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ARTIGO
ORIGINAL
Analysis
of
contextual
variables
in
the
evaluation
of
child
abuse
in
the
pediatric
emergency
setting
夽
Ana
Nunes
de
Almeida
a,
Vasco
Ramos
a,∗,
Helena
Nunes
de
Almeida
b,
Carlos
Gil
Escobar
be
Catarina
Garcia
baUniversidadedeLisboa,InstitutodeCiênciasSociais,Lisboa,Portugal
bHospitalProfessorDoutorFernandodaFonseca,DepartamentodePediatria,UnidadedeUrgênciaeCuidadosIntensivos,
Amadora,Portugal
Recebidoem3dejunhode2016;aceitoem14desetembrode2016
KEYWORDS Physicalviolence; Sexualviolence; Children; Portugal; Hospitalurgency
Abstract
Objective: Thisarticlecomprisesasampleofabusemodalitiesobservedinapediatric emer-gencyroom (PER)ofapublichospital intheLisbon metropolitan areaanda multifactorial characterizationofphysicalandsexualviolence.Theobjectivesare:(1)todiscussthe impor-tanceofsocialandfamilyvariablesintheconfigurationofbothtypesofviolence;(2)toshow howphysicalandsexualviolencehavesubtypesandinternaldiversity.
Methods: A statistical analysis was carried outin a database (1063 records of childabuse between2004and2013).Aformwasappliedtocaseswithsuspectedabuse,containingdataon thechild,family,abuseepisode,abuser,medicalhistory,andclinicalobservation.Afactorial analysisofmultiplecorrespondencewasperformedtoidentifypatternsofassociationbetween socialvariablesandphysicalandsexualviolence,aswellastheirinternaldiversity.
Results: TheprevalenceofabuseinthisPERwas0.6%.Physicalviolencepredominated(69.4%), followedbysexualviolence(39.3%).Exploratoryprofilesofthesetypesofviolencewere cons-tructed.Regarding physicalviolence,the genderofthe abuserwas thefirst differentiating dimension;thevictim’sgenderandagerangewerethesecondone.Inthecaseofsexual vio-lence,theageoftheabuserandco-residencewithhim/hercomprisedthefirstdimension;the victim’sageandgendercomprisedtheseconddimension.
Conclusion: Patternsofassociationbetweenvictims,familycontexts,andabuserswere iden-tified.Itisnecessarytoalertcliniciansabouttheimportanceofsocialvariablesinthemultiple facetsofchildabuse.
©2017SociedadeBrasileiradePediatria.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Thisisanopen accessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense(http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/ 4.0/).
DOIserefereaoartigo:
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2016.09.005
夽 Comocitaresteartigo:AlmeidaAN,RamosV,AlmeidaHN,EscobarCG,GarciaC.Analysisofcontextualvariablesintheevaluationof
childabuseinthepediatricemergencysetting.JPediatr(RioJ).2017;93:374---81.
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:vasco.ramos@ics.ul.pt(V.Ramos).
2255-5536/©2017SociedadeBrasileiradePediatria.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´eumartigoOpenAccesssobumalicenc¸aCC
PALAVRAS-CHAVE Violênciafísica; Violênciasexual; Crianc¸as; Portugal;
Urgênciahospitalar
Análisedasvariáveiscontextuaisnaavaliac¸ãodosmaus-tratosinfantisapartir darealidadedeumaurgênciapediátrica
Resumo
Objetivo: Esteartigoapresentaumacasuísticademodalidadesdemaus-tratosnumaurgência pediátrica(UP)deumhospitalpúbliconaáreametropolitanadeLisboaeumacaracterizac¸ão multifatorialdaviolênciafísicaeviolênciasexual.Osobjetivossão:1)discutiraimportância devariáveissociaisefamiliaresnaconfigurac¸ãodeambos;2)mostrarcomoviolênciafísicae violênciasexualapresentamsubtiposediversidadeinterna.
Métodos: Fez-seumaanáliseestatísticadeumabasededados(1.063registosdemaus-tratos infantis,entre2004-2013).Usou-seoformulárioaplicadoacasoscomsuspeitademaus-tratos, com dados sobre a crianc¸a, família, episódio de maus-tratos, agressor, história médica e observac¸ãoclínica.Foifeitaumaanálisefatorialdecorrespondênciasmúltiplaspara identi-ficarpadrõesdeassociac¸ãoentrevariáveissociaiseviolência,físicaesexual,bemcomosua diversidadeinterna.
Resultados: Aprevalênciademaus-tratosnessaUPfoide0,6%.Predominamaviolênciafísica (69,4%)eaviolênciasexual(39,3%).Perfisexploratóriosdessestiposforamconstruídos.Quanto à violênciafísica,osexo do agressorestruturaaprimeira dimensãodiferenciadora; sexoe grupoetáriodavítimaestruturamasegunda.Nocasodaviolênciasexual,aidadedoagressor ecorresidênciacomeleestruturamaprimeiradimensão;idadeesexodasvítimasorganizam asegundadimensão.
Conclusão: Identificaram-sepadrõesdeassociac¸ãoentrevítimas,contextosfamiliarese agres-sores.Énecessário alertarosclínicos paraaimportânciadasvariáveissociais nasmúltiplas facesqueosmaus-tratosassumem.
©2017SociedadeBrasileiradePediatria.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´eumartigo OpenAccesssobumalicenc¸aCCBY-NC-ND(http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4. 0/).
Introduc
¸ão
Nassuasváriasformas,osmaus-tratosinfantispermanecem umtrac¸oqueafetaasinfânciascontemporâneasemescala mundial.Ocorremnosmaisdiversoscontextos, particular-mentenaquelesnosquaisacrianc¸adeviaestarmaissegura e protegida (família, casa, escola, instituic¸ões em que é cuidada).1Sãoumacausaimportantedemorbidadee
mor-talidadeinfantile suasconsequênciasnodesenvolvimento ebem-estardacrianc¸asãodevastadoras.1,2
Estima-sequeentre4%e16%dascrianc¸asdepaísesde rendimento elevado são abusadas fisicamente e uma em 10sofre deviolênciapsicológicaounegligência.3 Segundo
a OMS, 18 milhões de crianc¸as na Europa são vítimas de violênciasexual,44milhõesdeviolênciafísica,55milhões deviolênciapsicológica;850crianc¸asmorremanualmente na sequênciadesses maus-tratos.4 A atualidadee a
gravi-dade desse problema persistem,3 apesar das políticas de
protec¸ão infantil desenvolvidas internacionalmente desde osanos1970.5 Emumcenáriodemaiorintolerânciasocial
faceataissituac¸ões,6é crucialocontributode
investiga-doreseprofissionaisparaquedecisorespromovampolíticas públicas(deregistrodeinformac¸ão,formac¸ãodetécnicos, prevenc¸ão,intervenc¸ãoeseguimentonoterreno)ajustadas. Naúltimadécada,Portugalimplantoupolíticas específi-casrelativasàseguranc¸ainfantil,oquepermitiuaopaísum avanc¸osignificativonessaárea.Aindaassim,nãosedispõe de dadosnacionais fidedignos que permitam um conheci-mentorigorosoeplenodasituac¸ão.
Embuscadecolmatarafalhadeestudosnaárea,este artigoapresentauma casuísticademodalidadesde maus--tratosemumaUPdeumhospitalpúblicodeLisboaeuma caracterizac¸ãomultifatorialdosdoistiposmaisfrequentes, violênciafísicae violênciasexual.Osobjetivos são1) dis-cutir a importância de variáveis familiares e sociais(ex.: gênerodevítimaseagressores,naturezadaconjugalidade, tempo)naconfigurac¸ãodeambos;2)mostrarcomoviolência físicaesexualapresentamsubtiposediversidadeinterna.
Definic¸ões
Em consonância com a Convenc¸ão sobre os Direitos da Crianc¸a,considera-se‘‘crianc¸a’’oindivíduocomidade infe-riora18anos.
Em1999,aOMSdefiniumaus-tratosinfantiscomotodas as formas de maus-tratos físico ou emocional, violência sexual,negligência ouexplorac¸ão comercial queresultam emumdanorealoupotencialparaasaúde,sobrevivência, desenvolvimentoou dignidade dacrianc¸a no contexto de umarelac¸ãoderesponsabilidade,confianc¸aoupoder.6
adversamente no seu desenvolvimento e na saúde emo-cional. O bullying configura um processo específico de violência,combasena intimidac¸ãoeabusocontinuadode umacrianc¸aemrelac¸ãoaoutraquenãotempossibilidades desedefender.8,9
Anegligênciaouoabandono representaafalhado cui-dadorem garantiro desenvolvimentodacrianc¸aemáreas consideradasvitaiscomosaúde,educac¸ão,desenvolvimento emocional,nutric¸ão,abrigoeseguranc¸a.8
Método
Participantes
Foramincluídosnesteestudoregistrosde1.063crianc¸asem 10anos(de2004aoutubrode2010até16anoseapartir daúltimadata até 18 anos),identificadas como alegadas vítimasdealgumaformademaus-tratosinfantis(pelo pró-prio,pelo seu acompanhante ou pelo médicoassistente), querecorreramouforamreferenciadasnaUPdohospital.
Instrumentos
Comoinstrumentode recolhade dados,usou-se o formu-lário específico para casos com suspeita de maus-tratos, preenchidopelaequipemédicanodecursodoepisódiode urgência.Trata-sedeumquestionáriosemiestruturadoque contémdadossobreacrianc¸aesuafamília,o episódiode maus-tratos,oagressor, ahistória médicae a observac¸ão clínica e a posterior orientac¸ão da situac¸ão. A recolha dependeu da entrevista e observac¸ão feitas pelo clínico assistentena UP,existe assimalguma heterogeneidadeno preenchimentocompletodoscampossociais.
Procedimentos
Asvariáveisdoinstrumentoderecolha,em formatopapel (até2011) e informático(a partir de2011), foram codifi-cadasretrospectivamenteembasededadosinformatizada para sua posterior análise pela equipe multidisciplinar (NúcleoHospitalardeApoioàCrianc¸aeJovememRisco). Correspondem às características da vítima (sexo, idade, composic¸ãodoagregadofamiliar,antecedentespessoaisde doenc¸acrónica,contextodeviolênciadomésticano domi-cílio habitual), seu agressor (sexo e idade, relac¸ão com a vítima)e dasituac¸ão de maus-tratosrelatada (datade ocorrência,tipodeabuso),assimcomodasmedidas subse-quentesimplantadas.
Análise
estatística
Comec¸oucomumabrevedescric¸ãodaamostraemestudo. Depoisconstruíram-semodelosexploratóriosdosdoistipos demaus-tratosmaisfrequentesnaamostra:violênciafísica (64,2%)eviolênciasexual(39,3%).Osmodelosassentam-se naAnálise FatorialdeCorrespondênciasMúltiplas (AFCM), feitacomométodoOptimalScaling.10,11Essatécnicavisaa
exporassociac¸õesentrevariáveisnumespac¸o multidimen-sional, resume informac¸ão acerca de um grande número de variáveis categoriais, facilita a compreensão de como
elasseorganizamempadrõesespecíficos.Paraasvariáveis numéricascomdistribuic¸ãonormalcalcularam-seamédiae odesvio-padrão.Paraasvariáveissemdistribuic¸ãonormal calcularam-se a mediana, o mínimoe o máximo. Para as análisescomparativasrecorreu-seaotestedoqui-quadrado paravariáveiscategóricas.Essatécnicanãosubstitui qual-quer modelopreditivo ouderisco. Asanálises estatísticas foram feitas no SPSS Statistics® (IBM SPSS Statistics para
Windows,versão24.0.NY,EUA).
Considerac¸õeséticas
Acolheitadedadosnoprocessoclínicoéfeitapeloclínico mediante consentimento verbal prestado pelo acompa-nhante da crianc¸a ou adolescentena UP, de acordo com aslegesartis.Osprocedimentosderecolha,tratamentoe análisededadosforamaprovadospeloComitédeÉticado HospitalemquesesituaaUP.
Resultados
Noperíodoconsideradoregistraram-se1.063casosde maus--tratos,corresponderama0,6%dasocorrênciasnessaUP.A maioria das vítimas é dosexo feminino(62,4%) e a idade médiaéde8,8anos(SD±5,1).Globalmente,amaioriados episódios ocorre em crianc¸as entre10 e 14 anos (32,7%). As vítimas do sexo feminino tendem a ser mais velhas (média=9,4,SD±5).Amaioriadosexomasculinotematé 4anos(32,5%).Relativamenteaosprogenitoresdascrianc¸as, asmãestêmemmédia35anos(SD±8)eospais38(SD±9). Amaioriaestáempregada(83,6%dospaise76,6%dasmães) emaisdametade(56,2%)estádivorciadaouseparada.Em 158casosreporta-seaexistênciadeviolênciadomésticano laremqueacrianc¸areside.
A violência física é o tipo de mau-trato mais comum (69,4%),seguidodaviolênciasexual(39,3%)edaviolência emocional(22,2%).Em8,7%doscasos,ascrianc¸as observa-dasforamvítimasdenegligênciaeem0,7%doscasosforam abandonadas.Amaioriadosagressoresédosexomasculino (72,3%), commédia de32 anos (SD± 13,3).Com ligeiras variac¸õesnoseupesorelativo,esseéopadrãotipicamente sinalizadonumaUP,12,13 diferente doque seencontra, por
exemplo,nasComissões deProtec¸ãodeCrianc¸aseJovens (CPCJ),nasquaisanegligênciaeaviolênciaemocionalsão ostiposmaisfrequentementeregistrados(tabela1).14
O tempo introduz outros padrões de caracterizac¸ão. Apesardasvariac¸õesanuais(aanáliselongitudinalnão con-siderou2004,poisoformulárionãoesteveemvigordesdeo iníciodesseano),existeumatendênciacrescentenonúmero decasosdetectados.Mas édiferenciadaaevoluc¸ãoanual por tipo de maus-tratos.O número decasos de violência sexualtemsemantidoestável,compicosem2007e2012.Já oscasosdeviolênciaemocionaltêmaumentadonosúltimos anos(fig.1).
Tabela1 Caracterizac¸ãodaamostra
Variável Categorias n % Dadosdescritivos
Sexodavítima(n=1060) Masculino 399 37,60%
Feminino 661 62,40%
Idadedavítima(anos)(n=1061)
Média:8,8 Mediana:9,0 Desv.Padrão:5,1 Min-Máx:0,1-18,0 Escalõesetáriosvítima(anos)(n=1061) 0-4anos 294 27,70%
5-9anos 238 22,50%
10-14anos 353 33,30%
15-18anos 175 16,50%
Idadedamãe(anos)(n=723)
Média:34,9 Mediana:35,0 Desv.Padrão:8,0 Mín-Máx:16,0-59,0
Idadedapai(anos)(n=616)
Média:38,4 Mediana:39,0 Desv.Padrão:9,0 Min-Máx:17,0-74,0
Empregomaterno(n=838)
Desempregada 179 21,40%
Empregada 642 76,60%
Reformada 5 0,60%
Ausente 12 1,40%
Empregomaterno(n=733)
Desempregado 77 10,50%
Empregado 613 83,60%
Reformado 14 1,90%
Ausente 29 4,00%
Paisdiv./separados(n=828) Não 363 43,80%
Sim 465 56,20%
Violênciadoméstica(n=272) Não 114 41,90%
Sim 158 58,10%
Tiposdemaus-tratos(n=1063)
Violênciafísica 682 65,20% Violênciasexual 358 34,20% Violênciaemocional 114 10,90%
Negligência 91 8,70%
Abandono 7 0,70%
Sexodoagressor(n=823) Masculino 595 72,30%
Feminino 228 27,70%
Idadedoagressor(583)
Média:32,0 Mediana:33,0 Desv.Padrão:13,3 Mín-Máx:5,0-80,0 (n=583)
Fonte:Formuláriodesinalizac¸ãodeurgênciadacrianc¸amaltratada(2004-2013).
demaus-tratosaolongodoano.Aviolênciasexualregistra picosdeocorrêncianoverãoeemdezembro(meses coinci-dentescomasfériasescolareseapermanênciadascrianc¸as emcasa).Oscasosdeviolênciaemocionalsãomaiscomuns nosúltimos12mesesdoano(novembroedezembro).
Perfis
exploratórios
da
violência
física
e
da
violência
sexual
Trac¸amos seguidamente alguns perfis exploratórios da relac¸ão entre as variáveis sociais e os tipos de maus--tratos maiscomuns e recorremos à AFCM. Os resultados
sãoapresentadosnasfiguras2e 3.Foramincluídas variá-veisrelacionadascom avítima eagressor (sexoeescalão etário)eocontextofamiliar(paisdivorciados/separados).
Quanto à violênciafísica, osexo doagressor estrutura aprimeiradimensão,aopassoquesexoegrupo etárioda vítimaestruturamasegundadimensão(fig. 2).Aidadedo agressoréumfatorqueintermedeiaessesdoiselementos.
96 95 89 128 132 115 111 107 128
1 1 0 2 1 0 0 2 0
30 24 34 44 45 36 31 55 45
12 10 10 9 11 11 5 6 11
15
4 6 8 2 6
24 15 29 58 70 61 86 85 76 75 61 79 0 20 40 60 80 100 120 140
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Total Negligência Abandono Violência emocional Violência sexual Violência física 66 77 109 80 113 102 99 86 96 91 63 61
0 1 0 1 0 0 1 0 1 1 1 1
16 27 29 22 43 33 38 43 31 32 26 9 2 8
11 8 11
5 8 4 10 6
5 8 11 10 7 9
13 6 15 5 16 9 47 53 80 56 77 70 61 48 61 55 41 30 0 20 40 60 80 100 120
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
Total
Negligência
Abandono Abuso sexual
Violência física Violência emocional
Figura1 Evoluc¸ãoanualemensal(totaleportipodecasos).
Fonte:Formuláriodesinalizac¸ãodeurgênciadacrianc¸amaltratada(2004-2013).
queagridemvítimassobretudodosexofeminino,entreos 10e os14 anos;vítimas e agressoresresidemjuntos.Um terceiro perfil(canto superior esquerdo) destaca agresso-rasdosexofeminino,separadasoudivorciadas,entre20e 39anos.Aqui,asvítimastendemaserdosexomasculino, muitojovens(entre5e9anos)eemcorresidênciaparcial comaagressora.Existeumquartoperfil,menosdefinido,no cantosuperiordireito,emqueasvítimassãocrianc¸asmuito pequenasedosexomasculino;escasseiainformac¸ãoacerca doabusadoresobreasituac¸ãoconjugaldospais.
Nocasodaviolênciasexual,osdadosestruturam-sede formadistinta.Aidade doagressore corresidênciacomo agressorestruturamaprimeiradimensão.Idadeesexodas vítimas organizam a segunda dimensão. O sexo do agres-soreumaseparac¸ão/divórciorecentesãooselementosque fazemaponteentreessasduasdimensões.
Existeumaassociac¸ãoentreagressordosexomasculino evítimasdosexofeminino(parteinferiordográfico).Nesse perfil, a violência ocorre em situac¸ões em que a vítima provémdefamíliasem quenãohouveseparac¸ãodospais. Trata-se de agressores do sexo masculino que agridem vítimas do sexo feminino em idade pré-adolescente ou adolescente.Umsegundoperfil(partesuperiordográfico) associaagressores do sexofeminino, entre 30 e 39 anos, a vítimas mais jovens e que provêm de contextos em que houve separac¸ão dos progenitores. A qualidade dos
dados sofre aqui algum enviesamento pela ausência ou desconhecimento deinformac¸ãosobre identidadee idade doagressor,oquecomprometeadescric¸ãodosoutrosdois quadrantes. Esse sinal sugere a relativa opacidade que envolve as situac¸ões de violência sexual sobre crianc¸as muitojovens,aqueacresceofatodeseremeventualmente praticadas por mulheres ou pela conivência/protec¸ão dessasfaceaoagressor/companheiro.
Discussão
A casuística que obtivemos em contexto de UP não se afasta, em grande medida, de outras assinaladas na lite-ratura, notadamente a portuguesa.8,9 Com a estatística
descritiva,comprovam-seostiposdemaus-tratosmais fre-quentesna UP(violênciafísicaesexual),portanto formas de maus-tratosativas, por oposic¸ão a negligência (tipica-mentecaptadaatravésdeservic¸osetécnicosdeassistência social),1eoseupesorelativoseguepadrõescomuns.15
Revelaram-senestaamostraindíciosdepráticade violên-ciafísicaentrepares,especialmenteentreascrianc¸asmais velhas. Se, em outros países, o bullying adquiriu alguma visibilidade estatística e em jornais pediátricos,5,16 jáem
Gráfico de conjunto de pontos de categoria
Coresidência Escalão etário abusador Escalao etário vítima Eventos familiares Sexo abusador Sexo da vitima
Dimens
ã
o 2
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
–0,5
–1,0
–1,5
–2,0
–2 –1 0 1 2
Dimensão 1
Coresidencia parcial
Abusador 20-29
Sep/Divorcio recente
Vitima 0-4
Desconhecido
Vitima 5-9 Vitima masculina
Abusador idade desco Sem dador sobre pais
Abusador sexo descon
Vitima 10-14
Vitima 15-18 Sem sep/divorcio rec
Abusador 40-49 Abusador 50+
Abusador <19 Abusador mulher
Abusador homem
Coresidencia total Vitima feminina Abusador 30-39
Normalização principal de variável.
Figura2 AnálisedeCorrespondênciasMúltiplas:ViolênciaFísicaa.
Gráfico de conjunto de pontos de categoria
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
–0,5
–1,0
–1,5
–2,0
–2,5
–2,5 –2,0 –1,5 –1,0 –0,5 –0,0 –0,5 –1,0 –1,5 –2,0 –2,5
Dimens
ã
o 2
Dimensão 1
Coresidência Escalão etário abusador Escalao etário vítima Eventos familiares Sexo do abusador Sexo da vitima
Desconhecido
Abusador sexo descon
Vitima 0-4
Abusador mulher
Vitima masculina
Coresidencia parcial Abusador 30-39 Sep/Divorcio recente
Vitima 5-9
Vitima 15-18 Vitima 10-14Abuser<19
Abusador 50+
Abusador 40-49 Coresicencia total
Abusador idade desco
Abusador 20-29 Abusador homem Vitima feminina
Sem dados sobre pais
Sem sep/divorcio rec
Osexodacrianc¸aeodoagressorforamcontempladosna análiseea variávelgênero teveumdesempenho relativa-menteprevisível,faceàliteraturaconhecida:17 agressores
maioritariamente dosexomasculino (72%), vítimas sobre-tudo do sexo feminino (62%) e importância do gênero na estruturac¸ão da proximidade ou distância entre variáveis ilustrativasnaconstruc¸ãodosdoistiposdeviolênciafísica ouviolênciasexual.
Faceaoutros,esteestudoensaiaaintroduc¸ãode variá-veissociaispoucousadasnaanáliseenacaracterizac¸ãodos maus-tratosinfantis. O tempo, por um lado, e a relac¸ão conjugal entre os pais da crianc¸a, por outro, trouxeram resultadosinovadores.
O ritmo sazonal dos maus-tratos ficoupatente: prima-verae verão concentram picosmáximos,o fimdo outono e o inverno registram valoresmínimos. A relativa estabi-lidade da violência física ao longodo ano contrasta com aconcentrac¸ão da violênciasexual nos mesesde verão e emdezembro.Investigac¸õesaprofundadaspermitirão com-preenderessavariabilidade;masosritmosdavidaescolar (comamaiorpermanênciadascrianc¸asemcasaou exclusi-vamenteàguardadafamíliaemperíodosdeférias)podem fazerpartedaexplicac¸ão.
Por outro lado, a natureza da relac¸ão conjugal entre os progenitores da crianc¸a (pais casados vs. pais divor-ciados/separados) revelou-se uma variável explicativa. É um resultado que se destaca da abordagem dominante feitanaliteratura sobremaus-tratosinfantis,que privile-gia --- na caracterizac¸ão da relac¸ão do casal --- a questão daexistênciade violência.18 Ora,asituac¸ão na
conjugali-dadedosprogenitores(em uniãoouseparados),depersi, jogaumpapel naconfigurac¸ão dedoissubtiposde violên-cia sexual: entre agressores do sexo masculino e vítimas do sexo feminino em idade pré-adolescente ou adoles-cente;entre agressoresdosexo feminino e crianc¸as mais jovens.Asprimeirassituac¸õesassociam-seapaisem con-jugalidade; as segundas a pais separados. Os dados são antesdetudo suspeitasdeviolência;ora, em idades pre-coces,sãodifíceis decomprovar edependentes dorelato (manipulado?) do progenitor que acompanha a crianc¸a à UP,eventualmenteenvolvidonuma situac¸ãode separac¸ão litigiosa.
Nesteartigoensaiou-seaindaaaplicac¸ãodeuma meto-dologiamultidimensional,poucocomumnaliteratura,que permitiu descobrir outros subtipos da violência física e sexual.Ogêneroassumeumpapelrelevantenaestruturac¸ão dessesperfis:osexodacrianc¸ae doagressornaviolência física;eosexodacrianc¸anasdiferentesformasdeviolência sexual.Destaque-se,ainda,avisibilidadecomquesurge,na violênciasexual,amulhercomo agressoradeumacrianc¸a maisnova, é uma realidaderaramente captada ou discu-tidaemestudoscongêneres,19masaqueaintervenc¸ãodeve
estaratenta.
Aslimitac¸õesdesteestudoderivam,emgrandemedida, das lacunas no preenchimento dos dados por parte dos profissionaisdaUP,situac¸ãopotenciadapelacircunstância de o protocolo não ser, até a data, de preenchimento obrigatório. O fato de ser preenchido durante o agitado expedientehospitalartambémcontribuiparaomenorrigor eatenc¸ãodessaoperac¸ão.Essesfatoresexplicamamenor qualidade ou mesmo inexistência de dados sobre meios sociaisdeorigemdacrianc¸a,particularmenteevidenteno
casodosprogenitoresdasvítimasdeviolênciasexual(nível deinstruc¸ão,profissão,empregoetc.).
Ésabidoqueassituac¸õesreportadasemumaUPsão ape-nas umafrac¸ãodos casosde maus-tratosinfantis,mesmo das que conduzem ao hospital;20 e que tais maus-tratos
são, com frequência, apenas detectados após múltiplas visitas.21 O alargamento e refinamento das questões
usa-das noformulário e a sua conversão numa plataformade preenchimentoobrigatório,anexadaaoprocessohospitalar, contribuirão para ultrapassar os problemas de incomple-tude dos dados, como ainda para incrementar a taxa de detecc¸ão de situac¸ões de violência, na esteira de boas--práticasdocumentadas.15,22
Umamaiorconsciênciaacercadaimportânciadas variá-veis sociais e familiares, bem como do contexto escolar, nasmúltiplasfacesqueosmaus-tratospodemassumir,será inevitavelmente útil aosprofissionais de saúde, treinados sobretudoparaaavaliac¸ãodefatoresorgânicosou psicológi-cosderisco.Esteestudopretendecontribuirnessesentido.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
À equipe do Departamento de Pediatria do Hospital Fer-nando Fonseca pelas informac¸ões cedidas e pelo apoio duranteestetrabalho.ADéboraTerrapelarevisãodotexto emportuguêsdoBrasil.
Referências
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