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AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA: ABRANGÊNCIA E LIMITAÇÕES DO MODELO GERATIVISTA 1 Ingrid Finger (PPG Letras-UCPel)

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In: Revista da ABRALIN, v.2, n.2, p.23-45, 2003.

AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA:

ABRANGÊNCIA E LIMITAÇÕES DO MODELO GERATIVISTA

1

Ingrid Finger (PPG Letras-UCPel) ingridf@terra.com.br

RESUMO: Os estudos gerativistas sobre a aquisição de L2 têm envolvido, em sua grande maioria, a análise das diferenças entre a representação do conhecimento da linguagem em sistemas nativos e não-nativos com relação à possibilidade de acesso aos princípios e parâmetros da GU em L2. O presente artigo visa a sistematizar a sugestão apresentada em Klein & Martohardjono (1999) segundo a qual é necessário que concentremos nossos esforços na exploração das diferenças entre falantes nativos e aprendizes de uma L2 em termos de estratégias de processamento na tentativa de estabeler os passos envolvidos no mapeamento da GU fixada para o sistema da língua-alvo.

ABSTRACT: Generative L2 studies have mostly involved the analysis of the differences between the L1 and L2 representation of knowledge with respect to the access to UG grammatical principles and parameters. The present article aims at discussing Klein &

Martohardjono’s (1999) proposal according to which instead of focusing on the differences

between the mental representation of L1 and L2 systems, generative L2 acquisition studies should investigate the differences between the native non-native processing strategies in order to establish the steps involved in mapping of UG to the target language system.

PALAVRAS-CHAVE: gerativismo, aquisição de L2, diferenças entre L1 e L2, estratégias de processamento em L2, UG access

KEY WORDS: generative theory, L2 acquisition, L1 and L2 differences, processing strategies in L2, acesso à GU

1. INTRODUÇÃO

Rafael (2;00): Eu tenho um dodói, ó. Eve (1;9): I ride a funny clown. Diana (2;6): Ela tem cabelo vermelho.

Adult: I don’t think you write with pencil on that, Adam. Adam (3;3): What do you write with?

Situações como as apresentadas nos exemplos2 acima, nas quais se evidencia a impressionante competência lingüística demonstrada por crianças de tão pouca idade, são

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comumente relatadas na literatura (Rafael: ordem SVO; Eve e Diana: posição do adjetivo em relação ao substantivo; Adam: preposition stranding em inglês). Embora em seu uso da linguagem as crianças não apresentem correspondência plena com o sistema em aquisição, aos 4 anos elas já possuem domínio do vocabulário básico, da sintaxe – tanto em termos de regras como de estruturas gramaticais – e da pronúncia da sua língua. A proficiência de uma criança dessa idade é motivo de inveja por parte do aprendiz adulto de uma L2 que dedica anos de sua vida na busca de dominá-la. Diferentemente do que ocorre no caso da aquisição da L2, o processo de aquisição da língua materna é atingido rapidamente, uniformemente, sob as circunstâncias mais diversas e se dá aparentemente sem grande esforço por parte do aprendiz, independentemente da língua alvo do processo ou das condições individuais da criança.

2. POR QUE A LÍNGUA MATERNA NÃO PRECISA SER ENSINADA

Os estudos desenvolvidos na área da aquisição da linguagem1 têm sido permeados pela busca de explicações convincentes para a eficiência no processo de aquisição de L1. Em particular, as análises desenvolvidas dentro da tradição chomskiana têm almejado caracterizar e descrever, precisa e explicitamente, o conhecimento de que o ser humano dispõe e que o habilita a adquirir e usar a linguagem, através da investigação de três questões centrais, a saber:

2. O que constitui o conhecimento da linguagem? 3. De que forma tal conhecimento é adquirido? 4. Como tal conhecimento é colocado em uso?

5. Em sua obra, Chomsky denominou de Gramática Universal (GU) o sistema único de princípios inatos, enraizado na nossa mente/cérebro, dedicado exclusivamente à linguagem. A suposição básica dos gerativistas é a de que a faculdade da linguagem é um componente biologicamente determinado, constituído de princípios universais e parâmetros específicos de cada língua. Os princípios universais são estruturais, invariantes – comuns a todas as línguas – e restritivos, no sentido de que limitam a gama de configurações possíveis nas línguas naturais. Os parâmetros, que apresentam opções restritas e são fixados através da experiência, são particulares à cada língua. A hipótese é de tais parâmetros especificam a variação possível entre as diversas línguas. Os valores desses parâmetros são fixados durante o processo de aquisição da linguagem a partir da evidência lingüística à qual o indivíduo tem acesso. Segundo Chomsky, “os parâmetros devem ter a propriedade de poderem ser fixados por evidência bastante simples, porque é isso que está disponível à criança” (1986:146). À medida que os valores desses parâmetros são fixados durante a aquisição, uma gramática é construída – gramática núcleo (core grammar).

6. Essa concepção com base em princípios e parâmetros é capaz de explicar o fato de que a cognição humana não permite a existência de qualquer tipo de linguagem, ou seja, todas as línguas humanas possuem propriedades comuns porque a Gramática Universal exclui, elimina todas as gramáticas que não obedecem às suas propriedades fundamentais.

a. A Gramática Universal é o nome dado para o conjunto de restrições com os quais todos os seres humanos nascem e que são responsáveis pelo curso da aquisição da linguagem.

2 A adaptação dos exemplos da fala dessas crianças à escrita canônica confere a elas um nível de competência

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A Gramática Universal define a gama de variação possível, e ao fazer isso caracteriza a noção de línguas humanas possíveis. Uma caracterização da GU é uma caracterização do estado lingüístico inicial dos seres humanos, o equipamento genético necessário para adquirirem uma língua (Guasti, 2002: 17-18).

7. Uma das críticas que mais freqüentemente tem sido dirigida aos estudos gerativistas diz respeito ao fato de as pesquisas na área tradicionalmente privilegiarem uma concepção mais restrita de linguagem, uma vez que o foco central dos estudos chomskianos tem historicamente privilegiado o desenvolvimento da competência lingüística no nível da sintaxe. Alguns críticos defendem que as pesquisas sobre o desenvolvimento gramatical do falante constituem apenas uma parte do quadro geral de análise. Jackendoff (1997), por exemplo, embora aceite a distinção competência versus desempenho proposta por Chomsky, desenvolve um modelo no qual supõe a existência de três componentes gerativos, independentes e integrados, a saber: sintaxe, fonologia e semântica. Entretanto, os críticos mais severos de Chomsky têm sido aqueles que, sob uma perspectiva funcionalista de análise da linguagem, rejeitam a ênfase dedicada pelo modelo gerativista à investigação sobre a natureza da representação da competência dos falantes, em favor de abordagens que examinem o desempenho dos falantes em seu uso da linguagem, ampliando o espaço para pesquisas que analisem de que maneira forma e função gramatical interagem no processo de aquisição. O foco central de investigação desses estudos é expandido de fenômenos estritamente estruturais (sintáticos, fonológicos ou semânticos) para a relação entre a produção e a função desempenhadas por estruturas sintáticas, fonológicas ou semânticas dentro do discurso.

8. Com vistas a dar conta dessa crítica, Chomsky (1986) apresenta a distinção entre Linguagem-E e Linguagem-I. Segundo ele, a concepção de linguagem que privilegia a investigação sobre o caráter social das línguas humanas e as diversas línguas como produtos da construção humana é denominada de Linguagem-E (no sentido de externa, extensional e não-individual). A Linguagem-E é um construto entendido independentemente da mente/cérebro. A Linguagem-I (interna, individual e intensional), em oposição, é o que Chomsky caracteriza como o objeto central da teoria gerativa, pois é a Linguagem-I que constitui a propriedade da mente/cérebro do indivíduo que o habilita a conhecer uma língua. Assim, para os gerativistas, o papel central da teoria lingüística é a investigação do que caracteriza o conhecimento da Linguagem-I, que se supõe ser internamente representado na mente/cérebro humano.

a. A Gramática Universal é construída como a teoria de Linguagens-I humanas, um sistema de condições que derivam da capacidade biológica humana que identifica as Linguagens-I que são humanamente acessíveis em condições normais (Chomsky 1986:23).

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nosso objetivo é, em primeiro lugar, apresentar uma síntese dos principais direcionamentos da pesquisa em aquisição de L2 sob a perspectiva gerativista o poder explanatório da teoria da Gramática Universal para dar conta do fenômeno de aquisição de uma L22 por adultos, bem como discutir o tipo de contribuição que a análise das semelhanças e diferenças entre a aquisição de L1 e de L2 pode trazer para a teoria lingüística em geral.

1. UM CASO ATÍPICO: A AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA

10. Idealmente, esperar-se-ia que o processo de aquisição / aprendizagem3 de uma segunda gramática pudesse ser explicado com base nos pressupostos básicos responsáveis pelo processo de aquisição da língua materna falada (ou seja, determinado a partir de propriedades inerentes à faculdade humana da linguagem). Como afirmam Flynn & Martohardjono, “não há, a priori, razão para propor que, embora a GU seja subjacente à L1 no estado estável (Ss) em adultos e continue disponível ao adulto no uso de sua L1, ela seja passiva e inoperante durante a aquisição e uso de uma L2” (1994:320). Segundo as autoras, o fato de adultos serem capazes e, de fato, aprenderem novas línguas fornece

a. evidência empírica suficiente para sugerir que pode existir uma similaridade profunda entre aquisição de L1 (crianças) e de L2 (adultos). (...) Na verdade, parece haver certas similaridades importantes que sugerem que os dois processos derivam da mesma fonte (1994:320).

11. Desde os seus primeiros anos, a pesquisa gerativista em L2 tem enfatizado principalmente a busca de possíveis semelhanças e diferenças entre a representação da gramática nativa e a da não nativa. Segundo Klein & Martohardjono (1999:5), são três as questões que guiaram a maior parte dos estudos até hoje:

12. Os princípios da Gramática Universal restringem a aquisição de L2? 13. A reinstanciação de parâmetros é possível em L2?

14. Qual o estado inicial da aquisição de L2?

15. A investigação de tais questões tem servido de base, então, para a detecção das principais áreas de divergências entre os processos de aquisição de L1 e de L2. Tendo como foco de análise a natureza da representação da gramática da L2, os especialistas propuseram diferentes respostas às indagações apresentadas acima. No que se segue, discutiremos em que medida o modelo teórico da Gramática Universal tem demonstrado capacidade explanatória para dar conta do fenômeno de aquisição de segunda língua.

2. O ACESSO À GRAMÁTICA UNIVERSAL E A REINSTANCIAÇÃO DE

PARÂMETROS

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lógicas articuladas na teoria lingüística a respeito do papel da GU no processo de aquisição de segunda língua. De acordo com Epstein et al. (1996), Flynn (1996), White (1989), dentre outros, existem três hipóteses relativamente a essa indagação: a Hipótese do Acesso Nulo, a Hipótese do Acesso Parcial e a Hipótese do Acesso Total.

2.1.

A HIPÓTESE DO ACESSO NULO (HAN)

17. De acordo com os defensores dessa hipótese (ver Clahsen & Muysken, 1986, 1996; Clahsen, 1988, e Meisel, 1991), os processos de aquisição de língua nativa e não nativa não são guiados pelos mesmos tipos de mecanismos, sendo, conseqüentemente, considerados atividades cognitivas inteiramente distintas. A preocupação primeira dos estudos que têm dado suporte a essa proposta têm sido a especificação das diferenças cognitivas fundamentais que subjazem aos dois processos. Newmeyer é um dos exemplos da posição mais radical que tem sido defendida na área quanto à não interferência da GU em aquisição de L2, ao afirmar que “não vê evidência de que uma segunda língua, adquirida na idade adulta, seja um sistema internalizado de competência gramatical” (1998:77).

18. Embora defendam a idéia de que a GU guia o processo de aquisição de L1, esse grupo de teóricos alega que nenhum aspecto da GU interfere no processo de desenvolvimento de L2. E é justamente a suposta inacessibilidade aos princípios e parâmetros da GU que leva, por exemplo, Clahsen & Muysken (1996) a comparar a aprendizagem de L2 com qualquer outro tipo de aprendizagem humana que, não sendo guiado pela GU, é concebido como sendo determinado por módulos cognitivos de domínio específico, tais como a aprendizagem de linguagens computacionais, formas literárias e rituais de dança. Segundo eles,

a. adultos aprendizes de L2 (como resultado de sua aquisição de L1) perderam as opções paramétricas que não são instanciadas em sua língua nativa. (...) o contraste entre o desenvolvimento de L1 e L2 é real e fundamental: opções paramétricas especificadas na GU estão acessíveis aos aprendizes de L1, mas não de L2 (1996:722).

19. Bley-Vroman (1990), por sua vez, enfatiza a diferença entre a aprendizagem de L1 (crianças) e de L2 (adultos) dizendo que, embora o chamado problema da pobreza dos estímulos também possa ser discutido com relação à aprendizagem de L2, o que deve ser explicado por uma teoria da linguagem é diferente: ao contrário do que ocorre com a L1, a aprendizagem de uma L2 não é sempre bem sucedida, o conhecimento adquirido pelos falantes não é uniforme em uma mesma comunidade lingüística, há sensibilidade a fatores afetivos como, por exemplo, motivação e há interferência de instrução formal e evidência negativa. Para Bley-Vroman, uma teoria da GU que postule procedimentos específicos para a aquisição da linguagem com restrições inatas e instanciação de parâmetros pode ser capaz de explicar o que ocorre com a L1, mas não explica o processo de aquisição de L2.

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sucesso em L2 necessariamente resulta da ausência de conhecimento de domínio especifico da linguagem, que cabe aos defensores da HAN demonstrar que “diferenças na aquisição de L1 e de L2 e diferenças no uso nativo e não nativo da L2 ocorrem em áreas da gramática que derivam direta e unicamente da GU” (Klein & Martohardjono, 1999:8) ao invés de resultar de outros fatores envolvidos no processo de aquisição.

2.2.

A HIPÓTESE DO ACESSO PARCIAL (HAP)

21. As versões mais conhecidas dessa hipótese são apresentadas por Schachter (1989) e Strozer (1992). De acordo com esses autores, a construção da representação mental da L1 difere significativamente do processo de construção do sistema da L2, uma vez que a GU não está disponível aos falantes no processo de construção da gramática da L2 de forma direta e independente. Em outras palavras, de acordo com os defensores dessa visão, somente princípios invariantes da GU, parâmetros ainda não instanciados na L1, ou valores de parâmetros que já foram instanciados na L1, permaneceriam disponíveis ao acesso do aprendiz de L2, uma vez que a reinstanciação dos parâmetros da GU, segundo os valores da língua-alvo, nunca é alcançada.

22. Conforme a HAP, o conhecimento da GU na aquisição de L2 é limitado de forma bastante específica. O aspecto mais problemático dessa proposta é que em todos os casos em que um ou mais valores paramétricos não coincidem na L1 e na L2, ou quando certos valores não são instanciados na L1, prevê-se que a fluência completa na L2 não seja possível. O fenômeno da chamada “fossilização”, ou incompletude / insucesso na aquisição é explicado, então, através da suposição de que é justamente a representação da gramática da língua nativa, delimitada, por sua vez, de acordo com a GU, que impede a construção da gramática da língua não nativa (ver Tsimpli & Rossou, 1991; Strozer, 1992).

2.3.

A HIPÓTESE DO ACESSO TOTAL (HAT)

23. Essa proposta, apresentada de forma bastante detalhada em Epstein et al. (1996), em termos gerais postula que, de forma semelhante ao que ocorre na aquisição de L1, os princípios e parâmetros da GU se encontram disponíveis ao aprendiz de L2 mesmo durante a sua vida adulta. Seus defensores alegam que, apesar de ser óbvia a constatação de que existem diferenças entre os processos de aquisição de L1 e de L2, essa diversidade não se dá por falta de acesso à GU. Em outras palavras, mesmo que as gramáticas da L1 e da L2 sejam diferentes com relação aos princípios universais e instanciação de parâmetros, os aprendizes de L2 são capazes de atribuir novos valores paramétricos no decorrer do processo de construção da gramática de sua língua não nativa, da mesma forma que prevê a teoria da GU para a língua nativa.

24. O aspecto mais básico dessa proposta é a defesa de que as diferenças detectadas entre a aquisição de L1 e de L2 não ocorrem devido à impossibilidade de acesso à GU no caso de L2, uma vez que defendem que a faculdade da linguagem é responsável por restringir o espaço de hipóteses em todos os processos de aquisição da linguagem. Para Epstein et al.,

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25. Epstein et al. (1996) salientam que defender a HAT não acarreta negar a existência de discrepâncias entre os processos de aquisição de L1 e de L2 por crianças e adultos respectivamente. Supõe-se que efeitos de idade possam vir a interferir nos dois processos de forma distinta, ou seja, é possível que a aquisição de certos aspectos da gramática (não determinados a partir da GU) seja sensível a fatores como idade, ou motivação, por exemplo. Além disso, afirmam que, em geral, as críticas que são formuladas contra a hipótese do acesso total são impróprias à medida que comprometem os defensores da HAT com a previsão de que os adultos sempre atingirão um nível de proficiência nativo na L2. Devido a isso, consideram de fundamental importância analisar a distinção competência (estado estável) versus desempenho (proficiência). Mesmo que seja verdadeiro que a maioria dos aprendizes fracassem em atingir um nível de proficiência nativo na L2, isso não significa que não possa existir competência em L2. Em outras palavras, mesmo que a proficiência nativa em L2 seja exceção, ela é não somente possível, como também prevista pela hipótese do acesso total, ao contrário do que é postulado pelas hipóteses do acesso nulo e do acesso parcial. Além disso, como afirmam Epstein et al., da mesma forma que em L1, deficiências em desempenho não são suficientes para se postular incapacidade em termos de competência lingüística. Além da GU, existem vários outros fatores que interferem no processo de aquisição da linguagem, tanto em L1 como em L2 como, por exemplo, fatores emocionais, aprendizagem, ambiente lingüístico e estímulo4. Segundo eles,

a. é inteiramente possível e completamente consistente com a hipótese de acesso total que um dado aprendiz de L2 tenha alcançado o estado estável da gramática-alvo sem que isso seja de alguma forma refletido no seu uso da gramática-alvo (Epstein et al.,1996:749).

26. Uma das maiores polêmicas envolvendo a hipótese de acesso total, na versão formulada em Epstein et al. (1996), diz respeito ao papel da língua nativa nesse processo. White (1996) e Schwartz (1996), em seus comentários a respeito de Epstein et al. (1996), por exemplo, alegam que esses autores não aceitam que a L1 desempenhe algum papel no processo de aquisição de L2. Epstein et al., no entanto, rebatem as críticas alegando que não há, na abordagem proposta por eles de acesso total à GU, qualquer postulação que negue a possibilidade de que a L1 interfira na aquisição de L2. Segundo eles, o que ocorre é que a HAT, em si mesma, prevê, somente, que em nenhum momento da aquisição a gramática do aprendiz de L2 viola qualquer princípio da GU, e não apresenta qualquer predição a respeito da natureza do estado inicial da L2, por não ser sua tarefa. 27. Cabe, aqui, ressaltar que Epstein et al., considerados os maiores defensores da HAT,

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confirmaria o fato de que não é possível postularmos que a L1 determine todos os aspectos da aquisição da L2.

28. Um outro aspecto fundamental na discussão sobre a aquisição de segunda língua é a distinção entre conhecimento e desenvolvimento da linguagem. Muitas das críticas feitas à HAT vão no sentido de acusar a incapacidade dessa proposta de explicar como se dá o desenvolvimento da L2. Para Epstein et al. (1996), assim como nas pesquisas em aquisição de L1 sob uma perspectiva gerativista, há três áreas centrais de investigação em estudos de aquisição de L2: a natureza do conhecimento da linguagem, seu desenvolvimento e seu uso. Segundo eles, embora esses três aspectos sejam intimamente relacionados, possuem características próprias e, portanto, devem ser estudados separadamente. Por essa razão, defendem que a especificação de, pelo menos, algumas propriedades a respeito da natureza do conhecimento da linguagem deve ser, necessariamente, anterior à investigação sobre o desenvolvimento e o uso desse conhecimento. Assim, não é tarefa da HAT analisar como se dá o desenvolvimento da linguagem.

a. À medida que a HAT somente afirma que as gramáticas dos aprendizes de L2 são restringidas por princípios e parâmetros da GU, ela pouco diz, por si mesma, sobre o desenvolvimento ou o curso da aquisição. Isso ocorre porque ela é uma hipótese a respeito dos estados de conhecimento possíveis do aprendiz de L2, ou seja, o que o aprendiz de L2 pode vir a saber, e não uma hipótese sobre como a aquisição da linguagem ocorre (desenvolvimento) ou sobre como a linguagem é usada (desempenho) (Epstein et al., 1996:747).

29. Seguindo essa mesma idéia, Klein & Martohardjono (1999) defendem uma mudança de rumo na pesquisa gerativista de aquisição de L2. De acordo com essas autoras, é necessário que o foco central de investigação da pesquisa em L2 deixe de ser a exploração das diferenças entre a língua materna e a língua-alvo em termos de representação mental (isto é, conhecimento dos princípios gramaticais), para que possamos concentrar nossos esforços na exploração das diferenças entre falantes nativos e aprendizes de uma L2 em termos de estratégias de processamento. Segundo essa visão, ao utilizarmos procedimentos de pesquisa que explorem o processo de construção da gramática e, mais especificamente, os passos envolvidos no mapeamento da GU fixada para o sistema da língua-alvo, teremos condições de ampliar nosso conhecimento sobre a natureza geral da gramática da L2. É justamente essa a proposta que exploraremos nas seções seguintes. Primeiramente, explicitaremos o modelo de GU adotado. A seguir, discutiremos a aplicação de um modelo de aquisição baseado na GU ao processo de aquisição de segunda língua.

3. O MODELO GERATIVISTA DE AQUISIÇÃO

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investigação sobre o processo de desenvolvimento da gramática da língua não nativa que estamos propondo. Analisemos a Figura 1 abaixo, a partir de Klein & Martohardjono (1999:11-12).

31. O processo de aquisição da linguagem é determinado, por um lado, pelos princípios e parâmetros da GU e, por outro, por um“dispositivo” mediador da produção e compreensão da linguagem humana – denominado na literatura por parser – com o qual a GU interage na construção da representação da gramática da língua-alvo.

32. Além disso, o input do ambiente lingüístico também desempenha um papel crítico na construção da correta representação (a da língua-alvo). A informação do input é processada pelo parser sob certas condições especificadas a partir de uma “teoria da aprendizibilidade” (learnability theory), ou seja, uma teoria de como o input interage com o conhecimento da GU para permitir a construção da gramática-alvo.

33. As mudanças no desenvolvimento que são observadas durante o curso da aquisição são o resultado da reestruturação das gramáticas, que é guiada pelo input. Mais precisamente, durante o processo de especificação da gramática-núcleo da língua particular, a reestruturação ocorre sempre que o input não for compatível com a gramática que está disponível.

34. No momento em que a gramática atingir seu estado estável, não há mais reestruturação. 35. Klein & Martohardjono chamam a atenção para o fato de que, ao mesmo tempo em que o

conhecimento determinado pela GU e as diferentes representações da gramática desempenham um papel definitivo no processo de construção da gramática, “muitos outros fatores são igualmente críticos na condução da aquisição para a correta representação (a da língua-alvo), tais como o input e o parser que são governados por condições de aprendizibilidade e por princípios de processamento” (1999:12). Além disso, ressaltam que, se o input não for processável, não ativará a reestruturação da gramática.

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37. Figura 1: Um modelo de aquisição envolvendo a GU 38. (baseado em Klein & Martohardjono, 1999:12)

4. A INVESTIGAÇÃO SOBRE O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

DA L2

39. Como vimos até agora, os estudos mais freqüentemente desenvolvidos sob o enfoque gerativista têm tradicionalmente envolvido a caracterização das diferenças entre a representação do conhecimento da linguagem em sistemas de L1 e de L2 com relação ao acesso aos princípios e parâmetros da GU. Dentro dessa abordagem, as divergências no uso da L1 e da L2 pelos falantes resultam de diferenças na representação mental das gramáticas da língua nativa em comparação com a da não nativa. E é justamente por essa razão que tantos estudos têm priorizado a caracterização das propriedades do estado inicial da representação mental da L2.

40. Klein & Martohardjono argumentam que, se assumirmos que o processo de desenvolvimento da L2 está sujeito ao mesmo conjunto de restrições que guiam a aquisição da língua materna, uma investigação clara sobre os mecanismos de aprendizagem que conduzem o falante de um estágio de aquisição a outro passa a ser central. Para elas,

a. o que é importante avaliar (...) não é que a aquisição de L1 é diferente da aquisição de L2, mas sim de que formas as condições requeridas para que o mecanismo de construção da gramática opere apropriadamente não são encontradas

INPUT 2 INPUT n

INPUT 1

PARSER

So Trigger 1 S1 Trigger 2 Sn Trigger n Ss

INPUT 1

PRINCÍPIOS E PARÂMETROS DA GU

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na aquisição de L2, claramente uma questão relacionada a processo e não a propriedade (1999:13).

41. Além disso, salientam as autoras, como no modelo acima o input desempenha um papel central, uma vez que se supõe que a reestruturação dos sistemas intermediários – passagem de um estágio a outro – ocorre somente se o input for incompatível com a gramática disponível, que investigações sobre a qualidade e o processamento do input contribuiriam de forma determinante para uma maior compreensão do processo de aquisição.

42. Outra hipótese que merece ser investigada diz respeito a possíveis diferenças entre aprendizes nativos e não nativos em termos de capacidade de processamento mental. Fernández, por exemplo, defende que as estratégias de processamento de input lingüístico por parte de aprendizes adultos de L2 diferem daquelas empregadas por falantes monolíngues da língua-alvo. A evidência apresentada por ela parece sugerir “que as estratégias de processamento de L2 que diferem dasestratégias da L1 dos aprendizes são mais difíceis de serem aprendidas depois da puberdade, e dependem da proficiência do falante na sua segunda língua” (1999:232). Além disso, afirma que seus resultados dão suporte à idéia de que é possível “que falantes não nativos não usem as estratégias mais apropriadas para processar o input da língua alvo, e que a aprendizagem de tais estratégias pode variar criticamente dependendo da história de linguagem do falante” (1999:217). Assim, caso seja comprovado que o input lingüístico não é processado da mesma forma no caso de aquisição da língua nativa e não nativa, uma das conclusões a que podemos chegar é que é plausível que, no caso de L2, exista maior dificuldade para que o input se torne intake. Em outras palavras, as diferenças entre L1 e L2 não necessariamente resultam de diferenças no que diz respeito às representações mentais dessas línguas, mas, ao contrário, podem ser conseqüência da dificuldade enfrentada pelo aprendiz de internalizar a L2 de forma semelhante ao falante nativo dessa língua.

Revisarei a seguir dados potencialmente informativos com respeito a esta questão, dados que nos conduzem à interessante conclusão de que o mecanismo humano de processamento de frases nos bilíngües é independente de uma língua específica, isto é, segue os mesmos princípios operacionais, independentemente de qualquer que seja a língua estímulo.

43.CONCLUSÃO

44. Em suma, procuramos demonstrar que existem razões suficientes para defendermos um modelo explanatório para o processo de aquisição da linguagem que dê conta do desenvolvimento da linguagem em todos os seus contextos. Em particular, acreditamos

que, ao invés de priorizar uma caracterização mais elaborada da representação mental do conhecimento da linguagem em seu estado inicial, o papel central de uma teoria da L2, dentro dessa perspectiva, passa a ser investigar os mecanismos de processamento que conduzem o falante de um estágio de conhecimento a outro.

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NOTAS

(14)

Devido a essa distinção, seria mais apropriado utilizarmos os termos primeira gramática (G1) e segunda gramática (G2) ao invés de primeira língua (L1) ou segunda língua (L2). Para facilitar a compreensão, no entanto, utilizarei os termos convencionais – L1 e L2.

2

Não farei distinção entre os termos segunda língua e língua estrangeira, dado que, segundo os defensores da abordagem gerativa, a evidência lingüística à qual o aprendiz necessita ser exposto para que os princípios e parâmetros da Gramática Universal sejam ativados é pequena. A expressão segunda língua tem sido comumente empregada na literatura especializada como um termo neutro que “cobre os dois tipos de aprendizagem” (Ellis, 1994:12).

3

Alguns pesquisadores diferenciam aquisição de aprendizagem. Normalmente, o primeiro termo é utilizado para denominar o processo inconsciente de aquisição de uma língua em oposição ao processo consciente de estudá-la. (Krashen, 1981, foi o primeiro a defender essa idéia, retomada mais recentemente em Schwartz, 1993 e 1998). Tal distinção não será levada em conta neste artigo.

Referências

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