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O medo da violência urbana e as representações sociais dos moradores de condomínios fechados : mitos e realidades

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

emPsicologia

LANDEJAINE RODRIGUES DA SILVA MACCORI

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

Dissertação de Mestrado

O MEDO DA VIOLÊNCIA URBANA E AS

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS MORADORES

DE CONDOMÍNIOS FECHADOS:

MITOS E REALIDADES

Autora: Landejaine Rodrigues da Silva Maccori

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros

Coorientadora:Profa. Dra. Divaneide Lira Paixão

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O MEDO DA VIOLÊNCIA URBANA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS MORADORES DE CONDOMÍNIOS FECHADOS:

MITOS E REALIDADES.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito para obtenção do titulo de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros.

Coorientadora: Profa. Drª. Divaneide Lira Paixão.

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7,5 cm 7,5cm

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB

03/10/2012

M129m Maccori, Landejaine Rodrigues da Silva.

O medo da violência urbana e as representações sociais dos moradores de condomínios fechados: mitos e realidades. / Landejaine Rodrigues da Silva Maccori – 2012.

185f. ; il.: 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2012.

Orientação: Prof. Dr. Vicente de Paula Faleiros Coorientação: Profa. Dra. Divaneide Lira Paixão

1. Violência urbana. 2. Opinião pública. 3. Condomínios. 4. Relações humanas. I. Faleiros, Vicente de Paula, orient. II. Paixão, Divaneide Lira, coorient. III. Título.

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“O olho não se vê a si mesmo; não podemos observar nada na penumbra subterrânea de nós mesmos. A nossa vida é com frequência a comedia em que fingimos modos de ser. Existe, sobretudo o contágio. A vida social penetra em nós de tal maneira que a maior parte de nossas inclinações não são senão produto de contágio”.

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MACCORI, Landejaine R.S. O medo da violência urbana e as representações sociais dos moradores de condomínios fechados: mitos e realidades. 2012. 184 f. Dissertação (Mestrado Psicologia) – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.

A justificativa deste estudo se deu em função do crescente fenômeno da condominização, que no atual contexto sociocultural, econômico e histórico, encontra-se ligado à expansão de espaços privatizados de segurança e às ideias de discriminação entre grupos sociais; bem como pelas repercussões que esse fenômeno causa na produção de sentidos que direciona o pensamento social rumo ao declínio dos espaços públicos que são considerados como o palco necessário para que haja o enfrentamento dos conflitos sociais e a concretização dos ideais da democracia. Teve por objetivo identificar as representações sociais sobre o medo urbano formuladas por moradores de condomínios fechados, e de que forma os conteúdos dessas representações são compreendidos, compartilhados na sociedade e utilizados como balizadores das atitudes desses moradores frente às normas de convivência e nas relações sociais. A amostra foi de 285 moradores e gestores de condomínios, foi não probabilística, e por conveniência. A coleta de dados ocorreu em espaços públicos ou nos condomínios. A abordagem foi multimétodo de cunho qualitativo e quantitativo. Os instrumentos utilizados foram questionários de associação livre de palavras e escalas de atitudes. Na análise dos dados foram utilizados três softwares: “R” versão 2.14.2, SPSS 17.0 (Statistical Package for Social Sciences) e o EVOC (Ensemble de programmes permettant l' analyse des évocations). O primeiro foi utilizado na análise de dados sócio-demográficos. O SPSS 17.0, foi utilizado na análise das escalas de atitudes, nas quais os participantes revelaram índices incompatíveis com o almejado para a boa convivência social. O EVOC, por sua vez, organizou a estrutura das representações sociais do medo urbano com o núcleo central comum formado pelos seguintes elementos: violência, insegurança e assalto. As análises dos resultados demonstraram que os participantes entendem a violência entrelaçada com aspectos de segurança proporcionando a ancoragem de novas práticas de defesas, entre elas, um mito de segurança, que leva à opção por novos habitats fechados. Os condomínios fechados se multiplicam ensejados pelos discursos ideológicos, do mercado imobiliário e de segurança. Neste contexto, ignora-se a verdadeira gênese da violência, a qual se fundamenta, de fato, é na ausência da relação social que rompe com o pacto social e compromete os ideais democráticos. Sugere-se que o próprio espaço do condomínio possa vir a ser o lócus de intervenções destinadas a mudar o sentido da força tensional do medo urbano, que hoje separa e isola as pessoas, em uma força que possa vir a canalizar a união e a solidariedade.

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The rationale of this study was due to the growing phenomenon of condominização that the current socio-cultural, economic and historical, is linked to the expansion of space privatized security and the ideas of discrimination between social groups, as well as the repercussions that phenomenon causes the production of meanings that directs social thought toward the decline of public spaces which are considered as the stage necessary for there to be the face of social conflicts and the realization of the ideals of democracy. Aimed to identify the social representations about the fear expressed by urban residents of gated communities, and how the contents of these representations are understood, shared and used in society as makers of the attitudes of those residents facing the norms of coexistence and social relations. The sample of 285 residents and managers of condominiums, was not probabilistic, and for convenience. Data collection occurred in public spaces or in condominiums. A multimethod approach was a qualitative and quantitative. The instruments used were questionnaires of free association of words and attitudes scales. In the data analysis software were used three "R" version 2.14.2, SPSS 17.0 (Statistical Package for Social Sciences) and EVOC (Ensemble Programmes permettant l'analyze des evocations). The first was used in the analysis of socio-demographic data. SPSS 17.0 was used to analyze the scales of attitudes, in which participants showed inconsistent with the desired indices for good social. The EVOC, in turn, organized the structure of social representations of urban fear with the common core consists of the following elements: violence, insecurity and assault. Analysis of the results showed that the participants understand the violence intertwined with safety aspects providing new means of anchoring defenses, among them, a myth of safety, leading to new option for closed habitats. The gated ensejados multiply by ideological discourses, real estate and security. In this context, it ignores the true genesis of violence, which is based in fact, is the absence of social relationship that breaks the social compact and undertakes democratic ideals. It is suggested that space itself condominium might be the locus of interventions designed to change the direction of the tensile strength of urban fear, that now separates and isolates people in a force that might channel the unity and solidarity.

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Figura 1- Ilustração de um condomínio do tipo tradicional vertical ... 21

Figura 2- Ilustração de um condomínio do tipo clube vertical. ... 22

Figura 3- Ilustração de um condomínio do tipo horizontal de casas. ... 23

Figura 4 – Exemplo do uso da força, e a imposição unilateral da jurisdição ... 25

Figura 5 - Exemplo de propaganda mediadora entre a cultura e a economia. ... 34

Figura 6 - Exemplo de propaganda mediadora entre a cultura e a economia. ... 35

Figura 7- Exemplo de propaganda mediadora entre a cultura e a economia. ... 36

Figura 8-Exemplo dos efeitos negativos das propagandas mediadoras atuando entre a cultura e a economia na formação de imaginários . ... 38

Figura 9- Exemplo dos efeitos negativos das forças tensionais do medo direcionando o comportamento da população. ... 39

Figura10 - Ilustração da fachada de um condomínio do tipo vertical clube exemplificando o cercamento de um espaço dentro de uma área pública. ... 42

Figura11 - Ilustração da fachada de um condomínio do tipo horizontal de casas exemplificando o cercamento de um espaço dentro de uma área pública. ... 43

Figura12 a - Figura de Jornal apresenta dados sobre como a violência avança, amedronta e custa caro ao Distrito Federal... 154

Figura12 b - Figura de Jornal apresenta dados sobre como a violência avança, amedronta e custa caro ao Distrito Federal... 155

Figura13 a - Figura de Jornal apresenta dados sobre como a violência avança, amedronta e custa caro ao Distrito Federal... 156

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Tabela 1 -1º Subgrupo - Moradores de condomínio vertical tradicional. ... 113

Tabela 2 – 2º Subgrupo - Moradores de condomínio horizontal de casas. ... 120

Tabela 3 – 3º Subgrupo - Moradores de condomínio vertical clube. ... 125

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INTRODUÇÃO ... 13

PARTE 1 - REFERENCIAL TEÓRICO ... 20

CAPITULO 1 - CONDOMÍNIOS FECHADOS UM FENÔMENO EM EXPANSÃO ... 20

1.1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS ... 20

1.1.1 O Conceito geral de condomínio ... 20

1.1.2 O Conceito de condomínio tradicional ... 21

1.1.3 O conceito de condomínio clube ... 22

1.1.4 O conceito de condomínio horizontal ... 23

1.2 UM NOVO FENÔMENO: CONDOMÍNIOS FECHADOS. ... 24

1.3 MÍDIA E IDEOLOGIAS DE EXPRESSÃO EXTREMA. ... 31

1.4 MITO E REALIDADE: A VIDA EM CONDOMÍNIO TAL COMO ELA É. ... 41

1.5 EFEITOS DA PÓS-MODERNIDADE... 47

1.6 CONCILIAÇÃO ÉTICA: O CONDOMÍNIO COMO ESCOLA DE CONVIVÊNCIA 50 CAPITULO 2 - QUESTÕES TEORICAS RELEVANTES A PARTIR DA LITERATURA ... 53

2.1 A FORÇA TENSIONAL DO MEDO VERSUS O IDEAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO ... 53

2.2 A VIDA COLETIVA SOB A LENTE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS. ... 57

CAPÍTULO 3- A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ... 62

3.1 CONTRIBUIÇÕES DE DURKHEIM ... 62

3.2 CONTRIBUIÇÕES DA ESCOLA DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS EM GENEBRA ... 64

3.3 CONTRIBUIÇÕES DE MOSCOVICI ... 71

PARTE 2 - DELINEAMENTO METODOLÓGICO ... 77

1 OBJETIVOS ... 77

1.1 OBJETIVO GERAL ... 77

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 77

2 MÉTODO ... 78

2.1 INSTRUMENTOS UTILIZADOS ... 80

2.2 PARTICIPANTES ... 84

2.3 PROCEDIMENTOS DA COLETA DE DADOS ... 85

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3.2 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS - QUESTIONÁRIOS DE QUESTÕES

FECHADAS / ESCALAS DE ATITUDES ... 100

3.3 APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS – QUESTIONÁRIOS DE ASSOCIAÇÃO LIVRE ... 112

4 DISCUSSÃO: A CONFIGURAÇÃO DO MEDO URBANO ... 135

4.1 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS – QUESTIONÁRIOS SÓCIO-DEMOGRÁFICOS E ESCALAS DE ATITUDES ... 135

4.2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS – QUESTIONÁRIOS DE ASSOCIAÇÃO LIVRE - “MEDO URBANO”: ESTRUTURA E CONTEÚDO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL ... 138

4.2.1 Representações Sociais - Conteúdos do Medo e da Insegurança Diante dos Fatos Violentos ... 149

4.2.2 Representações Sociais - Direcionamento das Práticas e das Condutas e o entrelaçamento de conteúdos da violência e da segurança ... 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 158

REFERÊNCIAS ... 165

APÊNDICE A- Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 171

APÊNDICE B-Questionário de Coleta de Dados Sócio-Demográficos ... 173

APÊNDICE C-Teste de Associação Livre ... 174

APÊNDICE D-Questionário de Questões Fechadas e Abertas... 175

ANEXO A - PERFIL DOS PARTICIPANTES ... 178

ANEXO B - OPINIÃO DOS MORADORES QUANTO À CONCORDÂNCIA E RESPEITO DAS NORMAS ... 179

ANEXO C - OPINIÃO DOS MORADORES POR TIPO GÊNERO ... 180

ANEXO D - OPINIÃO DOS MORADORES QUANTO À RESPONSABILIDADE POR TIPO DE CENÁRIO DE CONDOMÍNIO ... 181

ANEXOS E - OPINIÃO DOS MORADORES QUANTO À RESPONSABILIDADE, POR GÊNERO ... 182

ANEXO F ENTREVISTADOS, SEGUNDO SUA PERCEPÇÃO DE RESPONSABILIDADE. ... 183

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INTRODUÇÃO

Faz-se importante destacar a existência de três principais relações que formam uma sociedade: a relação com a natureza, que funda as relações econômicas (matéria-prima, produto, mercado); a relação entre os homens, que funda as instituições sociais (do núcleo familiar até o sistema jurídico e político); e, a relação com os sentidos, inseridos nas ideologias, nos valores, na cultura e na moral de determinada sociedade (GEERTZ, 1989) – aspecto em destaque no presente estudo. São estas relações com os sentidos que constituem o objeto de estudo em pauta.

Propondo-se um olhar em direção aos sentidos – onde o medo urbano tem estruturado nas sociedades – pode-se dizer que o atual contexto sociocultural e histórico em que vive a humanidade, denominado por alguns autores (BAUMAN, 1998, HALL, 2006) como ‘pós-modernidade’ ou ‘período pós-industrial’, está marcado por características de um evidente paradoxo, que traz o desconforto de uma dissonância cognitiva entre duas opiniões ou crenças diferentes entre si, e que não se encaixam uma com a outra: Viver de acordo com os sentidos preconizados pelo ideal moderno democrático que permite a vida pública; ou, viver de acordo com as tendências da pós-modernidade que preconizam a vida privada como defesa das ameaças que emergem no compartilhamento de espaços na diversidade?

Segundo Hall (2006, p.32), ao analisar a identidade cultural na pós-modernidade, tem-se a “[...] figura do individuo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano de fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal”, ou seja, faz-se presente aquele indivíduo que se torna uma presa fácil diante de influências de dominação e direcionamentos de processos mentais constitutivos do pensamento social.

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equilíbrio necessário para a eliminação das ameaças do medo. Ameaças estas que podem ser acarretadas por elementos reais, simbólicos, culturais e/ou tecnológicos, mas que, quando prevalecem, indubitavelmente, têm acarretado o enfraquecimento dos valores sociais e o crescimento de consequentes desejos de separação e de isolamento que contribuem para o não atendimento das necessidades afetivas do homem, tendo em vista o quadro de ausência da vida solidária que emerge no contexto das sociedades e que compromete o ideal moderno de democracia (BAUMAN, 2009).

O ideal moderno democrático – aqui entendido como um dos polos de formação de sentidos e que atua rumo ao compartilhamento de opiniões e crenças que estruturam e organizam as sociedades na instituição de uma cidadania plena – possibilita a conciliação ética entre o civil (direitos individuais) e o cívico (deveres para com o bem público). Tal conciliação ética exige um sábio equilíbrio intra e interpessoal para a harmonização entre dois distintos espaços – o público e o privado – pois o predomínio excessivo de um polo pode inviabilizar o outro (VIEIRA, 2009).

O outro polo aqui considerado é o atual contexto sócio cultural e histórico: a era da pós-modernidade ou fase pós-industrial do capitalismo. Fase produtora de sentidos impregnados de ideias de fragmentação, individualismo, entre outros; os sentidos que acarretam a socialização advinda principalmente dos interesses capitalistas de mercantilização dos espaços públicos urbanos privativos, que simbolizam como metáfora, a dimensão do medo estruturado por conteúdos culturais e pelo valor da proteção patrimonial (BAUMAN, 2009).

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violência urbana está sob controle (CALDEIRA, 2000; MOURA, 2006; BAUMAN, 2009).

Diante das proposições apresentadas, percebe-se a configuração de sentidos que dão rumo a identidades e às representações sociais que favorecem o surgimento de novas estruturas sociais. Surgem, através das ideologias e dos valores, um novo contorno e uma nova forma de espacialidade urbana: estruturas urbanísticas que traduzem o declínio do espaço público e que afastam a população da concretização da cidadania plena. Torna-se evidente o enfraquecimento de valores sociais e o acirramento das questões relacionadas à violência urbana. Compõe-se um cenário, que desperta o medo: são os sentidos que constroem e atuam na produção de valores sociais específicos do tempo presente (JAMENSON, 1997; CALDEIRA, 2000; BARRY, 2003;BAUMAN, 2009).

Para a compreensão da produção de valores sociais, atitudes e comportamento humano, o presente estudo se desenvolve sob a égide da Teoria das Representações Sociais (TRS) apresentada por Moscovici (1961), e pressupõe um metassistema de regulações sociais que intervém no sistema de funcionamento cognitivo. Portanto, o sistema social/normativo fornece os conteúdos e regula normativamente as representações sociais (RS) que são operadas pelo sistema cognitivo. Desse modo torna-se importante o estudo tanto dos conteúdos quanto dos processos cognitivos dos pensamentos que estruturam as representações sociais.

As representações sociais, entendidas como um conjunto de informações, de crenças, de opiniões e de atitudes a propósito de um dado objeto social, quando organizadas, estruturam-se e constituem-se num sistema sociocognitivo específico que determina os conteúdos de pensamento que direcionam as ações, o comportamento e o modo de agir na vida social (ABRIC, 1998).

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integridade física, contra a vida, e contra o poder de consumo dos que estão dentro do ambiente fechado.

Assim, o sistema cognitivo compartilhado de determinados grupos elabora um conteúdo de pensamento que pressupõe a presença de perigo nas aproximações sociais e no uso de espaços públicos compartilhados com aqueles que são considerados os excluídos do poder de consumo, ou seja, junto com os diferentes. Surge o medo, a insegurança e a desconfiança em relação àqueles que não conseguiram ficar dentro dos padrões sociais de consumo estabelecidos na sociedade.

O medo é composto pela manifestação de forças de ordem natural ou humana. Para amenizá-lo, a mente cria elementos de fuga da realidade na qual este se encontra. O temor das adversidades leva o ser humano a criar elementos que demonstrem domínio dessas adversidades no meio natural, ou seja, a proteção diante do caos. Os condomínios fechados passam a simbolizar as fortalezas que protegem a vulnerabilidade humana. Isto é, passam a figurar um mito de segurança, instituído em tempos de pós-modernidade. São as muralhas, os muros, as cercas vivas, a proteção de câmeras 24 horas, ou seja, são e representam as maneiras de se tentar manter controladas as ameaças que estão nos espaços abertos, externos (CALDEIRA, 2000;ALMEIDA, 2006; GALINKIN, 2006; BAUMAN, 2009).

Ressaltando-se, por outro lado, que o medo, desde sempre, consiste em elemento integrante da vida em sociedade, desde os primeiros agrupamentos humanos até os dias de hoje, o medo urbano, por sua vez, é indubitavelmente um termo complexo, que indica mais que um problema social, político, econômico, tecnológico, cultural e simbólico: é real, concreto e reconhecidamente assustador. Embora a violência seja objeto de fundo desse trabalho ela não se constitui o elemento central de pesquisa, por isso, não será discutida aqui.

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respeito, frente às normas de convivência social determinadas pelo Regimento Interno que organiza as relações sociais em tais espaços?

Acredita-se que devido às pressões exercidas pelo medo urbano, a expressão pública de atitudes preconceituosas de discriminação das diferenças, tem se camuflado em formas indiretas de violação de normas sociais – menos visíveis – e que podem ser legitimadas, desde que sejam praticadas em prol da aceitável defesa da própria segurança e do bem estar social.

Preocupados também com o atual processo de transformação social, e mais diretamente atentos, ao fenômeno da condominização e à formação acadêmica de gestores condominiais, pautada em valores sociais e humanistas, surge na cidade de Brasília (DF), no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), o primeiro Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Condomínio, que se tem notícia no Brasil, cuja coordenadora do curso é também a autora da presente pesquisa, e propõe a participação de alunos do referido curso no desenvolvimento da mesma.

O presente estudo, objetiva por meio do SINDICONDOMINIO (DF) – instituição onde a autora da pesquisa ocupa a função de Diretora de Educação – subsidiar a proposta de um Anteprojeto de Lei Orgânica sobre a oficialização de tais espaços condominiais fechados, como locus de “Escola de Desenvolvimento da Cidadania”, na perspectiva de humanização da convivência social interna nos condomínios, fato que, consequentemente, se refletirá na formação cidadã e no processo democrático da vida nas cidades.

Seria, um sonho, ou talvez uma realidade. Não se sabe bem ao certo, mas, porém uma convicção é certa: é um começo, é uma tentativa de transformar o próprio veneno em antídoto, ou seja, procurar inverter a direção das forças do medo urbano que hoje separa e isola as pessoas, em forças que possam canalizar a união e a solidariedade em busca do verdadeiro germe da violência que hoje assola a vida urbana.

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específicos: descrever o perfil sócio-demográfico dos participantes moradores pesquisados para melhor compreensão do pensamento social desses grupos; buscar compreender a estrutura e o conteúdo das representações sociais do medo urbano reveladas pelos participantes. Ainda procurar identificar os princípios organizadores subjacentes dos posicionamentos dos participantes moradores de condomínios no campo representacional do medo urbano, e analisar, se possivelmente esses princípios, exercem algum tipo de influencia sobre as atitudes dos mesmos frente às normas de convivência social nesses ambientes.

Assim, na primeira parte do trabalho serão abordados três capítulos, o primeiro capítulo abordará a perspectiva teórica sobre discussões que envolvem a conceituação de condomínios e suas várias nuances em termos de sua utilidade e de sua concepção que é influenciada e determinada por forças de discursos ideológicos advindos das tendências do atual momento sócio histórico e cultural. Também será abordada a possibilidade de apropriação desses novos espaços de convivência, os condomínios, como lócus para serem transformados em escolas de convivência social, que possam reverter em benefício de humanização das cidades, passando pelo condomínio.

Ainda, na primeira parte do trabalho o segundo capítulo abordará a perspectiva teórica sobre discussões que envolvem a força tensional do medo versus o ideal do estado democrático, sinalizando para a encruzilhada, o paradoxo, que se vive na contemporaneidade em termos da obtenção de bons resultados na pacificação de relações sociais integrativas.

Ainda, na primeira parte do trabalho o terceiro capítulo abordará a perspectiva teórica sobre discussões que envolvem as contribuições do precursor da teoria aqui abordada: Émile Durkheim; e contribuições da própria Teoria das Representações Sociais, na figura de seu fundador Serge Moscovici, e contribuições das abordagens estrutural de Abric, e Societal de Doise.

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pensamento social dos participantes diante do medo urbano, mediante a abordagem estrutural que permite uma visão constituída desse pensamento social, e a abordagem societal, que foi utilizada em parte nesse estudo, e que permite uma visão constituinte desse pensamento social.

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PARTE 1 - REFERENCIAL TEÓRICO

CAPITULO 1- CONDOMÍNIOS FECHADOS UM FENÔMENO EM EXPANSÃO

1.1 DEFINIÇÕES E CONCEITOS

1.1.1 O Conceito geral de condomínio

O condomínio foi instituído no Brasil pela Lei n°. 4.591, em 1964. Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, a palavra “condomínio” é definida como o “domínio exercido juntamente com outrem”. A propriedade, portanto, possui vários donos, os quais são chamados de coproprietários ou condôminos – expressa a ideia, em sentido técnico, do direito exercido por mais de uma pessoa sobre o mesmo objeto. No presente estudo, utilizar-se-á a referida denominação para designar o direito exercido pelas pessoas sobre suas unidades privativas e sobre as dependências de uso comum de edificação construída sob a forma de condomínios dos tipos: tradicional de apartamentos vertical, clube de apartamentos vertical e horizontal de casas – definidos a seguir.

O condomínio é formado por um grupo de pessoas que deve ser regido conforme as Normas de Convivência Social, ou seja, por uma convenção – o conjunto de normas do condomínio, que constitui a sua lei interna; deve ser elaborada de acordo com as normas legais, por escrito e aprovada em assembleia por proprietários que representem, no mínimo, 2/3 das frações ideais. A convenção, depois de registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente, deve ser obedecida por todos os moradores, não podendo, contudo, ser contrária à legislação em vigor.

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1.1.2 O Conceito de condomínio tradicional

No presente estudo, entende-se por condomínio do tipo tradicional vertical, por exemplo, as edificações que compõem o projeto estrutural do Plano Piloto na cidade de Brasília, Distrito Federal (DF). São edifícios onde as unidades de apartamentos se alojam umas sobre as outras, no formato chamado vertical, com edifícios compostos de, no máximo, 06 (seis) andares. Cada unidade de apartamento usufrui privadamente de seu espaço interno e compartilha alguns espaços comuns e equipamentos, tais como: o terreno de ocupação, o pilotis, o subsolo – onde ficam as garagens, os elevadores, os carrinhos de compra, os coletores de lixo –, além dos equipamentos de combate a incêndios, dos equipamentos de segurança e monitoramento 24 horas, dos halls de entradas, corredores, portarias, casas de máquinas, escadas, abastecimento de água, luz e gás, esgotos, etc.

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1.1.3 O conceito de condomínio clube

Considera-se como condomínio do tipo clube vertical, por exemplo, as edificações que compõem o projeto estrutural da cidade de Águas Claras (DF). São condomínios de maior complexidade, onde as unidades de apartamentos se alojam umas sobre as outras, no formato chamado vertical, com edifícios variando entre 15 (quinze) e 20 (vinte) andares cada um, com média de 150 (cento e cinquenta) unidades de apartamentos por condomínio. Estruturam-se em terrenos variando de 3.600m² a 5.800m², com uma, duas ou mais torres de apartamentos. Cada unidade de apartamento usufrui privadamente de seu espaço interno e compartilha alguns espaços comuns e equipamentos, tais como: o terreno de ocupação, o subsolo – onde se localizam as garagens, os elevadores, os carrinhos de compra, as cercas, os coletores de lixo –, além dos equipamentos de segurança e monitoramento 24 horas, de combate a incêndios, os halls de entradas, corredores, portarias, casas de máquinas, escadas, abastecimento de água, luz e gás, esgotos, etc. Seus moradores ainda compartilham de um complexo de serviços dentro de suas dependências internas, como por exemplo, áreas completas de lazer e esporte, como se fosse um verdadeiro clube.

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1.1.4 O conceito de condomínio horizontal

Entende-se por condomínio do tipo horizontal de casas, por exemplo, as edificações que compõem o projeto estrutural das regiões denominadas “condomínio”, em oposição ao termo “loteamento”, para designar subdivisões de glebas rurais para fins de registros e construção de residências com características eminentemente urbanas (MOURA, 2010), tais como: chácaras do setor Park Way, Quintas da Alvorada, etc. São condomínios compostos por um terreno fechado, de posse de 02 (duas) ou mais casas de padrão popular ou elevado em termos do numero de dependências e do poder de consumo de seus moradores. Apresentam maior complexidade em relação à necessidade de cercas, equipamentos de segurança, monitoramento 24 horas e vigilância armada. As unidades de casas se alojam próximas umas em relação às outras, no formato chamado horizontal. Cada unidade habitacional usufrui privadamente de seu espaço interno e compartilha alguns espaços comuns e equipamentos, a saber: o terreno de ocupação, os carrinhos de compra, as cercas, os coletores de lixo, os equipamentos de segurança e monitoramento 24 horas, o serviço de vigilância armada, de combate a incêndios, o hall de entrada, as portarias, as casas de máquinas, o abastecimento de água, luz e gás, esgotos, inclusive, na maioria dos casos, com os serviços básicos de coleta de lixo, e outros, sendo de responsabilidade dos próprios moradores e não dos serviços públicos locais.

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1.2 UM NOVO FENÔMENO: CONDOMÍNIOS FECHADOS.

No atual contexto sociocultural e histórico a impotência da população diante dos aspectos da violência urbana tem levado a uma tendência crescente do agrupamento de pessoas para viver, comprar, se divertir, trabalhar ou fazer uso dos serviços em espaços coletivos de copropriedade, ou seja, em condomínios – tendência que tem sido observada como um fenômeno de segregação e divisão de fronteiras, capaz de garantir acesso ao alcance de objetivos coletivos, tais como: qualidade de vida, segurança física e patrimonial, redução de custos financeiros, uso do ‘verde’ e de recursos da natureza (CALDEIRA, 2000; BAUMAN, 2009).

Nesta perspectiva, o que se observa é que a vida interna dos condomínios fechados tem sido marcada por transgressões de normas e pela dificuldade ao respeito dos direitos do outro. Cresce acentuadamente o número de abertura de processos judiciais motivados por relações de vizinhança na convivência social, onde se solicita a questão dos direitos violados – desde a liberdade em se ter um animal de estimação até agressões, físicas, morais e psicológicas.

Nesse contexto, observa-se que não há mediação pacífica do conflito entre vizinhos, as decisões não são integrativas, do tipo, onde todos saem ganhando, onde haja um acordo, um pacto social. Percebe-se o uso da força, a imposição unilateral da jurisdição. Fato que acarreta a insatisfação, o rompimento de relações e o desejo de separação e isolamento entre as pessoas.

As negociações integrativas envolvem diversas questões. No ambiente competitivo torna-se mais difícil para as partes alcançarem um bom resultado, devido à omissão ou distorção de informações ou a manobras para adquirir poder de influência. No ambiente colaborativo, em que ambas as partes são mais transparentes na divulgação de seus interesses, limites e prioridades, são criadas as condições ideais para uma solução ganha-ganha.

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O que se deve analisar no referido contexto é que há uma dificuldade de aceitação e de respeito ao direito do outro. Em relação a tal aspecto, observa-se em pesquisa realizada por Faleiros (2004), que na cidade de Brasília, os jovens que apresentavam dificuldades de entender os direitos dos outros, de forma social e natural, acabavam por entender através de uma norma, como a positividade ou a juridicidade dos direitos humanos. Entende-se o fenômeno moderno da positivação como uma condição mínima necessária de validade (força motora de convicções racionalmente motivadas) e facticidade (coação de sanções exteriores), para se ter o suficiente – que permita o fluxo das relações sociais. Assim, se um ato de violência não puder ser impedido em sua perpetração, que pelo menos, o agente de tal ato seja punido, ou seja, que o referido ato de violência se torne passível de sanção estatal (ROMÃO, 2004).

A multiplicidade de formas de violência urbana tem sido, no atual contexto, grande motivo de preocupação social. Alguns autores, como por exemplo, Velho (1989, 2002, 2006, 2008); Geertz (1989); Giddens (1991); Hall (1993); Jamenson (1997); Bauman (1998, 2001, 2003, 2009); Caldeira (2000); Doise (2001); Barry (2003); Faleiros (2003, 2004, 2007); Romão (2004); Almeida (2006); Arcoverde (2006); Galinkin (2006); Moura (2006, 2010); Delicato (2007); Bortollo (2009); Touraine (2009), refletem sobre as relações sociais que constroem e estruturam o pensamento social; que o mantêm ou o transformam. Dentro do atual processo de transformação social, o mundo vem sendo marcado pelo fenômeno da ‘condominização’, como uma nova forma de distribuição segregativa dos espaços urbanos destinados para morar, trabalhar e comprar (CALDEIRA, 2000).

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evidenciar que o conceito de violência adotado no presente estudo, para fins de análise da convivência social, é aquele descrito por Yves Michaud (1989, apud ALMEIDA, 2006, p. 9), a saber:

A designação de determinado ato como violento se reporta, necessariamente, às normas, aqui entendidas como conjunto de regras e esquemas de conduta, sustentadas como princípio de referência para uma sociedade ou mesmo para um grupo. É a não observância ou a transgressão dessas normas que tende a ser significada como violência, implicando sanções explícitas ou implícitas pela sociedade ou pelos grupos. Assim, da mesma forma que há uma enorme diversidade de normas, haverá, também, uma enorme diversidade de violências possíveis.

O sentido que tem sido dado à violência e os motivos pelos quais o medo da violência tem orquestrado, comandado e direcionado a distribuição dos espaços urbanos tem sido motivo de estudos e análise. Faleiros (2004) destaca que a violência, quando é extremamente pulverizada ou rotineira, tende a se tornar banalizada e diluída, até mesmo aceita e legitimada por uma cultura de que uma violência justifica a outra, de ruptura dos limites sociais da convivência e da cidadania.

Faz-se importante destacar a existência da violência enquanto violação de normas, e que em cada sociedade ou em cada cultura, ao longo de sua história, em uma eterna organização e atribuição de sentido ao mundo, os membros da sociedade vão determinando o conjunto de valores e práticas uns em detrimento dos outros, que vão dando corpo e definindo a vida social, como esta deve se processar. Tal movimento permite aos membros da sociedade nomear o que deve ou o que não deve ser entendido como violência. Portanto, é dentro de uma instrumentalização simbólica que a sociedade atribui sentido a uma diversidade de objetos e coloca à sua margem aqueles indivíduos que por algum motivo não se comportam ou não se enquadram nas normas estabelecidas.

Assim, aqueles que por algum motivo não se comportam ou não se enquadram nas normas estabelecidas ou no poder de consumo, vão ficando de fora dos muros de proteção nas cidades (CALDEIRA, 2000).

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desistência, por parte da população, em lutar para reestabelecer a ordem; de que há uma impotência, uma perplexidade diante dos acontecimentos, como se não houvesse mais o que fazer. Neste sentido, Almeida (2006, p. 10-11) ressalta:

Em suas mais diferentes instâncias, a sociedade tem sido chamada a mobilizar-se contra o que se tem convencionado denominar VIOLÊNCIA DIFUSA. Trata-se de uma violência que estaria permeando todo o tecido social, levando todos a se sentir ameaçados, dado tanto o caráter imprevisível quanto a forma que ela pode assumir, manifestar, o lugar onde possa ocorrer, a quem possa se dirigir ou quem possa praticá-la. Acreditamos estar diante de uma violência que se impõe como um ingrediente que orienta as práticas sociais do cotidiano, estas últimas orquestradas pela perplexidade e afinadas pelo medo e pela insegurança.

Diante do modo apresentado de pensar e agir da população, poder-se-ía, de acordo com Almeida (2006), afirmar que se vive atualmente na era da violência – uma era que coisifica e exclui os sujeitos sociais, onde se perde o sujeito da ação. De acordo com Arcoverde (2006, p. 34),

[...] vivemos tempos de perplexidade em que impera a lógica da exclusão e desenvolve-se a cultura da insensibilidade (proximidade física e distanciamento social): a precarização do trabalho, o desemprego estrutural, os inutilizados socialmente, a guetização das cidades, as atividades mafiosas, as violências, [..] o esvaziamento simbólico de pressupostos éticos como igualdade, liberdade e justiça social.

A sensação existente diante da ótica de Almeida (2006) e de Arcoverde (2006) é também preconizada por Galinkin (2006, p. 59-61) como

[...] uma nova noção de pessoa toma forma: o indivíduo cidadão, racional, livre, gozando do direito à diferença e protegido por leis universais que garantem os mesmos direitos a todos os cidadãos. Uma nova visão de mundo passa a orientar as ações dos sujeitos sociais. Nessa nova ordem social, a desconstrução do sentido de pessoa medieval, vinculada a uma forma de agrupamento social, dá lugar ao cidadão moderno e altera a maneira como as pessoas se percebiam. [...] o que se observou foi que o direito à diferença se transformou em desigualdades.

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diferente dentro de suas especificidades. Caso contrário, será gerada uma sociedade formada cada vez mais de agrupamentos sociais distintos.

Segundo Ueda (2006, apud BARCELLOS, MAMMARELLA 2007, p. 6), vários estudos tem revelado com frequência

[...] o aumento da sensação de insegurança e da violência urbana, aliadas à incapacidade do Estado em assegurar certos serviços considerados básicos como a segurança do cidadão; o desaparecimento do sentimento de comunidade, inexistente hoje nas grandes cidades e o aumento das desigualdades sociais. Encontramos ainda a questão do status social, vinculada à vontade de viver sob uma certa homogeneidade social por parte de alguns grupos sociais. Assim como o desejo de ter um maior contato com a “natureza” ou um estilo de vida diferente, o que levou os promotores imobiliários a desenvolver uma nova “moda” urbana influenciada pelos modelos de urbanização norte-americanos.

Conforme proposta de Barcellos e Mammarella (2007) entende-se que o cercamento voluntário que ocorre na formação de condomínios fechados surge como um fenômeno e uma resposta ao declínio dos espaços públicos nas cidades contemporâneas. A nova forma de urbanização feita de “enclaves” privados é também entendida como uma apropriação dos poderes em determinar a própria função que a cidade deve assumir. São manifestações que se opõem ao sistema de redistribuição que caracterizaria uma sociedade de ‘bem-estar’, tendo como pressuposto, de um lado, que a provisão pública de serviços é ineficiente e, de outro, que a construção do espaço “dominado/fechado” teria a capacidade simplificadora de resolver o problema da violência nas relações sociais.

Nesta perspectiva, de acordo com Barcellos e Mammarella (2007, p. 13):

[...] o condomínio fechado constitui-se no protótipo da forma acabada e territorializada da sociedade de consumo, uma vez que é uma idéia-modelo que se dissemina como ideal de moradia-vivência cotidiana não só dos ricos, mas de outras camadas sociais, sendo assumida inclusive pelo Estado.

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condominização. Segundo esses autores, o aparecimento dos muros, é como se fosse uma alternativa simbólica de dominar a violência. Porém, tal forma de domínio, segundo Caldeira, Moura , Barcellos e Mammarella, traz grandes efeitos nocivos – que impedem a livre circulação de pessoas impede a entrada de quem está do lado de fora e aprisiona quem está do lado de dentro, causando consequências para a sociedade como um todo: a exacerbação das diferenças. Surge, então, o medo de um mundo desconhecido, onde não se pode mais confiar nas pessoas ou saber quem são.

Retomando a questão dos direitos humanos de vizinhança e convivência social, segundo Romão (2004) o ser humano foi historicamente transportado de uma época onde as relações eram reguladas pela tradição e pelos costumes, para uma época da positividade, onde as normas são capazes somente de garantir validade e facticidade às relações sociais, mesmo contra fatos; e sem garantias sociais, que poderiam ser advindas das tradições e dos costumes. A positividade ou a juridicidade dos direitos humanos se firma como norte regulador do mundo, e não mais os costumes e as tradições que traziam como norte a palavra ‘confiança’, entendida como o amálgama incondicional para o estabelecimento de relações sociais.

Caldeira (2000), Moura (2006), Barcellos e Mammarella (2007) têm revelado que os moradores de condomínios fechados, no momento da

escolha do lugar de moradia, sonham e desejam um lugar ideal de morar e ser feliz. Um lugar de retorno nostálgico à época em que havia as relações sociais baseadas na ‘confiança recíproca’, época em que as pessoas se conheciam entre si, todos se falavam e trocavam favores (tudo dentro de um ambiente controlado).

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De fato, as regras e normas de civilidades, bem como o reconhecimento de direitos do outro, são o caminho para se obter a questão da ‘confiança’. Vale destacar que o desenvolvimento humano para o respeito às diferenças e à diversidade vale tanto para quem está fora como para quem se encontra dentro de um condomínio fechado.

1.3 MÍDIA E IDEOLOGIAS DE EXPRESSÃO EXTREMA

Sabe-se que a situação de crise, normalmente, acaba por favorecer a ascensão de novos grupos e de novos interesses capitalistas. Atualmente percebe-se a utilização da narrativa do ‘medo da violência’ como um instrumento de dominação por parte do capital imobiliário e do capital de equipamentos de segurança (CALDEIRA, 2000).

O medo da violência tem sido usado, conforme Wolf (1999, apud RIBEIRO, 2003. p. 275) em “ideologias de expressão extrema”, onde se mistura, invariavelmente, a vida e a morte, entrelaçando questões de poder com as ações existenciais do cotidiano e, assim, obtendo o direcionamento das estruturas.

As forças dominantes do poder estrutural, valendo-se de materiais culturais preexistentes, têm organizado no mundo, através da construção de imaginários, não só do ponto de vista do controle interno dos contextos onde as pessoas interagem, mas também têm controlado a própria distribuição e a organização dos espaços urbanos, passando a orquestrar a distribuição e a direção de como as pessoas devem viver,se organizar e se relacionar.

As ideologias de expressão extrema favorecem os donos do poder no sentido de abrir um maior espaço para que façam valer os materiais culturais pré- existentes (fragilidade do homem e o medo) no sentido de construir imaginários, onde tais donos do poder e suas propostas se tornem redentoras, salvadoras e irrefutáveis (WOLF, 1999 apud RIBEIRO).

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de fabricar uma verdadeira indústria cultural de consumo. É o próprio medo transformado em uma política de controle e repressão (BAUMAN, 2009; BARRY GLASSNER, 2003; CALDEIRA, 2000; JAMESON, 1997;).

Neste sentido, o espaço urbano e a vida pública, por terem se identificado com o espaço da violência simbolizada, e com o desrespeito aos direitos humanos de vizinhança, tendem a se declinarem e, em uma ordem inversa, os espaços privatizados e as diferenças sociais tendem a se consolidarem, surgindo assim, um grande desafio à democracia e à solidariedade, que perdem os seus espaços públicos de debate (CALDEIRA, 2000).

Passou a existir, segundo Jameson (1997), uma indústria voltada especificamente para a criação de imagens para bens de consumo e estratégias para a sua venda: a propaganda tornou-se uma mediadora essencial entre a cultura e a economia, e certamente pode ser incluída entre as inúmeras formas de produção estética. Segundo Jameson (1997), a imagem é tudo na sociedade do espetáculo. Esta nova forma de arte foi feita para o agora. É tida mais como um evento do que como um objeto durável e, assim, o efeito da imagem como estratégia para a venda tornou-se enorme aliada.

Ainda sob a ótica de Jameson (1997), é interessante destacar que o referido autor cita o pós-modernismo como uma lógica cultural do capitalismo tardio que se expressa através de imagens fragmentadas, desconexas, ou numa referência a Baudrilard, como simulacros (imagem substitui o real) que dominam a sociedade capitalista no estágio da globalização.

Ao analisar a sociedade contemporânea, Jameson (1997) demarca uma periodização cultural nítida, onde no momento do capitalismo tardio, vive-se a ascensão das mídias e da indústria da propaganda.

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vendem condomínios fechados impondo uma lógica à nova estética da segurança, propagando o lugar, pela mídia, como o ideal de morar, onde se pode retornar à nostálgica vida comunitária, à uma vida tranquila e feliz.

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O que se analisa das imagens, e conforme o acima apresentado é uma visão clara do direcionamento das forças dominantes do poder estrutural, que vêm controlando a própria distribuição e a organização dos espaços urbanos, passando a influenciar diretamente no imaginário de como as pessoas devem viver se organizar e se relacionar.

Ainda, na constatação de fatos relacionados à dominação da mídia e na analise desses contextos, abaixo serão exibidas algumas imagens, conforme as figuras, 8 e 9, que traduzem os efeitos negativos dessas forças tensionais que são utilizadas na formação do imaginário do medo da violência.

De acordo com Porto (2001, p. 340), a fórmula é simples e significa que o sistema legal não deve ser mais encarado com a perspectiva de que o poder precisa ser constituído e controlado. Passa-se a defender o poder discricionário e o uso imediato da violência. Na pesquisa sobre As representações sociais da violência no DF, coordenada pela autora, houve significativa convergência entre os respondentes, no sentido de apontar concordância em relação a uma questão que dizia: “a criminalidade chegou a tal ponto que é impossível para a polícia agir segundo as normas legais”, ou ainda a outra cujo enunciado é “todos falam em direitos humanos, mas para acabar com a criminalidade a polícia tem mesmo que matar bandido’’. Na prática, a prevalência da impunidade tende a colocar em ação uma espécie de lógica do “salve-se quem puder”, que coloca em questão as bases do contrato social.

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Figura 8- Exemplo dos efeitos negativos das propagandas mediadoras atuando entre a cultura e a economia na formação de imaginários .

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Figura 9- Exemplo dos efeitos negativos das forças tensionais do medo direcionando o comportamento da população.

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Conforme as reportagens apresentadas pode se verificar na forma de agir da população que existe supostamente um grande descontrole emocional como fruto do medo, da fragilidade do homem e da falta de esperanças na justiça. No caso da reportagem da médica que posicionou seringas infectadas com Human Immuno deficiency Vírus (HIV) penduradas no portão residencial, é interessante verificar o conteúdo do site no rodapé1do presente estudo, que expressa a opinião publica, via online, sobre a atitude da referida médica. O conteúdo ali expresso demonstra que muitos estão afetados por tais forças tensionais que direcionam o comportamento. Poucos manifestantes consideraram que a médica pudesse estar errada, ou que tivesse agido de forma indevida ou exagerada; a maioria dos manifestantes considerou que é assim que funciona: um indivíduo detém posse de uma arma, outro adquire uma cerca eletrificada, outro aciona ‘feras domésticas’, seguranças armados, circuito fechado, armadilhas, enfim, uma verdadeira guerra contra a criminalidade.

Percebe-se, assim, a formação de alternativas privadas para se viver com segurança, alegria, felicidade e tranquilidade. A segurança privada passa a ser ofertada como um objeto de consumo. Condomínios fechados ou bairros fechados tornam-se, então, uma alternativa popular. Observa-se a força dos meios de comunicação de massa constituindo as percepções que acionam o funcionamento do sistema cognitivo responsável pelo estabelecimento das relações sociais na vida urbana.

Glassner (2003 p. 30) “[...] responsabiliza a mídia jornalística pelo sentimento coletivo de medo [...]”. Segundo esse autor, a mídia bombardeia a população com histórias sensacionalistas idealizadas, a fim de aumentar os índices de audiência; ainda acrescenta que as principais causas de morte, como a doença cardíaca e a falta de boa dieta alimentar e exercícios físicos, recebem atenção bastante reduzidas.

Caldeira (2000), em pesquisa realizada na capital paulista, revela que o espaço urbano tem sido trabalhado a partir de uma narrativa do medo e de adoção de estéticas e tecnologias de segurança que procuram restabelecer a ordem através do espaço, em resposta a uma desorganização ocorrida ao longo da história.

1 Disponível em:

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Portanto, percebe-se que a hipótese da representação social que emerge, se associa bem com a ideia de que a violência pode ser controlada dentro do ‘espaço fechado’ e passa a ser solução para a violência que anda solta e sem controle, levando a crer que a resposta ao risco da violência não é a ausência dela, mas sim, uma forma controlada e conhecida de agir violentamente. Neste sentido, Moura (2006, p. 13) entende que: “[...] é importante ver a violência não como a causa da existência de condomínios, mas como uma linguagem simplificadora que localiza medos difusos”.

1.4 MITO E REALIDADE: A VIDA EM CONDOMÍNIO TAL COMO ELA É.

O ser humano, no atual momento sociocultural e histórico, parece viver um grande engano, ou seja, um grande ‘mito’: procura alcançar suas realizações caminhando na direção errada, andando equivocadamente na contramão de suas verdadeiras realizações, e tornando-se cada vez mais fragmentado e desprovido de segurança e de laços pessoais solidários. Opta-se, no presente estudo, pelo uso da expressão ‘mito versus realidade’, no sentido de atribuir como um mito, ou como uma falsa ideia, o divulgado imaginário de vida perfeita, segura e tranquila, idealizada em relação a viver em espaços fechados. Assim, tem-se o propósito de refletir se tal alternativa de isolamento e separação explica racionalmente a realidade de atendimento das necessidades do homem ou, do contrário, se retira deste a possibilidade de atingir realmente aquilo que mais necessita – abrir-se para conviver com o diferente e, consequentemente, com a possibilidade de construção de redes sociais (BAUMAN, 2009).

Faz-se, então, necessário apresentar um esboço da formação do mito aqui tratado. Caldeira (2000 p. 9), por intermédio de sua obra Cidades de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, destaca que a violência e o medo têm sido argumentos utilizados no processo de estruturação do pensamento social e nas transformações urbanas:

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São Paulo, Los Angeles, Johannesburgo, Buenos Aires, Budapeste, Cidade do México e Miami, diferentes grupos sociais, especialmente das classes mais altas, têm usado o medo da violência e do crime para justificar tanto novas tecnologias de exclusão social quanto sua retirada dos bairros tradicionais dessas cidades. Em geral, grupos que se sentem ameaçados com a ordem social que toma corpo nessas cidades constroem enclaves fortificados para sua residência, trabalho, lazer e consumo. Os discursos sobre o medo que simultaneamente legitimam essa retirada e ajudam a reproduzir o medo encontram diferentes referências (CALDEIRA, 2000 p. 9).

As proposições da autora levam à reflexão sobre a formação mítica simplificadora de segurança simbolizada através do espaço fechado e sobre o uso que o capital faz dos materiais culturais pré-existentes (fragilidade do homem e o medo), no sentido de construir os referidos imaginários, que levam os donos do poder e suas propostas a se tornar irrefutáveis. De tal forma, surge na população um sentimento de legitimação em relação ao cercamento e à apropriação dos espaços públicos, mesmo que seja de forma considerada ilegal – que deveriam ser abertos à circulação e utilizados por todos, passam a ser cercados e privatizados, de forma que somente os que se dispõem do poder de consumo podem acessar. A seguir, apresentam-se alguns exemplos, conforme Figuras 10 e 11, sobre a questão supramencionada.

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Figura 11 - Ilustração da fachada de um condomínio do tipo horizontal de casas exemplificando o cercamento de um espaço dentro de uma área pública.

Segundo Velho (1996 apud MOURA, 2006, p. 19), a separação de territórios pode levar à “ausência de um sistema de reciprocidade, minimamente eficaz, que se expressa em desigualdade associada e produtora de violência”. Em pesquisas recentes realizadas em condomínios na cidade de Goiânia, Goiás (GO), essa autora constatou em determinados casos, que “90% dos problemas de violência revelados, vinham de dentro dos próprios condomínios”, mas, isso não parecia assustar àqueles que residiam em tais espaços. Moura (2006, p. 20) também destaca um exemplo da capital fluminense, em que estudos nas favelas cariocas demonstraram que o uso de armas propicia a violência, e estabelece uma comparação com um guarda armado, prestando vigilância em condomínio – fato que não significa a diminuição de violência. “Talvez signifique um direcionamento da violência para quem “merece”.

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podem contribuir para a exclusão social, inibindo a construção de redes sociais que formam a base das atividades sociais e econômicas (BAUMAN, 2009).

Destarte, Caldeira (2000, p. 12) analisa o padrão da segregação urbana, apontando os condomínios fechados como produtores de

[...] um espaço que contradiz diretamente os ideais de heterogeneidade, acessibilidade e igualdade que ajudaram a organizar tanto o espaço público moderno quanto as modernas democracias. Privatização, cercamentos, policiamentos de fronteiras e técnicas de distanciamento criam um outro tipo de espaço público: fragmentado, articulado em termos de separações rígidas e segurança sofisticada, e no qual a desigualdade é um valor estruturante.

Mediante tal perspectiva, vale destacar que a cultura passa a ser o grande mediador na contemporaneidade – as formas culturais e simbólicas passam a organizar a economia e as relações urbanas. O novo estágio do capital – o tardio – é cultural, simbólico e linguístico. Portanto, nada mais lógico que seus atores sociais tenham o seu pensamento facilmente capturado, direcionado ou manipulado dependendo dos interesses que favorecem o poderio econômico.

Para Touraine (2009, p. 203), o que mais perturba na nova relação do homem com a sociedade é que:

[...] ele estava na posição de produtor, de criador de uma historicidade; ei-lo agora, não mais diante de uma natureza que ele transforma com suas máquinas, mas inteiramente incorporado a um mundo cultural, a um conjunto de sinais e de linguagens que não possuem mais referências históricas. Isso parece fragmentar definitivamente a idéia de Sujeito, sempre associada à de criação e mais amiúde ao trabalho da razão. Tudo se fragmenta, da personalidade individual à vida social.

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O que precede, suscita a analise de uma irrefutável realidade: a vida em condomínios tal como ela é, ou seja, como a vida dentro destes espaços fechados tem sido analisada e descrita pelos autores. Segundo Delicato (2007), viver em condomínios gera uma ordem difícil de ser aceita, que implica muita vigilância e disciplina, uma ordem que implica a noção de ‘panoptismo’ em Foucault, de ‘pan -óptico’– aquilo que permite uma visão total, diretamente relacionada à disciplina e à vigilância. Em suma, fatores que se mostram úteis para o entendimento dos aspectos fundamentais da organização funcional de um condomínio fechado.

De acordo com Delicato (2007), as normas estabelecidas para a convivência social em condomínios levam a crer que a aproximação das propriedades dá ensejo a inúmeros conflitos, em seus mais variados aspectos, onde urge, então, a necessidade de uma enorme gama de normas reguladoras a fim de que os proprietários possam coabitar de maneira saudável e salutar. Os livros de ocorrências diárias trazem elevados números de descrições sobre conflitos entre vizinhos. Conflitos que, para serem minimizados, requerem controle de imagens e monitoramento 24 horas. O lema de gerenciamento local torna-se uma eterna busca: encontrar uma maneira de fazer com que os moradores entendam que o direito de um termina onde começa o do outro. Para tal, a instituição de cada condomínio nasce sob a ótica de regras, direitos, deveres (Convenção/Código de normas) e exigências (Regimento Interno) que são inerentes às relações de coabitação, desenvolvendo-se, dentro de tal lógica, o difícil exercício de conciliar interesses diversos.

Assim, infere-se que a perpetuação do desejo de separação e isolamento vai de encontro com a necessidade de se estar próximo fisicamente – situação ocasionada pelo fator de vizinhança e pela proximidade interna das habitações em condomínios, ou seja, onde surge o incomodo de não ter como se esquivar da presença dos outros.

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incômodo de lidar com as diferenças. A população passa, então, a crer que o referido modo de vida existe, e que tal aspecto, idealizado, é considerado a melhor, a mais segura, e pode ser alcançada na vida em condomínios fechados e na proposta de aquisição de produtos diversos em um shopping center (comércio fechado e isolado das ruas).

Conforme Delicato (2007), tal situação deflagra em inúmeros casos de condomínios fechados, o ilusionismo compartilhado, dando a entender que a rua interna privada do condomínio substitui a rua pública antiga da cidade, naquele tempo em que se podia conversar nas portas das casas sem se preocupar com a segurança, reportando-se à vida comunitária da década de 1950.

Diante do quadro, pode-se presumir que, para o morador de complexos condomínios fechados, não deixará de ser um grande golpe de frustração perceber que, mesmo acreditando ter encontrado uma solução do ideal de moradia, o ideal de viver entre os iguais, ainda terá que lidar com a questão do público versus o privado e com o diferente. Mesmo estando dentro de sua propriedade privada, ainda terá que lidar com o comum, com aquilo que é dele, mas também é do outro. Portanto, se o desejo deste proprietário for de separação e isolamento, contrariamente, ainda terá que continuar lidando com a divisão e com o compartilhamento de espaços, com a proximidade dos vizinhos, com ruídos indesejáveis, com cheiros, com sexo ruidoso, com animais – mesmo que não os tenha, com crianças, etc. Neste sentido, Delicato (2007, p. 4) expressa que:

[...] a ilusão de viver junto e isolado é em parte mantida por um conjunto de aparatos que possibilitam um grande controle sobre tudo e todos no condomínio de forma camuflada. Aparentemente, os moradores percebem maior privacidade (no sentido de isolamento) quanto mais dissimulado for o esquema de vigilância interno e quanto mais ostensivo for o controle de acesso ao condomínio.

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visitas sem ter que informar com antecedência; espera poder fumar charutos sem receber advertências, caso incomode alguém; espera poder ouvir música até mais tarde; espera usar a churrasqueira exatamente no dia do aniversário, e não depois da data passada. Infere-se que os moradores de condomínios fechados levem a vida como se sofressem um constante movimento de forças paradoxais que exigem constantemente uma conciliação ética de forças opostas entre si, como se vivessem uma dança, um verdadeiro balé punsional de forças opostas – ou seja, os mitos e as forças da realidade.

1.5 EFEITOS DA PÓS-MODERNIDADE

O sociólogo e escritor Zygmunt Bauman (2009, p. 21-22) busca explicações para a questão do medo difuso que hoje se implantou nas cidades. Acrescenta o surgimento de duas marcantes características do indivíduo no atual contexto da pós-modernidade, ambas advindas de duas grandes reviravoltas iniciadas na Europa e depois difundidas para o planeta: a primeira, o fato de que hoje se vive a supervalorização do indivíduo (libertado das restrições da rede de vínculos sociais); e, a segunda, o fato da fragilidade e vulnerabilidade deste mesmo indivíduo, que agora sem os vínculos sociais, se sente “[...] desprovido da proteção que os antigos vínculos lhe garantiam [...], gerando insegurança e a ideia de que o perigo está em toda parte”.

Quando a solidariedade é substituída pela competição, os indivíduos se sentem abandonados a si mesmos, entregues aos seus próprios recursos – escassos e claramente inadequados. A corrosão e a dissolução dos laços comunitários nos transformaram, sem pedir nossa aprovação, em indivíduo de jure (de direito); mas circunstâncias opressivas e persistentes dificultam que alcancemos o status implícito de indivíduos de facto (de fato). Se, entre as condições da modernidade sólida, a desventura mais temida era a incapacidade de se conformar, agora, – depois da reviravolta da modernidade “liquida” – o espectro mais assustador é o da inadequação. Temor bem justificado, cumpre admitir, quando consideramos a enorme desproporção entre a quantidade e a qualidade de recursos exigidos por uma produção do tipo “faça você mesmo” (BAUMAN p. 21-22).

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que tem despertado a necessidade de reflexões sobre as relações sociais que se estruturam dentro da situação de medo difuso que vem se apresentando cotidianamente. Segundo Bauman (2009), o homem, ao adquirir maior direito de liberdade individual, perdeu seus apoios de redes sociais, tornando-se mais individualizado, fragmentado, isolado e fragilizado.

Na ótica de Bauman (2009), a dissolução da solidariedade representa o fim de uma época denominada modernidade “sólida” – uma época em que se podia contar com uma sólida administração das cidades e do medo. Uma época em que Caldeira (2000) diz que, apesar de haver versões contraditórias, há um consenso, e não se pode negar que o papel das cidades é oferecer livre circulação, abertura de ruas, uso público e espontâneo de praças e ruas; manifestações políticas, encontros impessoais e anônimos de pedestres; fazer compras; lazer de massas; olhar vitrines, sentar nos cafés, etc.

Dilacerada pela tensão do medo da violência urbana, Bauman (2005, p. 9) aponta que

[...] a classe média corre o risco de acabar vítima de um processo que não controla e não conhece, e de perder o bem-estar conquistado no decorrer das últimas décadas. Se essa é a dinâmica estrutural a que estão sujeitas as cidades, não surpreende que alguns especulem com o medo, transformando-o na base de uma política de controle e repressão.

Segundo Hall (2006, p. 32), ao analisar a identidade cultural na pós-modernidade, tem-se a “[...] figura do individuo isolado, exilado ou alienado, colocado contra o pano de fundo da multidão ou da metrópole anônima e impessoal”. Aquele indivíduo que se torna uma presa fácil, que sofre a influência de dominação e direcionamentos de processos mentais constitutivos do pensamento social.

No Brasil, em recente pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), os renomados cientistas políticos Souza e Lamounier (2010, p. 101) revelam o perfil da classe média brasileira, destacando suas ambições, valores e projetos de sociedade:

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estratos de baixa renda pelo crédito e o emprego. A oferta de educação e saúde pela rede pública dista muito de suas necessidades ou aspirações, e o crescimento da violência urbana lhe impõe uma vida social confinada a condomínios fechados e shoppings. Soma-se a isso o descumprimento generalizado das leis. Ter-se-á um quadro marcado ora pelo ressentimento, ora por sentimentos de impotência diante do que parece ser um permanente ataque às instituições e aos princípios morais que prezam.

Os referidos autores apontam que os medos modernos tiveram início com a redução do controle estatal (desregulamentação) e suas consequências individualistas. Quando os indivíduos sentem-se entregues aos seus próprios recursos e abandonados a si mesmos, passam a ver e a imaginar complôs, conspirações, maquinações hostis de um inimigo, como se o mesmo estivesse dentro de sua própria casa. Em um estudo direcionado, Souza e Lamounier (2010) afirma que 60% dos entrevistados têm medo de andarem sozinhos à noite, e 36% têm até medo de ficarem sozinhos à noite em casa. “A insegurança diante de um inimigo percebido como poderoso, onipresente e invisível” (NOVO, 2006, p. 39).

O processo de globalização vai se fechando em si mesmo, rompendo com o tradicional, criando uma nova ordem que se concretiza como um desafio para os governos e as políticas das cidades. Surge a perda do sentido de que é fundamental acolher os iguais e os diferentes, pois o reconhecimento do outro só é possível se a partir da afirmação que cada um faz de seu direito de ser sujeito. Portanto, o sujeito não pode se afirmar como tal sem reconhecer o outro como sujeito, ou seja, sem se livrar do medo do outro, que leva à sua exclusão (TOURAINE, 2009).

De acordo com Bauman (2009), a origem do medo que move as cidades muito tem a ver com o ‘divórcio’ entre as imposições globais que recaem sobre as cidades, porém, sem apresentar nenhuma forma de solução para as mesmas. Aquele autor destaca que tal sentimento gera a nível local um mal-estar que alimenta a lucratividade dos que oferecem seguranças particulares, câmeras de vigilância, condomínios fortificados, carros blindados e dispositivos que afastam os intrusos e indesejáveis.

Referências

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