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Ciênc. saúde coletiva vol.4 número1

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Academic year: 2018

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El Quinto: no Matar – Contextos explicativos de la violencia en Colombia. FRANCO, Saul. Bogota: TM Editores, 1999. 208 páginas.

Maria Cecília de Souza Minayo Paulo Cesar Pontes Fraga

Saul Franco é um dos pioneiros, na América Lati-na, dos estudos sobre o impacto da violência sobre a saúde. Mais que isso, Saul é um militante da cau-sa, provocando o debate no setor, brandindo sua inquietação por esse mal estar civilizatório que se traduz em intolerância e morte. Seu campo de ação é primeiramente a Colombia de onde parte para uma busca de compreensão e ação.

Seu livro “El quinto: no matar”é fruto de sua tese de doutorado defendida na Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz em 1998, na qual o autor produz a síntese de seu pensamento. Fundamenta-do na epidemiologia, nas ciências sociais e no com-promisso cívico, busca interagir com autores, orga-nizar dados, investigar várias categorias sociais e integrar tudo isso, chegando a conclusões originais e inéditas.

No prefácio, Álvaro Camacho (co-orientador da tese junto com MCS. Minayo), dá um título a seu país,Colombia Asesina, repercutindo o que havia escrito Hobsbawn em 1986. Em seguida, relativiza esse forte epíteto, dizendo que é preciso compreen-der a complexa trama de situações históricas, cul-turais, econômicas e políticas que levam a configu-rar um povo como um dos mais violentos do mun-do. É o que Saul faz, buscando nas diversas fontes disponíveis, os dados que o levaram a apresentar as cifras mais relevantes de homicídios nos últimos vinte anos no seu país, mostrando como as curvas são ascendentes, como se apresenta a realidade por faixas etárias, por gênero, como se distribuem no interior da Colombia os riscos de morte por homi-cídios, e qual o peso dos óbitos por violência no conjunto da mortalidade geral. É impressionante, mesmo levando em conta toda a complexidade com que o fenômeno se apresenta, observar como pe-sam os números dos homicídios no perfil da expec-tativa de vida e nos anos potenciais de vida perdidos daquele país. Saul, como exímio epidemiologista, trabalha os dados, questiona-os, relativiza-os, mas demonstra também o quanto são importantes co-mo indicadores de uma realidade social conflagra-da e internamente confrontaconflagra-da.

A magnitude dos números é de tal monta que Saul diz em seu livro se tratar de uma epidemia, a epidemia da violência, denominação da qual dis-cordamos dele por causa da especificidade com que o termo se adequa ao tratamento das questões bio-médicas. A problemática da violência é prioritaria-mente um tema do campo social, obviaprioritaria-mente ten-do implicações em todas as áreas, inclusive no âm-bito emocional e biológico.

Mas não é só na abordagem epidemiológica que o trabalho de Saul contribui. Ele constrói os con-ceitos de “violência”, de “homicídio” e parte para estabelecer um perfil institucional da Colombia,

buscando descrever e analisar o contexto histórico no qual se formaram os grupos para-militares e políticos, situação da qual emergiu e se expandiu o fenômeno do narcotráfico. Em seguida o autor aprofunda o que denomina o esquema lógico-con-ceitual onde se fundamentam suas hipóteses: o im-bricamento entre iniquidade, impunidade e into-lerância.

Apesar do esquema lógico-dedutivo parecer es-conder uma tentação fundamentalista, a ida a cam-po e o trabalho de cunho etnográfico salvam a in-vestigação de se tornar apenas uma reflexão filo-sófica. Tomam a cena por meio de uma abordagem qualitativa, todos os atores envolvidos no fenôme-no da violência (população civil, militares e para-militares, narcotraficantes, autoridades governa-mentais, de segurança e jurídicas, vítimas e grupos conflagrados). Esse exercício permitiu a Saul ler as falas, o que há por trás delas e desenhar uma tipo-logia discursiva sobre o fenômeno. Como numa construção intrincada, os dados, as idéias e os dis-cursos são retomados e trabalhados magistralmen-te para compor as respostas à proposta inicial: a configuração dos contextos explicativos da violên-cia na Colombia.

À conclusãoSaul chama Inconclusiones. Ana-lisa a importância do esforço da revisão documen-tal, da análise quantitativa, da interlocução com os distintos atores implicados no problema da violên-cia no país, reafirmando a necessidade de levarmos em conta a intrincada rede de relações que compõe o fenômeno, alertando que o contexto explicativo não pode ser compreendido apenas como pano de fundo e sim como componente essencial do pro-blema. Evidencia as interações entre condições es-truturais e processos conjunturais:“el narcotráfico o el conflicto político-militar o el alejamento del Es-tado de las prioridades sociales no son sólo los gran-des disparadores de la violencia colombiana contem-poranea. Ellos han empeorado las condiciones estruc-turales, se han entrecruzado entre sí y han penetra-do los distintos órganos y sistemas de la vida nacio-nal. En parte, lo constituyen y desde dentro del teji-do nacional continúan animanteji-do más violencia, más inequidad, impunidad y intolerancia”.

O autor reafirma a gravidade do que Hobsbawn e depois Camacho denominaram Colombia Asesi -na. Para uma população de cerca de 30 milhões de habitantes, em duas décadas morreram 338.378 mil pessoas, por homicídios, correspondendo a 74.5 por 100.000 em 1995, enquanto no Brasil (também um país violento), as taxas foram de 17.4 por 100.000, no mesmo ano. Por outro lado, Saul desmitifica a idéia de tudo atribuir ao narcotráfico. Ele é um fe-nômeno real, mas potencializado pelos altos níveis de iniquidade e pelo imbricamento político-econô-mico dos diferentes interesses envolvidos em seu processo. Igualmente mostra que a impunidade en -dêmicae o autoritarismo cultural têm um peso fun-damental no problema colombiano.

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lombia é viável. Para ele, a superação das formas de violência que hoje aí se desenrolam implica numa prática de participação plena do Estado e da Socie-dade com apoio da ComuniSocie-dade Internacional, fun-damentada numa vontade real de arriscar propos-tas inclusives não convencionais. É interessante re-tomar o título do trabalho:“El quinto: no matar”. Muito se poderia discutir sobre o seu significado. Nele há força da expressão e economia de palavras. Porém, a nosso ver, esse nome de chamada parece

evocar muito mais. É como se o autor, ainda que um inegável agente político e social, se sentisse im-pelido a invocar a força divina que entregou as tá-buas da lei a Moisés, no Monte Sinai, ordenando a seu povo que considerasse a vida humana um bem inalienável, da ordem do sagrado e do intocável. Por tudo o que foi dito e por muito mais que o lei-tor encontrará, para quem trabalha com o tema da violência, a obra de Saul é fundamental, obrigatória e de referência.

Preventing Violence in America(Issues in

Chil-dren’s and Families’Lives, Vol. 4).Organizado por Robert L. Hampton, Pamela Jenkins e Thomas P. Gullotta. SAGE Publications, Thousand Oaks, 1996. 311 páginas.

Maria Cristina Feijó

Centro Latino-Americano de Estudos em Violência e Saú-de “Jorge Careli”, Escola Nacional Saú-de SaúSaú-de Pública, Fun-dação Oswldo Cruz, feijo@rio.nutecnet.com.br

Preventing Violence in Americaé leitura essencial para quem trabalha na área de saúde e se preocupa com a prevenção da violência. Este é o quarto de uma série de cinco volumes enfocando temas sobre a vida de crianças e suas famílias. Cada volume tra-ta de um determinado tema e procura analisar, in-tegrar e criticar a literatura clínica e a pesquisa no assunto.

O livro divide-se em três seções. A primeira, compondo-se de três capítulos, versa sobre o con-texto social da violência, sendo o primeiro uma se-leção de textos de Charles Dickens e Samuel

Cle-mens (Mark Twain), ilustrando a presença da

vio-lência na literatura americana. Este capítulo pode ser pouco interessante para quem não está enfro-nhado com este tipo de literatura e seu vocabulá-rio. A seção seguinte consiste de cinco capítulos, ex-plorando temas na tentativa de entender aspectos populacionais da violência e possíveis fatores pre-ventivos. Ilustrações de uma série de esforços que estão sendo empregados para reduzir a incidência da violência nos Estados Unidos é o tema da tercei-ra seção, que é estrututercei-rada em cinco capítulos.

Um ponto alto do livro é o capítulo cinco, onde o autor discute temas que estão muito em voga: re-siliência, fatores de risco e fatores protetores. O pa-radigma acerca da criança resiliente veio se modifi-cando, desde a década de 50 até hoje, quando um novo paradigma aborda uma forma positiva de venção primária, envolvendo três elementos: pre-venção, proteção e promoção. Esta visão trabalha em três dimensões interligadas – prevenindo pos-síveis problemas, protegendo os componentes sau-dáveis que já existem na pessoa e/ou grupo e pro-movendo potenciais e resistências que ainda não

existem na pessoa ou no grupo.Strens

(experiên-cias que produzem crescimento) é um novo

con-ceito lançado: existem na sociedade e na natureza muitas vivências que produzem crescimento, as quais devem ser introduzidas no trabalho com gru-pos ou com pessoas na prevenção da violência. É mais importante enfatizar este tipo de experiência do que lidar com os estresses, pois motiva mais as pessoas fazendo-as ver suas capacidades do que suas limitações.

Outro destaque é a importância do papel da es-piritualidade, abordada no capítulo seis. Há um ta-bu acerca deste tema, principalmente entre os cien-tistas. Porém, não se pode negar os benefícios que a crença em um Ser Maior e em princípios éticos bem estruturados traz para afastar jovens e adultos de um comportamento violento. Quando os adultos estimulam os jovens a discutir assuntos controver-sos e com pontos de vista discordantes, como valo-res morais e fé, permitem, através de um processo dialético, que se promovam mudanças dentro do indivíduo e a criação de uma forma maior de cren-ça. Não se discute aqui esta ou aquela religião, mas sim um sistema de crença que contenha a existência de alguma forma de poder maior, um quadro de re-ferência que permita responder grandes questões da vida (quem eu sou; de onde eu vim), e um códi-go de atitude e de comportamento.

O papel da mídia na promoção da violência é um assunto controverso, discutido de um ponto de vista mais positivo no capítulo sete e, de certa for-ma, contra-argumentado pelos autores do capítu-lo seguinte. A televisão pode ter um papel educati-vo e ensinar as crianças a deseneducati-volverem um com-portamento social positivo. Entretanto, o que se en-contra mais comumente são programas e filmes que estimulam e ensinam comportamentos e táticas de violência. Dessa forma há que se concordar com Stephen Gardner e Hank Resnik, que utilizam a ilus-tração de um incidente em 1994, na Califórnia, quando um grupo de adolescentes que estavam

as-sistindo ao filmeSchindler’s Listvibrava

entusias-mado ao assistir as cenas brutais de assassinato de judeus, para afirmar que os jovens de hoje estão mais embrutecidos pela constante exposição à violência através da mídia, tornando-se insensíveis e com fal-ta de empatia para com o sofrimento humano.

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disciplinar. Um exemplo é o programa para preven-ção de acidentes de trânsito, coordenado pelo Cen-tro Nacional para Prevenção e ConCen-trole de Danos, do C.D.C. Este trabalho incluiu várias disciplinas, como epidemiologia, engenharia, ergonomia, bio-mecânica, educação, entre outras, utilizando novas tecnologias, como o cinto de segurança, para redu-zir consideravelmente as taxas e os danos decorren-tes de acidendecorren-tes de trânsito.

Outro exemplo relatado é a Coalizão de Los An-geles, formada com três objetivos: reduzir a dispo-nibilidade e o acesso a armas de fogo; mudar as re-gras da comunidade para evidenciar maior supor-te para o comportamento não violento; criar e pro-mover alternativas para a violência.

Uma abordagem escolar abrangente é o tercei-ro exemplo de ptercei-rograma de prevenção que vem

sur-tindo bons resultados. Aqui os professores são trei-nados com novas metodologias de ensino e relacio-namento com os alunos para prevenção e interven-ção do comportamento violento. Neste programa está envolvida a participação dos pais e da comu-nidade.

A prevenção da violência é, sem dúvida, uma questão de Saúde Pública e passa por programas de educação dos pais, crianças e comunidade, assim como pelo treinamento de profissionais para uma atuação mais eficaz, integrada e abrangente.

Referências

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