C O L E Ç Ã O A R T H U R R A M O S :
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zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m sua trajetória decientista social Arthur Ramos, antropólogo e
pesquisador interessado no
e tudo das culturas negras no Novo Mundo, do folclore
e da Psicanálise, tendo sido considerado por muitos e,
em especial, por Roger Bastide? e Donald Pierson>,
um expoente das dinâmicas
do seu tempo, acumulou
um acervo que reflete,
ilustra e documenta as
pesquisas realizadas ao longo do tempo, que
con-formaram a Coleção Arthur Ramos, cujas informações,
segundo veremos, espelham a memória e a trajetória
científica deste pesquisador.
Adquirido pela Uni-versidade Federal do Ceará,
em 1959, dez anos após
sua morte, pelo professor Antônio Martins Filho,
então Reitor da UFC, o
acervo foi entregue ao
Museu do Instituto de Antropologia (Girão, 1971: 95), Como se formou a
Coleção Arthur Ramos? Quais as suas
caracte-rísticas? Qual o estado da arte do conjunto documental sob a custódia da instituição que o
adquiriu? No momento em que se comemora o
Centenário de nascimento de Arthur Ramos é importante procurar, se possível, responder a essas
questões, meta principal
deste trabalho. Para a consecução de tal objetivo,
são analisados,
especial-mente, alguns documentos constantes do Arquivo
Arthur Ramos, sob a guarda da Biblioteca acional, bem
como entrevista, realizada com a pesquisadora Luitgarde
Oliveira Cavalcanti Barros",
doravante denominada BalTOS, uma estudiosa do assunto
que generosamente abriu
caminhos possíveis para essas e outras fontes de
estudo sobre esse pioneiro
das pesquisas do negro no Brasil.
Arthur Ramos, em suas pesquisas
antropo-lógicas, desenvolveu uma
concepção de cultura como "uma síntese nova que nos
permite a compreensão da personalidade humana de
que é inseparável" (Ramos,
1948: 94). Essa noção pode, de alguma maneira, explicar
as características de sua
Coleção, pois esse estudioso
considerava a mudança cultural nos processos de aculturação. esse sentido, entendia a
Antropologia como
-IC L É 1 A T H 1 E S E N M A G A L H Ã E S C O S T A '
RESUMO
Em sua trajetória de cientista social, Arthur Ramos acu-mulou um vasto acervo que rellete, ilustra e documenta as pesquisas realizadas ao longo do tempo, que conter-maram a Coleção Arthur Ramos, em parte adquirida pela Universidade Federal do Ceará, em 1959, após sua morte
precoce. Como se lormou essa Coleção e quais as suas características? Oual o estado da arte do conjunto do-cumental sob a custódia da instituição que o adquiriu? A oportunidade do seu centenário de nascimento,
come-morado em 2003, inspirou a realização deste artigo, que tem por objetivo não apenas homenagear esse
estudio-so da cultura negra, mas também divulgar a existência desses materiais da Memória e da História, em seu
pro-cesso de acumulação.
ABSTRACT
In his career as a social scientist, Arthur Ramos
accumulated a vast collection which illustrates and documents the research carried out throughout time, and which comprised the Arthur Ramos Collection, partly
acquired by the Universidade Federal do Ceará in 1959, lollowing his early death. How was this collection built up and what are its leatures? What is the state 01the
arts 01this trove 01documents under the custody 01the institution which acquired it? The centennial 01Arthur Ramos' birth, celebrated in 2003, have inspired the wriling 01this article which aims at not only paying homage to this dedicated scholar 01Black culture, but also disclosing the existence 01these National Heritage and History materiais in their collection processo
"Doutora em Ciência da Informação, Professora do Curso de História e do Mestrado em Memória Social e Documento da UNIRia
_
..
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
( .. .) U 1 1 1 .ac ié n c ia d o h o m e m e d a
so c ie -d a d e d e q u e e le é in te g r a n te " ,
-
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o n ju g a n d o a o c o n c e ito d e c u ltu r a aid é ia d e ê th o s. P a r a e /e ," n ã o e xiste u m a
tip o to g ia d e g r u p o s é tn ic o s, m a s c o m p o r
-ta m e n to s d ife r e n c ia is e m r e la ç ã o c o m o s p a d r õ e s d e c u ltu r a . Se e ste s p a d r õ e s
m u d a m , a p e r so n a lid a d e se m o d ific a c o m e le s. H á u m a d e p e n d ê n c ia e str e ita
e n tr ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
in d ivíd u o e se u m e io so c io -c u ltu r a l (Ramos, 1948: 96),Sendo o homem agente efetivo de todo o processo de cultura, quando migra o objeto ou
artefato cultural ele "(, ..) adquire nova função, em relação às necessidades básicas do homem
do novo ambiente". E foi esse espírito da cultura
negra que Ramos procurou compreender em seus
estudos etnográficos.
No final da década de 1930, as pesquisas sobre a cultura negra no Novo Mundo foram
enriquecidas com três volumes, de leitura
autônoma, publicados, respectivamente, em 1934,
1935 e 1937. São eles: O n e g r o b r a sile ir o ;
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ofo lc lo r e n e g r o d o Br a sil e As c u ltu r a s n e g r a s n o No vo M u n d o . Estes são apenas alguns títulos que revelam resultados de seus estudos etnográficos sobre o tema predominante da
coleção formada por este personagem'.
Numa época em que predominava o arianismo nazista, Arthur Ramos inovava com
seus estudos afro-brasíleiros, não apenas ao
instituir uma abordagem da teoria da cultura em
contra posição à teoria das raças, contrariando,
portanto, as teses vigentes no universo intelectual de seu tempo, pautadas na inferioridade da raça
negra, mas também ao ressaltar o valor intelectual
do negro. Por outro lado, em sua trajetória de pesquisador atento à multiplicidade das tribos
de origem negra, reunidas no mesmo espaço de
trabalho escravo, em terras brasileiras, procurou distingui-Ias, em suas especificidades e
características, para melhor analisá-Ias no âmbito
dos fenômenos de aculturação e sincretismo religioso.
Arthur Ramos, nos seus 46 anos de vida,
produziu inúmeros estudos publicados em forma
116
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N.1de artigos e livros, em matérias de jornais que escreveu por influência de Nilo Ramos, seu dileto
irmão. Ministrou diversos cursos, conferências,
discursos, comunicações, tendo participado de um grande número de seminários, mesas redondas, congressos, no Brasil e no exterior.
Humanista, participou de diversas campanhas
para a construção de instituições médicas, como
um hospital, no Pilar CAL),o manicômio judiciário na Bahia. Lutou pela paz, pelo fim dos regimes
totalitários, tendo assinado inúmeros manifestos,
como o Manifesto aos Republicanos Espanhóis
(1937), o Manifesto pela Paz e pela Civilização (1938), o Manifesto de profissão de fé
demo-crática na luta contra as potências totalitárias (1942). Lançou, ainda, o Manifesto Contra o Racismo,
em sessão extraordinária da Sociedade Brasileira de
Antropologia e Etnologia, em 1942, por ele fundada um ano antes, dela tendo sido presidente no período
de 1941-1943. Essa profícua trajetória de pesquisador
tomou possível a acumulação de 5.000 documentos constantes de seu arquivo particular, posteriormente
adquirido pela Biblioteca Nacional, bem como uma biblioteca e um museu. Fragmentos dessa história
serão aqui reconstituídos.
U m p e q u e n o m u s e u a fric a n is ta
Estamos em 20 de abril de 1938, no Rio de
Janeiro. Em seu apartamento situado na Rua do Russel, no 122 andar, nosso personagem
concedeu entrevista ao jornal A G a ze ta d e Sã o
P a u lo , intitula da "Da civilização negra à
psychanalyse", em seu gabinete, cercado de livros. Conforme relatado pelos jornalistas, "(i.') um
instrumento estranho chama-nos atenção. Arthur
Ramos percebe a nossa curiosidade" e explica
tratar-se de um tronco do tempo da escravidão; um, dentre muitos objetos que possui, abrindo
um armário que contém ata baques, adufos, esculturas negras, amuletos.
Trata-se de um tesouro acumulado pelo
pesquisador, um lugar de memória, certamente.
Mas também testemunho de suas pesquisas que visavam não apenas denunciar a teoria da
-
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raças, mas indicar as sobrevivências culturais africanas no Novo Mundo, os processos de
aculturação, em termos de cultura e não de
raça. Sua coleção reflete isso: um clamor contra
o esquecimento, ressaltando o valor intelectual do negro no Brasil.
Às vésperas de fazer uma conferência em São Paulo, a convite do Departamento Municipal de
Cultura, Arthur Ramos explica aos jornalistas que
(. . .) e ssa in ic ia tiva p r e n d e -se à s
co-m e co-m o r a ç õ e s d o C in q ü e n te n á r io d a
Ab o liç à o , q u e e stã o d e sp e r ta n d o m u ito :
in te r e sse e m to d o o p a is. M a s é p r e c iso
q u e se n o te u m fa to m u ito sig n ific a tivo : o u tr o r a fe ste ja va -se o
13
d e m a ioc o m d isc u r so s, h in o s e p o e sia s, c o n sid e
-r a n d o -se a p e n a s o se u a sp e c to p o lític o e a n e d ô tic o , h o je a d a ta su sc ita e stu d o s,
p e sq u isa s so b r e a c o n tr ib u iç ã o d o
n e g r o e m n o ssa c iviliza ç ã o . M u d o u a m a n e ir a d e e n c a r a r
o
fa to h istó r ic o eisso d e ve m o s - d iz e le - a o s e sfo r ç o s d a
e sc o la d e Nin a Ro d r ig u e s, q u e le va n ta
-r a o u t-r o -r a o p r o b le m a r e a l d o n e g r o ...
Por solicitação do Ministro da Educação,
conforme relata, Arthur Ramos foi instado a designar temas de estudos que deveriam ser desenvolvidos por especialistas, "(. . .) num
verdadeiro curso de conferências africanistas.
Em São Paulo e Minas verifica-se o mesmo
interesse ...". Quais foram os temas? O antropólogo estabeleceu dois temas principais, subdivididos
em vários itens:
(. . .) o p r o b le m a d a e sc r a vid ã o e o
a b o lic io n ism o , d o q u a l p o sso c ita r os
se g u in te s ite n s: n a vio s n e g r e ir o s, h istó r ia d o tr á fic o , O tr a b a lh o e sc r a vo , in su r r e iç õ e s n e g r a s, c a m p a n h a a b o
li-c io n ista , e tli-c .
Em seguida Ramos fala sobre o segundo
tema:
.- -
...•
-.'.._~.
(. . .) o p r o b le m a d o n e g r o n a vid a d a
c iviliza ç ã o b r a sile ir a , c o m osse g u in te s ite n s: so b r e vivê n c ia s c u ltu r a is d o n e g r o
n o Br a sil, r e lig iõ e s, fo lklo r e , so b r e vi-vê n c ia s a r tístic a s, c u lin â r ia a fr o
-b r a sile ir a e m u ito s o u tr o s.
Como nosso personagem interessou-se
pelo problema do negro? Diante da pergunta do
jornalista, Ramos reporta-se à sua experiência como médico legista na Bahia, quando abraçou
pesquisas sob as orientações de Nina Rodrigues,
explicando
(. ..) a p r io r id a d e d e sse s e stu d o s m o d e r n o s
c a b e a n ó s, c o n tin u a d o r e s d o m e str e b a ia n o . (. . .) C o n tin u a d o r e s d e Nin a
Ro d r ig u e s, d e ve m o s, e n tr e ta n to , r e ssa lva r
q u e
o
se g u im o s a p e n a s n o m é to d o , n ao r ie n ta ç ã o , se m e sp o sa rosp r in c íp io s q u e e le e sta b e le c e u .
O mais importante princípio negado por
Arthur Ramos, único mencionado nessa
entrevista, é o fato de Nina Rodrigues considerar o negro um elemento inferior. Ramos explica que
seu mestre, por dispor de
(. . .) p a r c a s c o n tr ib u iç õ e s a o a lc a n c e d e
se u te m p o , e le
HGFEDCBA
f o i le va d o a e sse e r r o . Nó s já n ã o a d m itim o s ta l h ip ó te se , e m b o r afié is a o m é to d o p r e c o n iza d o p e lo m e str e .
Com as comemorações dos 50 anos da
Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1938, Arthur Ramos é entrevistado pelo jornal O G lo b o ,
no Rio de Janeiro, então capital do país. Preparando-se para uma série de conferências
que iria proferir em São Paulo, sobre temas
afro-brasileiros, forneceu aos jornalistas apontamentos sobre o tema, com o propósito de
(. ..) in fo r m a r a o s le ito r e s so b r e e p isó d io s
e a sp e c to s sim u lta n e a m e n te p ito r e sc o s
e tr á g ic o s d a e sc r a u id ã o .
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Fala sobre castigos, quilombos, negros ecapoeiras na Guerra do Paraguai, exaltando os valores do negro e sua influência na cultura
brasileira. Conforme se lê na entrevista,
provavelmente parte das anotações cedidas pelo antropólogo, Rui Barbosa, quando Ministro da Fazenda nos primeiros meses da República, "(...)
mandou destruir nas alfândegas quaisquer documentos que lembrassem à posteridade coisas
da escravidão". Fato bastante conhecido e
criticado não apenas pelos historiadores e outros especialistas, mas uma marca negativa no
imaginário e na memória nacional. Tudo indica
que Arthur Ramos, em sua trajetória, faz um
movimento contrário ao do célebre jurista,
documentando e divulgando a saga do negro escravizado no Brasil, procurando evidenciar seus
atributos e, em especial, seu valor intelectual. Em seu clamor contra o esquecimento, o antropólogo
ressalta alguns aspecto e heranças dessa cultura:qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M u ito s e n g e n h o s efa ze n d a s h o u ve o n d e
e r a m
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ose sc r a vo s, n a m a io r ia d e o r ig e m islâ m ic a , os ú n ic o s q u e sa b ia m le r . E p o rto d ap a r te, n a m ú sic a , n a p in tu r a e n a s
le tr a s h á u m a in flu ê n c ia n e g r a p r ó xim a o u r e m o ta .
Em suas excursões pelo interior do país
recolhe, ainda, objetos que representam o lado sombrio da vida negra escrava, entre os quais
instrumentos de tortura, por ele classificados como "(. .. ) de captura e contenção, suplício e
aviltamento". Ramos mostra sua coleção particular aos jornalistas: correntes, gonilhas, gargalheiras,
tronco, algemas, viramundo, machos, cepo, peia
e corrente. Entre os instrumentos de suplício catalogados estão máscaras, anjinhos, palmatórias,
etc. Ferro para marcar e placas com inscrições constituem meios de aviltamento.
Ao comparar o negro ao índio, Arthur
Ramos explica
(. . .) o n e g r o n ã o e r a in fe r io r a o ín d io
n o se u e sp ír ito d e lib e r d a d e (. . .),
118
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N. 1[ e n te n d e n d o q u e ] os a fr ic a n o s fo r a m
p r e fe r id o s ju sta m e n te p e lo se u g r a u d e c u ltu r a . E le s já se e n c o n tr a va m n u m
e sta d o d e c iviliza ç ã o m a is a d ia n ta d o :
o
d a la vo u r a e m in e r a ç ã o . Q u e n ã o e r a m m e n o s c io so s d a lih e r d a d e p r o va m -n o sos q u ilo m b o s.
Menciona, dentre outros, Palmares,
(. ..) q u e se to r n o u h istó r ic o (. ..),o d e Rio
d a s M o r te s e d e Vila Ric a , e m M in a s,
os d o
HGFEDCBA
M a r a n b ã o e d a P a r a i b a , os d oL e b lo n e Sã o C r istó vã o n e sta c a p ita l, já n o s te m p o s d e m a io r a g ita ç ã o
a b o lic io n ista e
o
e le Se r r a d e C u b a tâ oe m Sã o P a u lo .
Entretanto, outros objetos sào reunidos em armários de seu apartamento, como santos para
arranjar casamento, objetos religiosos da
umbanda e do candomblé, gravuras, desenhos e pinturas, anúncios de vendas e de leilões de
escravos. "Anúncios que prometiam gorjetas a
quem descobrisse e entregasse ao senhor negros fugidos'".
Sobre os quilombos, menciona as confrarias
de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, "patronos dos homens de cor no céu". Havia, nas
confrarias, a coleta de dinheiro entre escravos,
utilizado para alforriar os habitantes das senzalas. Ramos narra a história de um deles:
Re i n o c o n tin e n te n e g r o f o i a p r isio n a d o
p e lo s " p o m b e ir o s" e tr a zid o p a r a
o
e iton o Br a sil. L ib e r t o I o r m o u Oq u ilo m b o d e Vila Ric a o n d e , d e a c o r d o c o m a " h istó
-r ia a n tig a d e M in a s" , d e D io g o d e Va
s-c o n s-c e lo s, e n c o n tr a r a u m a m in a d e o u r o , e xp lo r a n d o -a .
Outras notícias sobre sua coleçào està documentadas em seu arquivo, como um
reportagem feita por José Condé, para a revis
OC r u z e i r d ', de 30 de outubro de 1937, contend
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fotografias do casal Ramos com Mário deAndrade, de Arthur Ramos com o autor da
matéria, desenho de antigo escravo acorrentado, o quadro "Xangó", de Luiz Jardim, escultura de
"Iansà'', e o antropólogo mostrando objetos do
tempo da escravidão. A reportagem, logo no
início, menciona a existência da Coleção Arthur
Ramos:qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P o ssu i oa u to r d e
O Negro Brasileiro,
e m se u a p a r ta m e n to , n o
HGFEDCBA
F la m e n g o , u m a va lio sa c o le ç ã o d e tu d o q u e d iz r e sp e itoa o s e stu d o s a fr o -b r a sile ir o s. íd o lo s
fe tic h ista s, a ta b a q u e s u sa d o s n o s c a n
-d o m b lé s, o b je to s -d o te m p o -d a e sc r a vi-d ã o ,
tr a b a lh o s d e a r q u ite tu r a d e n e g r o s,
a ssim c o m o d ive r sa s g r a vu r a s d e va lo r
in c o n te stá ve l. E , u m a
vasta biblioteca
so b r e o n e g r o a q u i, e n o e str a n g e ir o
(grifado por mim).
Ao iniciar a entrevista, Arthur Ramos, uma vez mais, explica as razões que o levaram a
estudar a cultura negra e a abordagem de suas pesquisas:
C r io u -se u m a va sta lite r a tu r a . P a r a o
a m e r in d io , tu d o : p o e m a s, n o m e s d e
c id a d e s, d e r u a s, d e m o n u m e n to s.
O n e g r o fic o u e sq u e c id o . No e n ta n to ,
n ã o h á m a is d ú vid a s h o je e m d ia , d e
q u e su a in flu ê n c ia n a fo r m a ç ã o so c ia l
d o Br a sil fo i b e m su p e r io r à d a q u e le .
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Oin d íg e n a , in a d a p tâ u e l a o tr a b a lh o d a la vo u r a , r e c u o u p a r a
o
in te r io r d o p a ís,e n q u a n to n a s fa ze n d a s, n a s p la n ta ç õ e s
d e c a n a d e a ç ú c a r , n a s m in a s, e n fim
e m to d o
o
lito r a lfo io
n e g r o u m e le m e n tod e g r a n d e a tivid a d e . O m a io r fa to r
d e so lid ific a ç â o d a n o ssa so c ie d a d e
c o lo n ia l.
As razões desse silêncio são explica das em
seguida."Diversos fatores influíram para que se
consumasse essa injustiça: o preconceito de cor,
a 'inferioridade da raça negra', por exemplo. "
Adiante, argumenta o sentido do seu
trabalho:
E m n o sso s tr a b a lh o s te m o s visa d o d e
-m o n str a r a im p o r tâ n c ia d a s so b r e
-vivê n c ia s d a s c u ltu r a s a fr ic a n a s n a
c iviliza ç ã o b r a sile ir a , a b o r d a n d o o
p r o b le m a se m n e n h u m p r e c o n c e ito d e
" lin h a d e c o r " o u d e d o u tr in a s d e
" in fe r io r iza ç ã o " a n tr o p o ló g ic a d o Ne g r o .
Ramos explica ao jornalista José Condé de que forma vinha abordando o tema das
sobrevivências negras no Brasil, refletidas em seus livros. Sobre As Culturas Negras no Novo
Mundo, diz o autor:
La n c e i u m a vista d e c o n ju n to so b r e a s
so b r e vivê n c ia s c u ltu r a is a fr ic a n a s n o
No vo M u n d o p a r a e sta b e le c e r c o te jo s
c o r r ig in d o a ssim a s d e fic iê n c ia s d o
m é to d o h istó r ic o . M o str o , p o r fim ,
a s r e su lta n te s d a a c u ltu r a ç ã o , isto é ,
a s c o n se q ü ê n c ia s q u e , p a r a a n o ssa
c iviliza ç ã o a d u ie r a m d o s c o n ta to s d e
c u ltu r a s: e u r o p é ia , a fr ic a n a e a m e r in d ia .
C o lo c o a ssim op r o b le m a e m te r m o s d e
c u ltu r a e n ã o d e r a ç a , se g u in d o osm a is le g ítim o s m é to d o s c o n te m p o r â n e o s
d e p sic o lo g ia so c ia l e d a a n tr o p o lo g ia
c u ltu r a l.
A importância do negro escravo é por ele
evidenciada, em várias oportunidades:
(, . .) b a se d a n o ssa e c o n o m ia e , ta lve z
a ssim , o sfo r m a d o r e s d a n a c io n a lid a d e .
Osse u s b r a ç o s g a r a n tir a m q u a n d o o u tr o
e le m e n to n ã o e xistia p a r a o c u ltivo d a
" (. . .) te r r a b o a q u e n e la se p la n ta n d o
tu d o se d a r á " a r iq u e za d o p a ís. Ta n to
n a é p o c a d o a ç ú c a r , q u e se se g u iu à
in d ú str ia d o p a u b r a sil, q u a n to n a
d o c a fé , d o s m in e r a is e d a p e c u á r ia .
-
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
No s e n g e n h o s, n a s b u sc a s d o o u r o e n a s
fa ze n d a s,
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
ú n ic o tr a b a lh o e r ao
se u .D a í a c a m p a n h a a b o lic io n ista te r
e n c o n tr a d o a r e sistê n c ia d o s e sc r a vo
-c r a ta s q u e a ju lg a va m r u in o sa
HGFEDCBA
à p r o s-p e r id a d e d o Br a sil.Enquanto o antropólogo tecia
conside-rações sobre suas pesquisas e diante dos objetos expostos ao olhar dos que ali freqüentavam, José
Condé relata que se puseram a recordar um
candomblé: "a tristeza dos negros nas cantigas tristes dos atabaques. A noite longa, batuque ritmado".
No entanto, o principal testemunho sobre
a existência dessa Coleção encontra-se registrado pelo próprio colecionador. Na seção
Doeu-mentário, da revista C u ltu r a , editada pelo então
Ministério da Educação e Saúde, Arthur Ramos publica o artigo "Arte Negra no Brasil", onde
analisa e discute os processos de aculturação do negro africano, através da sua arte. Descreve
vários exemplares de esculturas, objetos
oriundos de práticas religiosas, do candomblé
e da macumba, estatuetas, figas, mencionando inúmeras vezes a sua Coleção, bem como os
lugares onde foram "colhidas" (Ramos, 1948a:
200). O antropólogo caracteriza a arte negra de diferentes culturas africanas e aquela já
produzida no Brasil, quando sofre alterações
substantivas:
As peças de nossa coleção, reproduzidas
nas pranchas II e III são três exemplos que
documentam as sobrevivências de franca
estilização africana. Foram colhidas nos candomblés da Bahia, em 1927, mas não
conseguimos apurar a data da sua feitura.
No tempo de Nina Rodrigues, muitas destas peças vieram da África e foram conservadas
religiosamente no recesso dos candomblés.
Depois, o contato com a África foi-se tornando cada vez mais difícil, e as peças começaram a ser
feitas na Bahia, pelos velhos negros que ensinaram
sua arte aos mais jovens, que a perpetuaram.
120
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.35 N.1Denuncia o articulista, uma vez mais, os
preconceitos em relação à arte negra, quase sempre categorizada como arte primitiva. Ramos
C1948a: 189) explica que:
C u ltu r a s p r im itiu a s sã o , n a r e a lid a d e ,
c u ltu r a s n ã o -e u r o p é ia s, e a e xp r e ssã o
p r im itivo , n o se n tid o d e a n te r io r id a d e
te m p o r a l e in fe r io r id a d e e sp e c ific a , ve m
in d ic a r a e xistê n c ia d o p r e c o n c e ito
e u r o p ô id e o u o c id e n t a lô id e , q u e a fe r iu
os u a lo r e s c u ltu r a is e a r tístic o s p e lo s se u s p r ô p r io s p a d r õ e s d e c iviliza ç ã o . (. . .)
Oa r tista a f r ic a n o é c o le tivista . Su a a r te
é tr ib a l, e stá lig a d a , e m e ssê n c ia , a o s
im p u lso s m a is p r o fu n d o s d a su a vid a
r e lig io sa , m á g ic a e c e r im o n ia l. E p o r isso
m e sm o , c o m o ve r e m o s m a is a d ia n te , e sta
a r te o sc ila e n tr e a s so lic ita ç õ e s d a vid a
in stin tiva e e m o c io n a l e a s m a is a lta s
e xp r e ssõ e s d a su a V< 1 e lta n sc h a u u n g .
Arthur Ramos finaliza seu artigo, cuja proposta é "(. ..) documentar esta sobrevivência
nos costumes afro-brasileiros", com um lamento:
F o r m a e e fig ie d o s se u s d e u se s, so m b r a s
d o p a ssa d o , d e u m p a ssa d o d e c o n tr a
s-te s, d e e xa lta ç ã o m ito ló g ic a e d e d e se
s-p e r o s so m b r io s d a c a p tu r a , d o ê xo d o e
d a e sc r a vid ã o C1948a: 211).
Ao lado do antropólogo, nos seus afazeres
cotidianos, encontramos a figura de sua esposa,
Luísa Ramos. Em entrevista a Dom Casmurro",
de 26 de agosto de 1939, ela fala, com a mais expressiva humildade, sobre seu papel de mera
"auxiliar, secretária apenas" do antropólogo, fato
que não se sustenta no desenrolar da matéria. Ela explica à jornalista que interrompeu
(. . .) u m tr a b a lh o so b r e e sta tístic a p a r a
a te n d e r a D o m C a sm u r r o . A m in h a vid a ,
n a r e a lid a d e , é u m a p r e o c u p a ç ã o a b so r ve n te p e lo s e stu d o s d o m e u m a r id o ,
-
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e q u a lq u e r c o isa fo r a d e la sã o p a u sa sin te r c a la d a s.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Insiste em corrigir a jornalista que a elogiou
como "colaboradora preciosa", mas, ao fazê-lo,
mostra que vai além das tarefas de datilografia e
arquivamento dos dados informativos, antes mencionadas:
(. . .Id e sp a c b o a su a e n o r m e c o r r e
s-p o n d ê n c ia d o Br a sil e d o e str a n g e ir o e ,
o q u e r e q u e r m a is p a c iê n c ia e te m p o ,
in te r p r e to
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
osd o c u m e n to s a n tig o s, oq u e e q u iva le à s ve ze s a u m a ve r d a d e ir a tr a-d u ç ã o .
Luísa fala sobre as dificuldades de
realização da pesquisa, em vista da escassez de dados, pois poucos chegaram até nós, graças à
destruição platônica dos abolicionistas que pensaram apagar a mancha da escravidão com a
destruição dos documentos referentes ao negro.
Para um particular, adquirir material de estudo suficiente é quase impossível devido às
dificuldades financeiras.
A jornalista Zoia de Laet menciona a fama
do museu de africanologia de Arthur Ramos que, segundo ela, corria o mundo. Luísa explica que
o museu, no entanto, "é bem pequeno, se
pensarmos no que se perdeu" (grifado por mim). Não vai adiante em seu comentário e, por isso,
não se pode saber a que se devem tais perdas,
nem o material perdido. Zoia descreve os objetos colocados em um armário, mostrados por Luísa:
(. . .) o r ig in a is te ste m u n h o s d a c u ltu r a
r e lig io sa d o n e g r o b r a sile ir o : e sta tu e ta s ta lh a d a s e m m a d e ir a e r e c o b e r ta s d e p
i-c h e , E xu , Xa n g ô , Ia n sã , a s r o u p a s d a s
Ia ô s, c o la r e s, a m u le to s, d e sd e a sfig a s d e G u in é a té a s p o n ta s d e a ç o p a r a e sp a n
-ta r E xu , o d ia b o , e c o c a r e s, b r a c e le te s,
xe q u e r é s, e sp a d a s tr a b a lh a d a s e m m e
-ta l p a r a O g u n .
Tudo atesta a observação de Calógeras:
"O negro é metalurgista nato" (Laet: 1939). A esposa do antropólogo conhece em
minúcias o trabalho de etnologia desenvolvido
por Arthur Ramos, como pode ser verificado em
seu comentário sobre o museu:
P o r e sse sfe tic h e s q u e Ar tb u r e e u r e c o
-lh e m o s e m n o ssa s via g e n s p e lo n o r d e
s-te , p o d e v. a va lia r o sin c r e tism o a q u e c h e g a r a m os c u lto s n e g r o s n o Br a sil. Alé m d a fu sã o d a s r e lig iõ e s b a n tu s,
m a lê s e n a g ô s, ve io m istu r a r -se a
tu d o isso a d o s ín d io s, r e su lta n d o os
" c a n d o m b lé s d e c a b o c lo " tã o c o m u n s
n a Ba h ia .
Mostrando cultura e erudição, Luísa descreve minuciosamente as guias, suas cores e significados, assim como estatuetas, suas
características e valor religioso. Conta que, para
melhor estudar os ritos negros, Arthur Ramos
(. . .) se d e ixo u sa g r a r " O g a n " (p r o te to r
d o c a n d o m b lé ), se n d o se u o r ixá o Sã o
J o r g e d o s n e g r o s: O xó ssi. Ao p a ssa r e m
p a r a o g a b in e te d e e stu d o s, a m p la s e sta n te s c o b r e m a s p a r e d e s. (, . .)
HGFEDCBA
U 1 1 1 .a m ig o d e d ic a d o r e c o lh e u e ste r a r issim o m a te r ia l d e su p líc io d o n e g r o e m u m a
fa ze n d a d o E sta d o d o Rio . Sã o tr o n c o s
d e to r tu r a , a lg e m a s, a r g o la s e p e so s p a r a d ific u lta r o a n d a r d o s n e g r o sfu g id o s.
Mais adiante, Luísa confirma a formação
da Coleção do titular e sua metodologia de trabalho etnográfico:
To d o e sse m a te r ia l q u e a í vêfO i r e c o lh id o p o r n ó s e m e xc u r sõ e s p e lo in te r io r d o
Br a sil. Se m p r e q u e d e c id im o s u m a
via g e m d e r e c r e io e la se tr a n sfo r m a lo g o
n u m a via g e m d e e stu d o s o b se r va n te s.
E
o
q u e se c o n ve n c io n o u e m se r a d mi-r a ç ã o e xtá tic a d a p a isa g e m se m o d ific a
-
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
n u m a â n sia d e r e c o lh e r to d o ssrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
os d a d o sq u e n o s fo r p o ssíve l. D a m a n h ã
HGFEDCBA
à n o iteé e sc r e ve r e a r q u iva r .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ao final da entrevista, Luísa discorre sobre os motivos musicais dos negros, certamente
para explicar objetos pertencentes ao acervo: "( ... ) o rádio está abafando tudo que há de
original na música africana. Tudo hoje traz o selo
do samba.". jongos, batuques, macumbas são
ouvidos em discos selecionados pela anfitriã. A jornalista comenta que se trata de música agreste e selvagem, logo corrigi da por Luísa:
"c...)
agreste, sim, selvagem é um ponto de vista civilizado. Primitivo e ingênuo, com certeza.".
A existência da Coleção Arthur Ramos não pode ser contestada. Testemunham sobre ela e
sua formação, não apenas seu titular, mas a
esposa que vivenciou, em grande parte, a recolha
de inúmeros objetos encontrados em excursões e atividades de pesquisa pelo interior do país.
Além dos colecionadores, os jornalistas que realizaram as entrevistas antes mencionadas
registram e descrevem parte desse acervo documental. O conjunto das informações
disponíveis dá conta de que esse acervo é, originalmente, constituído de material
biblio-gráfico, museológico, arquivístico e iconográfico. No entanto, esses materiais da memória e da
história da cultura negra, bem como da trajetória
do antropólogo, guardados nos armários e estantes de sua residência, onde ficaram expostos
durante décadas, para um público restrito e
especializado-", tomam um outro rumo após sua morte, até a institucionalização como Museu no
extinto Instituto de Antropologia, na Universidade
Federal do Ceará.
Conforme veremos, nem tudo que um dia
constituiu, na origem, a Coleção Arthur Ramos
sobreviveu. Após sair das mãos dos
colecio-nadores, o casal Arthur Ramos, esta sofreu fragmentações e perdas sucessivas, seja pela ação
do homem, seja por obra das intempéries que assolam as instituições-memória - arquivos,
bibliotecas e museus. Para compreender a sua
122
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N. 1identidade é preciso voltar no tempo e tentar
recompor os fatos com elementos do passado que podem esclarecer o estado da arte desta Coleçào.
A c o le ç ã o A rth u r R a m o s :
o rg a n iz a r, m u s e a liz a r e e x p o r.
Após a morte precoce de Arthur Ramos, em 1949, aos 46 anos de idade, sua esposa
(. ..) te ve a id é ia d e ve n d e r a Bib lio te c a e o M u se u . (. . .) C o m o e la tin h a o
a p a r ta m e n to d o E d ifíc io Tu p i, n a Av.
Atlâ n tic a , e la ve n d e r ia ta m b é m e sse a p a r ta m e n to (. ..) e c o m e sse d in h e ir o
e la c r ia r ia a F u n d a ç ã o A r tb u r Ra m o s
(Barros, 2003).
Em seu livro de memórias, o professor
Antônio Martins Filho, criador e 1
º
Reitor da Universidade Federal do Ceará, a qual dirigiu durante 12 anos 0955-1967), refere-se a umaviagem ao Rio de Janeiro, em 1958, para ultimar
a compra do Museu Antropológico, Biblioteca e
de uma valiosa coleção de gravuras, pertencentes à viúva do eminente antropólogo Artur Ramos.
Na compra também haviam sido incluídas a
preciosa Coleção de Rendas de Bilros, organizada pela Senhora Luísa Ramos, e mais os direito
autorais sobre a monografia A Renda de Bilro e
sua aculturação no Brasil, de autoria de Luísa e Artur Ramos. A aquisição foi excelente e serviu
de base à instalação do nosso Instituto de
Antropologia (Martins Filho, 1994: 152).
No ano anterior, o então Reitor da UFC
conforme conta na mesma obra (p. 117), em
viagem à Cidade do México teve uma impressão
muito forte, motivada pela riqueza do acervo antropológico e das reminiscências da
civilizações indígenas, ali suficientemente
exploradas do ponto de vista turístico e também na área da pesquisa científica.
Em sua política de expansão cultural, frente
à Reitoria da Universidade, durante quatro gestões, com "(...) a criação e instalação de nova
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
unidades de pesquisa" (p. 158), Martins Filhocertamente já planejava impulsionar os estudos
antropológicos, pois, em 1957 patrocinouqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(. ..) u m C u r so d e P r e p a r a ç ã o A n tr o -
HGFEDCBA
p o lô g ic a , a q u e c o m p a r e c e r a m q u a se
1 5 0 c a n d id a to s, e q u e se r e ve stiu d e
a b so lu to ê xito
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(p. 131).Em outro momento de suas memórias, o
Professor lembra que o Serviço de Antropologia, dirigido pelo eminente mestre Thomaz Pompeu
Sobrinho, que, aliás, nunca recebeu a menor remuneração por parte da Universidade, foi
elevado à categoria de Instituto. Pompeu
Sobrinho ficou muito contente com a minha iniciativa de adquirir, por compra, o acervo bibliográfico de Arthur Ramos (p. 158),
O mencionado Instituto de Antropologia
teve vida breve e foi a célula inicial do Curso de Ciências Sociais da UFC. Em sua entrevista,
Luitgarde Barros lembra ter ouvido de Martins
Filho, que em sua visita à Biblioteca acional,
para ultimar a compra do Museu Antropológico
-tal como estava nomeado naquela instituição-desconhecia a existência do acervo que então
integrava o referido Museu e, naquela ocasião, estava colocado em caixas amontoadas. "Naquele
momento ele se inspirou em criar o Instituto de
Antropologia" (Barros, 2003).
O que continha então o chamado Museu?
Além da coleção de gravuras já mencionada, cujo
número é desconhecido, havia cerca de 2.000 amostras de rendas de bilro, uma vasta Biblioteca,
mais de 400 peças de arte negra 11 e, ainda, um
acervo contendo mais de 5.000 documentos. Este montante acaba sendo desmembrado antes de
ser musealizado, posteriormente, no Instituto de
Antropologia, hoje extinto. Em sua entrevista, Barros conta diversos episódios ocorridos no
passado, que podem ilustrar e esclarecer aspectos que dizem respeito à Coleção:
E m . 1973, n o C e a r á , n a p r im e ir a ve z
q u e e u fu i láp e s q u is a r
o
P a d r e C íc e r o ,e u e n tr e viste io D o u to r Ra im u n d o G ir ã o , q u e d ir ig ia o In stitu to d o C e a r á e a
so b r in h a d e le , a h isto r ia d o r a Va ld e lic e
G ir ã o . E la c u id a va d o m a te r ia l q u e o
D r .M a r t i n s F ilh o d iz te r c o m p r a d o d a viú va d e Ar tb u r Ra m o s, n a Bib lio te c a
Na c io n a l. Aq u i e stá a r e la ç ã o d o s livr o s d a C o le ç ã o d e Ar tb u r Ra m o s, r e c e b id a
p e lo P r o j F r a n c isc o d e A le n c a r , já e m F o r ta le za . É a ú n ic a r e la ç ã o d o s livr o s q u e c h e g a r a m lá .
A r e la ç ã o d o s livr o s, c u j a c ó p ia m e fo i e n tr e g u e d u r a n te a e n tr e vista c o n té m 1 72
ite n s, e n tr e osq u a is livr o s,e n c ic lo p é d ia s,
a r tig o s d e p e r ió d ic o s, d isc u r so s, se p a -r a ta s, d e d ive -r so s a u to -r e s (in d ivid u a is e
in s t it u c io n a is ) , e m d ife r e n te s id io m a s.
Uma outra lista a que ela se refere, mais
adiante, contém 213 peças museológicas, da Coleção Arthur Ramos e 40 amostras de rendas
de bilro, da Coleção Luísa Ramos. É bastante provável que o acervo mencionado na segunda
lista esteja hoje na Casa de Cultura José de Alencar,
embora incompleta. Se considerarmos as notícias sobre "(...) mais de 400 peças de arte negra",
verificamos que apenas a metade chegou ao
destino. Mas, também é possível que esse número
do qual se ouvia falar correspondesse ao somatório
aproximado das duas listas. E a outra possibilidade é que tenha havido perdas.
Não se pode apurar hoje a exatidão dessa totalidade, pelas razões que veremos a seguir.
E u n ã o vi n o C e a r á e ssa s ic o n o g r a -fia s; n ã o e sta va m m a is n o In stitu to d o
C e a r á e m 1973 e m u ito m e n o s e m
M e sse ja n a d e p o is q u e Va ld e lic e se a p o se n to u . (Barros, 2003),
Em nossa entrevista, a antropóloga conta que Luísa Ramos foi lesada e o advogado que fez
a transação com o Governo Federal - os pareceres
a favor da compra são de 1952 - não repassou para ela, senão tantos anos depois que a inflação
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
comeu tudo e ela que pensava ter a Coleçãoíntegra na Biblioteca Nacional...
Mais adiante, Barros comenta, ainda, que
não entendeu qual foi o problema ocorrido
durante o processo de venda da Coleção, preservando a sua integridade, pois a transação
que parecia ter sido feita entre Luísa Ramos e a Biblioteca Nacional - onde, aliás, estava o acervo
quando da sua compra pela Universidade Federal
do Ceará, não se efetivou senão em 1958, data em que o professor Martins Filho compra
diretamente da viúva parte da Coleção Arthur
Ramos. Ela explica queqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(. . .) a se n sa ç ã o q u e e u tive d u r a n te a
e n tr e vista q u e e le m e d e u
HGFEDCBA
é q u e e la !Lu ísa Ra m o s] c o m e ç o u a n e g o c ia ç ã o , p e d ir a m p a r a e la e n tr e g a ro
m a te r ia l,e la e n tr e g o u tu d o e
o
a d vo g a d o n ã o ac o lo c o u c o m o p r o c e sso te r m in a d o (Barros, 2003).
o
então Reitor da UFC escolheu os livros que constam da relação citada.No entanto, Luitgarde relata
D r . M a r tin s F ilh o d izia q u e c o m p r o u c e r
-c a d e 8 0 0 livr o s, m a s a b ib lio te -c a d o Ar th u r Ra m o s e r a d e m u ito s m ilh a r e s d e
livr o s, e r a m u ito c o m e n ta d o o ta m a n h o
d a b ib lio te c a d e le . E le a lu g a va u m a p a r ta m e n to o n d e c o u b e sse a b ib lio te c a ;
e le s e r a m u m c a sa l se m filh o s e n u n c a
m o r a r a m e m a p a r ta m e n to m e n o r q u e
tr ê s q u a r to s. O n d e e le vive u tin h a u m a b ib lio te c a im e n sa o c u p a n d o a c a sa to d a
e u m m u se u . E a Bib lio te c a Na c io n a l r e c e b e u o m u se u e a b ib lio te c a to d a . (. ..)
M a s
o
to m b o o r ig in a l d e sa -p a r e c e u n oC e a r á p o r q u e a b ib lio te c af o i in u n d a d a n u m d e sse s a n o s d e c h u va (, ..)
O D r .M a r t i n s F ilh o e r a m u ito c u id a d o so c o m e ssa s c o isa s e , n o e n ta n to , n ã o e s-c a p o u e a b ib lio te s-c á r ia o r ig in á r ia d e u
d e p o im e n to , p o r te le fo n e , a p e d id o
124
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.35 N.1d e le , p a r a m Íl1 1 , d ize n d o isso , q u e o
to m b o o r ig in a l d o q u e c h e g o u a o C e a r á d e sa p a r e c e u .
A existência da lista de livros se deve ao professor Francisco de Alencar, que a elaborou
e forneceu cópia à Luitgarde em 1973. Os pesqui-sadores da Biblioteca Nacional procuraram
sistematicamente o documento de aquisição do
acervo, que nunca foi encontrado,
(. ..) n e m a s d ir e to r a s d a Se ç ã o d e M a n u s-c r ito s s-c o n se g u ir a m e n s-c o n tr a r a r e la ç ã o
d o q u e e n tr o u n a BN. E u se m p r e m e
p r e o c u p o e m . lo c a liza r isso . A C a r m e n M o r e n o te ve m u ita p r e o c u p a ç ã o c o m
isso e n ã o c o n se g u iu ve r e ste to m b o
(Barros, 2003).
Após a seleção do professor Martins Filho, a Biblioteca Nacional distribuiu os livros que
restaram e a Coleção foi desmembrada, exceto os manuscritos. A aquisição e a organização desses
documentos são relatadas por Barros. Em 1972,
ela conheceu o coronel Paulo Ramos, sobrinho
de Arthur Ramos, que lhe falou sobre Zoé Coelho Neto, irmã de Luísa Ramos, herdeira de seus bens
quando de sua morte. Em 1985, após a morte de
Zoé, seu filho, o general Ernesto Coelho eto, entra em contato com o coronel Paulo Ramos,
informando sobre o material entregue por Luísa
Ramos a sua irmã, pertencente ao tio, Arthur Ramos. Ambos tinham sido expedicionários
da FEB, na Segunda Guerra Mundial, e se
corresponderam com o antropólogo, que tinha
sido um dos grandes incentivadores para que o
Brasil combatesse os países do Eixo. Após a morte de Zoé, sua casa na Gávea seria vendida e o acervo
de documentos foi dado a Paulo Ramos que, por sua vez, ofereceu a Luitgarde, por considerá-Ia
divulgadora da obra de seu tio. Sem condiçõe
de receber essa doação, a Professora sugeriu que o acervo fosse doado à Biblioteca Nacional.
Em 1985 dirige-se à diretora da instituição.
a escritora Maria Alice Barroso, e com ela negocia
-
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P[~~jOC· ~CC:~
B~:t-1-1
J F r:
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a doação, sob a condição de que fosse criado o
Arquivo Arthur Ramos, que não existia. Assim foi feito e, no ato de assinatura do termo de
doação, ocorreu uma bonita cerimônia.qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D e
1985
a 2 0 0 0HGFEDCBA
f o i fe ito u m tr a b a lh oin in te r r u p to d e c a ta lo g a ç ã o , tr a ta m e n to d e m a te r ia l, tu d of o ip e r fe ita m e n te o r g a
-n iza d o ef o ife ito o c a tá lo g o , q u e a in d a n ã o e stá p u b lic a d o (Barros, 2003).
Assim se deu a criação do Arquivo Arthur
Ramos, disponível para pesquisas, o que permitiu
recuperar informações fundamentais para a elaboração deste trabalho.
A Coleção Arthur Ramos, tal como foi organizada e, posteriormente, documentada pela
professora Valdelice Carneiro Girão, em separata
da Revista de Ciências Sociais, da Universidade
Federal do Ceará, em 1971, era composta de peças de grande valor etnográfico, tais como esculturas, máscaras, guias de santos, leques
sagrados, capacetes de pais-de-santo, espadas de
Ogum, flechas, imagens de santos, figas, pulseiras de filhas e mães de santo, búzio , ex-votos, entre
outros objetos, perfazendo um total de 212
peças numeradas e descritas de acordo com informações disponíveis sobre cada uma delas.
Em alguns casos, consta a ressalva
"c. .. )
procedência ignorada". Valdelice relata as dificuldades que encontrou em classificar omaterial adquirido, considerando-se "a falta de
informações precisas" (Girão, 1973: 95).
A classificação e descrição do acervo
cons-tante da Coleção Arthur Ramos, institucionalizada
como Museu e descrita na mesma publicação de 1973, obedeceu "(...) critérios já adota dos pelo professor Arthur Ramos (...)" que, pela lógica de
acumulação, vale a pena serem citados:
Série A- Macumbas e candomblés;
Série B- Plantas, "banhos", "defumadores", etc,
Série C -"Garrafadas", n ã o c h e g o u a o M u se u ;
Série O - Objetos etnográficos não negros;
Série E - Instrumentos de música e ferro da escravidão;
Série F - Objetos africanos.
No mesmo artigo, informa Valdelice
Carneiro Girão que o Museu pertencente ao
extinto Instituto de Antropologia tomou para si a responsabilidade de "(. ..) zelar pelo patrimônio,
assim como divulgar, por meio de publicações,
exposições, etc.", por compromisso assumido
com a família Ramos.
Além desse acervo, a UFC adquiriu, na
mesma data, a chamada Coleção Luísa Ramos,
contendo "amostras de rendas e bilros" (Girão, 1973: 95), cuja classificação elaborada pela mesma
professora Valdelice constituiu, mais de dez anos
depois, um catálogo publicado pela Universidade
Federal do Ceará12, onde se lê, na Introdução: As r e n d a s d e b ilr o s d o M u se u Ar th u r
Ra m o s d a U n ive r sid a d e F e d e r a l d o C e a r á e stâ o d ivid id a s e m d u a s p a r te s:
C o le ç ã o Lu ísa Ra m o s e C o le ç ã o Re n d a s
d o C e a r á .
Pelo fato de a bibliografia sobre o assunto
ser escassa, Girão informa que recorreu
(. ..)a q u e stio n á r io s, a n o ta ç õ e s e , p r in
-c ip a lm e n te , a o tr a b a lh o A r e n d a d e b ilr o s e su a a c u ltu r a ç ã o n o Br a sil, d e
Lu ísa e Ar th u r Ra m o s (Girão, 1984: 5).
Em outra oportunidade, 1983, a professora
Valdelice publica, pela Universidade Federal do Ceará, Arthur Ramos e sua coleção, onde se encontram
catalogadas 231 peças integrantes do "Museu Arthur Ramos, hoje instalado na Casa de José de
Alencar C..)", acrescentando, portanto, 19 itens que não constavam da publicação anterior. Nesta
publicação a autora faz a mesma ressalva quanto ao item "garrafadas", que nunca chegou ao Museu.
O acervo que integra a Coleção Arthur
Ramos encontra-se hoje exposto na Casa de Cultura José de Alencar, em Messejana, de
-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
propriedade da Universidade Federal do Ceará.Luitgarde conta que esta casa funcionou,
inicialmente, na casa onde nasceu José de
Alencar, filho do Presidente da Província do
Ceará, o Padre Martiniano de Alencar, cujo irmão morreu na Revolução de 1817 e, em 1824, o Padre
Martiniano recebe o perdão de Pedro I e a casa hoje está preservada, apenas como memória de
onde viveu. Foi construído um prédio imenso
para dar abrigo às coisas da cultura do Ceará e
aí estão as peças que sobraram do museu
antropológico, do qual não tem nenhum antropólogo tomando conta.
Para compreender a formação desta Coleção, é preciso conhecer a biografia de Arthur
Ramos, que acumulou durante sua vida de pesqui-sador objetos museológicos tridimensionais,
documentos que refletem sua trajetória e livros
utilizados em seus estudos, materiais da memória coletiva e da História, que poderiam
constituir um lugar de memória para futuras
pesquisas.
A paixão de Arthur Ramos pelos livros é
parte das lembranças do irmão e do pai:qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M a s a in d a o u ç o , e se m p r e , su a s g r a ve s
vo ze s d a n d o -m e liç õ e s d e vid a e d e e xp e r iê n c ia . F o i c o m m e u xp a i q u e a xp r e n
-d i a s p r im e ir a s liç õ e s d e c o isa s,
o lh a n d o , d a c a lç a d a d e n o ssa c a sa , a la g o a a c o n fin a r o h o r izo n te a o lo n
-g e , o u a d e sc o b r ir c o n ste la ç õ e s n o c é u
c la r o d o P ila r , n a s n o ite s e str e la d a s.
D e p o is, a in ic ia ç ã o n o s m isté r io s d a "
HGFEDCBA
0 U-tr a c a sa " .E r a c o m o c h a m á va m o s a su a b ib lio te c a , in sta la d a n u m c o r p o se p a
-r a d o d o p -r é d io , e o n d e se a lin h a va m ,
a o la d o d o s livr o s d e m e d ic in a , m a g n í-fic a s c o le ç õ e s d e c lá ssic o s d a lín g u a e
o b r a s d e lin g ü ístic a , d e n u m ism á tic a ,
d ef o l k - l o r e . . .Su r g iu d a í m e u in te r e sse p e lo e stu d o d a s c iê n c ia s d o h o m e m ,
o q u e ir ia d e te r m in a r p o ste r io r m e n te
m e u c u r so d e m e d ic in a e a p r e d ile ç ã o p e lo e stu d o , m a is la r g o , d o c o m p o r ta
-126
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.35 N. 1m e n to h u m a n o n o a m b ie n te so c ia l. (. ..)
A m in h a r e c o m p e n sa m a io r se r á a d e
e sta r o u vin d o a q u e la s vo ze s q u e r id a s q u e osve n to s c o n sta n te m e n te m e tr a ze m
d o P ila r d ista n te p a r a a m ú sic a d o m e u
c o r a ç ã o (Ramos, 1945)
A idéia de Luísa Ramos, no sentido de criar
uma fundação, não vingou. As razões do insucesso
permanecem obscuras, já que não foi possível, ainda, recuperar um elo da corrente que se partiu. O que
ocorreu de fato no processo de negociação entre a viúva e a Biblioteca Nacional, que impediu a
realização de seu desejo, talvez esteja definitivamente
perdido na noite dos tempos. Como quer que seja, graças ao trabalho e à dedicação de muitos
personagens desta história, o acesso às informações
sobre o universo de Arthur Ramos, refletidas em
seu acervo, foi preservado, mesmo que de forma fragmentada. E a idéia de totalidade, antigo sonho
da humanidade, desde a proposta da Biblioteca de Alexandria, uma vez mais se mostra (imjpossível.
O trabalho de preservação da Coleção
Arthur Ramos, pela Biblioteca Nacional, se completou com a catalogação de mais de
quatro mil documentos, na Seção de Manuscritos.
A dilaceração do patrimônio, que na época
pareceu a Luíza Ramos um óbice à divulgação
da obra do antropólogo, paradoxalmente
ligou-o à criaçãligou-o dos estudos antropológicos no Ceará, por caminhos enviesados, na expressão
do professor Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes (2004). Os livros adquiridos por
Antônio Martins Filho, saindo do corpo integral
da biblioteca de Arthur Ramos, diluíram-se
no acervo do Instituto de Antropologia, integrando-se ao acervo maior da biblioteca
do Centro de Humanidades, da Universidade
Federal do Ceará. E desde a instalação do Departamento de Ciências Sociais desta
universidade, em 1966, e a criação de seu curso
de graduação, em 1968, sobretudo seus professores e alunos puderam usufruir de parte
do patrimônio cultural cuidadosamente
organizado por Arthur Ramos.
-N o ta s
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 Versão original deste trabalho foi
apresentada no Centenário de Arthur Ramos, organizado pela professora Luitgarde Oliveira
Cavalcanti Barros, na UERJ, Rio de Janeiro, 10-12
de novembro de 2003. Devo-lhe a oportunidade de estudar o assunto, bem como as pistas para
encontrar as fontes utilizadas. Agradeço, ainda, a Ana Cristina Roque, pelo minucioso trabalho de
transcrição dos documentos sob a custódia da
Biblioteca Nacional. Em especial, agradeço ao
professor Eduardo Diatahy B. de Menezes pelas
críticas e sugestões feitas a este artigo.
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2 Nos excertos de opiniões, constantes de
seu
HGFEDCBA
C u r r i c u l u r nqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vita e , Arthur Ramos (945)menciona o de Bastide, publicado na Re vu e
I r u e r r u u i o n a l e d e So c io lo g ie ,janeiro-fevereiro de 1939:
"c...)
Les souvenirs d'enfance se reveillent et le désir de dire Ia beauté des noirs chantantparmi les cannes à sucre ou courant sur les quais des villes du littoral: désormais, il va consacrer
sa vie à deux taches, révéler aux Brésiliens les
doctrines psychanalytiques, surtout dans leurs applications aux problémes d'éducation et tracer
le tableau le plus exact et le plus véridique
possible des afro-brésiliens".
3Sobre seu livro O Ne g r o Br a sile ir o , Pierson
afirmou: "(. ..)
°
mais adequado relato até agora publicado sobre o culto afro-brasileiro." In:Boletim Bibliográfico, v. 1, n. 3, São Paulo, abril-maio, 1944.
4 Entrevista concedida a Idéia Thiesen Magalhães Costa, em 13 de outubro de 2003. A professora Luirgarde publicou diversos artigos
sobre Arthur Ramos, bem como o livro Ar th u r Ra m o s e a s d in â m ic a s so c ia is d e se u te m p o , pela
Editora da Universidade Federal de Alagoas, em
2000, fruto de seu trabalho de pós-doutoramento (UNICAMP).
5Para se ter uma idéia mais abrangente de sua vasta produção intelectual, ver Arthur Ramos:
C u r r i c u l u r n vita e - 1903-1945, elaborado pelo antropólogo, em maio de 1945, por exigência
do concurso para professor catedrático de
Antropologia e Etnologia da Faculdade Nacional
de Filosofia. Sua obra reúne, nesta data, 1234
títulos, 432 livros e artigos, 96 cursos e conferências, 57 entrevistas, conforme registrou
também Antonio Carlos Vilaça, em "O africanista
Arthur Ramos", publicado no Jornal do Brasil, Caderno B, em 31 de outubro de 1974, por
ocasião dos 25 anos da morte do cientista.
6 Na transcrição de um desses anúncios,
publicado no M o n ito r , de 13 de maio de 1842,
lê-se o lê-seguinte: "Fugiram dois escravos a Caetano Dias da Silva, da vila de Itapemirim, os quais
estavam na fazenda do Limão; um chama-se
Manoel Paulo e tem em ambas as pás ou ombros, pelas costas, a seguinte marca: c.P.S., entrelaça das.
O outro de nome Luciano tem a mesma marca
nas duas pás e em ambos os peitos; dá-se 25$000
de alvíssaras a quem os pegar."
7 Condé, J. "Ouvindo uma geração". Rio de Janeiro, O C r u ze ir o , 30 de outubro de 1937.
8 " ou esposa de um escritor". Entrevista concedida a Zoia de Laet. Rio de Janeiro, Dom
Casmurro, 26 de agosto de 1939.
9 Em entrevista concedida à autora deste artigo, a professora Luitgarde Oliveira Cavalcanti
Barros menciona a existência do Museu Arthur
Ramos, na residência do antropólogo, conhecido como Museu Afro ou de Arte Africana, quando o
cientista era vivo, dando conta, ainda, de que há
"(. .. ) correspondências onde estudiosos
estrangeiros que vieram ao Brasil e se encantaram com aquelas peças do Museu
c.. .)"
10Esse número de peças foi mencionado na entrevista com a professora Luitgarde:
"A coleção não está íntegra porque as notícias eram de mais de 400 peças c...) estive lá e não
tem mais 212 peças, mas cento e poucas. Umas
se quebraram, outras desapareceram e não há
um tombamento passando de um diretor para outro, da Casa de Messejana. O inventário que
existe é esse feito por Valdelice, chamado "Coleção Arthur Ramos".
11 Girão, Valdelice Carneiro. " Re n d a d e
b ilr o s: c o le ç ã o d o M u se u A r th u r Ra m o s" .
Fortaleza, Edições Universidade do Ceará,
1984. 445p. A autora explica, na obra, o conteúdo
das coleções, bem como as prováveis origens da renda de bilro, no Brasil, possivelmente trazida
por mulheres portuguesas, posteriormente
aculturadas e difundidas, no século XVII, "(. ..) nas zonas do litoral e do sertão, e através da
mulher do povo, tornando-se uma cultura de folk''
(p. 5). Técnicas de fabrico, nomenclatura, centros de produção e decadência são itens que
antecedem os itens descritos no catálogo,
divididos em
O)
Coleção Luísa Ramos, contendo a divisão "brasileira", separada por estados;"estrangeira", por países, e "procedência ignorada" e (2) Coleção Rendas do Ceará,
organizadas por cidades de origem. Esta última
coleção, "(. ..) ainda em início, virá complementar
o nosso estudo sobre o artesanato tão difundido
no Nordeste brasileiro e mui principalmente no Ceará, que se destacou, entre os Estados da
Federação, como centro rendífero" .
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R e fe rê n c ia s
B ib lio g rá fic a s
BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti.
qponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ar tb u rRa m o s e a s d in â m ic a s so c ia is d e se u te m p o . Maceió: Editora da Universidade Federal de
Alagoas, 2000.
BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Entrevista
concedida a Icléia Thiesen Magalhães Costa.
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2003.
CONDE, J. "Ouvindo uma geração". Rio de
Ja-neiro, O C r u ze ir o , 30 de outubro de 1937,
p.35 / 6.
DA CIVILIZAÇÃO negra à psychanalyse: uma
palestra com Arthur Ramos, um dos nossos maiores cultores de psicologia social. A G a
-ze ta d e Sã o P a u lo . São Paulo, 20 de abril de
1938.
GIRÃO, Valdelice Carneiro. "A Coleção Arthur Ramos". Rev. C. Sociais, v.2, n.1. Fortaleza, 1971.
128
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS V.35 N. 1GIRÃO, Valdelice Carneiro.
HGFEDCBA
A r t b u r R a m o s esu a c o le ç ã o . Fortaleza: Universidade Federal
do Ceará, 1983.
GIRÃO, Valdelice Carneiro. Re n d a d e b ilr o s: c o le
-ç ã o d o M u se u Ar tb u r Ra m o s. Fortaleza: Edições Universidade Federal do Ceará, 1984.
445p.
LAET, Zoia de. "Sou esposa de um escritor".
Entrevista concedida por Luísa Ramos a Zoia de Laet. Rio de Janeiro, D o m C a sm u r r o , 26
de agosto de 1939.
MARTINS FILHO, Antônio. M e m ó r ia s: m a io r id a d e ,
lI. Fortaleza: Imprensa Universitária UFC, 1994.
MEIO século de Abolição: escravos marcados a
fogo com as iniciais do "Senhor". Rio de Ja-neiro, O G lo b o , 13 de maio de 1938.
ME EZES, Eduardo Diatahy Bezerra de.
Corres-pondência com a autora deste artigo, via
Internet, em 3 de maio de 2004.
RAMOS, Arthur. 0948a). "Cultura e êthos".
Se-parata de C u ltu r a , 1: 87-96.
RAMOS, Arthur. 0948b). "Arte africana no Brasil".
C u ltu r a , 2: 185-212.
RAMOS, Arthur. C u r r i c u l u r n u ita e - 1903-1945. Rio de Janeiro:
c.
Mendes Júnior, 1945. 67p.VILAÇA, Antonio Carlos. "O africanista Arthur
Ramos". jo r n a l d o Br a sil, Caderno B, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1974, p.4.