SISTEMAS AGROFLORESTAIS NO TERRITÓRIO CANTUQUIRIGUAÇU:
SOBERANIA ALIMENTAR FRUTO DE UMA REFORMA AGRÁRIA AGROECOLÓGICA
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R ODRIGO O ZELAME DA S ILVA
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J ULIAN PEREZ CASSARINO
R ESUMO
Esta pesquisa busca identificar o que são boas agrofloresta segundo os saberes de agricultores (as) do Território Cantuquiriguaçu. Para isso usou-se princípios da observação participante e de entrevistas semiestruturadas para sistematizar quais indicadores, famílias ligadas ao movimento dos pequenos agricultores (MPA) e do movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) entendem ser boas agroflorestas. Esse processo encontrou 60 indicadores distintos que foram agrupados em seis eixos de similaridade. Como resultado, a pesquisa apresenta um conceito do que são boas agrofloresta segundo os saberes e fazeres dos agricultores do Território Cantuquiriguaçu, bem como indica que tal conceito contribui para a soberania alimentar e nutricional (SAN) das famílias do Território em questão, contribuindo assim para valorizar a premissa que a agricultura familiar de base agroecológica fortalece a SAN, cabendo assim ao poder público fortalecer e fomentar este processo.
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Gestor Ambiental Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia –CEAGRO- rodrigoozelame@gmail.com
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Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul- UFFS-/ Campus Laranjeiras do Sul -
julianperez7@gmail.com
PRIMEIRAS PALAVRAS
O termo primeiras palavras é uma analogia e homenagem a Paulo Freire que costumava usar a mesma expressão no inicio de suas obras.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (SANTOS 2010), vivemos ainda num período colonial. Exemplo disto é o avanço da globalização hegemônica que busca impor ao mundo um único modo de produzir, comercializar, validar o conhecimento e de homens e mulheres se relacionarem entre si e com a natureza. Já no contexto da segurança alimentar e nutricional (SAN) esse modelo estabelece uma crescente hegemonização dos produtos consumidos no mundo.
Por outro lado, existe a ascensão de outro modo de globalização. A globalização contra hegemônica. Tal processo é formado por milhões de pessoas e diversos fazeres e saberes que estão construindo alternatividades ao modelo hegemônico de globalização (SANTOS 2009). Como é o caso das agricultoras e agricultores camponeses que produzem seus alimentos através dos Sistemas Agroflorestais ou SAF. Este sistema concilia diversidade, produção, soberania alimentar e nutricional conforme indicam diversas pesquisas.
Dentro desse contexto esta pesquisa visa sistematizar o que são boas agroflorestas segundo os saberes de agricultoras e agricultores camponeses no Território Cantuquiriguaçu.
Através da observação participante (MINAYO, 1999) e de entrevistas semiestruturadas (VEDEJO, 2006) foram sistematizados 60 indicadores do que são boas agroflorestas na visão dos agricultores. Em seguida esses indicadores foram agrupados em seis eixos de similaridade sendo eles: 1-mistura de coisas (biodiversidade); 2-manejo; 3- harmonia com a natureza (conservação e qualidade de vida); 4-produção de Alimento; 5- cobertura do chão (solo); 6- vender o que sobra (comercialização).
Como resultado, a pesquisa apresenta o conceito de boas agrofloresta segundo os
saberes e fazeres dos agricultores (as) do Território Cantuquiriguaçu. Além disso, é possível
assinalar que os saberes e fazeres diagnosticados, caso sejam colocados em prática, podem
contribuem para a SAN das famílias do Território em questão. Portanto, tal resultado
contribui para valorizar a agricultura familiar de base agroecológica na busca da SAN,
cabendo assim ao poder público valorizar, fortalecer e fomentar que tais práticas existam.
CAMINHO METODOLÓGICO
A primeira etapa do caminho metodológico desta pesquisa foi realizar observação participante junto a famílias do Território Cantuquiriguaçu. Tal processo pode ser definido como a inclusão do pesquisador nas situações sociais dos pesquisados, em seus cenários culturais e suas atividades cotidianas. Por isso, quando o pesquisador participa das atividades, consegue coletar dados importantes para desenvolver sua pesquisa. Ao mesmo tempo em que o pesquisador pode modificar o grupo é modificado por ele (MINAYO, 1999).
Em seguida, realizou-se entrevistas com famílias que apresentaram interesse em trabalhar com sistemas agroflorestais. Para isso, usou-se como arcabouço metodológico a realização de entrevistas semiestruturadas. Tal método é constituído por um roteiro que é guiado por algumas perguntas-chaves determinadas anteriormente. Esse processo desempenha um papel muito importante em diagnósticos rurais participativos, já que facilita construir um ambiente aberto de diálogo que permite às pessoas entrevistadas se expressarem livremente sem as limitações criadas por um questionário (VEDEJO2006).
Dentro deste contexto, esta pesquisa usou as seguintes perguntas-chaves: “o que são boas agroflorestsa? O que elas precisam ter?
Tal processo aconteceu em dezoito famílias vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Território Cantuquiriguaçu.
Em seguida, as respostas foram transcritas na íntegra. O próximo passo foi detectar indicadores do que são boas agroflorestas contidos nas respostas. De posse destas informações agrupou-se os indicadores em eixos de similaridade, sendo eles mistura de coisas (biodiversidade); manejo; harmonia com a natureza (conservação e qualidade de vida);
produção de alimento; cobertura do chão (solo); vender o que sobra (comercialização).
Note-se que tal método utilizado foi baseado na pesquisa desenvolvida por
STEENBOCK, et al. 2013) que teve como objetivo apontar o que são boas agroflorestas de
acordo com os saberes e fazeres de agricultores da Associação Agroflorestal de Barra do
Turvo e Adrianópolis – COOPERAFLORESTA.
DO COLONIALISMO AO EMBATE DAS GLOBALIZAÇÕES
Segundo Santos (2010), vivemos num período colonial. Esse período se inicia com o tratado de Tordesilhas que além de separar colônias e metrópoles, separa a realidade social em dois universos distintos: o universo “desse lado da linha” e o universo do “outro lado da linha”. Sendo que estar “deste lado da linha” é:
Ser membro da humanidade histórica, ou seja, ser um grego e não um bárbaro no século V A.C, um cristão e não um judeu na Idade Média, um europeu e não um selvagem do Novo Mundo no século XVI, e no século XIX, um europeu (incluindo os europeus deslocados da América do Norte) e não um asiático, parado na historia, ou um africano que nem sequer faz parte dela (Santos 2010-Pag. 54).
Já o universo do “outro lado da linha” é onde “não há conhecimento real, existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimento intuitivos ou subjetivos, que na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos ou matéria-prima para a inquirição cientifica” (SANTOS, 2010, p. 34,35).
Embora hoje essa distinção entre colônia e metrópole seja geograficamente sinuosa (o que a torna em alguns momentos socialmente imperceptível) ela é tão radical e excludente como no período colonial, principalmente no tange sistema ao jurídico e epistemológico (SANTOS, 2010). Exemplo disso é o avanço da Globalização Hegemônica que busca impor ao mundo um único modo de produzir, comercializar, validar o conhecimento e de relação com a natureza. (SANTOS, 2009).
Na questão agrária (foco desta pesquisa) a globalização hegemônica avança através do modelo agrícola baseado nos princípios da Revolução Verde. Esse modelo funciona com elevada quantidade de insumos agrícolas, sementes selecionadas, fertilizantes, maquinário e uso excessivo de água e energia (BORLAUG, 1983). Esse sistema potencializa a exploração de recursos naturais de forma cíclica, expansionista voltada para o mercado externo que acontece há séculos nas Colônias internalizando lucros momentâneos para poucos e externalizando prejuízos duradouros para muitos. (ALIER, ano?).
No Brasil esse quadro é ainda mais grave, pois nos últimos anos, o país passou a ser o
maior consumidor de agrotóxicos do mundo, utilizando mais de um milhão de toneladas
destes produtos por ano, o que significa aproximadamente vinte e cinco quilos de agrotóxicos
(equivalente a 10 a 25 mil litros de calda) por hectare de área plantada. (SINDAG, 2010).
Já no contexto da segurança alimentar e nutricional (SAN) esse modelo agrícola, tributário da globalização hegemônica, altera consideravelmente a SAN da população mundial ao fomentar uma crescente hegemonização dos produtos consumidos no mundo. Em nível mundial, por exemplo, apenas 04 produtos agrícolas representam 60% do total de alimentos consumido de origem vegetal (FAO, 2004). Além disso, em nível global, existe uma crescente concentração corporativa no ramo de alimentos e bebidas. Tanto que, em 2007, as 100 maiores companhias de alimentos e bebidas foram responsáveis, por 74% de todos os produtos alimentícios embalados vendidos no mundo. (GUAZELLI, 2010).
Por outro lado, se a globalização hegemônica avança, existe bilhões de pessoas e diversos fazeres e saberes que estão construindo alternatividades ao modelo hegemônico de globalização. Esse conjunto de alternativas pode ser intitulado como globalização contra hegemônica. Como é o caso dos agricultores(as) que produzem seus alimentos através dos Sistemas Agroflorestais (SAF).
Para FARRELL (1984) e GLIESSMAN (2001), as agroflorestas contemplam os princípios básicos e preenchem os requisitos da sustentabilidade, em função: a) da inclusão de árvores no sistema de produção; b) do uso de recursos endógenos; c) do uso de práticas de manejo que otimizam a produção combinada; e d) da geração de numerosos serviços ambientais, além de possibilitar renda ao longo do ano, por meio da comercialização dos diferentes produtos obtidos escalonadamente neste agroecosistema.
Portanto os SAF´s conciliam conservação com produção. Mas também contribui para
a segurança alimentar e nutricional da população em geral, conforme indica o Conselho
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) ao afirmar que a agricultura
camponesa de base ecológica fortalece a SAN do povo brasileiro.
TERRITÓRIO CANTUQUIRIGUAÇU
O Território Cantuquiriguaçu, área de abrangência da pesquisa, está inserido no Terceiro Planalto Paranaense e abrange uma área de 13.947,73 km². Isso corresponde a cerca de 7% da área total do Estado do Paraná. Seu nome é uma referência aos rios Piquiri, Iguaçu e Cantu que delimitam suas fronteiras. Essa riqueza hídrica contribuiu para que, principalmente na ditadura militar do Brasil, o Estado construísse diversas usinas hidrelétricas, sendo Salto Santiago, Salto Osório e Governador Ney Braga as maiores. Atualmente são 07 usinas, todas privatizadas (IPARDES, 2014).
Antes do período colonial, a fitogeografia do Território era composta por 62,6% de Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária, ou Mata de Araucária), 21,9% de Floresta Estacional Semidecidual e 15,4% de Campos Naturais, principalmente na parte leste.
O índice de desenvolvimento humano (IDH) é o mais baixo do estado do Paraná, obtendo média de 0,72, estando abaixo da média do estado que é 0,78 (IPARDES, 2014).
Atualmente, o Território Cantuquiriguaçu é formado por 20 municípios, conforme indica o Mapa 1. Essas cidades reúnem 233.973 de habitantes, ou seja, 2,3% da população do Paraná (IPARDES, 2014).
MAPA 1. - LOCALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CANTUQUIRIGUAÇU – PARANÁ FONTE: IPARDES 2014