negócio, pois é a partir daí que existe a relacelebra-ção jurídica bilateral, a troca, a concretização da mais valia, o acesso e o con-sumo propriamente ditos, é o momento da convergência de tades, ou seja, a vontade do aderente acata e submete-se a von-tade (interesses) já manifestada do proponente, em suma, são as-pectos do mesmo fenômeno visualizados em momentos distin-tos.

Outro esclarecimento inicial é que o contrato por adesão não é uma espécie contratual, mas sim uma maneira de expres-são da vontade do contratante para a efetivação e concretização da negociação, podendo ser escrito (formal), verbal, oral, ciber-nético5 e até mesmo gestual.

Sob uma perspectiva linguística, pode ser entendido como um lexema, elemento que possui plurais possibilidades e significados, ou seja, mesmo que a sua denominação seja a mesma, sua materialização e aplicabilidade são plurais.

É evidente que a contratação por adesão é uma necessi-dade, fruto e resultado de uma sociedade consumista e massifi-cada, que utiliza as contratações homogêneas6 como maneiras de viabilizar o acesso aos bens e serviços almejados de maneira generalizada.

Esse tipo de contratação foi uma maneira encontrada pelo sistema produtivo para baixar os custos7 (econômicos e 5 Entender o contrato cibernético como aquele utilizado para negociações virtuais, onde a aceitação do consumidor realiza-se com um click.

6 A homogeneidade é um parâmetro utilizado como elemento de relevância do con-sumo massificado, em larga escala, não sendo, necessariamente, uma característica essencial nas contratações por adesão. Esse elemento, da quantidade de consumidores, juntamente com a renda, preços, hábitos dos contratantes, são variáveis relevantes na análise econômica do consumo.

7 Importante esclarecer que a ideia de que as contratações por adesão proporcionam a diminuição dos preços e custos está associada estritamente a conceitos e parâmetros econômicos, se analisarmos o tema sob a metodologia dialética mercadológica de Karl Marx, o entendimento é diverso, a perspectiva é que o contrato por adesão aumenta o custo dos produtos, uma vez que o próprio contrato é apresentado como uma “merca-doria”, tendo um custo embutido no produto consumido.

(6)

sociais) das transações e aumentar a produção, comercialização, distribuição e circulação de bens e serviços, além de intensificar a heterogeneidade dos consumidores, uma vez que se apresenta como uma maneira eficaz de possibilitar o acesso ao consumo a uma parcela da sociedade antes impossibilitada de consumir, servindo como um “facilitador” do consumo.

Dessa maneira, o contrato apresenta-se como um ele-mento estritamente benéfico e inofensivo, servindo apenas de “ponte de concretização de desejos”, essa é sua roupagem mais simplória e direta, o senso comum estabelece essa ideia ao con-trato por adesão, essa é a imagem socialmente concebida (simu-lacro), mas dois questionamentos merecem relevância: como é construído esse contrato e qual seu objetivo?

Seria ingênuo pensar que os discursos jurídicos, em suas múltiplas possibilidades como textos eminentemente legais, co-dificações, regulamentos, sentenças e mesmo os termos de um contrato apresentam objetivos e conteúdos claros, imediatos e unívocos.

Qualquer expressão textual tem como objetivo primor-dial o convencimento do enunciatário, as técnicas de linguagem e retórica são inúmeras e estão fortemente presentes no conteúdo dos contratos, que apresentam textos sólidos, técnicos, porém, contraditoriamente, rebuscados e entranhados de terminologias distantes do vocabulário dos consumidores.

O processo de persuasão inicia-se na terminologia “ade-são”. O termo aderir traz a ideia de concordar, tornar-se adepto, juntar-se, ou seja, a noção que a adesão nos passa é totalmente positiva e agregadora, é algo que queremos e na qual nos filia-mos por ser uma ação que nos beneficia e com a qual concorda-mos.

É o primeiro nível de persuasão do contratante, a trans-missão da ideia de que tudo que está por vir com aquela adesão é claro, direto e benéfico, porém deve-se ter muito cuidado na análise de seu plano de conteúdo, que tem um sentido além

(7)

daquele exposto, entendimento confirmado por Fiorin:

A finalidade última de todo ato de comunicação não é infor-mar, mas persuadir o outro a aceitar o que está sendo comuni-cado. Por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação, com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite. Por isso, ele é sempre persuasão. (2005, p.75).

Nestes moldes, o contrato é mais um elemento de rele-vância para sustentação do sistema capitalista que se baseia na produção e no consumo, como afirma Fernand Braudel:(1996, p.11). “A economia, à primeira vista, consiste em duas enormes

zonas: a produção e o consumo, aqui tudo acaba e se destrói, ali tudo começa e recomeça. Uma sociedade não pode parar de produzir, tal como não pode parar de consumir”.

Além da produção e do consumo, outro pilar orientador do capitalismo é o desejo. O entendimento de que o ser humano é, por natureza, um ser desejante, que busca o que não tem, ca-racteriza-se não pela satisfação de suas necessidades, mas pela constante busca dessa satisfação, um desejo realizado torna-se elemento pretérito e superado, surgindo outras ambições e metas a serem alcançadas.

A satisfação do consumidor deve ser instantânea e volá-til, sendo rapidamente suprimida e transformada em um novo desejo, pois o que se objetiva não é construir um consumidor pleno e satisfeito, mas sim um consumidor desejante e inquieto por novas aquisições, é preciso que estejamos em constante es-tado de pronta insatisfação.

Em verdade, não se busca o acúmulo ou a plena utiliza-ção dos bens, pouco importa se realmente necessitamos ou te-mos aptidão e conhecimento para manusear e usufruir dos obje-tos adquiridos, pois a cultura consumista impõe o esquecimento e o rápido descarte e não o aprendizado e o apego.

O que se objetiva é o estímulo constante pela busca de novas sensações, excitações e experiências, pois na realidade contemporânea, os consumidores são primeira e principalmente acumuladores de sensações.

(8)

Ciente dessa característica humana, o sistema capitalista, por meio de seu poderio retórico, persuasivo, midiático, publici-tário e ideológico, está em eterno processo de estímulo e mani-pulação8 para a “criação” de necessidades e desejos nos/nas con-sumidores/as, é a cristalização e concretização do que chama-mos de “demanda induzida”, que é a inversão do processo de produção em função das necessidades humanas, pois está ultra-passada a ideia que a necessidade vincula a produção, hoje tri-lhamos o caminho inverso, o sistema produtivo estabelece o que vai ser produzido e, através de maneiras diversas, cria na popu-lação a “necessidade” de consumo do produto.

Dessa forma, o sistema produtivo cria seus produtos e os apresenta aos consumidores como objetos desejáveis (o sujeito os quer), indispensáveis (o sujeito deve tê-los), verdadeiros (o sujeito sabe tê-los) e possíveis (o sujeito pode tê-los), surgindo aí de maneira clara o contrato por adesão como um elemento que cria a real possibilidade de possuir e usufruir esses objetos, esti-mulando a paixão de posse desses bens, produtos ou serviços.

É apresentado como um instrumento que viabiliza, incre-menta, amplia e estimula o consumo generalizado e massificado, aparecendo as contratações por adesão como elementos capazes de possibilitar e estruturar esse panorama de consumo generali-zado. Sendo essa mais uma forma de ratificar e concretizar a imagem do contrato como um simulacro de poder e possibilida-des.

A manipulação para desejo e aquisição do bem se dá por uma dupla perspectiva: querer e poder, o consumidor é incenti-vado a desejar e querer aquele bem, aparecendo o contrato como a única forma de poder alcançar e concretizar esse desejo.

Assim, a manipulação estimula e incrementa o desejo do consumidor pelo bem almejado, mas que para ser alcançado e concretizado precisa necessariamente ser viabilizado por um 8 Importante que o termo “manipulação” não seja entendido como um elemento nega-tivo ou reprovável, aqui a manipulação é apenas mais uma técnica de persuasão.

(9)

contrato que aparece apenas como um instrumento que possibi-lita a concretização de sonhos, sem ultrapassar essa aparência, que mostra-se falaciosa e mascarada, camuflando sua real essên-cia, que em realidade é um instrumento que gera obrigações (ci-vis e tributárias) e até mesmo possíveis sanções.

CONTRATO POR ADESÃO E A FALSA IDEIA DE PARI-DADE NEGOCIAL

É evidente que numa sociedade de consumo amplo, ge-neralizado e massificado, de maneira majoritária, as relações ne-gociais não são firmadas por partes em situação de igualdade cognitiva, financeira, social e jurídica. As grandes empresas e conglomerados econômicos dominam e direcionam as relações de consumo. Há de maneira clara a imposição de produtos ofer-tados, regulação de preços, instituição de taxa de juros e formas de pagamento, enfim, um extenso panorama de sobreposição de interesses.

As próprias contratações por adesão mostram-se como outra maneira de dominação, pois a autonomia da vontade dos aderentes (leia-se consumidores) é totalmente restringida ao mero aceite do que foi ofertado e imposto, restrição que se apre-senta de maneira clara nos contratos por adesão, pois inexiste a possibilidade de construção paritária do conteúdo contratual, é a aceitação do que foi predeterminado pelo fornecedor ou a não concretização e efetivação do negócio, comportamento exempli-ficado por uma cláusula contratual abaixo transcrita:

CLÁUSULA SEGUNDA: Ao realizar a matrícula do/a aluno/a, beneficiário/a dos serviços educacionais, em quais-quer dos cursos mencionados na Cláusula Terceira deste ins-trumento, ministrados pelo COLÉGIO --- –, doravante denominado simplesmente COLÉGIO, mediante o preenchi-mento e a assinatura do requeripreenchi-mento de matrícula e demais documentos que o acompanham e o pagamento da primeira parcela da anuidade correspondente, fixada pelo contratado, o/a(s) contratante (s), indicado/a(s) e qualificado/a(s) no

(10)

mencionado requerimento de matrícula, ADERE(M) ao

pre-sente contrato, aceitando todos os seus termos e condições.

O exemplo apresentado mostra de maneira evidente a im-posição dos interesses de uma parte contratante e a completa submissão e restrição da vontade do aderente, que é obrigado a aceitar todos os termos e condições contratuais apresentados (impostos).

Porém esse panorama de assimetria não pode ser reve-lado. É fundamental que o consumidor não enxergue essa rela-ção de hipossuficiência e imposirela-ção de interesses. Dessa ma-neira, o contrato por adesão repassa a ilusória ideia de paridade contratual, omitindo a relação de debilidade e restrição volitiva da parte aderente.

No processo semiótico de construção de significados, elemento importante é a forma como os contratos apresentam-se ao consumidor, majoritariamente, para não utilizar o termo to-talmente, as duas primeiras cláusulas contratuais apresentam a especificação das partes contratantes, que nos contratos de con-sumo são o consumidor (aderente) e o fornecedor do produto ou serviço.

Observemos que a figura do consumidor sempre é apre-sentada antes e acima da do fornecedor. Seria ingenuidade pen-sarmos que essa disposição é aleatória e sem maiores intenções, pois essa organização do discurso é totalmente orientada e per-suasiva, objetiva camuflar a situação de inferioridade contratual do aderente naquele contrato.

Na sociedade de consumo, sinteticamente esboçada neste trabalho, é inegável a relevância das contratações por adesão, que se apresentam como uma necessidade de segurança frente à variedade e abundância de bens de consumo em constante reno-vação e obsolescência.

Porém, é preciso que esse tipo de negociação seja enten-dida de maneira mais profunda, como um simulacro de poder e benefícios que, através de seu discurso, transmite a falsa ideia de paridade negocial, quando em verdade configura-se numa

(11)

contratação fundamentada numa relação de assimetria entre os contratantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devemos ter a consciência que a verdade absoluta não existe e que o conhecimento científico está em constante pro-cesso de apreensão, compreensão e construção de uma realidade. Não pretendemos, portanto, encerrar aqui as discussões acerca do tema em análise, nem oferecer definições concluídas, o pro-pósito foi questionar e apresentar as linhas iniciais sobre a temá-tica.

Diante dos conceitos e perspectivas apresentados, fica claro que o contrato por adesão mostra-se como elemento rele-vante na sociedade contemporânea, é fruto e resultado do desen-volvimento e dos anseios sociais, produtivos e econômicos, atua como um elemento viável e necessário que possibilita e permite o intercâmbio de bens, valores e serviços, estimulando a coope-ração e promovendo a maximização do bem estar dos consumi-dores9.

O macro discurso imperante em nossa sociedade o apre-senta como um elemento estritamente positivo, ocultando uma relação de disparidade entre os contratantes, é preciso ter a cons-ciência que esse modo de contratar também apresenta uma face reversa e dicotômica, pois dá a falsa ideia de que é um elemento que fortalece o consumidor no sentido de possibilitar a concreti-zação de suas necessidades e desejos, quando na realidade é um instrumento utilizado pelo sistema econômico para estimular e direcionar o consumo.

Devemos romper com o obstáculo epistemológico10 da 9 Embora não seja pacífico na doutrina, neste trabalho, aceitar que as contratações por adesão são restritas às relações de consumo.

10 Aqui tratamos especificamente da obra de Michel Miaille “Introdução Crítica ao

Direito”, que apresenta esses obstáculos como entraves e impedimentos à construção

(12)

falsa transparência, que propõe a simplificação demasiada dos conceitos jurídicos. O contrato é conceituado e classificado de maneira ingênua e com pouca crítica e profundidade, alicerçado na comodidade do simplismo, sem buscar sua verdadeira essên-cia e sem vínculo com a realidade soessên-cial, econômica e capita-lista.

Frente ao exposto, precisamos entender o contrato por adesão como um objeto, uma construção social e também lin-guística e discursiva, é um elemento revestido de valor, constru-ído de significados, de diferentes discursos e inúmeros artifícios persuasivos. Portanto, não podemos entendê-lo de maneira sim-plista e sem, sequer, procurar entender suas diversas possibilida-des, objetivos e interesses.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Ed.Edições 70, 2010.

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada. São Paulo: Editora Zahar, 2009.

CÁRCOVA, Carlos Maria. Las teorías jurídicas post

positivis-tas. Buenos Aires: Editorial Abeledo Perrot, 2.ed, 2012.

CARVALHO, Nelly de. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo: Editora Ática, 2002.

DESJEUX, Dominique. O consumo: abordagens em Ciências

Sociais. Maceió: Editora Edufal, 2011.

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Editora Contexto, 2005.

(13)

Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

LANDOWISKI, Eric. A sociedade refletida. Rio de Janeiro: Editora EDUC, 1992.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los contratos. Parte

general. 2.ed. Buenos Aires: Editorial

Rubinzal-Culzoni, 2010.

MANDEL, Ernest. A formação do pensamento econômico de

Karl Marx. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1968.

NAVES, Marcio B. Marxismo e Direito. São Paulo: Editora Boitempo, 2000.

Referências

Documentos relacionados

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

Mova a alavanca de acionamento para frente para elevação e depois para traz para descida do garfo certificando se o mesmo encontrasse normal.. Depois desta inspeção, se não

1.1 A presente licitação tem por objeto o registro de preços para Aquisição de Materiais (Vidrarias e Reagentes) para os Laboratórios de Química do

Analisaram-se 15 diferentes ovários em cada estágio, com exceção do estágio IV (desovado), no qual foram observadas apenas quatro fêmeas.. As medidas foram tomadas sempre no

Não tem informações sobre a sua modificação química e, pelo exposto acima, no presente trabalho tem-se estudado a modificação química deste amido variando a concentração

Como irá trabalhar com JavaServer Faces voltado para um container compatível com a tecnologia Java EE 5, você deverá baixar a versão JSF 1.2, a utilizada nesse tutorial.. Ao baixar

Faz-se necessário investigar detalhadamente os parâmetros de funcionamento dos motores do ciclo Diesel para propor a idealização na caracterização da penetração

־ Uma relação de herança surge quando um objecto também é uma instância de uma outra classe mais geral (exemplo: “automóvel é um veículo”). ־ É sempre possível