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Comparação entre a Ilíada e a Odisseia: os Concílios dos Deuses

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Lisboa, 8 de Abril de 2015

Comparação entre a Ilíada e a Odisseia:

os Concílios dos Deuses

Trabalho apresentado na cadeira de História das Culturas da

Antiguidade Clássica, regida pelo Prof. Doutor Nuno Simões

Rodrigues

Realizado por:

Diogo Jesus Nº 53154

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Tal como os mortais fazem assembleias, guerras e entram em desacordo, assim fazem as suas divindades. Nos concílios divinos, parte integrante do género épico, os deuses reúnem-se para debater o destino do protagonista e do seu povo.

Neste trabalho procuramos fazer uma comparação dos concílios dos deuses e da sua acção nas duas principais obras atribuídas a Homero. Recorrendo à opinião reflectida de diversos autores pertinentes e suportando a nossa opinião com excertos das duas obras em análise, apresentamos as semelhanças e diferenças, neste tópico, entre estes dois épicos.

Desta forma encontramos, presentes na Ilíada, concílios dos deuses no canto IV (concílio reunido para se colocar um fim à longa guerra), canto VIII (Zeus pretende impor uma politica de não intervenção), no canto XX (convocam-se os deuses e Zeus anuncia que estes poderão acudir pelo partido que desejarem) e no canto XXIV (os deuses decidirão se o corpo de Heitor deverá ser resgatado e honrado). Por outro lado, na Odisseia, os deuses reúnem-se no canto I (neste concílio Atena interrompe o pai para lembrar o desamparado Ulisses) e no canto V (Atena volta a insistir no nostos de Ulisses).

Antes de comparar as assembleias dos deuses, e para melhor compreensão, urge comparar estes deuses. Da Ilíada para a Odisseia, os deuses são os mesmos. No entanto, a sua imagem depura-se, «no progressivo afastamento do humano»1. Também a noção de justiça, culpa e castigo, estranha na Ilíada, está presente na conduta dos deuses da Odisseia2. Comparativamente com a Ilíada, a Odisseia apresenta uma concepção mais espiritual dos agentes divinos3. Igualmente contrasta o facto de, por exemplo, Zeus enviar um falso sonho a Agamémnon (canto II da Ilíada) e na Odisseia os deuses não enganarem os homens e procurarem que sigam uma ética correcta4. Por fim, a intervenção incessante na vida dos homens difere entre as duas obras. Na Ilíada são o motor da acção enquanto na Odisseia preferem o sonho ou o disfarce para intercederem e, ou protegem (caso de Atena) ou perseguem (caso de Hélio e Poséidon).

Em traços gerais, imageticamente, «os concílios dos deuses na Odisseia já não são tumultuosos e desordeiros, como no poema mais antigo, mas calmos, hieráticos. Este

1

Cf. Pereira, Maria Helena da Rocha, Estudos de História de Cultura Clássica, Vol I, pp.79 2

Cf. Ibid., pp. 80: “Um passo muito discutido do concílio dos deuses, do canto I, põe na boca de Zeus a afirmação de que, embora os homens inculpem os deuses dos males que lhes sucedem, estes é que são os culpados, com os seus desvarios”.

3Ver Jebb, R. C., 'The Homeric World' em Homer : an introduction to the Iliad and the Odyssey, pp.52 4

Atena protege o seu herói porque ele merece essa protecção: «Não consigo deixar-te na tua tristeza, porque és facundo, arguto e prudente». (Odisseia, XIII. 331-332)

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progresso no sentido da idealização vai reflectir-se na concepção da morada das divindades. Em vez de ser uma montanha real, situada na Tessália, de muitos píncaros e alvo de neve, o Olimpo passou a ser um lugar ideal»5. A viva imagem física do Olimpo e da sua corte, na Ilíada, são aqui mais etéreas6.

As duas visões dissemelhantes da natureza destes deuses do Olimpo e as suas relações (entre si e com a humanidade) resultam em visões diferentes sobre a vida em geral. Na Ilíada são traiçoeiros, grandemente temperamentais7. Na Odisseia, todavia, demonstram maior diplomacia e unidade. Discutem e há desacordos mas nunca se extremam as posições8. Também as condutas sub-reptícias entre os deuses, tão prevalecentes na Ilíada, não se encontram na Odisseia.

O papel dos deuses na acção dos homens é muito maior na Ilíada. Nesta intervêm por interesses e afectos pelos aqueus (ou gregos) ou troianos. Na Odisseia os deuses não intervêm a menos que lhes seja pedido. Os deuses não vêem o herói e os homens como meros joguetes. As conversas de Atena com Ulisses, destituídas de condescendência ou autoritarismo contrastam com os discursos entre os deuses da Ilíada.

Os concílios divinos na Ilíada são em muitos aspectos altamente inovadores quando comparados com os da Odisseia. Frequentemente na Ilíada há consultas divinas em que Zeus não está presente. Frequente também na Ilíada, mas ausente na Odisseia, é o ressentimento da vontade divina e sua contestação mais ou menos explícita.9

A estrutura (hierárquica) nas assembleias dos deuses é igual em ambas as obras e inicia-se impreterivelmente com a palavra inaugural de Zeus ou sua permissão. Os restantes deuses colocam à discussão ou propõem moções que terão de ser aceites por este deus que preside o Olimpo. Quanto à autoridade do primeiro dos deuses, incontestada em ambas as obras, tem matizes diferentes. A título de exemplo, na Odisseia, a vontade de Zeus é absoluta: desembravece Hélio e Poséidon, reduzindo os seus intentos de destruição para punições menos severas. Já na Ilíada, logo no concilio do canto IV, Hera contesta a autoridade de Zeus10. Esta teomaquia ilustrada pela contestação de Hera às funções executivas de Zeus leva à intervenção forçada e mais

5

Cf. Pereira, Maria Helena da Rocha, Estudos de História de Cultura Clássica, Vol I, pp.90 6

«(…) onde dizem ficar a morada eterna dos deuses: não é abalada pelos ventos, nem molhada pela chuva, nem sobre ela cai a neve. Mas o ar estende-se, límpido, sem nuvens; por cima paira uma luminosa brancura. Aí se aprazem os deuses, bem-aventurados, dia após dia». (Odisseia, VI. 42-46)

7

Como exemplo, podemos apresentar o episódio, do canto IV da Ilíada, quando Ares à revelia de Hera e Atena ajuda os troianos. Quando é descoberto, Atena atinge o irmão por meio de Diomedes.

8

Quando Poséidon pune Ulisses por cegar seu filho, o ciclope Polifemo, Atena não se vinga. Apesar de ser o seu mentorado, refreia-se de impedir a punição.

9

Cf. Louden, Bruce, The Iliad. Structure, Myth and Meaning, pp.207-208 10

Cf. Fortes, Alice A. S., Os deuses na Ilíada, pp. 30: «O conflito surge a todo o momento. A obediência faz-se mas nem sempre de boa vontade».

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presente dos outros deuses11. Porque difere a acção das divindades e os concílios dos deuses nas duas obras? Charles Beye apresenta uma resposta plausível12apontando para o plano moral da Odisseia e influência dos trabalhos de Hesíodo, especialmente em Os Trabalhos e Dias que vêm preencher «o vazio que inspira melancolia na Ilíada»13. Em súmula, há duas mundivisões, então, quando atentamos na conduta dos habitantes do Olimpo. Na Ilíada os conflitos humanos são o resultado da constante intervenção dos deuses, que frequentemente usam os mortais para vingar as querelas no Olimpo (traições, insultos) e desejos na terra. Na odisseia existe uma lógica diferente. O herói é o último dono da sua vida.14No último caso controla a morte e desastres que poderão vir a trazer à sua vida, ao contrário dos “bodes sacrificiais” da Ilíada (como Pátroclo ou Páris). Como se tratam os deuses, eles retribuirão, poder-se-á afirmar (como no caso do pasto amado de Hélio que os companheiros de Ulisses matam para se alimentar encolerizando o deus). Na Ilíada não é assim tão simples. Os deuses quebram as tréguas entre os contendentes telúricos para reacender o conflito. Os humanos são meros joguetes dos caprichos divinos, sendo a vida curta e mal fadada para muitos. Na Odisseia a vida também o é, certamente, aleatória mas não tem de ser necessariamente curta; se for arguto, sagaz, forte e corajoso poder-se-á conquistar tudo o que os deuses atirem.

11

Cf. Ibid., pp 24: «Quando falamos de Zeus, dissemos que os seus subordinados nem sempre recebiam bem as suas ordens, pois, quando estas não eram de molde a satisfazê-los, revoltavam-se e protestavam ou tentavam enganar o deus supremo».

12

Cf. Beye, Charles R., The Iliad, the Odyssey and the epic traditions,pp 73: «The Odyssey needs few deities to counterpoint the human situation because the three major characters are logically associated with the same god, Athene. (…) The largest part of the narrative is the complex story of a man´s cunning in inserting himself subversively into a hostile environment, which by virtue of further cunning he destroys. There is no place for divine action here either. (…) Another factor in the diminishing

effectiveness of the Olympian Pantheon in the odyssey might very well be growing contemporary ideas of absolute and eternal justice.»

13

Cf. Ibid., pp 73 14

Atena não ajuda Ulisses a escapar dos ciclopes nem quando este tem de passar a provação de Cila e Caríbdis. Ao longo da epopeia tem de depender das suas habilidades e argúcia.

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Bibliografia

Louden, Bruce, (2006). 'Subgenres of Myth in the Iliad II'. In: The Iliad.

Structure, Myth and Meaning. 1ª ed. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.

pp. 207-241

Pereira, Maria Helena da Rocha, (1967). Estudos de História de Cultura

Clássica. Vol I, 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 79-105

Fortes, Alice A. S. (1923). Os deuses na Ilíada. (Tese de licenciatura em Filologia Clássica apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

Van Duzer, Chet A., (1996). 'Divine names, Saving Devices, and Dual Structures'. In: Daniel Garrison (ed), Duality and structure in the Iliad and Odyssey. 1ª ed. Nova Iorque: Peter Lang Publishing. pp.1-47.

Bespaloff, Rachel, (1970). On the Iliad. 1ª ed. Nova Jérsia: Princeton University. pp. 53-58;

Jebb, R. C., (1969). 'The Homeric World'. In: Homer : an introduction to the

Iliad and the Odyssey. 2ª ed. Nova Iorque: Kennikat Press. pp.52-53.

Beye, Charles Rowan, (1968). 'The Poet´s World'. In: The Iliad, the Odyssey and

the epic traditions . Londres: Macmillan. pp.63-74.

Fontes:

Homero, (2004). Ilíada. 3ª ed. Mem Martins: Publicações Europa-América. Homero, (2010). Odisseia. 8ª ed. Lisboa: Livros Cotovia.

Referências

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