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CULPABILIDADE ELEMENTO INTEGRANTE DO DELITO OU PRESSUPOSTO PARA APLICAÇÃO DA PENA

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CULPABILIDADE – ELEMENTO INTEGRANTE DO DELITO OU PRESSUPOSTO PARA APLICAÇÃO DA PENA

(Disponível em www.ibccrim.org.br)

ANDRÉ VINÍCIUS MONTEIRO

Assistente Jurídico do Tribunal de Justiça de São Paulo, graduado pela PUC/SP e pesquisador do Núcleo de Ciências Criminais da PUC/SP

Nada obstante a doutrina brasileira caminhar no sentido de ser a culpabilidade uma das características da ação delituosa – nesse sentido são os ensinamentos de Heleno Fragoso, Francisco de Assis Toledo, João Mastieri, Juarez Tavares, Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis Prado –, encontramos ainda autores que sustentam ser a culpabilidade mero pressuposto de aplicação da pena.

Este segundo entendimento surge na obra do paranaense René Ariel Dotti, publicada em 1976 no livro O Incesto; entendimento esse repetido hoje na obra Curso de Direito Penal – parte geral, no qual se defende a tese de ser o crime fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade pressuposto de punibilidade do agente; razão pela qual deveria esta ser analisada fora da teoria geral do delito, na teoria da pena.

Em seguida, outros penalistas brasileiros passaram a adotar a tese em análise, destacando-se Damásio de Jesus como seu mais ferrenho defensor. Segundo este autor, o Código Penal ao tratar das causas excludentes de antijuridicidade, emprega expressões como não há crime, não constitui crime etc. Quando, porém, cuida das causas de exclusão da culpabilidade, emprega expressão diversa, tal como é isento de pena. A razão seria porque havendo causa excludente da ilicitude não há crime; este, porém, subsiste, quando presente causa de exclusão de culpabilidade. Assim, para que um fato seja tido como crime são necessários dois requisitos, a tipicidade e a antijuridicidade. A culpabilidade liga o agente à punibilidade, o crime existe por si só, mas para que a pena seja ligava ao agente mister se faz a culpabilidade.

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O mencionado autor, para sustentar sua tese, desenvolve raciocínio

sobre o crime de receptação: supondo-se que o agente tenha recebido, adquirido ou

ocultado coisa furtada por sujeito inimputável, aquele ainda assim responderá pelo

crime de receptação, como prevê o parágrafo 4° do artigo 180, segundo o qual, ainda

que isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa, será punível a receptação.

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Por conseqüência, sendo o crime elemento normativo do tipo, não haveria receptação no caso exposto, se a culpabilidade fosse requisito do delito.

Ariel Dotti, por sua vez, expõe que a concepção pela qual se divide o delito em fato típico, antijurídico e culpável decorre do conceito causal de crime, que separava a ação do seu conteúdo de vontade, devendo ao injusto pertencer os caracteres externos da ação, enquanto os elementos anímicos deveriam constituir a culpabilidade.

Ademais, continua o autor, “penso que também um aspecto de natureza política tenha interferido para a montagem daquele esquema sustentando que a culpabilidade seria um elemento do delito. Tratava-se de salvaguardar a liberdade individual contra os atentados oriundos da responsabilidade objetiva. Assim, a partir do momento em que inteligência do crime não prescindisse de um requisito interno, haveria maior garantia contra o arbítrio, principalmente quando o princípio da reserva legal ainda não funcionava amplamente como critério limitador do poder estatal à punição. Atualmente não se pode mais considerar o delito em função dos segmentos propostos pelas teorias da causalidade material e moral, através das quais a ação, a tipicidade e a antijuridicidade seriam manifestações da relação física, enquanto a culpabilidade seria expressão da relação psíquica.”

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Para Dotti, a sustentação de que a culpabilidade seria um elemento do delito vinha da inclusão do dolo e da culpa em sua estrutura – entendimento este que significou grande avanço na seara jurídica, posto que anteriormente bastava o nexo objetivo entre a ação e o resultado para se impor a pena criminal. Com a consolidação do finalismo e a adoção de uma culpabilidade puramente normativa, deixando os elementos subjetivos de pertencerem à culpabilidade, esta perde sua função inicial de garantidora de uma imputação subjetiva, uma vez que os caracteres necessários à adoção desta modalidade de imputação encontram-se agora na ação e, por via de conseqüência na tipicidade.

Assim, seria o crime – ação típica e ilícita – uma causa, funcionando o juízo de reprovação como seu efeito. A constatação do delito gera a necessidade que sobre ele recaia o juízo de culpabilidade, sendo, portanto, fenômenos associados, porém distintos e separáveis conforme as circunstâncias.

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A presente tese é ainda esposada por Julio Fabbrini Mirabete,

Frederico Marques e Manoel Pedro Pimentel, afirmando este último que “a adoção dos

princípios sustentados pela doutrina finalista da ação permite avançar uma conclusão, já

esboçada na doutrina, de que a culpabilidade é não mais que um pressuposto da pena,

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deixando de constituir-se em um dos elementos do conceito jurídico do crime. Pode haver um fato criminoso, sem que haja, entretanto, culpabilidade.”

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Anote-se, por fim, o argumento segundo o qual não poderia a culpabilidade inserir-se no conceito dogmático de delito pois, constituindo-se em puro juízo de reprovação que recai sobre o comportamento daquele que delinqüe, não pode ela fazer parte daquilo que valora, ou seja, não pode, ao mesmo tempo, pertencer ao objeto valorado e valorá-lo; ser concomitantemente ente passivo e ativo.

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Expostas as linhas mestras da doutrina que analisa o delito como fato típico e antijurídico, passemos expor o pensamento daqueles que agregam a este binômio o elemento culpabilidade, como parcela indispensável à configuração do crime.

Todo ilícito penal pressupõe censura; sendo a sanção esta censura social que o grupo faz a um de seus integrantes que não se conduziu de acordo com a ordem pré-estabelecida pelo ordenamento vigente naquela sociedade. Dizer que a culpabilidade não integra o conceito de delito é, em última análise, asseverar que o crime não pressupõe censura, possibilitando o inconveniente de se imputar uma prática criminosa ao sujeito cuja respectiva conduta não é censurada pelo ordenamento jurídico.

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Assim, chegar-se-ia à ilógica conclusão de que o inculpável comete crime, porquanto basta a existência de um fato típico e antijurídico para a configuração do delito; não podendo, no entanto, ser censurado, pois ausente o suposto requisito de aplicação de pena – a culpabilidade. Desta forma, se a culpabilidade não integrasse o conceito dogmático de delito, haveria um esvaziamento de seu conteúdo, uma vez que todo o direito trabalha com o conceito de culpa, a exigir-lhe, ou não, a presença para precisas conseqüências jurídicas.

Outrossim, tem-se o problema de que o desligamento da culpabilidade

dos demais elementos do delito pode dar ensejo à adoção de uma perigosa culpabilidade

de autor, em abandono da culpabilidade de fato, com sérios riscos ao direito penal

democrático. Isto porque, apesar do juízo de reprovabilidade ter como destinatário o

sujeito, este juízo se constrói a partir do fato concreto, baseia-se na conduta do agente,

sendo uma qualidade negativa da própria ação; o que, com a separação da culpabilidade,

poderia vir a ser mitigado.

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Ademais, aponta Juarez Tavares

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que os elementos do delito encontram-se em constante inter-relação. Entre antijuridicidade e culpabilidade, por exemplo, há uma inegável interação, notadamente com a adoção dos elementos subjetivos de justificação, de tal modo que, isolar-se a culpabilidade do complexo do injusto, conduziria a uma postura contraditória em si mesma. Não se encontra, portanto, o juízo de culpabilidade normativa desligado do fato, a recair isoladamente sobre o sujeito.

No mesmo sentido manifesta-se Miguel Reale:

“Em conclusão, em todo delito, tipicidade fática, antijuridicidade e culpabilidade se integram e se correlacionam, para dar-nos a plenitude de seu significado, devendo aquelas notas determinantes ser examinadas analítica e sinteticamente, como elementos distintos de uma unidade estrutural, ficando concomitantemente atendidos, de um lado a intencionalidade pessoal e irredutível do agente e, de outro, o significado social objetivo de sua conduta.”

viii

De outra banda, não se pode dizer que a culpabilidade, por si só, seja pressuposto de aplicação da pena. Ora, sendo o fato atípico, ou em havendo causa excludente da ilicitude, aplicar-se-ia pena? Por óbvio que não, razão pela qual há de se concluir ser o crime, como um todo, pressuposto e causa, de aplicação da pena, como legítima conseqüência da infração penal.

Equivoca-se, também, a tese que tem a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena ao argumentar que esta liga o agente ao crime. Sendo o crime um todo unitário não há falar-se nessa ligação, pois o sujeito ativo já se encontra ligado ao fato criminoso pelo simples fato de tê-lo cometido. Sendo a pena a legítima conseqüência do delito, o que se deve buscar é o vínculo entre esta e o crime praticado pelo agente.

O argumento segundo o qual o Codex, ao valer-se de expressões como

é isento de pena posicionou-se em relação à culpabilidade como mero pressuposto de

aplicação da pena, não deve prosperar. Note-se que quando o estatuto penal cuida das

escusas absolutórias, também utiliza a expressão é isento de pena; não há nesta

hipótese, porém, dissenso na doutrina quanto à culpabilidade restar inabalada,

operando-se apenas a extinção da punibilidade. Da mesma forma, emprega a expressão

isento de pena para disciplinar o erro de tipo e o erro de proibição; sendo certo, no

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entanto, que o primeiro incide sobre o fato típico, e o segundo sobre a culpabilidade. A outra conclusão não se pode chegar senão a de que o legislador vale-se de expressões idênticas para tratamentos logicamente diferenciados, sendo assistemático e impreciso, cabendo, portanto, à doutrina averiguar e concluir o real significado dos ternos empregados na norma.

Da mesma forma, tal imprecisão técnica quanto ao uso indiscriminado da expressão isento de pena torna inaceitável a tese referente à receptação, uma vez que a interpretação mais coerente a ser dada à expressão empregada no parágrafo 4° do artigo 180, seria a exclusão de punibilidade.

Nada obstante, ainda que se admita que a expressão, in casu, refira-se à exclusão da culpabilidade, basta argumentar com base na teoria da acessoriedade limitada, adotada pelo Código no que toca à participação. Não se exige seja o autor principal censurado, tenha culpabilidade, para a incriminação do partícipe. Por ilação lógica, a mesma regra tem aplicação à receptação. Até mesmo porque a punibilidade não se inclui no conceito de delito, mas representa a reação da sociedade contra o crime.

O diploma processual também não se coaduna com a tese da culpabilidade como pressuposto de aplicação na pena, afinando-se com a corrente tripartida, afastando anomalias procedimentais, como, por exemplo a condenação sem aplicação de pena.

Dispõe o artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal que o juiz absolverá o réu quando houver circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena. Refere-se o mencionado dispositivo tanto às causas excludente de ilicitude quanto às que excluem a culpabilidade, equiparando-as como um dos fundamentos da sentença absolutória. Há de concluir-se, portanto, que antijuridicidade e culpabilidade encontram-se no mesmo patamar, sendo que a exclusão desta ou daquela dá ensejo a um édito absolutório, e, por conseqüência, descaracteriza o delito.

Se a culpabilidade fosse mero pressuposto de aplicação da pena, restando como elementos do delito o fato típico e ilícito, o magistrado não poderia absolver diante das excludentes de culpabilidade, pois crime existiria, limitando-se a deixar de aplicar a pena; tal qual se faz em Portugal em relação às escusas absolutórias.

Ademais, a absolvição por falta de culpabilidade acarreta os mesmos

efeitos da por falta de tipicidade ou ilicitude, como o não lançamento do nome do rol

dos culpados e a não existência de reincidência. Caso prevalece-se o entendimento da

culpabilidade como pressuposto da pena, sua exclusão deveria gerar, tão somente, a não

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aplicação da reprimenda, restando íntegros os demais efeitos; o que, sabemos, não corresponde à realidade.

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Também nas chamadas sentenças absolutórias impróprias encontramos incongruências quando aplicamos a teoria bipartida de delito, para a qual o inimputável cometeria crime, mas não estaria a este ligado, pois inculpável. Não se pode considerar, porém, que os inimputáveis cometam crimes, pois são estes submetidos a sistema jurídico próprio, no qual não há imposição de pena, ou seja de qualquer medida de caráter retributivo. A medida de segurança, por exemplo, funda-se na periculosidade do agente, tendo caráter preventivo, no sentido de retirar do meio social o sujeito perigoso, sujeitando-o a tratamento. Da mesma forma os menores de dezoito anos, excluídos do âmbito do direito penal, são submetidos ao regime da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê o ato infracional, e não crime, e a aplicação de medidas socioeducativas ao invés de pena.

Desta feita, em que pese parte da doutrina brasileira considerar a culpabilidade tão somente como pressuposto de aplicação da pena, divorciada dos elementos do delito; a lógica dos sistemas penal e processual penal positivados não se afina com tal tese, eis que chegar-se-ia ao absurdo de admitir-se a existência de um crime sem censura e sanção. A razão parece, então, estar com a parte da doutrina que refuta a idéia da culpabilidade como mero pressuposto da pena, com inúmeros argumentos em sentido diametralmente opostos, como visto.

Referências bibliográficas

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i Teotônio, Luís Augusto Freire. Culpabilidade e a polêmica no Brasil: elemento integrante do crime ou mero pressuposto de aplicação de pena. RT 814/455.

ii Dotti, René Ariel. Curso de Direito Penal. Parte geral, p. 335/336.

iii Ibidem, p. 338.

iv Causalidade e Culpabilidade, Saraiva, 1985, p. 30.

v Calixto, Ilma, Estrutura do crime e culpabilidade: elemento integrante do delito ou mero pressuposto para a punição?, p. 42.

vi Teotônio, op. cit., p. 458.

vii Tavares, Juarez. Teorias do delito – variações e tendências, p. 109, nota de rodapé n° 13.

viii Reale, Miguel. Preliminares ao estudo da estrutura do delito. Saraiva, 1978, apud Teotônio, op. cit., p.

459.

ix Teotônio, op. cit., p. 464.

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