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ADMINISTRAÇÃO Revista da Administração Pública de Macau

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ADMINISTRAÇÃO Revista da Administração

Pública de Macau

MACAU, 2011

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AdministrAÇÃO

revista da Administração Pública de macau

Quatro números por ano Director:

José Chu Director Executivo:

Wu Zhiliang Secretariado da Redacção:

Lam Soi Kuong (Paulo) Conselho de Redacção:

Elias Farinha Soares Joana Noronha Manuela Teresa Sousa Aguiar

Sou Chio Fai Lou Shenghua

Propriedade:

Governo da RAEM Edição:

Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública

Direcção, redacção e administração:

Edifício Administração Pública, 26.º andar Rua do Campo, n.º 162, Apartado 463, Macau China Telef. 28323623 Fax (853) 89871809 E-mail: paulolam@safp.gov.mo Distribuição e assinaturas: telef. 89871015; 89871808 Composição e impressão: Imprensa Oficial da Região Administrativa Especial de Macau

1 600 exemplares ISSN 0872-9174

Os leitores podem aceder às versões chinesa e portuguesa da Revista “Ad- ministração” no seguinte endereço electrónico: http://www.safp.gov.mo; selec- cione a caixa “Informação” e escolha a rúbrica “Revista de Administração Pública de Macau”.

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Número 92 (2.º de 2011) • Volume XXIV • Junho de 2011

SUMÁRIO

457 Porque se afirma que o sistema político de Macau não integra o modo de “separação de poderes”

Zhang Xiaoming

471 Síntese Histórica e Situação Actual da Arbitragem e do Reco- nhecimento de Decisões do Exterior na RAEM. Panorama do Singular e Paradigmático Papel da Região como sólida ponte entre a China e os Países Lusófonos

Cândida da Silva Antunes Pires

499 A Natureza e o Teor do Contrato de Aquisição Governamental Tang Tatweng

535 Avaliação do Regime de Pagamento Contínuo da Remune- ração na Lei das Relações de Trabalho — Tomando como Referência a Lei Laboral da Alemanha

Ye Zaixing

563 Sistema de apoio judiciário do Interior da China Wei Hong

575 O problema do Apoio aos Direitos do Funcionário Público e Seu Apoio Jurídico no Interior da China

Ren Jin

583 Regime de Apoio Judiciário à População na Região de Taiwan Li Yiguang

595 O sistema de apoio judiciário para trabalhadores da função pública de Taiwan

Wang Aiyun

605 Camilo Pessanha e o Sistema Judiciário da Sua Época Celina Veiga de Oliveira

615 Abstracts

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Os trabalhos publicados na revista Administração são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.

Os trabalhos publicados em “Administração” podem, em princípio, ser transcritos ou traduzidos noutras publicações, desde que se indique a sua origem e autoria. É, no entanto, necessário um pedido de autorização para cada caso.

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Porque se afirma que o sistema político de Macau não integra o modo de

“separação de poderes”

*

Zhang Xiaoming**

Durante cerca de 12 anos depois da reunificação de Macau com a Pátria, as façanhas e os progressos registados são notórios. Uma das façanhas relevantes expressa-se na implementação e divulgação, de for- ma profunda, da Lei Básica. Tal como referiu o Excelentíssimo Senhor Presidente do Estado, Hu Jintao, no discurso proferido na Cerimónia Comemorativa do 10.º Aniversário da Reunificação de Macau com a Pátria e da Tomada de Posse dos Titulares do 3.º Governo da Região Ad- ministrativa Especial de Macau, “O Governo da RAEM e as associações sociais têm insistido incessantemente em divulgar a Lei Básica de Macau, aplicando-a conscientemente para enquadrar as acções administrativas, legislativas e judiciárias, bem como para o tratamento dos assuntos perti- nentes, incluindo o desenvolvimento do sistema político”. As ideias de “um país, dois sistemas” e a consciência da Lei Básica, como consequência, penetram de forma progressiva, na cabeça de toda a gente. As acções de formação sistemática, em especial as destinadas aos altos e médios funcio- nários do Governo da RAEM, demonstram que os dois Chefes Executi- vos, Ho Hau Wah e Chui Sai On, têm prezado muito, a aprendizagem e a divulgação da Lei Básica. Este trabalhos são muito importante e tem um impacto muito duradouro especialmente para aprofundar a consci- ência da legalidade administrativa e promover as capacidades e nível de governação no âmbito do Governo da RAEM, para a correcta, plena e profunda implementação das orientações inerentes a “um país, dois sis- temas”, e criar consequentemente em toda a comunidade de Macau, um clima de aprendizagem, respeito e defesa da Lei Básica.

“Porque se afirma que o sistema político de Macau não integra o modo de “separação de poderes”?” é um dos temas a abordar na estrutu-

*Discurso proferido na cerimónia de encerramento do Programa de Estudos sobre a Lei Básica da RAEM – Nível Avançado nos 20 de Julho de 2011.

** Vice-Coordenador do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau do Conse- lho de Estado.

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ra política da RAEM. A resposta envolve matérias de duas ordens: Em primeiro lugar e respeitante aos conceitos, qual é o significado preciso de

“separação de poderes”? Entender-se-á a “separação de poderes” como um simples exercício dos poderes administrativo, legislativo e judicial por ór- gãos distintos entre os quais, existe uma relação de mútuo controlo. Em segundo lugar, quais são as diferenças entre a estrutura política da RAEM e o sistema de “separação de poderes”? Fez-se uma pergunta ao autor:

Nas Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e de Macau em que os poderes administrativos, legislativos e judiciais são exercidos por órgãos distintos, que têm controlo entre si. Por que o sistema das RAE’s não integra o princípio de “separação de poderes”? No entender do autor, esta não é uma mera questão teoricamente relevante, mas também, uma questão pertinente no sentido prático que pode pôr em causa, a correcta execução das linhas inerentes a “um país, dois sistemas” e da Lei Básica, bem como o sentido de funcionamento da estrutura política das Regiões Administrativas Especiais.

Relativamente ao primeiro aspecto, queria fazer uma breve retros- pecção sobre a história relativa à formação das doutrinas e instituições de “separação de poderes” no mundo ocidental. A fonte das doutrinas de “separação de poderes” remonta à época da antiga Grécia e à época da antiga Roma. Na antiga Grécia, Aristóteles defende que as funções do Estado sejam distintas em consultivas, administrativas e jurisdicionais, o conhecido como a doutrina dos “três elementos do sistema político”.

Ainda na antiga Grécia, Políbio sugere, com base nisto, que a divisão de trabalho no âmbito dos poderes do Estado pressupõe o mútuo refreio dos mesmos, ou seja, os poderes dos magistrados, do Senado e da As- sembleia Popular deveriam controlar-se mutuamente, de modo a chegar a um balanço entre os mesmos poderes. Estes pensamentos são as ideias embrionárias do sistema de "freios e contrapesos" (checks and balances).

No século XVII, o filósofo e pensador político inglês, John Locke, tece um pensamento de divisão de poderes no sentido da idade moderna que constitui o fundamento teórico da forma de estruturação estatal no Oci- dente, nas idades moderna e contemporânea. Locke divide os poderes do Estado em poder legislativo, poder executivo e poder federativo, sendo o poder legislativo superior a todos os outros, enquanto o poder legislativo e o poder executivo devem ser separados e existir entre si, freios e contra pesos. Como o poder federativo referido por Locke faz parte, de facto, do poder executivo, a sua doutrina é considerada uma instituição do tipo de “bipartição de poderes”. A partir daí, as instituições políticas do Reino

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Unido foram directamente influenciadas pela doutrina de Locke. Em meados do século XVIII, o pensador iluminista e jurista francês, Barão de Montesquieu, cria uma teoria mais completa de “separação de poderes”, com base no pensamento de divisão de poderes de John Locke e na práti- ca das instituições políticas do Reino Unido.

O Barão de Montequieu combina de forma enérgica, os pensamen- tos de “divisão de poderes” e de “freios e balanços”. Ele acha, por um lado, que os poderes do Estado devem dividir-se em poder legislativo, poder executivo e poder judicial. Estes três estão num patamar de igual- dade e são exercidos por órgãos distintos. Defende, por outro lado, que os três se devam controlar mutuamente e balançar entre si, com vista a evitar que o Governo exerça arbitrariamente o poder e ofenda a liberda- de do cidadão. Afirma também que no funcionamento interno de cada poder deve existir um certo equilíbrio. Por exemplo, o órgão legislativo adopta um sistema bicamaral e é composto pela câmara alta e câmara baixa. O poder legislativo deve pertencer ao povo em geral e ser exer- cido pela câmara baixa, cujos elementos são eleitos pelo público. Com vista a prevenir que a plebe ofenda os interesses das classes altas com o exercício do poder legislativo, deve ser criada a par daquela câmara, uma câmara alta, para alcançar a um refreio e contrapeso no interior do órgão legislativo com a intervenção nas acções legislativas das altas classes. Um outro exemplo é que o órgão executivo é entregue à monarquia. Segun- do o mesmo, o poder executivo deve ser exercido pelo rei, uma vez que os assuntos administrativos carecem da decisão ágil e célere, podendo a demora e a indecisão pôr em causa, a eficiência executiva e a capacidade de governação. Salienta-se que o rei não deve ser escolhido pelo órgão legislativo, sob pena de ser subjugado por este último. Mais um exemplo é que o órgão judicial é composto por juízes eleitos pelo povo nos termos da lei e não pertencentes a nenhuma das classes, tendo por objectivo asse- gurar a neutralidade e independência dos tribunais de justiça. E os juízes devem respeitar o princípio de impedimento. Em suma, o pensamento do Barão de Montesquieu tem duas componentes relevantes: a primeira é que os poderes do Estado são órgãos distintos; a segunda é a que salienta a separação, controlo e equilíbrio entre os mesmos três poderes e nenhum deles é absolutamente dominante. A pretensão original de Montesquieu, um sistema político de monarquia constitucional do modelo inglês. No entanto, depois da Revolução Francesa é criado um sistema republicano mais democrático. É indubitável que o pensamento de “separação de

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poderes” de Montesquieu contribuiu muito para a civilização política do Homem, uma vez que ele não só oferece instrumentos doutrinários de relevância para a revolução burguesa no contexto histórico específico em que o feudalismo e o absolutismo monárquico se encontram em de- cadência, mas também tem grande impacto no modo organizacional de Estados do Ocidente (de que fazem parte os Estados Unidos da América) e os seus modos de exercer os poderes, em especial a instituição de órgãos separados de soberania administrativos, legislativos e judiciais, que passou a ser uma estrutura essencial do sistema político que serve de exemplo aos Estados contemporâneos.

Contudo, também se pode notar que a visão absoluta defendida por Montesquieu sobre a relação de freios e contrapesos entre os poderes exe- cutivo, legislativo e judicial, é uma teoria política demasiado idealista e rí- gida no que diz respeito ao seu modelo. O sistema político dos principais países ocidentais capitalistas também não consegue atingir o padrão de

“separação de poderes” exigido por Montesquieu. Por exemplo, no Reino Unido, o sistema político é caracterizado pela centralização de poder no parlamento, e o Primeiro-ministro é normalmente o líder do partido po- lítico com maior representação na Câmara dos Comuns. Os membros do Gabinete são nomeados pelo Primeiro-Ministro de entre os membros do seu partido nas duas casas legislativas, mas principalmente os da Câmara dos Comuns. O Gabinete é responsável perante o parlamento e caso não consiga o suporte da maioria do parlamento, os membros devem demitir- se do Gabinete para se proceder a nova eleição. Relativamente ao estatuto e poder do parlamento do Reino Unido, existe uma afirmação figurativa:

“O parlamento é omnipotente, salvo a transformação de homem em mu- lher ou vice-versa.” Na França, o órgão legislativo é composto por uma Assembleia Nacional e um Senado. O governo liderado pelo Primeiro- Ministro é o órgão executivo, e o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão judicial. O Presidente, sendo a autoridade máxima do país, tem poder para nomear o Primeiro-Ministro, presidir às reuniões do Gabinete, bem como determinar as linhas de acção governativa. O governo é responsá- vel perante o parlamento, mas este está mais dependente do Presidente.

Este tipo de sistema político, conhecido geralmente por “sistema misto parlamentar-presidencial”, caracteriza-se pelo facto de o poder executivo ser partilhado pelo Presidente eleito por sufrágio directo, pelo Primeiro- Ministro que também é o líder do partido maioritário no Parlamento e do seu Governo.

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No panorama mundial da prática política, verifica-se que o sistema político consagrado na “Constituição Federal” dos EUA, de 1787, é o que está mais aproximado ao modelo de “divisão de poderes” apresentado por Montesquieu. Nos EUA, os poderes legislativo, executivo e judicial são dis- tribuídos respectivamente por 3 órgãos de soberania, isto é, o Congresso que exerce o poder legislativo, o Presidente que exerce o poder executivo e os tri- bunais que exercem o poder judicial, sendo dada grande relevância ao con- trole e equilíbrio entre os três poderes. Em concreto: 1. O Congresso tem o poder legislativo, com competências para fazer leis, sendo composto pelo Se- nado e pela Câmara dos Representantes, ambos eleitos por sufrágio directo.

Para além do poder legislativo, o Congresso goza ainda do poder financeiro, de nomeação e de censura e o poder de gestão comercial. 2. O poder execu- tivo é exercido pelo Presidente, cujo mandato é de quatro anos, sendo eleito por sufrágio indirecto, ou seja, o presidente é eleito pelos grandes eleitores que são eleitos pelos eleitores de todos os Estados federados. A Constituição confere ao Presidente, órgão singular, o poder executivo. Uma vez que o Pre- sidente é eleito pelos votos populares e o Congresso não tem voz nesta ma- téria, o presidente é responsável perante a Constituição e os eleitores e não, o Congresso. 3. O poder judicial é exercido pelos tribunais. Os tribunais fe- derais dos EUA são compostos pelo Supremo Tribunal e tribunais inferiores, cujos juízes são nomeados pelo Presidente com o assentimento do Senado.

Os tribunais exercem independentemente, o poder judicial. O mandato dos juízes é vitalício, desde que desempenhem fielmente as funções consignadas.

Portanto, os mesmos podem continuar a exercer durante toda a sua vida, não podendo ser exonerados, salvo no caso de censura apresentada pelo Congresso contra o juiz.

Nos EUA, o controlo mútuo entre os poderes executivo, legislativo e judicial reflecte-se principalmente nos seguintes aspectos: no que respeita à relação entre o poderes legislativo e executivo, embora o Presidente não possa em caso algum, dissolver o Congresso, tem o poder de veto quanto aos actos legislativos, impedindo os projectos de lei que, no seu entender, sejam inadequados, de se tornarem lei. O Presidente pode promulgar de- cretos administrativos e os órgãos executivos podem elaborar regulamen- tos administrativos no âmbito do poder legislativo delegado. Simultanea- mente, o poder executivo também está sujeito a determinadas restrições, como, por exemplo, o Congresso, que, para assegurar a execução de leis pelos órgãos executivos, pode organizar audiências legislativas. Quanto às relações entre os poderes executivo e judicial, os tribunais têm poder para

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fiscalizar os actos administrativos, com vista, a prevenção da violação das liberdades e do direito à propriedade dos cidadãos por parte dos órgãos executivos. A remuneração dos juízes não pode ser reduzida livremente.

Para alcançar o exercício de controlo mútuo entre os três poderes e para consolidar a independência judicial e o balanço entre os três poderes, o Supremo Tribunal, sendo o tribunal federal mais importante, possui ainda um poder crucial, ou seja, o poder de fiscalização judicial ou o de fiscalização de constitucionalidade estabelecido num assento de 1803, no âmbito do caso “Marbury contra Madison”. Embora este poder não es- teja expressamente consagrado na Constituição, é amplamente recorrido na prática. Por outro lado, o poder judicial é restringido pelos poderes executivo e legislativo. A título de exemplo, o Congresso e os Estados fe- derados dos EUA podem revogar a sentença do Supremo Tribunal Fede- ral mediante aditamentos à Constituição, ou, podem aprovar novamente o projecto de lei, julgado anteriormente pelo tribunal, uma violação da Constituição. O Congresso pode ainda exercer o poder de censura contra os juízes dos tribunais federais. É claro que o sistema político dos EUA também não preenche completamente a tese sustentada por Montes- quieu. A maior diferença reside na forma estrutural do Supremo Tribu- nal. Os juizes são nomeados pelo Presidente dos EUA e não são eleitos por sufrágio. Sendo assim, o Presidente desempenha um papel decisivo e crucial na constituição dos tribunais, sendo inevitável que a nomeação seja feita com base no princípio de preferência política.

Neste sentido, mesmo os países capitalistas ocidentais relativamente mais desenvolvidos, influenciados pelo pensamento de “divisão de pode- res” dos primeiros pensadores políticos capitalistas, nem todos implemen- taram o sistema de “separação de poderes” em sentido estrito. Isto porque a formação e a evolução de qualquer sistema político estão sempre asso- ciadas a factores específicos dos países e regiões envolvidos, nomeadamen- te no âmbito das condições socioeconómicas, história e tradição, cultura e política, e das circunstâncias daquela época, limitados pelo desenvolvi- mento histórico, tratando-se de um processo de transformação natural e do resultado de concorrências políticas, não sendo, por isso, esses sistemas políticos sempre implementados por planos concebidos anteriormente.

Os governantes ou os que elaboram documentos constitucionais, ao opta- rem por um sistema ou modelo, têm de ter sempre em conta, as situações reais do local e da época em que vivem e ponderar nos interesses políticos

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e nos valores que valorizam. No que respeita a sistemas políticos, não existe, nem nunca existiu, um modelo comum ou padrão absoluto que sirva para todos os países ou regiões. Em 1958, depois do sistema “sistema misto parlamentar-presidencial” ter sido aprovado pela constituição da época de De Gaulle, que disse, “compreendo perfeitamente aqueles que gostam de explicar tudo e que ficam insatisfeitos por não conseguirem encaixar a Constituição (Francesa) num desses dois sistemas. Para eles, o sistema político francês só pode ser, ou parlamentar ou presidencial. Mas não vejo que o sistema político francês vá necessariamente ser um instá- vel, indeterminado e fraco. Por que razão a França necessita de adoptar as regras adoptadas na América do Norte? Posso dizer que a nossa constitui- ção é, ao mesmo tempo, parlamentar e presidencial, o que é apoiado pelo equilíbrio e características que temos.”

O que o autor acabou de referir e de comparar, demonstra que o sis- tema de “separação de poderes” tem uma conotação própria. A divisão de poderes de um Estado, em três poderes: administrativo, legislativo e ju- dicial, exercidos respectivamente, por três órgãos diferentes, pode não re- presentar necessariamente o sistema de “separação de poderes” em sentido estrito, podendo-se classificar como um verdadeiro sistema de “separação de poderes de poderes” só quando os poderes administrativo, legislativo e judicial se controlam uns aos outros, tendo uma relação equilibrada em que cada um tem os próprios órgãos, funções e pessoal, não se responsa- bilizando perante os outros e não havendo acumulação de qualidades dos membros. Por essa razão, de entre os actuais grandes países do Mundo, só os EUA são considerados o único país típico de “separação de poderes”

enquanto os outros não se consideram países deste sistema.

Sabemos que, segundo o desenho e os termos da Lei Básica, na RAEM está implementado um sistema político com predominância do poder executivo, o que normalmente significa que quem lidera é o poder executivo, havendo controlo mútuo mas também articulação entre o po- der executivo e o legislativo, enquanto o poder judicial é independente.

Este sistema caracteriza-se por ser o poder executivo, no caso do sistema da RAEM, a ter uma posição primordial, tendo o Chefe do Executivo um estatuto relativamente mais alto e poderes mais amplos, sendo o Chefe do Executivo o núcleo na organização e funcionamento dos órgãos dotados de poder político da RAEM. O sistema da RAEM é muito diferente do sistema de “separação de poderes” tanto a nível do seu atributo como do

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seu conteúdo. O autor acha que para se compreender o sistema político da RAEM consagrado na Lei Básica, é necessário dominar os seguintes pontos e diferenças.

I. A estrutura política da RAEM é uma estrutura política de natureza local.

Trata-se de um foco essencial para a observação e análise da estrutura política da RAEM. Como o nosso país é um estado unitário, a RAEM é uma região administrativa local que goza de um alto grau de autonomia e fica directamente subordinada ao Governo Popular Central. A estrutura política da RAEM, que não pode definir por si própria, é definida pela lei elaborada pelas Autoridades Centrais. O sistema político da RAEM está subordinado ao do País e aos órgãos de soberania previstos na Cons- tituição, tais como a Assembleia Popular Nacional e o seu Comité Per- manente, o Conselho de Estado e o Presidente de Estado. Relativamente à fonte do poder, os poderes que integram o alto grau de autonomia que a RAEM goza, incluindo poderes executivo, legislativo, judicial indepen- dente e de julgamento em última instância, resultam da delegação pelas Autoridades Centrais, sendo o seu âmbito, a sua distribuição e as relações entre eles são definidas na Lei Básica, aprovada pela Assembleia Popular Nacional. Pelo que, o exercício de todos os poderes que expressam a so- berania, é reservado ao Governo Popular Central. Por outro lado, o exer- cício dos referidos poderes por parte da RAEM está sujeito ao controlo e fiscalização das Autoridades Centrais. Por exemplo, as leis produzidas pela Assembleia Legislativa devem ser comunicadas para registo ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional; se os tribunais da RAEM necessitarem, no julgamento de casos, da interpretação de disposições da Lei Básica respeitantes a matérias que sejam da responsabilidade do Governo Popular Central ou do relacionamento entre as Autoridades Centrais e a RAEM, os tribunais da RAEM devem obter, através do Tri- bunal de Última Instância, uma interpretação das disposições por parte do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional. Isto demonstra que a RAEM goza, no contexto de “um país, dois sistemas”, dos poderes relativamente muito maiores do que os de outras províncias, regiões au- tónomas e cidades directamente subordinadas ao Governo Popular Cen- tral, o que reflecte uma característica especial. No entanto, em termos de atributo da estrutura política e do estatuto, a estrutura política da RAEM é uma estrutura de natureza local, ou seja, uma estrutura de política de

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natureza local e especial, à qual sobrepõem a estrutura política do Estado e as Autoridades Centrais. Nestes termos, não se pode fazer uma simples comparação com um Estado. Isto também implica a impossibilidade de implementar um sistema de “separação de poderes” que pressupõe a exis- tência dos plenos poderes inerentes a um Estado soberano.

II. O Chefe do Executivo ocupa o lugar central na estrutura orgânica e no funcionamento dos órgãos

dotados de poder político da RAEM

Trata-se da maior característica de que a preponderância do poder executivo da RAEM reveste. Nos termos da Lei Básica, o Chefe do Exe- cutivo só o dirigente máximo do Governo da RAEM, a quem compete a sua direcção, mas também o dirigente máximo da RAEM que representa a Região. Esta dupla qualidade, nomeadamente a última qualidade, dá- lhe na Realidade, uma posição superior às dos órgãos executivo, legislati- vo e judicial, passando a ser, o núcleo dos poderes e o líder central. Relati- vamente aos assuntos interiores, compete ao Chefe do Executivo dirigir o Governo da RAEM, gozando de vários poderes para tomar decisão e po- deres de nomeação e de exoneração, entre outros. E quanto aos assuntos externos, cabe exclusivamente ao Chefe do Executivo o tratamento, em nome do Governo da RAEM, dos assuntos externos e de outros assuntos, quando autorizado pelas Autoridades Centrais. Perante as Autoridades Centrais, compete exclusivamente ao Chefe do Executivo relatar, em re- presentação da RAEM, o seu trabalho ao Governo Popular Central, com quem pode contactar directamente, e fazer cumprir as directrizes emana- das do Governo Popular Central em relação às matérias previstas na Lei Básica. Esta posição central e poderes essenciais que o Chefe do Executi- vo detém são necessários para cumprir as suas responsabilidades perante o Governo Popular Central. Justamente por isso, o Professor Catedrático Xiao Weiyun pretendia chamar esta estrutura política da RAEM “Sistema de Chefe do Executivo”.

III. Posição mais activa e prioritária do Poder Executivo em relação aos Poderes Legislativo e Judicial

A título exemplificativo, compete ao órgão administrativo apresentar propostas de lei e de resolução e elaborar regulamentos administrativos,

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gozando a iniciativa legislativa exclusiva das matérias que envolvam re- ceitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcionamento do Governo As iniciativas dos Deputados são limitadas, pois, a apresentação de projectos de lei que envolvam a política do Governo deve obter prévio consentimento escrito do Chefe do Executivo. As propostas de lei e a re- solução apresentadas pelo Governo da RAEM devem ser inseridas, com prioridade, na ordem do dia da Assembleia Legislativa. As propostas ou projectos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa só entram em vigor depois de serem assinados e publicados pelo Chefe do Executivo. Nas circunstâncias legalmente previstas e cumpridas as formalidades legais, o Chefe do Executivo ainda pode dissolver a Assembleia Legislativa.

IV. Salvo a independência do poder judicial independente, os poderes executivo e legislativo exercem um controlo mútuo e actuam em articulação,

prevalecendo esta última relação

De acordo com a Lei Básica, os poderes executivo e legislativo da RAEM, controlam-se mutuamente. O órgão executivo detém maior poder de decisão política, mas não se trata de predomínio do poder exe- cutivo, uma vez que está sujeito ao controlo e à fiscalização da Assembleia Legislativa. A Assembleia Legislativa goza do poder legislativo, sendo o órgão executivo responsável perante a Assembleia Legislativa, mas não se trata da preponderância do poder legislativo. No artigo 65.º da Lei Básica estão definidas explicitamente as matérias relativamente às quais, o órgão executivo devem responder perante a Assembleia Legislativa, a saber: fazer cumprir as leis aprovadas pela Assembleia Legislativa que se encontram em vigor, apresentar periodicamente na Assembleia Legislativa, relatórios respeitantes à execução das linhas de acção governativa e responder às interpelações dos deputados na Assembleia Legislativa. As responsabili- dades do órgão executivo perante a Assembleia Legislativa limitam-se a estas matérias. Além disso, a Lei Básica dispõe que, em certas circunstân- cias e cumpridas certas formalidades, o Chefe do Executivo é obrigado a demitir-se e a Assembleia Legislativa tem o poder de censurar o Chefe do Executivo. Tudo isto expressa as funções de controlo do poder legislativo sobre o poder executivo. De notar que as referidas disposições não são produzidas para tornar os órgãos executivo e legislativo opostos, mas sim, para uma melhor racionalização da distribuição e funcionamento dos poderes da RAEM, com vista a optimizar a governação da RAEM. A isto

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acrescenta que na Lei Básica foram especialmente concebidos alguns me- canismos para reforçar a comunicação, coordenação e ajustamento entre os órgãos executivo e legislativo, sendo o Conselho Executivo um desses arranjos. O Conselho Executivo é o órgão destinado a coadjuvar o Chefe do Executivo na tomada de decisões, sendo os seus membros designados pelo Chefe do Executivo de entre os titulares dos principais cargos do Governo, os deputados à Assembleia Legislativa e as figuras públicas. O Chefe do Executivo deve consultar o Conselho Executivo antes de tomar decisões importantes, de apresentar propostas de lei à Assembleia Legisla- tiva, de definir regulamentos administrativos e de dissolver a Assembleia Legislativa, excepto no que diz respeito à nomeação e exoneração do pes- soal, às sanções disciplinares ou às medidas adoptadas em caso de emer- gência. A criação deste mecanismo destina-se, por um lado, ao reforço da preponderância do poder executivo e, por outro lado, pretende-se que o Chefe do Executivo possa ouvir, atempadamente, as opiniões do órgão legislativo antes de tomar decisões importantes e de tratar assuntos rele- vantes e que, mediante a comunicação e coordenação no âmbito do Con- selho Executivo, as propostas de lei e as decisões importantes do governo possam obter o apoio da Assembleia Legislativa e possam ser implemen- tadas sem sobressaltos. Diferente de Hong Kong, o Chefe do Executivo da RAEM tem ainda o poder importante de nomear parte dos deputados à Assembleia Legislativa, previsto no n.° 7 do artigo 50.° da Lei Básica da RAEM e no Anexo II da mesma, não sendo esta disposição temporária nem transitória.

Temos que destacar, o abandono do princípio de “separação de po- deres” é também uma ideia directriz na elaboração da Lei Básica. Num encontro realizado em 16 de Abril de 1987, o Sr. Deng Xiaoping disse aos membros da Comissão de Redacção da Lei Básica da Região Admi- nistrativa Especial de Hong Kong: “o sistema de Hong Kong não pode ser totalmente ocidentalizado, não se pode transpor na íntegra o sistema ocidental. Mesmo não se aplicando o sistema inglês nem o sistema ame- ricano, Hong Kong subsiste durante mais de um século e meio. Outro acha inadequado, transpor de forma integral, o sistema de separação de poderes ou o sistema parlamentar anglo-americano e formular um juízo em função disso sobre se um sistema é ou não democrático”. “Temos que ter em conta as realidades, e decidirmos o nosso sistema e o modo de gestão de acordo com as nossas especificidades”. Aquando da elaboração da Lei Básica de Macau, os membros da Comissão de Redacção também seguem esta ideia na concepção do sistema político da RAEM e chegaram a um consenso sobre os princípios a que as disposições devem seguir. Este

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consenso pode ser especificado em três aspectos que seguem: 1. o cum- prir do princípio de “um país, dois sistemas” e o espírito consagrado na Declaração Conjunta Luso-Chinesa, salvaguardando a unidade nacional, integridade da soberania e do território, concretizando o alto grau de au- tonomia de que a Região Administrativa Especial de Macau goza; 2. é de manter o sistema capitalista em Macau, defendendo os interesses de todos os sectores; 3. ter em conta as realidades de Macau, devendo considerar as especificidades do sistema político de Macau de então e os problemas existentes, devendo as soluções ser favoráveis à estabilidade e ao desenvol- vimento de Macau. Deste modo, na concepção da estrutura política de Macau é preservada a parte eficaz do sistema preexistente, nomeadamente os elementos favoráveis à preponderância do poder executivo, com vista a assegurar a eficiência administrativa.

Além disso, queria esclarecer, como elementos acessórios, dois pon- tos: Primeiro, há quem refere que, nos termos da Lei Básica, cabem aos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, no julgamento dos casos, interpretar a Lei Básica. Assim, os tribunais têm um poder que os tribunais não tinham até à reunificação, ou seja, o poder de fiscalização judicial, que é justamente uma particularidade do sistema de “separação de poderes” dos EUA. Como foi referido antes, na realidade, o poder de fiscalização judicial enquanto poder essencial do Supremo Tribunal Fede- ral, foi estabelecido num assento de 1803, no âmbito do caso “Marbury contra Madison”, esta instituição não resultou da implementação nos EUA os princípios de “separação de poderes” e de independência dos tri- bunais de justiça, mas sim de uma dilatação progressiva do poder judicial no seu funcionamento prático, em “confronto” com os poderes legisla- tivo e administrativo. Não existe nenhuma disposição sobre isto, quer na Constituição dos EUA, quer nos seus aditamentos posteriores. Deste modo, a justificação com este fundamento de que o sistema político da RAEM é do modo de “separação de poderes” não é apropriada. Segun- do, mesmo no sistema de “separação de poderes” dos EUA, as relações entre os poderes modificam de modo dinâmico, pois o poder executivo do Presidente dos EUA está em constante dilatação. A título exemplifi- cativo, os serviços subordinados à presidência criados pela primeira vez no mandato de Roosevelt têm expandido continuamente, serviços que, para além de coadjuvar o Presidente, contribuíram para opor aos poderes parlamentares. O Presidente exerce com frequência o seu direito de veto contra os projectos de lei aprovados para controlar o exercício do poder legislativo por parte do Congresso e exerce, de forma flexível, o seu poder

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de celebração de convenção internacional, adoptando a forma de acordos externos administrativos em vez da de tratados, com vista a afastar a fis- calização e controlo do Congresso, o que reforça o poder diplomático do Presidente. Aproveita também, o período não funcionamento do Con- gresso, para nomear o pessoal a fim de esquivar-se da intervenção deste e estabelece o poder do Presidente em matéria de exoneração dos oficiais da administração, o que fortificou o poder de gestão do pessoal do Presiden- te. A expansão do poder administrativo passou a ser uma tendência da evolução do sistema político ao nível internacional.

A prática é o único critério para examinar a verdade e é também um critério objectivo para aferir um sistema político. Com o estabelecimento da RAEM, os órgãos executivo, legislativo e judicial têm desempenhado as suas funções e assumido as suas responsabilidades previstas na Lei Bá- sica, concretizando-se o modo com preponderância do poder executivo que centra no papel do Chefe do Executivo. E são preservadas a eficiência e a eficácia na tomada de decisões e na respectiva implementação, contri- buindo para o rápido desenvolvimento socioeconómico de Macau, sendo assegurados os direitos e liberdades dos residentes de Macau consagrados na lei. Os resultados da governação são bem satisfatórios, o que revela que a prática do princípio “Um país, dois sistemas” em Macau é bem e reconhecidamente sucedida. A prática justifica que a estrutura política de Macau consagrada na Lei Básica é compatível com o estatuto jurídico da RAEM e com as realidades de Macau, bem como é favorável à preserva- ção da sua prosperidade e estabilidade duradoura e desenvolvimento no futuro. É certo que na prática do sistema com preponderância do poder executivo há e haverá problemas em concreto. Por exemplo, quais arran- jos ou acções em concreto podem tornar a comunicação e ajustamento entre os órgãos executivo e legislativo mais suaves? O que se pode fazer para que o órgão legislativo possa melhor desempenhar o seu papel de fis- calização, e em cumprimento da Lei Básica? Como o Conselho Executivo pode avançar no sentido de melhor desempenhar as suas funções e papel?

Na opinião do autor, estes são problemas que surgem ao nível do funcio- namento, sendo necessário um espaço temporal para se adaptarem e tem a certeza de que o funcionamento prático da estrutura política da RAEM possa ser aperfeiçoada progressivamente e revele suficientemente os seus privilégios, desde que insistamos o princípio de encarar as realidades de Macau, cumprindo rigorosamente a Lei Básica, fazendo pesquisas na prá- tica, colhendo experiências e envidando esforços no aperfeiçoamento do desempenho.

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Síntese Histórica e Situação Actual da

Arbitragem e do Reconhecimento de Decisões do Exterior na RAEM. Panorama do

Singular e Paradigmático Papel da Região como sólida ponte entre a China e os Países Lusófonos

Cândida da Silva Antunes Pires*

I. Na sociedade dinâmica e imprevisível em que hoje vivemos, nos hodiernamente generalizados sistemas de justiça pública em que a regra continua a ser a da exclusividade do exercício da jurisdição por órgãos esta­

duais próprios, que papel desempenha a Arbitragem? “Meio alternativo de resolução de litígios”? Meio complementar de administração da justiça? Qual o verdadeiro sentido destas expressões?

Começando por referir­nos à realidade portuguesa — cuja legislação é matriz e tem sido fonte de inspiração da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) — é conhecida a posição oficial a respeito da utili­

zação dos meios extrajudiciais de resolução de litígios, quer no sentido da sua admissibilidade dentro dos contornos legalmente definidos, quer mesmo da sua incentivação.

Assim, para além da existência de legislação específica reguladora da arbitragem e da permissão legal do exercício da função judicial por tribu­

nais arbitrais — ad hoc ou funcionando no âmbito de instituições para tal autorizadas — é real a preocupação do governo português no sentido de incentivar os particulares a socorrerem­se dos mecanismos arbitrais de decisão de controvérsias1.

*Mestre em Ciências Jurídicas e residente em Macau há 26 anos. É Professora Associada da Universidade de Macau há 22 anos, tendo várias obras e artigos doutrinários publi­

cados, não só em Macau como em outros países, com destaque para Portugal, Espanha, Japão, Moçambique e Cabo Verde.

1 Demonstrativa desta filosofia é uma Resolução do Conselho de Ministros de Por­

tugal, n.º 175/2001, de 28.12 que, de acordo com a súmula oficial «promove,

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Sintomático, também, da importância atribuída em Portugal à composição de litígios por meios alternativos é a existência, na orgânica do respectivo Ministério da Justiça, de uma Direcção­Geral da Admi­

nistração Extrajudicial [artigos 4.º, alínea g), e 14.º do Decreto­Lei n.º 146/2000, de 18 de Julho], de cujas atribuições se destaca a de promover e apoiar a criação, divulgação e funcionamento dos meios extrajudiciais de composição de litígios, designadamente a mediação, a conciliação e a arbitragem, bem como a de prestar apoio às entidades que intervenham na resolução extrajudicial de litígios [artigo 2.º, alíneas b) e e), do Decre­

to­Lei n.º 90/2001, de 23 de Março].

II. Mas se nos situarmos, mais alargadamente, no plano do direito comparado, poderemos encontrar novas fórmulas que põem em causa, ou pelo menos diluem, a justeza da pretensa alternatividade da arbitragem, permitindo que tal fórmula seja apelidada de redutora.

Parece ter sido sobretudo nos Estados Unidos da América que, no âmbito dos chamados instrumentos de ADR (Alternative Dispute Reso­

lution), a Arbitragem começou a ser tratada, a par da Mediação e da Con- ciliação2, como mecanismo alternativo de resolução de litígios; mas hoje

determina e recomenda a resolução de litígios por meios alternativos, como a mediação e a arbitragem», e em cuja parte dispositiva esse mesmo Conselho delibera:

1. Reafirmar o firme propósito de promover e incentivar a resolução de lití- gios por meios alternativos, como a mediação ou a arbitragem, enquanto fórmu- las céleres, informais, económicas e justas de administração e realização da justiça.

2. Assumir e afirmar que o Estado, nas suas relações com os cidadãos e com as outras pessoas colectivas, pode e deve activamente propor e aceitar a superação dos diferendos em que ele mesmo seja parte com recurso aos meios alternativos de resolução de litígios.

3. (...) 4. (...)

5. Determinar que, no desenvolvimento das suas atribuições, o Estado e outras pessoas colec- tivas públicas que integram a administração estadual indirecta proponham e adoptem solu- ções concretas de mediação e de arbitragem como modalidades, preventivas e alternativas, de composição de litígios com os cidadãos, as empresas e outras pessoas colectivas.

6. Fazer novamente saber que, sem prejuízo da escolha de arbitragem ad hoc, os centros de arbitragem legalmente reconhecidos e institucionalizados constituem hoje uma oferta me- recedora de especial confiança e indiscutível aceitação para actuarem nos diferendos acima referidos.

2 Da Mediação e da Conciliação pode, grosso modo, dizer­se que são meios de eliminação ou superação extrajudicial de conflitos, enquanto que a Arbitragem é um meio, também

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em dia a prática da Arbitragem nesse e noutros países é tão intensa, e está a atingir cada vez maior sofisticação técnica, resultante principalmente do seu domínio por advogados, que se tem assistido à necessidade de criação de novas figuras, cuja apreciação excede o âmbito desta comunicação.

No entanto, a título de curiosidade, sempre poderemos referir como exemplos dessas figuras: 1. Em espaços de common law, o mini-trial, o rent-a-judge, a mediation and last offer arbitration e outras fórmulas, al­

gumas das quais de grande complexidade e onerosidade, com expressão muito saliente no plano das relações internacionais3; 2. Mais recentemen­

te, no Brasil, a polémica previsão da mediação obrigatória em Projecto de Lei que “institucionaliza e disciplina a mediação como método de preven­

ção e solução consensual de conflitos” (sic), uma mediação paraprocessual como pressuposto obrigatório do regular desenvolvimento do processo de cognição4; e ainda 3. Na Bélgica, o projecto­piloto (inspirado no modelo de mediação judiciária da Cour d’Appel de Québec) de criação da figura de um juiz-mediador, apetrechado dos convenientes conhecimentos téc­

nicos e cujo poder de conhecer do litígio fica precludido em caso de se frustrar a mediação.

III. Mas uma referência se impõe ainda aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que começaram a prestar especial atenção aos métodos ditos de ADR, malgrado se não registar ainda, em alguns deles, um grande avanço nessa matéria.

extrajudicial, mas de resolução de conflitos através de uma decisão motivada dos árbitros que, consoante os casos, decidem o litígio segundo a legalidade estrita ou segundo a equidade. A nível internacional, a Arbitragem aparece erigida, em determinadas sedes, a

“instrumento de regulação de diferendos contratuais”.

Sobre os traços distintivos que separam a figura da Arbitragem das outras duas designa­

das por Mediação e Conciliação, cfr. o bem elaborado estudo de Álvaro Dantas subordi­

nado ao título “Arbitragem, Mediação e Conciliação: da sua Distinção”, que foi comuni­

cação apresentada na Conferência sobre o Regime Jurídico da Arbitragem em Macau, realizada aos 10 de Novembro de 2006, sob a égide do Centro de Formação Jurídica e Judiciária da RAEM.

3 Em relação às quais se discute se integram, ou não, os chamados “instrumentos de ADR”, a par das oscilações no significado que se associa aos conceitos de Conciliação e de Mediação, que variam em função das especificidades de cada espaço.

4 Mais pormenores sobre este Projecto de Lei podem ser consultados em www.escritorio- online.com/webnews.

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Convém, todavia, acentuar à partida que nesses Países a justiça estadual não esgota os meios de resolução de conflitos; pelo que será plausível falar­se de um pluralismo jurisdicional, integrado por três pata­

mares: num polo, o sistema judiciário do Estado; no polo oposto, a justiça tradicional; num plano intermédio, as formas parajudiciais de composi­

ção dos litígios5.

No que tange à justiça tradicional pouco se conhece, por algo inci­

pientes que são os estudos nessa matéria, apenas aflorando em algumas sedes doutrinárias a noção de que, pelo menos em Cabo Verde e em São Tomé e Príncipe, em época relativamente recente não existiam dispute institutions formais e autónomas, mas sim formas místicas de intervenção por parte de feiticeiros e curandeiros; para além do relevante papel — por todos mais ou menos reconhecido — que, nas sociedades africanas em geral, desempenham, na prevenção e resolução dos litígios, as pessoas mais idosas da comunidade e as autoridades locais (régulos, sobas, etc.)6.

Merecem, contudo, especial menção:

1. Em Angola:

1) A relativamente recente Lei sobre Arbitragem Voluntária (Lei n.º 16/2003, de 25 de Julho), que revogou o Título I do Livro IV do CPC;

2) Outra legislação conexa, como o Decreto n.º 4/06, de 27.02 (au­

torizando a criação de Centros de Arbitragem) e a Resolução n.º 34/06 de 15 de Maio (reconhecendo os centros de arbitragem institucionalizada como uma oferta merecedora de especial confiança e indiscutível aceita­

ção para actuarem nos diferendos); e ainda

3) Algumas experiências de medidas extrajudiciais de superação de litígios, mediante o exercício de funções de conciliação levadas a cabo pela Inspecção­Geral do Trabalho no âmbito dos conflitos laborais;

5 Cfr. Armando Marques Guedes et alii, “Em Pluralismo e Legitimação. A Edificação Jurídica Pós-Colonial de Angola”, Coimbra, Almedina, 2003, p. 170.

6 Cfr. Armando Marques Guedes et alii, “Em Litígios e Pluralismo em Cabo Verde. A Orga- nização Judiciária e os Meios Alternativos”, na “Revista Themis”, n.º 3, 2001; e mesmos autores, “Em Litígios e Legitimação, Estado, Sociedade Civil e Direito em São Tomé e Príncipe”, Coimbra, Almedina, 2002.

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2. Em Cabo Verde:

1) A Lei de Arbitragem n.º 76/VI/2005, de 16.08, que regulamenta as arbitragens nacionais e internacionais;

2) Legislação conexa, como o DL n.º 62/2005, de 10.10 (criando as

“Casa de Direito”), o Decreto Regulamentar n.º 8/2005, de 10.10 (regu­

lando a criação de Centros de Arbitragem) e o DL n.º 30/2005, de 9.05 (regulando a criação de Centros de Mediação); e ainda

3) Algumas experiências de medidas extrajudiciais de superação de litígios, mediante o exercício de funções de conciliação levadas a cabo pela Direcção­Geral do Trabalho, no âmbito dos conflitos laborais7;

3. Na Guiné­Bissau, o DL n.º 9/2000, de 2.10, que regula a arbitra­

gem voluntária, e que em Anexo inclui uma “Cláusula­Tipo de Arbitra­

gem da Entidade Autorizada para a Realização de Mediação e Arbitragem Comercial”;

4. Em Moçambique:

1) O moderno e bastante minudente regime de resolução extraju­

dicial de controvérsias de que se encontra actualmente dotada a ordem jurídica moçambicana, contido em vários diplomas dedicados a esta ma­

téria, o primeiro dos quais foi a Lei n.º 11/99, de 8 de Julho, que rege a Arbitragem, a Mediação e a Conciliação, e cujo art. 71.º revogou todo o Título I do Livro IV do CPC, relativo ao Tribunal Arbitral Voluntário;

2) A existência, também, de diplomas sobre outras matérias — como a Lei do Trabalho de 1998, o Código da Propriedade Industrial de 1999 e a Lei sobre os Direitos de Autor de 2001 — que prevêem a reso­

lução extrajudicial de algumas categorias específicas de litígios, no âmbito objectivo de cada um deles;

3) Especial referência merecem ainda o DL n.º 1/2005, de 27 de Dezembro, que introduziu profundas alterações ao Código de Processo Civil de Moçambique e, sobretudo, a nova Constituição moçambicana de 2004, cujo art. 223.º, no seu n.º 2 veio consagrar, inovadora e expres­

samente, a possibilidade da existência de tribunais arbitrais;

7 Sobre a experiência em Cabo Verde, nesta matéria, cfr. Armando Marques Guedes et alii, “em Litígios e Pluralismo…”, op. cit., pp. 27 e ss.

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5. Em São Tomé e Príncipe:

A Lei n.º 9/2006, de 2.11, que rege a Arbitragem Voluntária, nacio­

nal e internacional.

IV. Mas vamos centrar­nos, fundamentalmente, na realidade pecu­

liar do quadrante do Globo em que vivemos, onde é geralmente conheci­

da a popularidade que as práticas de mediação e conciliação, desde tempos remotos, sempre lograram na China, assim continuando a ser em Hong Kong, onde têm implantação crescente.

1. Aliás, já em 1987, na 4.ª Conferência Internacional de Juízes de Recurso, realizada em Kuala Lumpur, o vice­presidente do Supremo Tri­

bunal Popular da RPC lembrava ser “a resolução de litígios pela elimina­

ção de discórdias” e pela “negociação e mediação” o modo tradicional do povo chinês resolver a litigância civil, acrescentando que “durante longos tempos, quando surgiam litígios entre pessoas, os parentes, os amigos e os ascendentes das partes em disputa como aqueles que eram imparciais e gozavam de elevado prestígio, eram chamados a intervir e alcançar um acordo por mediação”.

Esta prática ancestral manteve­se após a nova revolução democrática.

É também uma realidade que, a nível praticamente universal, as próprias legislações têm vindo paulatinamente a admitir, com base numa ideia de descentralização e de informalização, a relatividade do princípio de exclusividade da jurisdição confiada aos tribunais, consagrando, dentro de certos limites respeitantes à matéria do litígio, a possibilidade de um ius dicere exercido por órgãos estranhos ao poder público, e atribuindo às de­

cisões desses órgãos valor e eficácia idênticos aos dos arestos da autoridade judicial.

Factores de vária ordem, ligados ao próprio desenvolvimento sócio­

político e económico — sobretudo o crescente volume da litigância nas relações jurídico­privadas, causador de um progressivo congestionamento dos tribunais estaduais8 e da consequente disfuncionalidade do processo judicial — foram frequentemente deixando no vazio a matéria peticiona­

8 Situação preocupante a que se foi assistindo praticamente em todo o mundo e que mobilizou especialistas das várias áreas da vida social no sentido de — para além do constante e significativo aumento da litigiosidade — encontrar a razão última dos pro­

blemas decorrentes do exercício monopolístico da jurisdição.

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da ao tribunal9; e, em nome do respeito devido ao fundamental direito de acesso à justiça e ao relevantíssimo princípio da efectividade da tutela jurisdicional dos direitos, tão solenemente proclamado pela doutrina italiana no início do século XX, foi­se tornando imperiosa a necessidade de ser a própria lei a conferir uma mais alargada autonomia à vontade das partes, permitindo­lhes convencionar, em certos casos, um outro meio de resolução dos seus litígios pelo recurso a instâncias extrajudiciais.

Assim se foi desenhando um redimensionamento do velho instituto da Arbitragem.

Com o cuidado requerido por matérias de tanta importância prática, foram surgindo normas legais acolhedoras das ideias que em área tão deli­

cada acabaram por frutificar no comum das legislações, ao mesmo tempo que a própria evolução das sociedades humanas e o surgimento de novos sectores carecidos de tutela foram abrindo campo a uma relatividade cres­

cente do dito monopólio estadual da jurisdição, e mesmo à configuração de novas situações de autotutela permitida, como no âmbito juslaboral sucede com o direito à greve.

2. Tudo isso aconteceu, a seu modo, aqui em Macau10, certo sendo que no actual ordenamento da RAEM o desempenho do tribunal ar­

Todos esses estudos — por vezes muito críticos e porventura excessivamente pessimistas

— foram constituindo uma achega valiosa para as reformas a que há largos anos se vem assistindo no sector judicial de países dos vários continentes, com o surgimento de no­

vas experiências no campo da justiça, destinadas a reduzir a intervenção do Estado nessa esfera; experiências essas a que já se viu chamar movimento dos meios alternativos, que umas vezes parte do Estado em direcção à sociedade civil (“centrífugo”), outras vezes parte desta em relação àquele (“centrípeto”).

Na Europa é uma realidade o chamado “Movimento de Meios Alternativos de Resolu­

ção de Conflitos”, o qual é fomentado pela União Europeia.

9 Curiosa a expressão do ministro brasileiro Sálvio Teixeira, em 2000, referindo­se ao me­

canismo da Arbitragem: “(…) verdadeiro respiradouro da jurisdição estatal” (http//jus2.

uol.com.br/doutrina).

10 No que respeita ao espaço da RAEM, tem interesse citar o que Luís Pessanha “Contributo para uma Tutela Jurisdicional Cautelar Efectiva no Contencioso Administrativo de Macau”

— Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universi­

dade de Macau, 2008, ainda não publicada escreve nas suas Reflexões Finais a propósito do “aumento exponencial do volume de litigância”, para o qual considera contribuir

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bitral, com o valor e a eficácia que lhe são atribuídos, pode não escapar totalmente às malhas do poder judicial: i. já porque, havendo lugar a re­

curso da decisão arbitral, a sua apreciação e decisão será da competência do Tribunal de Segunda Instância [art. 36.º, 1) da Lei n.º 9/1999, de 20.12]11; ii. já porque, tratando­se de decisão arbitral condenatória, o res­

pectivo processo executivo que eventualmente se lhe siga correrá os seus termos num dos Juízos Cíveis do Tribunal Judicial de Base (art. 21.º, n.º 2 do CPC); iii. já ainda porque, em casos considerados especialmente graves — enunciados de modo taxativo no art. 38.º do DL n.º 29/96/M, de 11 de Junho, com regime definido no art. 39.º do mesmo diploma — a decisão arbitral pode ser anulada, a requerimento de qualquer das par­

tes, através de acção judicial a intentar no Tribunal Judicial de Base, e que irá ser decidida num dos seus Juízos com competência cível12.

Mas tal regime deverá, cremos nós, ser entendido como de certo modo confirmador de um valor equiparado ao das decisões congéneres dos tribunais de jurisdição permanente.

Além do mais, é também certo que, não obstante se atribuir às partes as faculdades de por acordo verem o seu litígio dirimido por árbitros da sua escolha13, de poderem afastar o rito estabelecido na lei processual civil,

“uma gradual perda de influência dos mecanismos informais de resolução de litígios que até ao passado recente dominavam a sociedade de Macau”, opinando que “(…) será também oportuno avançar (…) com a criação de meios alternativos para a composição de litígios que possam substituir os mecanismos sociais informais que vão caindo em desuso, aproveitando a disponibilidade da comunidade para confiar em mediadores, conciliadores ou árbitros na resolução das suas querelas”.

11 Cfr., no entanto, o preceituado no art. 34.º e seus números do DL n.º 29/96/M (im­

pugnação por recurso), com especial relevo para o seu — imperativo — n.º 3 que, como tal, se sobrepõe à vontade das partes.

12 Muito embora este Tribunal, em tais casos, apenas possa pronunciar­se sobre a ma­

téria da anulação da decisão, e não sobre o objecto do litígio decidido pelo tribunal arbitral; para além de que a pendência da acção de anulação não impede que, entre­

tanto, se forme caso julgado da decisão anulanda (cfr. n.º 2 do referido art. 39.º do DL n.º 29/96/M).

13 Faculdade esta que, nos termos do artigo 232.º do CPC de Macau, podem exercer mes­

mo na pendência de um processo em tribunal judicial, mediante a celebração de um compromisso arbitral, previsto no artigo 229.º do mesmo Código como uma das causas de extinção da instância judicial.

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e de lograrem uma decisão segundo critérios de equidade14 15, é certo que

— dizíamos — para tornar efectiva a dita equiparação legal aos resultados obtidos pela via judicial, não pode deixar de se considerar indispensável que no iter do processo arbitral sejam rigorosamente observados certos princípios do Direito Processual Civil, erigidos à categoria de verdadeiros mandamentos, como são: o contraditório — que, na pertinente obser­

vação de Castro Mendes, só pode ser afastado (ou melhor, diferido para momento ulterior) por força da lei, mas nunca por vontade das partes; e a igualdade de armas, de óbvia justificação16.

14 O recurso à equidade é tradicionalmente admitido nos países latinos, aparecendo nas convenções de arbitragem expressões que indiciam terem as partes pretendido uma decisão ex aequo et bono. Assim, quando conferem aos árbitros poderes para “uma composição amigável” ou quando os autorizam a julgar “em consciência” ou “segundo o seu saber e entendimento”. Mas também em espaços de “common law”, e no plano da Arbitragem internacional, continua a fazer­se a apologia de tal método de resolução de diferendos, como nos dá conta John Hansen “Judicial Settlement Conferences in New Zealand”, em “Asian Dispute Review”, Hong Kong, Julho de 2008, pp. 83­86), ao afirmar que “Judges must (…) bring an inventive approach and not get bogged down in strict legalities to achieve the settlement desired by the parties”.

Recorde­se, ainda, a lapidar reflexão de Aristóteles, “Ética a Nicómaco”, V, 14: “O que é equitativo, sendo justo, não é justo segundo a lei, mas uma correcção da justiça legal. A razão é que a lei é sempre geral, e que há casos específicos aos quais não é possível apli­

car com toda a certeza um enunciado geral (…). Vê­se assim claramente o que é equita­

tivo, que ser equitativo é ser justo e que é superior a um certo tipo de justiça”.

15 Muito embora os árbitros possam ser autorizados pelas partes a julgar segundo a equi­

dade, e seja razoável entender que, nesses casos, eles têm para ela (equidade) um campo de aplicação mais amplo e mais livre do que o julgador ordinário quando a lei lho per­

mite, não deve esquecer-se que, ainda assim, os árbitros devem respeitar as inafastáveis nor- mas positivas de ordem pública. Assim se dispõe, por exemplo, no art. 2.º, parág. 1.º, da Lei brasileira de Arbitragem n.º 9.307, de 23 de Setembro de 1996, que impõe ainda o respeito pelos “bons costumes”.

Cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 10.07.2008 (www.

dgsi.pt/jstj), cujo sumário refere a dado passo: “Quando se verifique numa sentença arbitral a violação de uma regra de ordem pública, ocorrerá necessariamente a nulidade directa desta sentença arbitral, quando a contrariedade com a ordem pública estiver contida na própria sentença arbitral, tendo de ser paralisados os efeitos desta por recurso aos critérios gerais de direito”.

16 Princípios estes que, na generalidade das legislações, se encontram referidos de forma expressa como de observância imperativa no decorrer da instância arbitral, muito em­

bora sob formulações diferentes, mais ou menos explicativas.

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O que nos autoriza a dizer, sem reservas, que no cumprimento da le­

galidade lato sensu as vias judicial e arbitral afinam pelo mesmo diapasão.

Por outro lado, é também inegável a tendência que se vem desenhan­

do de há uns anos a esta parte no sentido da comunicação, ao processo judicial proprio sensu, de uma certa maleabilização de trâmites, apanágio do processo arbitral. Referimo­nos, entre outros aspectos pontuais, ao recente e inovador princípio da adequação formal, consagrado no preceito do art. 7.º do Código de Processo Civil de Macau, que confere ao juiz um significativo poder de irritualidade.

E outras circunstâncias — signanter, a de que a possibilidade de julgamento segundo a equidade não é exclusiva do processo arbitral17 — contribuem também para diluir as fronteiras legais entre processo judicial e processo arbitral, geneticamente diferentes, é certo, contudo legalmente equiparados nas linhas essenciais da sua eficácia prática.

3. Mas então que espaço fica reservado à tão falada alternatividade?

Não seria mais ajustado — lembrando situações que a história da Arbi­

tragem nos dá a conhecer18 — falar de complementaridade?

Vejamos.

Por um lado, atenta a circunstância de que a admissibilidade legal de celebração de um acordo arbitral não é ilimitada (ficam à partida excluí­

das as relações jurídicas indisponíveis), nessa medida é claro que a alter­

natividade cessa.

17 Veja­se a norma genérica do art. 3.º do CC, cuja alínea a) pode ser ilustrada com o dis­

posto no art. 1208.º do CPC, que admite como critério de julgamento, nos processos de jurisdição voluntária, “(…) a solução mais conveniente e oportuna”.

E atente­se, em especial, no teor das alíneas b) e c) daquele art. 3.º, que nos aproximam da matéria em análise (muito embora podendo questionar­se a referência, apenas, à cláusula compromissória).

18 Referimo­nos à situação verificada em Inglaterra no último quartel do século XX, que na época serviu de exemplo a outros Estados integrados em famílias jurídicas diferentes, de limitar o tradicional recurso aos tribunais judiciais por parte dos árbitros, que antes tinham a possibilidade de tornar dependentes as suas sentenças da decisão dos tribunais judiciais sobre determinada questão de direito. A tal solução foi atribuído o significado de que a Arbitragem deixou de ser uma mera fase preliminar no caminho para a reso­

lução final do litígio pelos tribunais. Apud René David, “L’Arbitrage dans le Commerce International”, Paris, 1982, pp. 160 e 461­462.

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Por outro lado, também não é absoluta, no plano processual, a equi­

paração dos resultados obtidos pelos dois mecanismos — o judicial e o arbitral —, muito embora esteja legalmente garantida, em idênticos ter­

mos, a vinculatividade e a definitividade das respectivas decisões.

Na expressão de Luís Correia Mendonça19, “Os métodos alternativos não dispensam a existência e o funcionamento de um sistema clássico que os enquadre e apoie (…), e só concorrem verdadeiramente com a função de acertamento e de declaração do direito, mas não com a função execu­

tiva”. Ou, como afirma o académico norte­americano Stephen Goldberg, a concluir a comunicação que apresentou na “II Conferência — Meios Alternativos de Resolução de Litígios”, organizada pela Direcção­Geral da Administração Extrajudicial do Ministério da Justiça português em 2001:

“In sum, there is a place in the justice system for both the ADR move­

ment and the courts. They can and should exist side by side and comple­

ment each other”.

Convimos. Daí não nos parecer desajustado falar de complementari- dade do mecanismo arbitral 20 21com o valor — que lhe vem sendo atribuí­

do na generalidade das sedes — de justiça de proximidade; não apenas de proximidade física, mas sim, e principalmente, de proximidade psicológi­

ca, tendente à desejável humanização do sistema de justiça22. Uma ‘jurisdição’ do futuro…que é, afinal, de todos os tempos.

19 Da Justiça. Sistema, Função Jurisdicional, Legitimidade do Poder Judicial, Manual de Apoio ao Curso de Formação Contínua para Magistrados dos PALOP, no âmbito da Cooperação CE — PALOP, Luanda, 2003.

20 Parecendo discordar também da “alternatividade” atribuída à arbitragem, Dário Moura Vicente, em conferência sobre “Arbitragem e outros Meios de Resolução Extrajudicial de Litígios no Direito Moçambicano”, proferida em 2006 no Maputo (www.fd.ul.pt/ICJ/lus- communedocs), considerou­a como “meio de resolução de litígios adicional às jurisdições estaduais, que continuam a ser jurisdições de apoio” (sublinhado nosso).

21 Mas também há quem, discordando do qualificativo “complementar” para a arbitra­

gem, porque “inculca um sentido de equiparação, quando os planos e as escolhas são completamente diferentes” (sic), prefere apelidá­la de meio subsidiário (Miguel Veiga, na II Conferência — Meios Alternativos…, referida no texto, p. 74.

22 Cite­se, a propósito, a expressão de Maria Manuel Leitão Marques, em comunicação apresentada na II Conferência — Meios Alternativos… (referida no texto), falando de “litígios que dificilmente chegariam ao tribunal”: “Neste grupo podemos incluir os litígios de consumo onde se veio criar em todos os Centros de Arbitragem um sistema facilitador do acesso, mais do que um sistema alternativo”. Para de seguida opinar que qualquer dos mecanismos extrajudiciais referidos “(…) acaba, assim, por funcionar

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V. Enumeremos agora as principais fontes legais da Arbitragem na RAEM.

O diploma que regula o essencial da Arbitragem Voluntária Interna em Macau é o já referido DL n.º 29/96/M, de 11 de Junho, cujos dispo­

sitivos se inspiraram em grande parte no “Anteprojecto de Lei de Arbitra­

gem Voluntária para o Território de Macau”, texto divulgado e submetido a discussão pública, em Fevereiro de 1990, pelo então Gabinete para a Modernização Legislativa do Governo de Macau e que mereceu tradução para Língua Chinesa.

Na vigência do CPC de 1961, anteriormente vigente em Macau, as matérias relativas ao Tribunal Arbitral — Voluntário e Necessário — vinham regulamentadas no respectivo Livro IV, arts. 1508.º a 1528.º.

Neles se dispunha sobre a admissibilidade das convenções de arbitragem nas suas duas modalidades, assim como sobre a capacidade dos compro­

mitentes, a validade de tais convenções e seus requisitos, sobre a nomea­

ção e escusa dos árbitros, sobre o funcionamento do tribunal arbitral e a tramitação do respectivo processo, sobre o critério de julgamento, o valor da correspondente decisão, e ainda sobre recursos dessa mesma decisão.

Mas nessa época existia já em Macau legislação extravagante em cujo articulado podiam encontrar­se aplicações da faculdade de utilização da via arbitral para a resolução de certos litígios. É exemplo o DL n.º 63/85/

M, de 6.07, cujo art. 64.º prevê a faculdade de as partes submeterem a arbitragem os litígios surgidos sobre interpretação, validade ou execução de contratos relativos à aquisição de bens e serviços para a Administração do território de Macau, e cujos arts. 69.º e 70.º prevêem e regulam, res­

pectivamente, o tempo de celebração do compromisso arbitral e o modo de constituição do tribunal arbitral, bem como a tramitação do respectivo processo.

Outros diplomas foram entretanto sendo publicados em Macau so­

bre aspectos relativos à Arbitragem, de entre os quais merecem destaque (ordem cronológica):

1. Lei n.º 3/90, de 14 de Maio, que define os princípios gerais a ob­

servar nas concessões de obras públicas e serviços públicos;

como um filtro do próprio sistema judicial, atenuando a sua carga processual e contri­

buindo para satisfazer as exigências de justiça num tempo útil, em vastos domínios da conflitualidade social” (sublinhados nossos).

Referências

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