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Educação é projeto nacional

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Academic year: 2022

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entrevista: ivan valente

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8 vol.8 nº1 jan/fev 2009

Ilustração: rodrIgo leão

Educação é

projEto nacional

Nos últimos anos, houve uma expansão expressiva do ensino superior no Brasil graças ao setor priva- do. O problema é que não necessariamente há uma contrapartida na qualidade observada

POr EdsON PiNtO dE AlmEidA

“A educação é algo muito sério para ser deixado nas mãos do mercado”, diz o deputado federal Ivan Valente, do PSOL, recriando a célebre frase do estadista francês Georges Clemenceau sobre a guerra (1841-1929). Aos 62 anos, Valente não deixa de ser uma espécie de guerreiro. Lutou con- tra a ditadura militar em 1968, foi preso, tortura- do e nem pôde receber o diploma de engenharia do Instituto Mauá de Tecnologia – o que só acon- teceu anos depois. Agora sua batalha é contra o capital estrangeiro nas instituições educacionais brasileiras com fins lucrativos. É de sua autoria o projeto de lei 2.138, de 2003, que estabelece essa proibição, mas permite, como exceção, a entrada de recursos para pesquisa e extensão ou verbas destinadas ao apoio a instituições denominadas educacionais, comunitárias ou filantrópicas.

Sucinto, mas com forte conteúdo ideológico,

o projeto do deputado Ivan Valente, ainda em processo de avaliação no Congresso, provoca discussões no momento em que é apresentado.

Nunca houve tanta ebulição no mercado de ensi- no superior privado. Grandes grupos nacionais consolidam posições, comprando escolas de menor porte. E instituições estrangeiras voltam suas baterias e seus dólares para conquistar um espaço nessa dura competição. A rede privada hoje domina 80% do ensino superior no Brasil.

Recém-saído da eleição para prefeito em São Paulo, na qual conquistou pouco mais de 42 mil votos no primeiro turno, depois de enfrentar jornadas de 16 horas de campanha por dia, con- tando com R$ 160 mil de recursos, o deputado federal Ivan Valente, do PSOL, concedeu a seguinte entrevista para falar sobre seu projeto e suas idéias para melhorar a educação.

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superior por intermédio das escolas particulares, que hoje chegam a deter mais de 80% das unida- des de ensino, deixando só 20% para o ensino superior público. Só que essa lógica de abrir mil e tantas faculdades em dez anos chegou a um colap- so. Expandir o ensino superior pelo setor privado tem um limite porque este é um país onde há desigualdade na distribuição de renda. A distribui- ção é feita por migalhas, por bolsas, e não por políticas estruturais, visando o desenvolvimento sustentável de longo prazo. Rigorosamente, o que estamos vendo é que o crescimento do setor pri- vado hoje está dependendo, efetivamente, do próprio governo – até mesmo para combater a inadimplência. Seja por meio de bolsas integrais do ProUni (Programa Universidade para Todos) e do FIES (Programa de Financiamento Estudantil), que hoje ultrapassam 300 mil beneficiados, seja por bolsas fornecidas pelas próprias escolas parti- culares, por meio de financiamento a juros.

Os especialistas dizem que o crédito estudantil vai fazer com que os alunos procurem os melho- res cursos e também forçar as escolas a investi- rem em qualidade. O senhor acredita nisso?

iv:

Depende. Acredito que o aluno, em geral, deseja ingressar numa faculdade pública que é gratuita. Como não consegue, porque a com- petição é grande – e ele, geralmente pobre, vem de uma educação básica pública sucateada – acaba apelando para uma escola privada. O crédito é uma forma de se aproximar da gratuidade. Há uma dife- rença muito grande entre as instituições. Quem faz a FGV ou o Ibmec são pessoas de padrão elevado, que podem pagar altas mensalidade e não escolhem prazo. A média de mensalidade na Anhanguera, por exemplo, é de R$ 400 por mês e visa o público das classes C e D. Acho que é uma balela dizer que se resolve o problema da qualidade para o estudan- Qual o objetivo do seu projeto?

iv:

Acredito que a entrada de capital estran- geiro não é neutra. Traz em si uma ideo- logia. É uma penetração cultural que precisa ser monitorada. É algo diferente de um convênio ou acordo de cooperação. É mais grave que isso. O processo de globalização financeira colocou na ordem do dia a utilização de capitais para empre- sas com maior rendimento. Hoje o Brasil é o país onde há maiores oportunidades de negócios e perspectiva de rentabilidade. Independentemente de um projeto de nação e prioridades nacionais, esses grupos têm como objetivo ganhar dinheiro.

mais recursos não podem melhorar o ensino?

iv:

A tendência é que os grupos educacionais se transformem em mega-instituições. Não acredito que isso possa melhorar a qualidade de ensino. Eles direcionam a educação para onde quise- rem. Criam um padrão de universidade sem que haja um nível de especialização e respeito por peculiarida- des regionais. O objetivo é padronizar o ensino e não melhorar a sua qualidade. Além do mais, não esta- mos importando Harvard ou Berkeley. Lá existe uma relação com o projeto americano de nação. A univer- sidade recebe doações de ex-alunos. Aqui é uma relação de dependência. Aqui se busca mais a quan- tidade do que a qualidade. Hoje, 95% da pesquisa nacional é feita nas universidades públicas. As uni- versidades particulares não fazem pesquisa e exten- são. Só ganham dinheiro. A USP, a Unicamp e a Unesp são responsáveis por 45% das pesquisas feitas no país. Pesquisa é investimento de longo prazo.

Como o senhor vê a origem desse processo de expansão do ensino privado?

iv:

Essa foi a lógica que os tucanos implan- taram no Brasil, a da expansão do ensino

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te quando ele pode pagar a prazo. Pelo que acom- panho esse assunto no Congresso, percebo que há uma inadimplência brutal, até mesmo no ProUni e no FIES. Há 300 deputados que pressionam para que esse assunto seja jogado para a frente. É o Refis da educação. O aluno tenta pagar, mas não conse- gue, pois o mercado de trabalho brasileiro está dependendo do desenvolvimento sustentável. Nós crescemos nos últimos 20 anos a uma média de 2%

a 2,5%. Agora alcançamos uma média de 4%. Com a crise econômica, vamos voltar ao patamar dos últimos 30 anos. Já ninguém sabe mais. Como é possível ter garantias de mercado de trabalho com esse tipo de desenvolvimento econômico?

O que seria o ideal?

iv:

O ideal é promover a expansão do ensino superior público, onde há pesquisa e exten- são. Ou seja, um ensino superior de qualidade para formar cidadãos profissionais adequados para um projeto de nação. A maioria das faculdades particula- res não faz pesquisa e extensão de serviço à comuni- dade. Depois das mudanças na Lei de Diretrizes e Bases, o que prevalece é a lógica do lucro exacerbado.

As instituições com fins lucrativos não têm interesse em pesquisa porque é caro e a extensão de serviços à comunidade implica abandonar a idéia de rentabili- dade. Entendo que rentabilidade é formar um profis- sional de excelente qualidade para a nação. Esse deve ser o objetivo da escola pública. A maioria dos gru- pos que expandiram sua atuação nos últimos anos visa uma rentabilidade de 30%, um patamar maior até do que a do capital financeiro. Qualquer indústria tem uma rentabilidade anual muito menor. Isso é incompatível com a educação de qualidade.

A antropóloga Eunice durham, coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da UsP, acha que o ensino público ficará

muito caro se o modelo de expansão for a UsP. Ela defende a criação de universidades que não estariam ligadas somente à pesqui- sa, mas à formação dos alunos para o merca- do de trabalho. Qual a sua opinião?

iv:

É possível ter uma formação voltada para o mercado de trabalho. Mas não é verdade que a universidade brasileira tem só o padrão USP.

O melhor exemplo é a expansão do ensino técnico superior público que vem ocorrendo por meio dos Cefets (Centro Federal de Educação Tecnológica). A Câmara acaba de aprovar o Sistema Nacional de Ensino Superior Tecnológico. Os Cefets são rigoro- samente voltados para o mercado de trabalho, tanto na agricultura quanto na indústria ou no comércio.

E também fazem pesquisa. Muitos aspiram tornar- se universidades de tecnologia num modelo seme- lhante ao americano. Com menos potencial, porém numa linha em que haja uma especificidade.

O senhor não vê nenhum benefício nas univer- sidades privadas? A competição não vai fatal- mente levar a universidade privada a ter quali- dade, provocando uma depuração mercado?

iv:

A lógica do lucro é considerar o ensino como uma mercadoria e um negócio. Isso é um imperativo inerente ao processo. No momen- to em que diminui o lucro, cai a qualidade, e aí não há retaguarda do Estado. O que ocorre no Brasil hoje é o seguinte: as escolas mais tradicionais, de origem familiar, estão submetidas a uma nova dinâ- mica imposta pelo capitalismo monopolista. Elas estão sendo compradas pelo tubarão. O peixe maior compra o peixe menor. É o mesmo fenôme- no que atinge a aviação internacional e vários outros setores. Ou seja, o monopólio está levando a uma concorrência espetacular. É o caminho do mercado selvagem. Em um primeiro momento, quando se captam recursos na Bolsa de Valores ou

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com fundos de investimento, é possível que haja uma aparente melhoria e também um ganho de escala, que se traduz numa mensalidade menor.

Mas a lógica do lucro vai levar sempre a colocar mais alunos por sala de aula. Numa escola pública, essa proporção deve ser determinada pelo rendi- mento dos alunos e pela qualidade do aprendizado.

No setor privado isso não acontece. É claro que deve haver um mínimo de racionalidade nos dois setores, mas na área privada essa racionalidade sempre vai ser exacerbada em função do lucro.

O setor público não vive esse problema?

iv:

O problema é que o setor público, tanto no governo FHC como no governo Lula, tam- bém aderiu a essa lógica com o Reuni (Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, lançado pelo governo fede- ral, com o objetivo de expandir, de forma significa- tiva, as vagas para estudantes de graduação no siste- ma federal de ensino superior), que passa de 9 alu- nos por professor para 18 alunos por professor. Eles alegam que isso é racionalidade, mas na verdade é ajuste fiscal, porque o Estado não suporta. O curioso é que o Estado consegue pagar R$ 180 bilhões de juros por ano, mais de 30% do orçamento. Quer dizer, é uma posição política. Por que não destinar mais dinheiro para a educação, para a saúde?

Há quem diga que é preferível contar com o capital estrangeiro criando boas escolas a contar com o capital nacional sendo apenas um agente predador. Qual a sua visão?

iv:

Primeiro, vamos qualificar o capital estrangeiro que está chegando aqui hoje.

O que temos é a chegada de instituições de ensino que já atuam nos EUA e procuram negócios no Brasil porque dá mais lucro. Como já mencionei, não é a Universidade Harvard ou Berkeley que

está vindo para o Brasil. Não se trata de um con- vênio com essas universidades, um convênio de transferência de tecnologia, com capital etc. O que vemos são grupos econômicos que acham que o ensino superior no Brasil é um bom negócio. Por que eles miram o Brasil? Porque é o país da América Latina, tirando a Bolívia, que tem o menor número de jovens de todo continente, entre 18 e 24 anos, cursando uma faculdade. O Brasil exibe um dos índices mais baixos do mundo de matrículas universitárias. Só não é menor do que a Índia, que tem 1 bilhão de habitantes. Na Argentina, o número de universitários é duas ou três vezes maior; o mesmo acontece na Venezuela, no Uruguai, no Chile. Até o Paraguai tem mais jovens na universidade do que o Brasil. Com o tamanho e a população que tem, o Brasil é visto como um mercado de potencial enorme. Ou seja, estamos alcançando o limite de ter 97% de alunos no ensino fundamental, talvez uns 30% ou 35%

de alunos no ensino médio e apenas 12% o 13%

de alunos no ensino superior. Logo, é um bom negócio. Como o governo Lula vem expandindo muito lentamente o ensino superior público, a opção foi jogar dinheiro no setor privado, via ProUni, FIES e assim por diante. Ou seja, a gente vê um bom mercado, mas não há aporte tecnoló- gico, aporte científico ou de qualidade de ensino.

Os especialistas dizem que o ranking do mEC vai mudar a estratégia dos grupos privados de ensino. Com a publicação do ranking, em vez de ganhar mercado para crescer, a nova estratégia seria investir em qualidade para não perder alunos. O senhor concorda?

iv:

Na verdade, essa discussão sobre o ranking vem desde o Provão, instituído pelo gover- no FHC, o que, na minha opinião, é uma maneira muito parcial, insuficiente e até mesmo problemáti-

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edson PInto de almeIda, Jornalista, edson.almeida@ajato.com.br

ca de avaliar instituições de ensino. Porque só avalia o aluno na ponta. O Enade, que é a avaliação feita pelo governo Lula, certamente melhorou um pouco, mas ainda não é o ideal. Entendo que a avaliação deveria ser da instituição como um todo, se ela está preparada ou não para criar profissionais. Veja o exemplo do grupo Anhanguera, que acaba de com- prar a rede de ensino LFG. Qual a razão? Porque dá um dinheiro fantástico. Trata-se de um cursinho para o exame da OAB. Como não se trata de uma faculdade, é permitido demitir professores a qual- quer momento, pois não há controle do MEC sobre esse tipo de negócio. Eles estão atrás do lucro. Aqui não há preocupação com qualidade. Isso mostra uma tendência contrária à da sua pergunta.

Como melhorar a avaliação das escolas?

iv:

Ao licenciar uma faculdade, o MEC deveria avaliar se a instituição está preparada para formar os alunos para o mercado. Os critérios deve- riam ter sido criados antes dessa expansão degenera- da que foi feita no governo FHC, e não agora correr atrás do prejuízo, fechando salas, cursos, como essa redução maciça que o MEC mandou fazer na área de Direito. O Estado está sempre atrás na fiscalização.

Como o senhor vê o papel das instituições mais tradicionais? O seu projeto faz alguma restrição?

iv:

Não, tanto que há exceções previstas no texto. Nesse momento de correlação de forças, não vou gastar tempo combatendo a PUC ou o Mackenzie. Quero combater o ensino priva- do mercadológico que foi estabelecido. É lógico que a PUC ou o Mackenzie vão enfrentar as mes- mas contradições. Não é à toa que ocorrem greves por causa das mensalidades cada vez mais altas e que os alunos não conseguem pagar. Por isso sou

a favor da escola pública. Mas não vou direcionar, neste momento, canhões contra instituições que fazem ensino, pesquisa e extensão, que têm uma qualificação superior, que não visam o lucro, que são comunitárias. Neste momento, a gente tem que combater essa lógica que transforma as uni- versidades em grandes supermercados. A univer- sidade é uma instituição de saber. É uma institui- ção que está enquadrada em um projeto nacional.

Eu não vejo isso nessas faculdades privadas.

E por que a incapacidade do governo em melhorar a educação?

iv:

É um problema de escolha. Em qualquer disputa eleitoral, a educação é colocada como prioridade. Mas na verdade ela não é. Tanto que o governo FHC e o governo Lula não derruba- ram os vetos ao plano nacional de educação que previa gastar 10% do PIB em educação. O Congresso Nacional aprovou 7%. E quanto o Estado brasileiro gasta? Apenas 3,7% do PIB. Os 7% foram vetados porque exigiriam um plano que drenaria recursos do Tesouro para a educação, para os estados e municípios. Em vez disso, temos migalhas. O governo Lula vai dar, em cinco anos, R$ 4,5 bilhões para o Fundeb. Isso significa quase R$ 1 bilhão por ano. É muito pouco! Não há uma injeção maciça de recursos. Os tucanos falam que o problema é de gestão. É claro que o problema sempre vai ser de gestão! Sempre é possível gerir melhor. Isso é uma obrigação do dirigente do Estado. Essa lógica de que só falta gestão no Brasil e que os recursos são insuficientes é uma grande balela. Porque aqui no Brasil, 36% dos recursos do orçamento nacional estão sendo drenados para pagar a dívida pública.

E isso ninguém discute no Brasil. Isso é indiscutível, parece algo religioso. Isso não é política pública. 6

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