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Comunicação e Expressão

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Academic year: 2021

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Comunicação e Expressão

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A Narração

Caro aluno:

Vamos, a partir de agora, analisar outro tipo de texto, igualmente importante: o texto narrativo.

Então, pense um pouco: você se lembra de quando era pequeno e ouvia histórias?

Vivemos em meio a infinitas narrativas. Desde pequenos somos levados a ouvir e a contar histórias. Contamos o que acontece e o que poderia ter acontecido, assim como contamos, muitas vezes, o que desejamos que aconteça. Narramos casos de amor, de morte, de lutas, de mistérios.

Relatamos o que aconteceu na novela, no filme, no livro que lemos. Contamos sonhos, piadas.

Em cada uma das narrativas experimentamos, com maior ou menor intensidade, o gosto de contar. Transformamo-nos em outras personagens, transportamo-nos para outros lugares e tempos, vivemos outros destinos. Essa

é a sedução do ato de narrar, tanto para quem conta como para quem lê. Uma história bem narrada faz-nos viver outros momentos. Cada narrativa é um convite a uma viagem, em que recriamos imaginariamente a existência.

Vamos então identificar qual é diferença básica entre narrar e descrever e, para isso, leia atentamente o poema de Manuel Bandeira:

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia, num barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu

Cantou Dançou

Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

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No início deste texto, temos a apresentação de quem era João Gostoso, todavia, não são as qualificações da personagem que têm maior importância, mas são as suas ações: um carregador de feira-livre chegou a um bar, bebeu, cantou, dançou e depois se suicidou.

Repare que temos apenas algumas dicas de como era João Gostoso, mas nós não sabemos como era o bar e como era a lagoa; para termos essas informações o texto deveria ser descritivo, no entanto, o texto só atribui importância ao acontecimento das ações em si, o que o torna predominantemente narrativo.

Para construir um texto narrativo, é necessário que elaboremos algumas questões:

Portanto, narrar consiste em construir um conjunto de ações realizadas por personagens, em um determinado tempo e espaço, para a construção de uma história, que chamamos de enredo, cuja ação é contada por um narrador.

Quem participa nos acontecimentos? (personagens);

O que acontece? (enredo);

Onde e como acontece? (espaço, ambiente e situação dos fatos);

Quem narra? (narrador);

Como? (o modo que os fatos aconteceram);

Quando? (o tempo dos acontecimentos);

Onde? (local onde se desenrolou o acontecimento);

Por quê? (a razão, motivo do fato).

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Elementos Básicos da Narração

Para falar sobre os elementos da narração, tomemos como base o texto a seguir:

Pausa

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:

- Vais sair de novo, Samuel?

Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.

- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.

- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.

Ela olhou os sanduíches:

- Por que não vens almoçar?

- Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.

A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse a carga, Samuel pegou o chapéu:

- Volto de noite.

As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.

Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras.

Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando

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um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé.

- Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este, não é?

A gente...

- Estou com pressa, seu Raul! – atalhou Samuel.

- Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. – estendeu a chave.

Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante. Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade.

- Aqui, meu bem! - uma gritou e riu: um cacarejo curto.

Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave. Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d’água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira.

Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou-se e fechou os olhos.

Dormir.

Em pouco dormia. Lá embaixo a cidade começava a mover-se: os automóveis buzinando, as jornaleiras gritando, os sons longínquos.

Um raio de sol filtrou-se pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.

Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por um índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam. Samuel mexia-se e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.

Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.

Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.

- Já vai, seu Isidoro?

- Já – disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.

- Até domingo que vem, seu Isidoro – disse o gerente.

- Não sei se virei – respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía.

- O senhor diz isto, mas volta sempre – observou o homem, rindo.

Samuel saiu.

Ao longo do cais guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu.

Para casa.

Moacyr Scliar (http://www.michiganprevestibular.com.br/site/content/artigos/detalhe.php

?artigo_id=17)

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Você acabou de ler o conto Pausa de Moacyr Scliar. Vejamos como se apresenta a estrutura dessa narrativa.

Enredo

Um texto narrativo pode contar fatos fictícios ou verdadeiros. No caso do conto, Pausa, os fatos narrados são fictícios. Se fôssemos relatar os acontecimentos narrados no texto, poderíamos apresentá-los de forma bastante simples: “um homem sai de casa bem cedo, todos os domingos, e vai para uma espécie de pequeno hotel, ou pensão, onde permanece todo o dia. Após dormir por um longo tempo, acorda às sete horas da noite e volta para casa.” Todos os fatos apresentados no texto estão identificados nesse relato.

O texto lido conta-nos um pequeno drama humano: a história de uma personagem – Samuel/Isidoro – que precisa sair de sua rotina, fugir da presença da esposa, do cotidiano que o aprisiona, para sonhar que vive aventuras e que corre livre por espaços sem fronteiras. O que essas constatações nos indicam a respeito da narrativa? Em primeiro lugar, que os fatos, embora presentes, podem significar muito pouco. A narrativa os amplia por meio da ficção. Assim, o que poderia ser contato como uma história curiosa sobre um homem que sai de sua casa, aos domingos, para dormir em um quarto mal cuidado, transforma-se em um drama humano que evidencia a angústia da personagem aprisionada pelas grades de sua vida medíocre.

O enredo pode ser organizado de diversas formas. Esta é a mais comum:

• Situação inicial: É a parte do texto em que são apresentadas algumas personagens e expostas algumas circunstâncias da história, como o momento e o lugar em que a ação se desenvolverá. Cria-se, assim, um cenário e uma marcação de tempo para as personagens iniciarem suas ações. Atente para o fato de que nem todo texto narrativo tem esta primeira parte: há casos em que já de início se mostra a ação em pleno desenvolvimento.

• Conflito: É a parte do texto em que se inicia a ação: por algum motivo, acontece alguma coisa ou algum personagem toma uma atitude que dá

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origem a transformações no estado inicial, expressas em um ou mais episódios. Encadeados, esses episódios se sucedem, conduzindo ao clímax.

• Clímax: É o ponto da narrativa em que a ação atinge seu momento crítico, tornando inevitável o desfecho.

• Desfecho ou desenlace: É a solução do conflito produzido pelas ações das personagens. Restabelece-se o equilíbrio, podendo haver espaço para uma avaliação de tudo o que foi narrado.

Diante dessas definições, retome o conto Pausa e procure analisar como se organiza o enredo desse conto. Quais são a situação inicial, o conflito, o clímax e o desfecho?

Veja se você foi pelo mesmo caminho. Eis, brevemente, a organização do enredo.

No decorrer de uma narrativa longa, como um romance, uma novela ou filme, esse ciclo - situação inicial, conflito, clímax e desfecho - pode se repetir várias vezes.

A sequência do enredo pode ser linear ou não-linear. É linear quando as personagens, o tempo e o espaço são apresentados de maneira lógica e as ações e situações desenvolvem-se cronologicamente, atribuindo à narrativa um começo, um meio e um fim, tal como ocorre no conto Pausa.

O enredo é considerado não-linear, como o próprio nome revela, quando desenvolve uma descontinuidade, com saltos, com cortes, com vaivens na

Situação inicial: apresentação de Samuel e sua esposa. Samuel sai todos os domingos para trabalhar.

Conflito: Samuel, tido por nome Isidoro, vai para um hotel pequeno e sujo e pede um quarto: o de sempre.

Clímax: Nesse conto, a narrativa do clímax se estende um pouco, pois vai desde o momento em que Samuel entra no quarto, chegando ao seu ápice no sonho e no toque do despertador.

Desfecho: Samuel se arruma, sai do hotel e volta para casa.

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sequência da história, com retrospectivas e/ou antecipações e com rupturas do tempo e do espaço em que se desenvolve a ação. Isso é muito comum em narrativas que iniciam com uma personagem contando um fato ocorrido. Barbosa (1991, p.64) nos dá um exemplo desse tipo de enredo. Leia o poema a seguir de Oswald de Andrade.

O Capoeira

- Qué apanhá sordado?

- O quê?

- Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada.

Oswald de Andrade

Esse é um enredo não-linear, pois a luta ficou subentendida, sugerida por “Pernas e cabeças na calçada.” Há um corte construindo o enredo de mistura complexa de presente e futuro, apresentando um desenrolar simultâneo de ações.

Personagens

Numa narrativa pode haver a personagem protagonista, que é tida como a personagem principal, pois ocupa o primeiro lugar num acontecimento e a personagem antagonista, que é a adversária da protagonista. Não necessariamente é uma pessoa, mas pode ser um grupo social, como exemplo: as regras escolares. Também aparecem as personagens secundárias, que são consideradas co-adjuvantes, pois participam da narrativa, têm um papel importante, mas não é em torno deles que ocorre a narrativa.

No conto Pausa, quem são essas personagens? Vejamos se você as identificou corretamente.

Personagem principal: Samuel

Personagem antagonista: mulher de Samuel

Personagens secundárias: Raul e as duas mulheres gordas.

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A criação de personagens implica no desenvolvimento de características físicas e psicológicas para elas. Na elaboração textual, é preciso mostrar ao leitor não só como se parecem ou vestem, mas também como andam, falam, pensam e sentem.

Em algumas narrativas, há descrições mais elaboradas, mas, quando esse procedimento não é possível, a descrição do espaço somada a uma característica da personagem já pode dar uma boa ideia de como ela é. A personagem pode ser pessoa, animal, sentimento ou objeto personificado.

Espaço

O espaço é muito importante, pois a sua construção contribui para elaboração dos personagens. No caso do conto, temos três espaços: a casa de Samuel, o carro e, principalmente, o hotel. Devido à descrição do hotel, sabemos que a personagem não ligava para a obtenção do luxo e nem tinha boas condições financeiras. O que era mais importante era ter um local em que ele pudesse repousar.

Pode-se dizer que o espaço é

“o conjunto de elementos da paisagem exterior (espaço físico) ou interior (espaço psicológico), onde se situa as ações das personagens. Ele é imprescindível, pois não funciona apenas como pano de fundo, mas influencia diretamente no desenvolvimento do enredo, unindo-se ao tempo.” (SOARES, Angélica. Os gêneros literários. São Paulo: Ática.)

As principais funções do espaço são identificar o lugar em que transcorre a ação, auxiliar na caracterização das personagens e contribuir para a construção do tempo da narrativa. Para identificarmos como é feita a ambientação, precisamos perceber de que maneira o espaço determina a situação daquela narrativa. Nesse caso, podemos nos referir ao espaço como ambiente. Podemos considerar, inclusive, elementos de vestuário como constitutivos de um espaço narrativo, uma vez que nos informam sobre a situação social das personagens, seu estado de ânimo, contribuindo efetivamente para que entendamos melhor em que condição a história está se passando.

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Tempo

O tempo é expresso na narrativa principalmente pelos tempos verbais e pelos advérbios de tempo. A temporalidade situa os acontecimentos em relação ao momento da fala, que é marcado pelo presente ou em relação a marcos temporais inscritos no texto, que podem ser passado ou futuro em relação a ele. Isso significa que os marcadores temporais são indicações de que os acontecimentos são anteriores (passado), posteriores (futuro) ou concomitantes (presentes) ao momento em que se produz a narrativa.

Observe que no conto Pausa nós temos duas marcações temporais: passado e o presente. No parágrafo que temos a voz do narrador, ou seja, aquele que nos conta a narrativa, ocorre o tempo passado: “Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando”. Todavia, quando ocorre o diálogo, ou seja, a fala das personagens, o tempo passa ser presente:

“- Vais sair de novo, Samuel?

Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.

- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.

- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.”

O tempo de uma narrativa é caracterizado pela duração da ação nela apresentada.

Ele pode ser cronológico, quando os fatos são apresentados de acordo com a ordem dos acontecimentos. Como exemplo, no conto Pausa ocorre o tempo cronológico, pois há uma sequência de ações em que não ocorre uma quebra da linearidade temporal. Ela procura narrar o dia de domingo da personagem Samuel, iniciando com o momento em que o despertador toca “Às sete horas o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu (...)” e até o final da tarde, quando ele retorna para casa “Ao longo do cais guiava lentamente. Parou um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa.”

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O tempo pode ser, também, psicológico, quando a rememoração do passado desencadeia a narrativa, ele está na mente do narrador e não segue uma ordem linear, sequencial. Como exemplo, podemos ter a fala de um narrador: “Estive relembrando os tempos em que corria descalça na terra batida do quintal da casa grande no sítio da minha avó. Senti por alguns instantes o cheiro de terra molhada quando chovia... A memória nos faz reviver tempos que jamais voltarão.”

http://loucurasedevaneios.blogspot.com/

Observe que nesse trecho a retomada do tempo da infância ocorre na mente do narrador.

Normalmente, nossa atenção não se volta para o tempo como elemento narrativo, porque assumimos como um fato evidente que acontecimentos pressupõem um tempo no qual ocorrem. A análise da construção do tempo na narrativa, porém, pode ser muito valiosa para a compreensão da construção do enredo, à medida que nos informa, por exemplo, sobre o estado de espírito das personagens, principalmente se tivermos lidando com o tempo psicológico.

Foco Narrativo

Toda narrativa tem um narrador – aquele que conta a história -, que estabelece um ponto de vista a partir do qual a história vai ser contada, o que chamamos de foco narrativo. O narrador é elemento fundamental para o sucesso do texto, pois ele é o dono da voz, quem relata os fatos e seu desenvolvimento. Atua como intermediário entre a ação narrada e o leitor. O narrador assume uma posição em relação ao fato narrado (foco narrativo), o seu ponto de vista constitui a perspectiva a partir da qual o narrador conta a história. Ela pode ser contada em 1ª pessoa ou em 3ª pessoa.

O foco narrativo em 1ª pessoa

Na narração em 1ª pessoa, o narrador é uma das personagens, protagonista ou secundário. Tudo vai depender se a história ocorre em torno dele ou não. A história é narrada em 1ª pessoa, porque o narrador apresenta aquilo que presencia ao participar dos acontecimentos. Dessa forma, nem tudo aquilo que o narrador afirma refere-se à “verdade”, pois ele tem sua própria visão acerca dos fatos; sendo assim

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expressa sua opinião. Leia o excerto abaixo do romance Aparição de Vergílio Ferreira.

Eis que me levanta de novo a imagem de meu pai, caído de bruços sobre a mesa, ao jantar, dias antes de eu partir. Todos os anos, pela vindima, meus pais queriam ali os três filhos pelo Natal. O Tomás vivia perto, tinha também a sua lavoura, mas não deixava nunca de comparecer ao jantar. Mas o Evaristo vivia na Covilhã. E agora, que escrevo esta história à distância de alguns anos, exatamente neste mesmo casarão em que tudo se passou, relembro vivamente o estrépito da sua chegada nessa manhã de Setembro.

Em Aparição, o fato principal da vida do narrador Alberto, acontece em Évora; no entanto, como recorda sua trajetória desde criança, percebemos que alguns episódios estão presentes somente em sua mente, isso marca a forma como a personagem viu e interpretou os fatos, por isso, ele narra na primeira pessoa (me levanta, meus pais, que escrevo etc.)

O foco narrativo em 3ª pessoa

Na narração em 3ª pessoa o narrador é onisciente. Ele nos oferece uma visão distanciada da narrativa; além de dispor de inúmeras informações que o narrador em 1ª pessoa, normalmente, não oferece. Como exemplo, quando ele sabe o que se passa na mente da personagem, quando ele descreve a dor que a personagem sente com a ausência de alguém que ama. Dessa forma, nesse tipo de narrativa, os sentimentos, as ideias, os pensamentos, as intenções, os desejos das personagens são informados graças ao conhecimento que o narrador possui. Esse tipo de narrador é chamado de observador.

Qual é o tipo de narrador que ocorre no conto Pausa: narrador personagem ou narrador observador?

Se você respondeu narrador observador, acertou, porque a narração é feita em 3ª.

pessoa e não em 1ª. pessoa. O narrador não participa das ações, ele apenas nos conta a história. Agora, leia o poema “O Bicho” de Manuel Bandeira,

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O bicho

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão, Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Nesse poema, a história é contada em 1ª. pessoa “vi ontem um bicho”. O narrador relata um acontecimento que o impressionou: um bicho catando restos de comida.

Note que, no desenvolvimento do enredo, não sabemos de que animal se trata. Só no desfecho o narrador nos revela que o bicho é um ser humano.

Tipos de Discurso

Outro aspecto, intimamente relacionado ao foco narrativo, é o tipo de discurso utilizado pelo narrador. O discurso pode ser direto, indireto e indireto livre.

Discurso Direto

Esse discurso ocorre quando o narrador deixa de falar e passa a dar voz a personagem, ou seja, a fala da personagem é apresentada de modo integral. Para registrá-lo, o narrador pode fazer uso do verbo dito elocucional (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.) seguido de dois pontos (:) e de travessão (-) na linha seguinte. Nas narrativas contemporâneas, também é comum a fala das personagens por meio das aspas (“ ”) no lugar dos travessões. No conto Pausa, as falas das personagens ocorrem pelo discurso direto. Temos como exemplo, os trechos marcados pelos travessões.

- Todos os domingos tu sais cedo - observou a mulher com azedume na voz.

- Temos muito trabalho no escritório – disse o marido, secamente.

Ela olhou os sanduíches:

- Por que não vens almoçar?

- Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.

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• Discurso Indireto

Nesse discurso, em lugar de apresentar a fala das personagens tal como ocorre em um diálogo, o narrador reconstrói, por meio de sua linguagem, o que a personagem teria dito, ou seja, o narrador, usando suas próprias palavras, conta o que foi dito por outra pessoa. Temos então uma mistura de vozes, pois as falas das personagens passam pela elaboração da fala do narrador. Sérgio, no Recanto da Letras (http://recantodasletras.uol.com.br/), traz-nos um exemplo sobre esse tipo de discurso:

“Quando o camareiro Barbosa entrou no quarto para fazer a barba, Vargas estava de pé, imóvel no centro do quarto, vestido em seu pijama de listras. O camareiro pediu-lhe que vestisse um roupão, pois fazia frio.”

Ele diz que, nesse fragmento, a fala do camareiro (trecho em itálico) foi reproduzida na 3ª. pessoa pelo narrador. Sempre que isso ocorrer, temos um discurso indireto.

Observa-se também, que a fala do camareiro não vem precedida de travessão, nem está entre aspas, mas está inserida no discurso do narrador. Ainda, no trecho grifado, a fala é aberta com “O camareiro pediu-lhe que”, daí dizer que no discurso indireto as falas começam, geralmente, com o sujeito + o verbo + a conjunção que, seguido da fala da personagem. Observe essa estrutura a seguir:

A turma da sala disse que

sujeito verbo conjunção

• Discurso Indireto Livre

Esse terceiro modo do narrador organizar o discurso na narrativa é o mais complicado, porque envolve a combinação de diferentes pontos de vista, por isso é preciso ler com muito cuidado. O narrador insere pensamentos das personagens no seu próprio discurso, dificultando a identificação precisa de quem seria o responsável pelo que está sendo dito: narrador ou personagem. Vejamos como esse discurso é utilizado no texto, tomando como exemplo um texto de Adriana Falcão.

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Não parava de cantar, Antônio, afirmando que ia para outro tempo enquanto o povo todo desconfiava que era para outro mundo que ele ia, e só se ouvia o martelo martelando lá dentro, toc, toc, toc, e quando os sete dias se passaram, o oitavo dia acordou e deu de cara com a máquina da morte prontinha.

Mas ficou bonita demais, dava até gosto de ficar vendo. E isso anda? Não andava. Voa? Não voava.

Nada? Não. Claro que não cabia na compreensão de ninguém, como é que Antônio diz que vai pra outro tempo se essa máquina não sai do canto? E ele até se irritava, isso aí é a máquina da morte, eu é que sou a máquina do tempo. Mas o povo duvidava:

e é, é? Desde quando? (Adriana Falcão. A máquina)

Podemos observar que no primeiro parágrafo, a fala de Antônio é feita na 3ª.

pessoa, que é característica do discurso indireto. Já no segundo, o narrador reproduz as falas/pensamentos do povo (personagens) durante a sua narrativa, causando certa confusão em relação a quem está falando no momento, se é o narrador ou se é a personagem. Contudo, se fizermos uma leitura mais cuidadosa, veremos que quem faz as perguntas é o povo (que no texto aparece em itálico) e não o narrador, dessa forma, as falas apontam para o pensamento do povo, que são as personagens, enquanto sua forma estrutural que é mostrada na narrativa indica aparentemente um posicionamento do narrador. Assim, sempre que a fala (ou pensamento) da personagem se confundir com a voz do narrador, diz-se que foi utilizado o discurso indireto livre.

Vejamos outro exemplo que demonstra os três discursos, mostrando como é desenvolvido o discurso indireto livre.

Primeira possibilidade:

“E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Mas disse para si mesmo:

- Minha vontade é voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”

Nesta possibilidade, a personagem fala sem interferência do narrador, ou seja, você ouve a voz da personagem. Por isso, temos aqui o discurso direto.

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Segunda possibilidade

“E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Mas disse para si mesmo que sua vontade era voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”

Nesta possibilidade, a fala da personagem é controlada pelo narrador, ou seja, é o narrador que fala no lugar da personagem, tomando para si a voz da personagem.

Por isso, temos aqui o discurso indireto

Terceira possibilidade

“E continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Queria voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão.”

Essa possibilidade pode ser considerada quanto à sua estrutura idêntica ao discurso indireto, com a omissão, porém, do verbo de elocução (disse que), ou seja, nós ouvimos a voz da personagem, mas o narrado não usa nenhum verbo para marcar essa voz. É necessário que o leitor esteja bem atento para perceber o momento dessa fala, que na realidade, é a expressão do pensamento, do desejo da personagem. O narrador restringe seu ângulo de onisciência, transmitindo apenas os pensamentos da personagem, a quem ele cede seu posto de observador. Por isso, temos aqui o discurso indireto livre

Condições de emprego do Discurso Indireto Livre:

- foco narrativo em terceira pessoa;

- o narrador deve focalizar a consciência da personagem;

- devem ser omitidos os verbos de elocução (disse que, pensou que etc)

Agora, leia o texto a seguir e procure analisá-lo depreendendo os elementos da narração.

A morte da Tartaruga

O menininho foi ao quintal e voltou chorando: a tartaruga tinha morrido. A mãe foi ao quintal com ele, mexeu na tartaruga com um pau (tinha nojo daquele bicho) e constatou que a tartaruga tinha morrido mesmo. Diante da confirmação da mãe, o garoto pôs-se a chorar ainda com mais força. A mãe a princípio ficou penalizada, mas logo começou a ficar aborrecida com o choro do menino. "Cuidado, senão você acorda o seu pai". Mas o menino não se conformava. Pegou a tartaruga no colo e pôs-se a acariciar-lhe o casco duro. A mãe disse que comprava outra, mas ele respondeu que não queria, queria aquela, viva! A mãe lhe prometeu um carrinho, um velocípede, lhe prometera uma surra, mas o pobre menino parecia estar mesmo profundamente abalado com a morte do seu animalzinho de estimação. Afinal, com tanto choro, o pai acordou lá dentro, e veio, estremunhado, ver de que se tratava, O menino mostrou-lhe a tartaruga morta. A mãe disse: "Está aí assim há meia hora,

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chorando que nem maluco. Não sei mais o que faço. Já lhe prometi tudo, mas ele continua berrando desse jeito". O pai examinou a situação e propôs: "Olha, Henriquinho. Se a tartaruga está morta não adianta mesmo você chorar. Deixa ela aí e vem cá com o pai". O garoto depôs cuidadosamente a tartaruga junto do tanque e seguiu o pai, pela mão. O pai sentou-se na poltrona, botou o garoto no colo e disse: "Eu sei que você sente muito a morte da tartaruguinha. Eu também gostava muito dela. Mas nós vamos fazer pra ela um grande funeral". (Empregou de propósito a palavra difícil.) O menininho parou imediatamente de chorar.

"Que é funeral?" O pai lhe explicou que era um enterro. "Olha, nós vamos à rua, compramos uma caixa bem bonita, bastante balas, bombons, doces e voltamos para casa. Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. Aí convidamos os meninos da vizinhança, acendemos as velinhas, cantamos o Happy-Birth-Day-To-You pra tartaruguinha morta e você assopra as velas. Depois, pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal, enterramos a tartaruguinha e botamos uma pedra em cima com o nome dela e o dia em que ela morreu. Isso é que é funeral!

Vamos fazer isso?" O garotinho estava com outra cara. "Vamos papai, vamos! A tartaruguinha vai ficar contente lá no céu, não vai? Olha, eu vou apanhar ela." Saiu correndo. Enquanto o pai se vestia, ouviu um grito no quintal. "Papai, papai, vem cá ela está viva!" O pai correu pro quintal e constatou que era verdade. A tartaruga estava andando de novo normalmente. "Que bom, heim!"- disse "Ela está viva! Não vamos ter que fazer o funeral!" "Vamos sim, papai"- disse o menino ansioso, pegando uma pedra bem grande "Eu mato ela".

(Millôr Fernandes, "Morte da Tartaruga", in: Fábulas Fabulosas, 9ª ed., Rio de Janeiro, Nórdica, 1985, p. 100-101.)

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E aí, conseguiu encontrar os elementos da narração nessa fábula? Espero que não tenha encontrado dificuldades. Caso não tenha conseguido, dê uma relida no texto teórico.

Mas, você deve ter percebido que esse texto “A morte da Tartaruga” é predominantemente figurativo, ou seja, ele trabalha predominantemente com termos concretos: menininho, quintal, tartaruga, pai, mãe, rua, poltrona etc. Tanto o texto descritivo quanto o narrativo são predominantemente figurativos. Todavia, enquanto a descrição é um texto estático, em que não há uma progressão temporal, na narração temos uma sucessão de ações, os episódios se articulam numa relação de anterioridade e posterioridade. Na fábula, essa sucessão temporal é marcada pelo advérbio depois: “Depois botamos a tartaruga na caixa em cima da mesa da cozinha e rodeamos de velinhas de aniversário. (...) Depois, pegamos a caixa, abrimos um buraco no fundo do quintal”.

Portanto, a narração é um texto totalmente dinâmico, que narramos ações após ações. O que torna interessante um texto narrativo é a forma como o narramos, portanto, quando elaboramos uma narração o importante não é o que vamos narrar, mas COMO IREMOS NARRAR. E nessa narração nós podemos enfatizar um dos aspectos da narrativa: o tempo, o espaço, o foco narrativo, a personagem ou o próprio enredo.

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