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A INCLUSÃO DE ARTISTAS PLÁSTICOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA NA SOCIEDADE

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Academic year: 2022

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Comunicações Piracicaba | v. 27 | n. 2 | p. 3-20 | maio-ago. 2020 DOI: http://dx.doi.org/10.15600/2238-121X/comunicacoes.v27n2p3-20

A INCLUSÃO DE ARTISTAS PLÁSTICOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA NA SOCIEDADE

THE INCLUSION OF PHYSICAL DISABILITIES ARTISTS IN THE SOCIETY

INCLUSIÓN DE ARTISTAS DE DISCAPACIDAD FÍSICA EN LA SOCIEDAD

Raphael Manzini1 Thamiris de Paula Pereira2 Graziele de Aguiar Roncato3 Ailton Barcelos da Costa4 Maria Amélia Almeida5 Márcia Duarte Galvan6

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil

2Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil

3Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil

4Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil

5Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil

6Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), São Carlos/SP-Brasil Resumo Pintar pode fazer a pessoa com deficiência física ultrapassar suas limitações e se inserir na sociedade como membro ativo, expressando seu contexto histórico e sua própria subjetividade. O objetivo deste trabalho foi investigar as contribuições da pintura para a inclusão de pessoas com deficiência física na sociedade. Para isso, realizaram-se oito entre- vistas semiestruturadas com quatro artistas com deficiência física e um de seus respectivos familiares. Com a análise de conteúdo dos relatos, identificou-se que o pintar é percebido como um meio eficaz de inclusão para pessoas com deficiência física, pois proporcionou aos artistas entrevistados acesso a novos ambientes, reconhecimento além do estereótipo e renda para as suas famílias. Observa-se, assim, a importância do incentivo ao ensino de pintura em escolas inclusivas e instituições terapêuticas para que os potenciais artistas tenham a oportunidade de conhecer essa realidade promotora de inclusão. Espera-se ain- da que este trabalho possa ter dado algumas indicações importantes sobre o cotidiano de artistas com deficiência física, contribuído para discutir a melhoria do ensino de artes e condições de trabalho do fazer artístico para essa população.

Palavras-chave: Deficiência física; Inclusão; Artes Plásticas; Pintura.

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Abstract Painting can make people with physical disabilities overcome their limitations and insert themselves in society as an active member, expressing their historical context and their own subjectivity. The objective of this work was to investigate the contributions of painting to include people with physical disabilities in society. For this, eight semi- structured interviews were conducted with four artists with physical disabilities and one of their respective family members. By analyzing the content of the reports, it was identified that painting is perceived as an effective means of inclusion for people with physical dis- abilities, as it provided interviewed artists with access to new environments, recognition beyond stereotype and income for their families. Thus, it is observed the importance of encouraging the teaching of painting in inclusive schools and therapeutic institutions so that potential artists have the opportunity to know this reality promoting inclusion. It is also hoped that this work may have given some important indications about the daily lives of artists with physical disabilities, contributing to discuss the improvement of arts teaching and working conditions of artistic making for this population.

Keywords: Physical disability; Inclusion; Visual arts; Painting.

Resumen La pintura puede hacer que las personas con discapacidad física superen sus limitaciones y se inserten en la sociedad como miembros activos, expresando su contexto histórico y su propia subjetividad. El objetivo de este trabajo fue investigar las contribu- ciones de la pintura para incluir a las personas con discapacidad física en la sociedad. Para esto, se realizaron ocho entrevistas semiestructuradas con cuatro artistas con discapacida- des físicas y uno de sus respectivos familiares. Al analizar el contenido de los informes, se identificó que la pintura se percibe como un medio eficaz de inclusión para las personas con discapacidades físicas, ya que proporcionó a los artistas entrevistados acceso a nuevos entornos, reconocimiento más allá del estereotipo e ingresos para sus familias. Así, se ob- serva la importancia de fomentar la enseñanza de la pintura en escuelas inclusivas e institu- ciones terapéuticas para que los artistas potenciales tengan la oportunidad de conocer esta realidade, promoviendo la inclusión. También se espera que este trabajo haya dado algunas indicaciones importantes sobre la vida cotidiana de los artistas con discapacidades físicas, contribuyendo a discutir la mejora de la enseñanza de las artes y las condiciones laborales de la creación artística para esta población.

Palabras clave: Discapacidad física; Inclusión; Artes plásticas; Pintura.

Introdução

Caracteriza-se a deficiência física como a alteração de uma parte do corpo humano que gera comprometimento das ações realizadas, apresentando-se como “paraplegia, para- paresia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiple- gia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade” (BRASIL, 2004). Porém, para além de se considerar os aspec- tos limitadores de uma deficiência física, discute-se no Decreto nº. 5.296/04 a necessidade de conscientizar a sociedade sobre as potencialidades dos indivíduos com deficiência física (BRASIL, 2004). Nesse sentido, a inclusão de pessoas com deficiência tem sido concei-

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tuada por autores, como Martins e Oliveira (2017), como uma busca pelo fim da histórica opressão que sofreu essa parcela da população, cujo espaço para participação nos debates na vida plenamente integrada à sociedade sempre foi restrito.

Apesar da luta pela inclusão de pessoas com deficiência nos diversos âmbitos so- ciais, Mendes (2006) argumenta que pesquisas nacionais demonstram falta de recursos que garantam o acesso e a manutenção de pessoas com deficiências em escolas regulares e demais ambientes, apontando a necessidade de mais investigações e investimentos para que os diversos conhecimentos da humanidade sejam transmitidos a todos. Um exemplo de dificuldades de uma plena inclusão ocorre nas aulas de artes em escolas regulares:

Os conhecimentos sobre ensino de arte na escola inclusiva estão em construção, já que grande parte dos conhecimentos específicos sobre recursos e metodolo- gias de trabalho em arte com alunos com deficiência foi constituída nos contex- tos da educação especial com populações homogêneas, geralmente em institui- ções beneficentes e escolas especiais. Não é possível, simplesmente, transpor os saberes constituídos num espaço institucional para outro espaço de inclusão (REILY, p. 98, 2010).

Quando se fala de inclusão, de acordo com Michels e Garcia (2014), esse termo está presente na legislação desde o início dos anos 2000, mas uma perspectiva de inserção de alunos da educação especial nas escolas de ensino regular, como prevê a UNESCO (Orga- nização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), prevista pela na Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) Lei n. 9.394/96. Para esses autores, recentemente, o documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva reitera a matrícula de alunos com deficiência, altas habilidades/superdotação e transtorno global do desenvolvimento em escolas regulares.

A inclusão, segundo Ferreira e Carneiro (2016), tem um objetivo intrínseco que é aceitar toda e qualquer diferença no contexto escolar e possibilitar a todos acesso ao conhe- cimento. Para esses autores, embora a escola inclusiva deva dar respostas a todos os alunos buscando atender a suas mais variadas diferenças, tem-se no Brasil a definição de quem são os estudantes (PAEE), público-alvo da educação especial, que por razões específicas podem requerer estruturas e recursos diferenciados e têm direito ao atendimento educacio- nal especializado (AEE), de forma que se possa assegurar a acessibilidade aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, desenvolvendo medidas que possibilitem a eliminação de barreiras na edificação, incluindo instalações, equipamentos, mobiliários e também nos transportes escolares, bem como, barreira na comunicação, garantindo na escola os recursos humanos e materiais necessários (FERREIRA; CARNEIRO, 2016).

No mesmo sentido, Sassaki (1997, p. 47) nos diz que cabe à sociedade eliminar todas as barreiras físicas, programáticas e atitudinais, para que as pessoas (Público-Alvo da Edu- cação Especial) possam ter acesso aos serviços, lugares, informações e bens necessários ao seu desenvolvimento pessoal, social, educacional, e profissional. Ainda para o autor, pensar num processo de inclusão social significa adaptarem-se, sociedade e espaços, e por conseguinte, construir uma sociedade para todos.

Por sua vez, Teixeira (2010) questiona o fato de a inclusão ser tão discutida em vários setores sociais, mas gera diversas controvérsias quando se trata de considerar o trabalho

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de pessoas com deficiências na área das artes. Além disso, o autor propõe um pensamento crítico com relação à inclusão dessa população nas artes, pois existe a necessidade de va- lorizar o trabalho artístico da pessoa com deficiência e reconhecer sua capacidade como indivíduo, não como um cunho de pena ou qualquer sentimento negativo. As expressões artísticas da pessoa com deficiência podem agir como facilitadores para sua socialização e para o artista se tornar um dos colaboradores da renda familiar, gerando autonomia para si e para sua família (TEIXEIRA, 2010).

A pesquisa de Leal, Mattos e Fontana (2013, p. 64) aponta que:

[...] o preconceito ainda hoje é uma das grandes dificuldades que a pessoa com deficiência física encontra na busca pelo emprego, assim como a acessibilidade, decorrente de pressupostos históricos segundo os quais o deficiente físico era tarjado como um ser incapacitante devido à sua limitação física corporificada na aparência.

Entretanto, segundo Prais et al. (2017), no âmbito da inclusão profissional, são ofe- recidas oportunidades de trabalho para as pessoas com deficiência, mas nem sempre eles atendem plenamente às competências exigidas pelo mercado, cada vez mais rigorosas.

Falando sobre as artes em si, estas são formas utilizadas pelo ser humano para expres- sar suas emoções, seus pensamentos, sua história cultural, conforme diz Atack (1995). Para o autor, após seu surgimento há milhares de anos, como revelam as pinturas rupestres em cavernas, as artes vêm sofrendo transformações ao longo do tempo, sendo representadas por meio de várias formas, por exemplo, cinema, música, escultura, dança, pintura, entre outros, de tal modo que, cada período histórico cria um conceito diferente de arte, com dis- tintos valores éticos e morais, evoluindo constantemente (ATACK, 1995). Uma expressão artística tem grande importância na sociedade, pois narra um contexto histórico, social e pessoal, mesmo que o artista não seja reconhecido publicamente.

Na escola regular, no Ensino Fundamental, o componente curricular Arte está cen- trado nas seguintes linguagens: as Artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro, segundo Brasil (2017). Para o autor, tais linguagens articulam saberes referentes a produtos e fe- nômenos artísticos e envolvem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir sobre formas artísticas, de tal modo que a sensibilidade, a intuição, o pensamento, as emoções e as subjetividades se manifestam como formas de expressão no processo de aprendizagem em Arte.

O componente curricular contribui, ainda, para a interação crítica dos alunos com a complexidade do mundo, além de favorecer o respeito às diferenças e o diálogo intercultu- ral, pluriétnico e plurilíngue, importantes para o exercício da cidadania (BRASIL, 2017).

Para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na Educação Básica:

[...] o ensino de Arte deve assegurar aos alunos a possibilidade de se expressar criativamente em seu fazer investigativo, por meio da ludicidade, propiciando uma experiência de continuidade em relação à Educação Infantil. Dessa ma- neira, é importante que, nas quatro linguagens da Arte – integradas pelas seis dimensões do conhecimento artístico –, as experiências e vivências artísticas estejam centradas nos interesses das crianças e nas culturas infantis. Tendo em

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vista o compromisso de assegurar aos alunos o desenvolvimento das compe- tências relacionadas à alfabetização e ao letramento, o componente Arte, ao possibilitar o acesso à leitura, à criação e à produção nas diversas linguagens artísticas, contribui para o desenvolvimento de habilidades relacionadas tanto à linguagem verbal quanto às linguagens não verbais (BRASIL, 2017, p. 199).

Para Anversa (2011), a arte é um instrumento de inserção e inclusão social, sendo uma ferramenta para modificar e transformar com qualidade a vida das pessoas com defi- ciência. Entretanto, Bueno (2002, p. 88) defende que a arte é um elemento imprescindível para o desenvolvimento do ser humano social, cultural, psicológico, político e histórico.

É fundamental considerá-la não como “instrumento de resgate da cidadania”, mas sim um instrumento de exercício da cidadania.

Para Atack (1995), entre as mais diversas formas de artes, a pintura é uma forma não verbal das pessoas se comunicarem, sendo expressa de uma maneira individual, muitas vezes, demonstra os conflitos internos e sentimentos do artista. Segundo esse autor, por meio das artes a pessoa com deficiência física tem oportunidade de experimentar os efeitos de suas ações, realizando atividades que estimulam o uso e o controle tanto de movimen- tos amplos quanto de movimentos precisos, levando tal indivíduo a ampliar seus limites.

Nesse sentido, para Ferreira (2010), fazer arte vai além do processo de executar uma tarefa, pois requer uma dimensão reflexiva, uma fenomenologia da forma, uma percepção confor- madora e formadora, que expande a percepção do mundo e produz uma reflexividade que pressupõe diferentes possibilidades de sentidos.

Para Ferreira (2010), a obra de arte incorpora elementos sociais, históricos, cognosci- tivos, éticos, religiosos ou formais, sem privilegiar qualquer uma das dimensões envolvi- das, produzindo significados independentes do que foi imaginado pelo seu criador. Para o autor, a arte produz sensações e modos abstratos de pensamento que escapam aos domínios da racionalidade ou da lógica.

A produção de artes pela pessoa com deficiência física não estimula somente seu de- senvolvimento motor, mas também a sua reflexão sobre o mundo, dando-lhe o direito de se comunicar de maneira que ele se sinta incluso na sociedade. As artes, para a pessoa com deficiência física, somada à atividades em grupo pode estimular também a socialização e age como formador do senso crítico do indivíduo (ATACK, 1995).

Recursos artísticos geralmente são usados como facilitadoras durante terapias, traba- lhos para socialização e autoestima, além de ajudarem a coordenação manual e movimen- tos necessários à escrita para as pessoas com deficiência física (REILY, 2010). Ainda assim, para Realy (2010), tais pessoas podem ser excluídas desse bem da humanidade devido à suas limitações físicas para a produção de arte.

Em alguns casos, a pessoa com deficiência física necessita de adaptações em seus materiais de trabalho para criar suas obras. Tais adaptações podem ser chamadas de Tec- nologia Assistiva (TA), que é um termo que vem sendo utilizado para identificar recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e promover vida independente e inclusão (BERSCH, 2008).

Portanto, para Realy (2010), a produção de pinturas é significativamente importante para a inclusão de pessoas com deficiência física, pois aprimora o desenvolvimento físico,

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ao levar o artista a explorar suas limitações motoras e adaptações de recursos disponíveis para a realização de seu trabalho. Segundo esse autor, também é importante, do ponto de vista psicológico, ao levar o artista a expor sua subjetividade para toda a sociedade, poden- do inclusive facilitar a sua socialização e entrada no mercado de trabalho.

Pitombo (2007) traz relatos de produção artística por pessoas com deficiência no Bra- sil. Destaca-se o trabalho de Arte-terapia na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente). Para o autor, Ana Alice Francisquetti trabalhou com a arte como terapia na AACD desde 1978, com o propósito de transcender o trabalho com a subjetividade e poder estimular a inserção e ação social.

Entretanto, existem poucas publicações sobre a temática.

O trabalho de Pitombo (2007) teve por objetivo estudar uma mostra qualitativa da cultu- ra contemporânea da cidade de São Paulo acerca de propostas que enfocam o acesso às Artes Plásticas para pessoas com deficiência, analisando-as na perspectiva do paradigma da inclu- são social. Por meio de observações e fotos de três instituições estudadas, bem como, das três atividades representativas de um cenário de ações inclusivas, com os dados analisados das nove entrevistas com os profissionais, foi possível apresentar um retrato atual do diálogo tra- vado entre os agentes desse processo e os conceitos formação de educadores, mudança de pa- radigma e especificidades do ensino de arte para grupos especiais/mediação. Os fundamentos que deram embasamento teórico à discussão desses dados foram tirados da fenomenologia, da abordagem sócio-cultural-histórica, do campo específico da arte, da educação especial e do paradigma da inclusão. Nesta pesquisa constatou-se a existência de significativas práticas artísticas específicas a esse público. Contudo, não atingem a população da cidade em geral.

Um dos trabalhos mais relevantes foi a dissertação de Somera (2008). A autora in- vestigou a interação de artistas com deficiências com instituições de apoio e a inclusão por meio da arte, chegando a realizar uma entrevista com um membro da Associação de Pintores com a Boca e com os Pés – associação internacional fundada, em 1956, por Erich Stegmann com objetivo de proporcionar uma condição de vida independente para seus membros. Como conclusão, Somera (2008) revelou que existem muitas barreiras para uma pessoa com deficiência ter sua formação em artes, que há maior autonomia de artistas que se associam a instituições de artistas do que a instituições filantrópicas, e que, com relação à inclusão pela arte, muitos artistas não se consideram com essa nomenclatura e não são incluídos em um meio cultural.

O estudo de Anversa (2011) teve por objetivo investigar como as famílias abordavam a formação artística dos filhos com deficiência (Síndrome de Down, Autismo, Paralisia Cerebral e Deficiência Intelectual) no âmbito das escolas particulares, verificando os con- ceitos que essas famílias possuíam acerca da arte e do ensino de arte e como conduziam o investimento artístico e cultural de seus filhos nesse campo. A pesquisa utilizou a entrevista como método de coleta de dados. Como resultados obteve-se que a concepção do ensino de arte e também sobre a própria arte, bem como, o investimento artístico e cultural dessas famílias foi significativo, no sentido de promover reflexões teóricas e práticas nas próprias famílias entrevistadas. Além disso, a autora observou que as dificuldades surgem da falta de material adaptado e de possibilitar às pessoas com deficiência experiências variadas no contexto da cultura. Por medo, insegurança e falta de formação, muitas vezes a família resguarda a criança com deficiência como estratégia de proteção.

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Considerando o exposto, fica evidente a necessidade de investigações sobre a inclu- são de pessoas com deficiência física na sociedade por meio da atividade artística.

Objetivo

Investigar a inclusão de pessoas com deficiência física na sociedade por meio da pintura.

Método

Esta pesquisa é quase-experimental, em que os sujeitos não foram divididos aleato- riamente em grupos, mas estes já estavam formados antes do experimento, uma vez que o grupo de pintores com deficiência física é pequeno e em geral conhecidos entre si, portanto fazendo parte de um grupo preexistente (SELLTIZ; WRIGHTSMAN; COOK, 1987; SAM- PIERI; COLLADO; LUCIO, 1997).

A pesquisa é também qualitativa, pois visa explorar a descrição dos dados coletados com profundidade (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 1997).

Após a aprovação da pesquisa pelo Conselho de Ética de Pesquisas com Seres Huma- nos, foi realizado o contato com os participantes, explicando o propósito da pesquisa e os convidando a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O recrutamento dos participantes se deu por consulta via internet de artistas com de- ficiência física que expunham seus quadros na web, e feito o contato via e-mail solicitando a participação.

Participaram da pesquisa quatro pessoas com deficiência física que trabalham com pintura no meio artístico há pelo menos dois anos. O critério de exclusão da participação dos artistas foi o diagnóstico de outra deficiência simultânea (visual, auditiva, intelectual).

Também participaram quatro familiares, sendo um familiar de cada artista participante.

Considerou-se como familiar as pessoas com relações consanguíneas ou de amizade/cui- dado. Totalizaram, assim, oito participantes. Os participantes foram designados com uma letra e um número, a letra A foi designada aos artistas e a letra F aos seus familiares, que constam na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1 – Identificação e principais características dos participantes Identificação Participante Artista Idade/anos Gênero

A1 Artista 44 Feminino

F1 Familiar: Irmã 50 Feminino

A2 Artista 64 Feminino

F2 Familiar: Mãe 85 Feminino

A3 Artista 48 Masculino

F3 Familiar: Mãe 82 Feminino

A4 Artista 60 Masculino

F4 Familiar: Funcionário

instituição 70 Feminino

Fonte: Autoria Própria, 2020.

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Dos quatro artistas, eram duas mulheres (A1 e A2) e dois homens (A3 e A4). Três (A1, A2 e A3) tinham comprometimento nos movimentos finos das mãos e braços, o que lhes obrigava a realizar as pinturas com a boca ou os pés; um (A4) tinha resquícios de movimen- tação fina e realizava seus trabalhos com as mãos, mas precisava de auxílio para sustentar os braços. A deficiência de A1 e A4 foi adquirida por falta de vacinação na infância e a deficiência de A2 e A3 é congênita.

Todos os familiares eram do gênero feminino, uma irmã (F1), duas mães (F2 e F3) e uma funcionária (F4) da instituição em que o artista morava, o artista a indicou como pessoa mais próxima a ele. Ressalta-se que A4 vive em uma instituição de longa permanência há 30 anos e que F4 começou a trabalhar nessa instituição há mais de 15 anos. Os participantes F1, F2 e F3 moram na mesma residência que os artistas. Todos os participantes são do Estado de São Paulo, mas de diferentes cidades do interior. Todos os participantes eram adultos com mais de 40 anos de idade; F2, F3 e F4 eram idosos com mais de 70 anos de idade.

A pesquisa foi realizada nas casas dos participantes, localizadas em três diferentes ci- dades do interior de São Paulo. As entrevistas com o artista e o seu familiar ocorriam simul- taneamente, pois havia um entrevistador com cada participante em ambientes separados da casa. Exceto para A2/F2, o ambiente se modificou, sendo necessária a presença de A2 durante a entrevista, pois sua mãe idosa precisava de ajuda para compreender as perguntas.

Foi utilizado um computador conectado à internet para envio dos e-mails com carta convite e posterior análise de dados; telefone para contato e agendamento das entrevistas;

um gravador de voz; folhas em papel sulfite com o roteiro da entrevista e Termo de Con- sentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Perante o aceite e assinatura do TCLE, foi realizada uma entrevista semiestruturada de 16 perguntas abertas, áudio-gravada com o artista com deficiência física e com um familiar, individualmente e com duração de até uma hora. Houve um roteiro de entrevista semiestru- turada para os artistas e outro para o familiar, com questões similares.

O áudio das entrevistas foi transcrito integralmente em ordem cronológica das falas.

Após, foi realizada a análise de conteúdo, de acordo com Bardin (1977), para a obtenção de descrições sistemáticas e qualitativas, identificando conteúdos recorrentes.

Todas as transcrições foram lidas em conjunto para identificação de seus aspectos que atendiam aos objetivos deste trabalho (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 1997). Assim, identificaram-se unidades de análise com o intuito de uma rápida identificação dos conteú- dos de interesse. No total das oito entrevistas realizadas, foram identificadas três unidades de análises: Inclusão pela arte; aprendizagem e adaptações. Todas as unidades de análise foram identificadas nas oito falas; isolando-se os fragmentos de fala de cada unidade e foi possível proceder a uma categorização de acordo com os conteúdos semânticos comuns.

Na unidade de análise “Inclusão pela Arte”, foram detectadas as seguintes categorias:

• Conhecer locais novos: conteúdos em que os participantes expunham os locais da própria cidade ou de outras do país em que estiveram devido ao trabalho artístico;

• Conhecer pessoas novas: conteúdos em que os participantes expunham as dife- rentes pessoas que tiveram acesso devido ao trabalho artístico, seja acesso pesso- almente ou por meio de telefonemas ou entrevistas;

• Pintura como trabalho: conteúdos nos quais os participantes expunham como vendem suas obras, a relação que têm com o dinheiro proveniente dessa comer-

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cialização; relação que alguns artistas têm com a Associação de Pintores com a Boca e os Pés;

• Pintura como expressão: conteúdos nos quais os participantes expunham os moti- vos de escolha da pintura como expressão e/ou trabalho.

Na unidade de análise “Aprendizagem” foram identificadas as seguintes categorias:

• Pintura como dom: conteúdos nos quais os participantes creditam os talentos dos artistas a Deus, como um dom ou milagre;

• Professores: conteúdos nos quais os participantes expunham a relação dos artistas com professores para aprenderem as técnicas de pintura para a formação artística;

Na unidade de análise “Adaptações” houve apenas conteúdos nos quais os participan- tes expunham quais adaptações de materiais e/ou posturas foram necessárias para realiza- rem o trabalho ou quem fez e/ou como foram realizadas tais adaptações.

Após a categorização, foi realizada a descrição e interpretação dos resultados dessas categorias de forma qualitativa, com o uso de exemplos das falas dos participantes e com- paração ao que é posto pela literatura (MORAES, 1999).

Resultados e discussão

Era esperado que os participantes tivessem estabelecido uma definição sobre o con- ceito de artes e que tal definição diferisse entre artistas e familiares. Apesar da concepção de artes ter sido investigada diretamente (“Qual a definição de artes plásticas para você?”), os artistas não apresentaram uma definição específica. Eles narraram suas histórias de vida, começando a dizer que o interesse pelas artes surgiu como um recurso disponível para dis- tração ou uma possibilidade terapêutica escolhida pelos profissionais de reabilitação, uma realidade também apontada pelos escritos de Reily (2010).

Com a continuação da narração de cada história de vida, destacou-se que a motivação em continuar o ofício se deu porque os artistas começaram a ganhar uma renda (A1 e A3) ou porque acreditavam que a pintura era um dom recebido (A2 e A4), que deveria ser explorado.

Dos artistas entrevistados, notou-se que alguns deles (A1, A2 e A3) começaram a ter mais contato com a arte como um bem cultural a partir do apoio da “Associação de Pintores de Boca e os Pés”. Foi possível notar que a associação tenta fazer uma integração entre os artistas com deficiência física, promovendo viagens e exposições, no intuito de valorizar o trabalho deles.

De modo semelhante, os familiares também não apresentaram uma definição de artes.

A ideia deles a esse respeito tem ligação direta com o trabalho do artista com o qual convi- vem. Todos os familiares disseram que artes são obras bonitas e de inspiração divina (F3);

que as obras são importantes para essas pessoas com deficiência se ocuparem (F4), ou que as obras funcionam como uma forma de vivenciar sensações que os artistas não poderiam ter acesso devido à deficiência (F1). Como exemplo da última fala, tem-se a fala do partici- pante F1, que disse o seguinte: “...ela usa a arte para sentir o que sozinha não conseguiria, usando... como ela mesmo fala, ela pinta cavalo, ela cavalga”.

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Tais dados vão ao encontro com a discussão realizada por Somera (2008), ao afirmar que é ensinado à pessoa com deficiência a fazer artes plásticas em seu cotidiano, mas não se ensina a teoria subjacente, ou seja, a importância que as artes têm para a humanidade ou os diferentes estilos existentes. Assim, há artistas maravilhosos que não sabem como o seu trabalho é importante socialmente ou onde se encaixam na produção cultural que retratam.

Entre os artistas entrevistados, somente A4, que não pertence à associação, e A2, que fez faculdade de artes e foi professora de educação artística, demonstraram conhecimento sobre técnicas de pinturas e detalhes sobre as obras de pintores mundialmente reconheci- dos. Pode-se considerar que, tanto nas escolas inclusivas como em instituições que ofere- cem o fazer artístico para a reabilitação de pessoas com deficiência física, o tema poderia ser tratado com maior acuidade, ao menos para as pessoas que demonstram interesse, indo ao encontro de Teixeira (2010).

Os participantes também não deram uma definição específica sobre inclusão. Falaram sobre inclusão ao comentarem suas histórias e sempre contextualizando-a com relação às suas atividades de artistas ou de seus familiares.

Considerando a unidade de análise “inclusão pela arte”, foi possível identificar que as artes plásticas contribuíram para que os artistas conhecessem locais/pessoas novas e para terem um trabalho emancipador, com possibilidade de autoexpressão.

No geral, com relação a como se dá a inclusão da pessoa com deficiência na sociedade, segundo o relato dos quatro artistas e seus familiares, foi identificado que a inclusão dos artis- tas com deficiência é difícil, mas que a pintura ajuda a romper barreiras (TEIXEIRA, 2010).

Por exemplo, a artista A1 acredita que todos os aspectos sociais para as pessoas com deficiências são mais difíceis, seja no mercado de trabalho, na educação, ou em outros âmbitos da sociedade, mas coloca que por meio das artes ela tem reconhecimento diante da sociedade, acreditando que está inserida nesta como membro ativo, indo ao encontro de Ferreira e Carneiro (2016). Em suas palavras: “Através dela [arte] eu consigo, assim, eu me incluo na sociedade. Hoje as pessoas até me reconhecem por conta da Arte...”.

Os artistas A1 e A3 também acreditam que a sociedade teve uma evolução muito gran- de com a política de inclusão de pessoas com deficiência nos últimos anos, creem ainda que as artes ajudaram em sua própria inclusão (TEIXEIRA, 2010; REALY, 2010).

No sentido de a pintura ter ajudado em seu processo de inclusão, A1 entende ainda que esta oferece diferentes oportunidades de inclusão na sociedade e que muitas pessoas com deficiência e com talento precisam de apoio para se tornarem artistas. O participante A3 acredita que a arte é um meio convincente para que haja a inclusão e A4 acredita que toda pessoa com deficiência que tem o dom para pintar pode ser incluída na sociedade por meio do seu talento, crescendo assim economicamente. Seria possível assim, para o parti- cipante A4, “caminhar com as nossas próprias rodas”.

Todos os familiares concordam que a arte ajuda para que haja a inclusão das pessoas com deficiência física na sociedade, principalmente quando essa pessoa se torna reconhe- cida, indo ao encontro de Teixeira (2010). O participante F1 diz que não é somente a Arte que ajuda na inclusão de pessoas com deficiência física, pois a inclusão depende muito da disponibilidade da família e outros fatores. F2 acredita que, devido à beleza dos quadros, diversas oportunidades surgem, permitindo que haja a inclusão na sociedade; F4 respondeu

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de forma semelhante, dizendo que a divulgação do trabalho artístico ajuda na inclusão da pessoa com deficiência.

Esmiuçando a questão da inclusão por meio das artes, pode-se notar que todos os participantes citaram o fato de os artistas conhecerem lugares e pessoas diferentes de seu convívio graças a exposições e comercializações de seus quadros. As artistas A1 e A4, por exemplo, afirmaram que suas pinturas proporcionam oportunidades para elas estarem em diferentes lugares e discutem que somente a partir do momento que a pessoa com defici- ência estiver participando e frequentando todos os espaços sociais a sociedade terá que se adaptar para incluir tais pessoas, indo ao encontro de Mendes (2006). No relato delas, não somente a pintura leva a pessoa com deficiência para diferentes locais sociais, como tam- bém faz que esses locais se adequem e deem acessibilidade aos artistas com deficiência. A3 salientou que aproveita suas viagens a trabalho para ter momentos de lazer.

Em geral, todos os familiares acreditam que a exposição dos trabalhos gerou reco- nhecimento social para os artistas. F1 acredita que, além de a pintura incluir a artista A1 na sociedade, esse trabalho artístico pode incluir toda a família, pois os familiares acabam acompanhando os artistas às exposições; F1 diz que ela própria também conheceu locais e pessoas diferentes de seu convívio social graças às atividades artísticas da irmã, pois ao levar o artista a expor sua subjetividade para toda a sociedade, pôde facilitar sua socializa- ção e entrada no mercado de trabalho (REILY, 2010). O participante F1, “Através da Arte, ajudou a gente se inserir na sociedade, ela carregou a gente”.

F4 também argumentou que o trabalho artístico de A4 permitiu que houvesse um mo- vimento de aproximação da sociedade, conforme Atack (1995), pois pessoas de diferentes cidades, inclusive autoridades políticas como prefeitos e vereadores, foram até a instituição de longa permanência para conhecerem e encomendarem as obras de A4. F3 salientou que a pintura permite oportunidades de fazer novas amizades e de comunicação com a sociedade.

Considerando a categoria de pintura como forma de expressão, foi observado que A1, A2 e A3 entendem sua produção em artes plásticas como promotora de expressão de seus sentimentos e sensações, indo ao encontro de Ferreira (2010). Um aspecto importante nessa categoria foi que os artistas A1, A3 e A4 afirmaram que a partir de suas pinturas eles são reconhecidos pela sociedade como artistas, e não somente como pessoas com deficiência;

que a pintura proporcionou a eles irem além do estereótipo da deficiência (REALY, 2010;

ANVERSA; 2011).

O interesse pela pintura dos artistas como forma de expressão se deu desde a infân- cia, como um modo de vivenciar na imaginação os movimentos e sensações que eles não poderiam ter devido às suas limitações físicas (ATACK, 1995). Para F2, “Desde a idade de cinco anos ela já pintava sentada, com o pé. Ela ficava sentada e desenhando com o pé”.

O participante A1 diz que a cada pincelada ela viaja na tela e que a pintura permite que sua vida tenha movimento através da sua imaginação; na tela ela realiza os movimentos que não são possíveis na vida real devido à sua deficiência, indo ao encontro de Atack (1995) e Ferreira (2010). F1 também citou que, quando a artista coloca certa imagem na tela é como se ela estivesse vivenciando aquela situação ou emoção:

...através da arte eu consigo me expressar, cada pincelada eu viajo na tela, então se eu estou pintando uma bailarina, eu sou uma bailarina; e quando eu estou

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pintando os cavalos cavalgando, eu estou cavalgando com eles, então o meu dia além de ser colorido, todas as tardes ele tem movimento, e os movimentos que na vida real eu não tenho... (A1).

Pode-se notar que A3 também utiliza a pintura para vivenciar o sentimento de fazer parte de um mundo mais acessível; A1 e A3 afirmam que a pintura traz cor para as suas vidas (FERREIRA, 2010). Para o participante A3:

... profissionalmente eu expresso minha alegria, minha tristeza, minha ansieda- de, são momentos que eu estou vivendo e a hora que eu tô pintando eu sinto que eu estou inserida naquele mundo de cores, de um mundo mais fácil de viver...

(A3).

F1 e F2 afirmaram de modo semelhante aos artistas a possibilidade de expressão que suas pinturas trazem. Remeteram o ato de pintar a sentimentos positivos, conforme nos fala Atack (1995), pois entendem que a pessoa com deficiência pode brincar com as cores ao retratar sensações, mesmo sem que nunca tenham vivenciado certos movimentos.

Alguns familiares retratam a expressão artística como se fosse algo natural. Para F2 “...ela colocou o lápis e a caneta na boca, e deu certo”.

Mas, diferente dos artistas, os familiares (com exceção de F2) sempre salientaram a questão da deficiência, explicitando todo o sofrimento e dificuldades enfrentadas desde a infância para romper possíveis preconceitos sociais, concordando com Leal, Mattos e Fontana (2013). Colocaram ainda que as pinturas merecem um mérito maior exatamente porque são realizadas por pessoas com deficiência física.

Considerando a unidade de análise de aprendizagem, foi possível constatar que os artistas A2 e A4 acreditam que sua expressão artística foi possível devido a um dom rece- bido; e esse dom proporcionou todos os benefícios que a pintura trouxe, por exemplo, o reconhecimento social. Para esses artistas, tal dom recebido é atribuído a um presente ou milagre de Deus. Por exemplo, para A4 “eu acho que a melhor definição é que Deus, acho que quando Ele me criou, Ele me criou para continuar sendo a extensão do pincel dele”.

Entre os familiares, somente F2 deixou explícito sua crença religiosa e que acredita que sua filha, apesar das limitações, faz obras lindas devido a um milagre de Deus. É im- portante salientar que os dois artistas em questão (A2 e A4) começaram a pintar por inicia- tiva própria quando tiveram a oportunidade; A4 inclusive se denominou autodidata. Apenas alguns anos depois de iniciarem a pintura por conta própria, A2 e A4 tiveram professores no intuito de refinar suas técnicas a ajudá-los nas adaptações necessárias para a realização do trabalho.

Os outros dois artistas, A1 e A3, tiveram professores, inclusive para o início na pintu- ra. Mas todos os artistas valorizaram a função de seus professores no amadurecimento de sua arte. Nesta pesquisa, houve o caso especial em que a participante A2 foi professora de A3. Ela disse: “Foi na época, sem fazer nada e pensando, aí eu conheci a psicóloga que eu estava na APAE, que me apresento a A2 que começou a me dar aula... A2 é um anjo que caiu do céu (A3)”.

Os artistas também afirmaram que os professores foram pessoas que acreditaram ne-

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les e os incentivaram a superar suas limitações e a desenvolverem técnicas, inclusive téc- nicas adaptadas. Para A1:

Porque, para qualquer pessoa, alguém tem que acreditar em você, e para a pes- soa com deficiência ainda mais, porque não adianta ter dó da pessoa com de- ficiência, coitadinho, não! Tem que dar oportunidade, e essa oportunidade eu tive... então M. [professora] viu que eu tinha um sonho muito grande e me deu essa oportunidade... M. [professora] acreditou em mim e não deu importância se eu estaria pintando com a mão ou com a boca, que é a forma que eu consigo.

O participante A4 foi o único artista que citou, além dos professores, que observar as pinturas de outras pessoas em exposições o ajudou a desenvolver suas técnicas de pintura.

Todos os familiares reconheceram a importância de professores de pintura para seus artistas, mas poucos citaram um envolvimento entre família e professores. F1 falou rapida- mente da mesma professora que A1 citou, pois foi uma pessoa muito importante para o de- senvolvimento dessa artista; F3 também citou A2 como uma professora importante para A3.

Então, ele, eu arrumei uma professora que veio dar aula pra ele em casa e até quando ele escuta, fala... nossa ela é muito boa... ela veio como se fosse, ele fala, uma segunda mãe, ele fala (F3).

Pode-se notar que, além do reconhecimento social de suas obras, as artes possibilitam a inserção da pessoa com deficiência física como alguém produtivo no mercado de trabalho, pois é uma maneira de autonomia financeira, conforme Realy (2010). Com relação à visão dos artistas sobre sua atividade de pintura como profissão, todos utilizam a pintura como única forma de trabalho na atualidade. Como renda, sabe-se que A1 e A3 são aposentados por invalidez; A2 é aposentada por tempo de trabalho. O participante A4 não citou outra fonte de renda além do dinheiro ganho pela venda de suas obras, aliás, ele mencionou difi- culdades financeiras para compra de material de trabalho quando não produz novas obras.

É importante informar que A4 não participa de qualquer instituição que o ajude a divul- gar suas pinturas. Diferente de A1, A2 e A3, que participam da “Associação de Pintores com a Boca e os Pés”, A2 até explicitou que se sente uma funcionária formal quando se refere à sua relação com a referida associação, pois é uma forma de se inserir no mercado. Para A2:

...eles têm uma visão muito bacana, porque ela nos vê como funcionários de uma empresa, a gente tem um coordenador, um décimo terceiro, tem o reconhe- cimento dos cartões, eu [me] sinto [em] uma empresa que eu tenho que cumprir minha parte.

Com relação aos familiares, F2 e F3 salientaram a inclusão social que ocorre por meio dos recursos financeiros provenientes da pintura, pois é por intermédio de suas obras que os artistas conseguem dinheiro para suprir a maioria de suas necessidades. F3 colocou que A3 foi chamado para fazer três reportagens e ficou mais conhecido, o que trouxe retor- no significativo no setor financeiro, indo ao encontro de Anversa (2011). Todos os familia- res entrevistados afirmaram que a inclusão é essencial para o desenvolvimento do trabalho

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da pessoa com deficiência, no caso dos familiares em questão, a inclusão era importante para a produção de telas.

Entretanto, os familiares, apesar de caracterizarem o trabalho dos artistas positivamen- te, existe uma concepção limitada sobre o aspecto profissional da pintura. Por exemplo, F1, mesmo usando o termo “profissional”, não dá detalhes de quais são suas percepções acerca do exercício da pintura como profissão de A1, ou como quando F3 revela que acredita que a pintura na vida de seu filho, além de lhe proporcionar uma renda, é também uma distração.

F4 apenas indicou compreender a pintura como uma possível profissão de A4 devido à quantidade de “clientes” desse artista, pois houve um aumento no número de pessoas frequentando a instituição que A4 mora para comprar suas obras de arte.

Parece haver consenso entre os artistas que, entre a realização pessoal e o descrédito atribuído à deficiência (que seria o principal fator de exclusão social), o ganho monetário é um aspecto importante que influencia seu trabalho. Para A1, “...bolsas de estudo as quais a gente pode investir no trabalho”. Pontua A3 que, “... ganho meu dinheiro que me sustenta ...

tenho independência financeira”. Para A4 diz que “meu único meio de ganhar um trocado é com meus pincéis”.

Apesar de todos os aspectos positivos que evidenciam a inclusão dos artistas com de- ficiência física, na unidade de análise sobre adaptações, foi possível observar alguns aspec- tos negativos relacionados tanto ao início do exercício da pintura, quanto à continuidade do processo de pintura por parte dos participantes, principalmente no que diz respeito aos desconfortos consequentes do manejo de pincéis e postura corporal (ANVERSA, 2011).

Por exemplo, A1 diz que “Nossa, aquilo formou uma ferida gigantesca no meu céu da boca, sem dizer que a posição do pescoço era errada, eu ficava em uma posição incorreta [...]”.

O participante A3 também falou de dores causadas por forçar o pescoço enquanto pin- tava. A participante A2 reitera problemas causados na boca como o desgaste de dentes. Tal qual A1, A3 também tinha lacerações no céu da boca com o uso do pincel. O participante A2 relatou dificuldades para manejar instrumentos de trabalho como “morder a tinta para abrir e a tinta estourar dentro da boca”.

De modo contrário, os familiares não souberam listar acontecimentos ou caracterís- ticas das dificuldades enfrentadas pelos artistas devido à falta de adaptações nos materiais de trabalho, o que poderia ser resolvido com a tecnologia assistiva, segundo Bersch (2008).

Devido às dificuldades mencionadas pelos artistas, todos precisaram de adaptações em seus materiais para continuarem a pintar suas obras, conforme relatado por Anversa (2011). A1 e A2, que eram cadeirantes e sem ampla mobilidade nos membros superiores, e A3, precisaram de adaptações em seus pincéis para encaixá-los na boca (A1 e A2) ou pés (A3), e de cavaletes adaptados para que ficassem mais próximos deles durante a pintura.

Essas adaptações permitiram que o momento da pintura fosse mais agradável. Nas palavras de A1, “Então, hoje o momento da pintura é de 100% prazer e dores nunca mais, nunca mais. Então, foi uma maravilha”.

A1 hoje também usa uma prótese na boca para o pincel não machucar o palato. A3 relatou que ainda tem dificuldades ao pintar, pois o pincel machuca o seu palato. A4, tam- bém cadeirante, mas com resquícios de movimento em suas mãos, adaptou um cabo de vassoura para colocá-lo entre as coxas e sobre a cadeira de rodas para apoiar seus braços e dar sustentação quando se movimenta para fazer seus traços na tela.

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Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi investigar a inclusão de pessoas com deficiência física na sociedade por meio da pintura. Foi possível constatar que o pintar é considerado por artistas e familiares um bom meio de inclusão das pessoas com deficiência física na so- ciedade, seja para conhecer novos lugares, seja para a sua socialização ou para a inserção no mercado de trabalho, dando possibilidades aos artistas de terem uma fonte de renda e ajudarem financeiramente seus familiares. Pode-se perceber também um movimento, não apenas do artista indo ao encontro da sociedade, mas a sociedade vinda ao encontro do artista quando diferentes pessoas e autoridades vêm visitá-los para ver e encomendar suas obras, ou quando um espaço de exposição artística fica mais acessível para recebê-los, ainda que com limitações.

A pintura também se mostrou uma forma do artista expressar seus sentimentos. Uti- lizando suas pinturas, as pessoas com deficiência física contaram que expressam nas telas alguns sentimentos e sensações que nunca tiveram a oportunidade de vivenciar.

Embora cada artista tenha características de deficiência física diferentes, pode-se per- ceber que todos expressaram dificuldades individuais para desenvolver seu trabalho e pre- cisaram de adaptações em seus materiais. A importância da detecção dessas dificuldades, a criatividade e amigos dispostos a realizarem essas adaptações foram imprescindíveis para esses artistas terem continuado a realizar suas obras com qualidade de vida.

Entendendo assim que o ato de pintar para uma pessoa com deficiência física explora seus limites físicos e expressa suas inquietações psicológicas, trabalha de modo satisfató- rio sua coordenação motora fina e global, e, por meio de adaptações de materiais, pode ser usada como atividade emancipadora e prazerosa.

Para futuras pesquisas, pode-se fazer algumas indagações para aprofundamento, como:

estaria a escola regular e inclusiva se dedicando ao ensino de artes a todos os seus alunos? Há esforços para que, diante de alguma dificuldade dos alunos e reabilitandos, adaptações de ma- teriais sejam realizadas para que eles entrem em contato com o fazer artístico? As instituições de reabilitação estão informando pessoas com deficiência sobre as potencialidades do fazer artístico que elas usam em suas sessões terapêuticas? Será que artistas com deficiência física estão tendo orientações e acesso às adaptações para continuar trabalhando?

Espera-se que tais questões possam ser investigadas em novos trabalhos científicos, tão raros abordando essa temática. Almeja-se ainda que este trabalho possa ter dado algu- mas indicações importantes sobre o cotidiano de artistas com deficiência física, contribuído para discutir a melhoria do ensino de artes e condições de trabalho do fazer artístico para essa população e tateado as contribuições que a pintura pode trazer para o desenvolvimento humano e a inclusão de pessoas com deficiência física na sociedade.

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Dados dos autores:

Raphael Manzini

Graduado em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/

SP-Brasil. rafa1.manzini@gmail.com Thamiris de Paula Pereira

Graduada em Educação Especialpela Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/

SP-Brasil. pereira_thamiris@outlook.com Graziele de Aguiar Roncato

Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Psicóloga na Prefeitu- ra Municipal de Araraquara. Araraquara/SP-Brasil. grazielea_roncato@yahoo.com Ailton Barcelos da Costa

Doutor em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Pós-Doutorando em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP-Brasil.

ailton_barcelos@yahoo.com.br

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Maria Amélia Almeida

Doutora em Educação Especial pela Vanderbilt University. Professor associado da Univer- sidade Federal de São Carlos, professor visitante da Vanderbilt University, do Instituto Po- litécnico do Porto, da University of Georgia, da Northern Arizona University. ameliama@

terra.com.br

Márcia Duarte Galvani

Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Fi- lho, Campus de Araraquara. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Uni- versidade Federal de São Carlos. São Carlos/SP-Brasil. marciaduar@yahoo.com.br Submetido em: 22-12-2019

Aceito em: 30-5-2020

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