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Lenda da Cidade de Braga

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Academic year: 2018

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Lenda de S. João e do Longuinhos

Pois conta a lenda que, há m uito tem po já, vivia nos arredores de Braga, perto do Bom J esus do Monte, o fam oso Longuinhos, senhor abastado e poderoso que m andava em toda a região. Quando Longuinhos passava, cavalgando o seu garboso ginete, os hom ens intim idavam -se um pouco, e as m ulheres — principalm ente as raparigas — ficavam a olhá-lo, com o que em adoração! E Longuinhos, consciente do seu poder e da sua força, não deixava os créditos por m ãos alheias. Com o nenhum outro, ele sabia atrair as raparigas. E levava sem pre consigo um bando enorm e de sorrisos e de esperanças que bastavam para anim ar qualquer rom aria da terra. Mas — caso singular — em bora rodeado e seguido pelas m ais lindas raparigas da região, nunca pelo cérebro de Longuinhos passou qualquer pensam ento

pecam inoso a respeito delas. Por isso era tem ido e respeitado. E o seu nom e evocava apenas confiança, alegria, bailaricos e descantes.

Porém , certo dia, Longuinhos sentiu que o seu coração se alvoraçava. Foi quando conheceu um a jovem cam ponesa, tão bela, tão fresca que dir-se-ia um a flor cam pestre beijada pelo Sol. Cham ava-se Rosinha, e nunca nom e algum fora tão bem posto a alguém . Longuinhos sentia que o seu pensam ento estava

irrem ediavelm ente preso à encantadora im agem que o seu coração guardava com o precioso tesouro.

Depois de hesitar algum tem po, tratou de saber quem era o pai de Rosinha. Fácil lhe foi descobri-lo. Era Pedro, um velho lavrador de m odos rudes, quase boçais. Longuinhos procurou-o certa m anhã. O prim eiro contacto tornou-se um tanto difícil; m as depois, posto ao corrente das intenções de Longuinhos, foi com verdadeiro júbilo que o velho Pedro ouviu da boca de hom em tão poderoso um a frase que testem unhava o m ais vivo interesse pela filha dum pobre lavrador: — Pois, senhor Pedro, fique sabendo que eu gosto m uito de sua filha!

Todavia, rude e m atreiro, o velho resolveu esconder a alegria que o tom ava de assalto, para tentar um pequeno golpe.

Franziu as sobrancelhas dum m odo quase teatral, e respondeu secam ente depois de alguns segundos de silêncio:

— Quem m anda na m inha filha sou eu! Ela casará com quem eu quiser! Que m e im porta que goste dela? Ela é m inha filha!

Um tanto desnorteado, Longuinhos atacou de novo:

— Senhor Pedro... Eu bem sei que o senhor é quem m anda na Rosinha... Por isso m esm o vim falar consigo. J á m e conhece com certeza... Sabe com o eu sou rico... Posso fazê-la m uito feliz!

(2)

— Quer levá-la, não é? E eu? Fico para aqui abandonado com o um traste velho, não?...

Longuinhos apressou-se a dizer:

— Que ideia! Dar-lhe-ei tam bém , a si, o dinheiro suficiente para viver sem privações.

O velho não disse palavra, m as um clarão de alegria ilum inou-lhe o rosto. Sentindo que o velho Pedro estava de antem ão conquistado, Longuinhos pediu-lhe com veem ência:

— Faça quanto puder para a convencer! Acredite que nun ca m ulher algum a m e interessou até hoje para m inha esposa... Só ela!

Então, o velho colocou a m ão no braço de Longuinhos e declarou:

— Esteja descansado! A Rosinha só fará o que eu lhe m andar. E quanto a nós... enfim , creio que nos entenderem os...

Um sorriso largo selou esse pacto de aliança. Contudo, quando um a hora m ais tarde o velho Pedro cham ou a filha e a pôs ao corrente da situação, esta olhou-o

alarm ada.

— Mas isso não pode ser, m eu pai! Bem sabe que não pode ser! Ele gritou-lhe:

— Cala-te! É preciso que não voltes as costas à fortuna! Ela torceu as m ãos no avental.

— Mas bem sabe que eu... O pai interrom peu-a furioso:

— Então não com preendes, filha, que m e estás a arruinar com a tua recusa? As lágrim as subiram aos olhos de Rosinha, enquanto um queixum e lhe subia aos lábios.

— Oh, m eu pai! Eu quero que m e desculpe, m as não posso... Não devo aceitar a proposta do senhor Longuinhos... O m eu coração já o dei...

O velho Pedro desfechou um m urro na tosca m esa de jantar.

— Cala-te! Não quero ouvir as tuas lam entações! Que m e interessa o teu coração?... Prom eti ao senhor Longuinhos que havias de ser sua m ulher, e hás-de sê-lo!... A resposta de Rosinha chegou tím ida, m as pronta:

— Só depois de m orta, m eu pai!

O velho olhou a filha de frente. Um a crispação estranha m udava-lhe as feições e punha na sua voz o tom desesperado da cólera m al contida.

— Filha ingrata! Eu que te tratei com tanto am or, tanto carinho! Pensei que serias sem pre a m inha protecção, a m inha ajuda! E agora que podias salvar o teu pai da m iséria… agora que m e poderias auxiliar pela prim eira vez… queres voltar-m e as costas, abandonar-m e... só por causa dum a jura que fizeste?!

As lágrim as, que teim osam ente assom avam aos olhos de Rosinha, desfilaram silenciosam ente pelo seu rosto aveludado. Mas o velho Pedro, que detestava silêncios e lágrim as, repetia furioso:

— Achas bem , não é assim ?... Valho m enos que um a jura?...

(3)

— O pai bem sabe que foi com o seu consentim ento que jurei no Bom J esus que casaria com o Artur!

Um berro fez estrem ecer a rapariga:

— Pois quebra a jura, já te disse! Sou eu que m ando! És m inha filha e tens de obedecer-m e! Nem que tenha de levar-te de rastos, terás de acom panhar o senhor Longuinhos ao altar...

Ela tentou um derradeiro apelo: — Meu pai... eu gosto do Artur...

— Cala-te! Se não queres ser responsável pela m inha m iséria... obedece-m e! Rosinha baixou a cabeça. Um desespero enorm e abafou-lhe a garganta. Sentiu-se de súbito com o que perdida e supreendeu-se a m urm urar:

— Faça-se a sua vontade, m eu pai.

Durante noites e dias, Rosinha chorou perdidam ente. Artur andava longe, não sabia o que estava acontecendo. E ela sentia-se à beira do abism o. Com o fugir à vontade im placável de seu pai? Devia-lhe obediência. Portanto, se ele a obrigasse, não teria outro rem édio senão casar com um hom em a quem não am ava!

Nesse m esm o instante, os seus olhos chorosos apegaram -se a um a velha im agem de S. J oão. O seu coração bateu m ais apressado. Oh! Se ele quisesse!... Um raio de esperança ilum inou-lhe o rosto. Caiu de joelhos frente à im agem e im plorou: — Oh m eu bom , m eu querido S. J oão, salva-m e, por favor! Faz um dos teus m ilagres, S. J oão! Ficar-te-ei eternam ente grata! Eu já não tenho forças para lutar!... E com o posso eu opor-m e aos desejos daquele que é m eu pai?... S. J oão, se eu tiver de casar com outro que não seja o Artur, perdoa-m e, m eu Santinho que falte ao juram ento que fiz! Bem sabes que não tenho culpa! Mas se tu quiseres... certam ente poderás resolver tudo, m eu S. J oão...

Rosinha calou-se. Os soluços não a deixaram continuar a prece. E teve a sensação de que escutava um a voz distante, vaga m as m uito terna, que lhe dizia:

— Descansa, m inha filha... Eu velarei por ti! Eu conseguirei que não faltes ao juram ento que fizeste.

Surpreendida, Rosinha ergueu a cabeça. Seria possível tam anho m ilagre?... Não seria antes um a alucinação dos seus sentidos?...

Entretanto, segundo conta a lenda, o senhor Longuinhos, num dos m om entos de m editação a que se entregava frequentem ente no intervalo dos folguedos, teve tam bém um a curiosa e estranha visão: um vulto vinha ao seu encontro e falava-lhe num a voz que não parecia deste m undo:

— Longuinhos! J á não estou satisfeito contigo! Tu que eras bom , que eras justo, queres agora estragar a felicidade dos outros?...

Atarantado, Longuinhos perguntou:

— Mas quem m e fala?... De quem é esta voz?... Serenam ente a voz tornou:

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Longuinhos caiu de joelhos, tartam udeando:

— Pois será possível?... Oh, m eu S. J oão! Meu S. J oão!... Será possível?

— Sim , é possível. E estou aqui para te dizer que não acho bem que procedas com o ultim am ente. A Rosinha gosta do Artur, pode e deve ser feliz com ele... Para que a queres tu desgraçar?

Cada vez m ais em baraçado, Longuinhos levou as m ãos ao rosto. As palavras do santo continuavam a ressoar-lhe aos ouvidos, num a recrim inação que o

atorm entava. A situação apareceu-lhe clara e ele acabou por com preendê-la. E, num assom o de rem orso, m urm urou:

— Perdoa, m eu S. J oão! Tenho sido um louco! Eu próprio hei-de ser o padrinho do casam ento deles!

Então a voz do santo tornou, serena e am iga:

— Ora aí está um a boa acção que eu louvo e agradeço!...

Longuinhos sorriu. Sorriu contente consigo m esm o. S. J oão, o seu santo predilecto, continuaria a ser seu am igo! J á seria um bem dem asiadam ente grande. Quanto ao resto... faria por esquecer!

E, assim , conta ainda a lenda que Longuinhos não m ais descansou enquanto Rosinha e Artur não casaram , apesar da contrariedade do senhor Pedro. E diz-se tam bém que, ainda hoje, em certas aldeias do Norte, na procissão de S. J oão, há um par de noivos sim bolizando a Rosinha e o Artur.

Fo n teMARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volum e IV, pp. 27-30

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