• Nenhum resultado encontrado

MEMORIALlSMO,LI TERATURA E HISTÓRIA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "MEMORIALlSMO,LI TERATURA E HISTÓRIA"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

MEMORIALlSMO,

LITERATURA E HISTÓRIA

yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ANA MARIA HADDAD BAPTISTA'

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Q u e é ote m p o ? U m m is té r io : é im a te r ia l e - o n ip o te n te .

É u m a c o n d iç ã o d o m u n d o e x te r io r , é u m m o v im e n to lig a d o e m e s c la d o àe x is tê n c ia d o s c o r p o s n o e s p a ç o

s u a m a r c h a . M a s , d e ix a r ia d e h a v e r te m p o , s e n ã o

h o u v e s s e m o v im e n to ? N ã o h a v e r ia m o v im e n to , s e m o te m p o ? É in ú til p e r g u n ta r . É o te m p o u m a fu n ç ã o d e e s p a ç o ? O u a m b o s s ã o id ê n tic o s ? N ã o a d ia n ta

p r o s s e g u ir p e r g u n ta n d o . O te m p o é a tiv o , te m c a r á te r v e r b a l, " tr a z c o n s ig o " . Q u e é q u e tr a z c o n s ig o ? A

tr a n s fo r m a ç ã o . 1

A partir da linguagem escrita, surge a possibilidade de armazenamento e prolongamento da memória individual. Sabemos que a invenção da escrita impulsionou um desenvolvimento sem paralelo à civilização, ao mesmo tempo em que esta perdia alguma coisa: a perspectiva da memória individual, enquanto expressa como verdadeira "guardiã" de hábitos, costumes, tradições, enfim, do complexo cultural de uma determinada comunidade ou sociedade.

Mas, também nessa perspectiva, a humanidade obtém ganhos, pois o registro de informações passa a ser operado ilimitadamente por intermédio de processos exteriores ao homem, não só liberando seu cérebro para outros tipos de atividades, com o armazenamento de informações ultrapassando as fronteiras da morte. A partir do momento em que a memória não se restringe a uma ou a um número reduzido de memórias, isso não invalida sua importância, pois a essência da memória individual reside em seu caráter único, irrepetível, carregando particularidades e singularidades exclusivas do sujeito.

Conforme sabemos, cada época traz em seu bojo uma concepção ?istinta de memória, que por sua vez está interligada aos mecanismos Intrínsecos dos diversos níveis de temporalidade, postulados na articulação

Departamento de Letras. Faculdades Integradas Nove de Julho. São Paulo.

1Thomas Mann, A M o n ta n h a M á g ic a , p. 384.

BIBLOS, Rio Grande. 8: 43 - 52, 1996.

(2)

consciente ou inconsciente dos vários tempos: presente, passado e futuro. Nessa medida, tempo e memória são elementos indissociáveis, que se articulam conjuntamente, possibilitando um processo permanente de construção de um determinado objeto.

Segundo assinala Octavio Paz", na Antigüidade o universo era pensado como se tivesse uma determinada configuração, assim como um centro, cujo movimento era regido por um ritmo cíclico. Na verdade, essa concepção cíclica caracterizava-se inclusive nos arquétipos das cidades, suas leis e suas obras. Na ordem política, festas públicas ou privadas, assim como suas transgressões da regra universal, eram tidas como manifestações do ritmo cósmico.

A Idade Média é notavelmente caracterizada por uma cosmologia que primava pelos dogmas religiosos, portanto, não passíveis de contestação. A Eternidade é o único lugar da salvação e a confirmação absoluta de um futuro pleno, no qual todos os antagonismos, finalmente, seriam superados e a reconciliação total do homem consigo mesmo e com os outros seria alcançada. Por sua vez, o tempo é concebido como uma entidade estática, imóvel, à qual a humanidade estaria sujeita. Nessa medida, a experiência humana é tida como uma "realidade inferior", e apenas ela estaria sujeita aos desígnios do tempo, em contraposição com a Eternidade, concebida como

à

margem e acima do fluxo temporal.'

Os tempos modernos gradativamente "trocam" as verdades "divinas" pela racionalidade cientificista que atingirá seu apogeu no século XIX, tida como única e inquestionável até o início de nosso século. O sujeito cognoscente era tido apenas como um observador independente, não-operante e à parte ao analisar um fenômeno, como se estivesse fora do Universo e de uma realidade, não fazendo parte integrante desta. Cria-se então a famosa pretensão da neutralidade e objetividade científicas, basilares na construção do pensamento racional moderno."

Segundo Octavio Paz, a contemporaneidade caracteriza-se, essencialmente, pela perda da imagem do mundo que a justifique. A famosa bandeira do "progresso" não cumpriu aquilo que prometeu: domínio sobre a natureza, a ponto de todos os fenômenos estarem sob um controle humano absoluto, pretensa previsibilidade científica, refutada e questionada em seus alicerces aparentemente indestrutíveis, enfim, todas as "promessas" de

2 Octavio Paz,

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

S ig n o s em R o ta ç ã o . p. 101.

3 Beatriz H. G. Ruig, E I T ie m p o e n Ia E d a d M e d ia . p. 35.

4 Conforme Ana Maria Goldfarb: "A existência desse observador impassível e Impecável nos é dada pelo cogito cartesiano, elemento último e irredutível do eu dilapidado de toda subjetividade e mistério, a razão pura que garante e sustenta a imparcialidade das teorias e da experimentação científicas". Sobre as Várias "Razões" e a "Razão", Revista FACE n. 1, p. 102.

44

BIBlOS. Rio Grande. 8: 43 - 52. 1996.

progresso foram abaladas, sendo retirada a substância que as sustentava, a própria materialidade dos fenômenos provou que o absoluto não é mais cabível e desdiz as previsões científicas.

Na verdade, a época moderna inicia-se como uma crítica de todas as mitologias, inclusive a cristã, pois o tempo moderno é filho do tempo cristão, assim como sua negação, isto é, um tempo em linha reta e de caráter irreversível, contrapondo-se à concepção temporal, cuja eternidade seria exatamente sua finitude. Na sociedade moderna o processo temporal torna-se descontínuo e regido por irregularidades, inaugurando primordialmente a valorização do futuro, só que um futuro que não está subordinado a um fim.

Entendendo que cada época traz em seu interior uma determinada concepção de tempo e, conseqüentemente, de memória, cremos poder concluir que as produções artísticas (com as devidas precauções que necessariamente devem envolver o processo de criação), em suma, culturais de cada época da humanidade, carregam em si mesmas uma concepção particular de universo, explícita ou subjacente, cujos pressupostos e questionamentos temporais se manifestam das mais diversas formas.

Nessa medida, vale afirmar que, conforme foram sendo desvelados e refletidos os complexos mecanismos que envolvem o tempo e a memória, nas mais variadas áreas do conhecimento, como da Antropologia, Biologia, História, Filosofia, a Literatura, influenciada pelas referidas áreas (assim como exercendo sobre elas seu grau de influência), à sua maneira particular, antecipou, gestou, tematizou de múltiplas maneiras o caráter, muitas vezes paradoxal, do tempo e da memória.

ASPECTOS PRELIMINARES SOBRE O TEMPO

O tempo é uma categoria absolutamente indissotiável de qualquer experiência humana. Na verdade, não existe nenhuma atividade no universo que não esteja direta ou indiretamente ligada a ele. Borqes" dizia que podemos prescindir de muitas coisas,' inclusive do espaço, todavia jamais poderíamos prescindir do tempo.

5 "O fundamento da modernidade é um duplo paradoxo: por um lado, o sentido não reside nem no passado nem na eternidade, mas no futuro, de onde a história se chamar também progresso; por outro lado, o tempo não repousa em qualquer revelação divina, nem em algum

pnncipio inamovivel: nós o concebemos como um processo que se nega incessantemente e

assim se transforma. O fundamento do tempo é a critica de si mesmo, sua divisão e separação

cons~antes; sua forma 'de manifestação não é repetição de lima verdade eterna ou de um

arquetlpo: a mudança é sua substância."6 Octavio Paz, Convergências, p. 98. Jorge Luis Borges, C in c o V is õ e s P e s s o a is , p. 41.

BIBLOS. R,o Grande. 8: 43 _ 52. 1996.

(3)

II

II!I

Desde os seus primórdios, o homem, sob alguma perspectiva, inquietou-se ante as diversas questões que o tempo suscita, justamente porque compreendê-Io e captá-Io em sua essência seria resolver questões básicas que sempre envolveram e envolvem a humanidade.

O

homem é um ser essencialmente temporal. Na verdade a humanidade é pura temporalidade. Não há como escapar de tal condição, pois a partir do momento em que nascemos, caminhamos, inelutavelmente, para uma de nossas condições primordiais, ou seja, para nossa finitude.

Conceituar o tempo parece-nos uma tarefa quase impossível, posto que ele apresenta-se tão multiforme e tão plural que qualquer tentativa de captá-I o plenamente torna-se um ato imediatamente incompleto e ultrapassado.

TEMPO OBJETIVO, CRONOLÓGICO OU SOCIAL

Apesar de sua imensa complexidade, direta ou indiretamente possuímos noções "rudimentares" sobre o tempo, isto é, experiências individuais interiores e exteriores a nós vão concorrer para que tenhamos uma concepção temporal particular. Logo, a modalidade de tempo mais comum a que na verdade estamos invariavelmente submetidos é o tempo denominado cronológico, objetivo ou social, que seria o tempo dos calendários e dos relógios, verdadeiro eixo regulador de nosso cotidiano. O tempo cronológico caracteriza-se pelo seu teor quantitativo, sucessivo, mensurável e, sobretudo, pelo seu caráter de irreversibilidade.

Conforme afirma Le Goff , a gradativa conquista do tempo por meio de uma medida, na verdade, é um importante aspecto do controle do universo pelo homem.

O

controle do tempo geralmente está associado aos detentores do poder.

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

N a s c o s m o g o n ia s , os d e u s e s c r ia d o r e s d o u n iv e r s o são m u ita s

v e z e s , e x p lic ita m e n te , ta m b é m os c r ia d o r e s d o c a le n d á r io . N o

m ito d o n a s c im e n to d o m u n d o , d o s ín d io s P u e b lo d o N o v o

M é x ic o

e

d o A r iz o n a , u m a d e suas irmãs c r ia d o r a s , Ita k u , c r ia os

d e u s e s s e n h o r e s d a s e s ta ç õ e s , r e g u la d o r a s d a s fu n ç õ e s

meteorooçtcee"

Nessa perspectiva, o absolutismo iluminado europeu do século XVIII já havia entendido que o uso do calendário mantinha uma estreitíssima relação

7 Jacques Le Goff, H is tó r ia eM e m ó r ia , p. 486.

8 Idem. p. 486.

46

BIBLOS, Rio Grande. 8' 43 - 52. 1996.

com a questão do poder, pois, em 1700, Leibniz fez introduzir nos estados do eleitor de Brandenburgo um verdadeiro monopólio de estado sobre os calendários,

Entretanto é inegável o "fascínio" que, historicamente, o controle dos calendários exerceu nos poderes religiosos, nas igrejas e nos cleros. Conforme Le G O ff

9

, a criação do primeiro calendário foi atribuída a Numa Pompílio, romano que foi fundador dos ritos e das instituições religiosas,

Conforme sabemos, o controle do calendário sempre ocupou uma posição relevante nos primeiros séculos do cristianismo. A Páscoa, por exemplo, é no calendário romano uma data especial, que se deve

à

comemoração da ressurreição de Cristo. A partir do ano de 389, o calendário compreende apenas festas cristãs, com raríssimas exceções. Em 1582, no Ocidente latino, o papa Gregório XIII obteve poder suficiente para operar uma memorável reforma do calendário juliano. A propósito, a reforma gregoriana gerou uma grande resistência, inclusive nos meios católicos, pois ao suprimir dez dias, parecia romper com a seqüência temporal e cometer um verdadeiro sacrilégio.

Entretanto, talvez o exemplo histórico mais célebre de rejeição de calendário seja a Revolução Francesa, que na realidade buscava três objetivos: romper com o passado, colocar ordem na anarquia do calendário tradicíonal, assim como assegurar a recordação na memória das futuras gerações. Porém, não foi preciso que o mundo rejeitasse o calendário proposto pela famosa Revolução Francesa, pois a própria França se encarregou de fazê-Io.

Conforme sabemos, o calendário é regido pelo tempo cósmico, regulador da duração que é imposta a todas as sociedades humanas; todavia, as sociedades manipulam o tempo cósmico, consoante seus princípios estruturais sociais, políticos, econômicos, culturais, relacionando-os aos seus aparatos científicos e tecnológicos. A divisão dos calendários dá-se através de dois referenciaís naturais basilares: o Sol e a Lua, fato este que envolve inúmeras e complexas questões, inclusive a concepção cósmica de cada época. Entretanto, um fato parece-nos muito claro: o calendário funciona como um poderoso agente regulador de trabalho e do tempo propriamente "livre" da humanidade

'" o

c a le n d á r io é

o

r e s u lta d o d e u m d iá lo g o c o m p le x o e n tr e

a

n a tu r e z a e a h is tó r ia ( ...) O c a le n d á r io , ó r g ã o d e u m te m p o q u e

r e c o m e ç a s e m p r e , c o n d u z p a r a d o x a lm e n te

à

in s titu iç ã o d e u m a

h is tó r ia c r o n o ló g ic a d o s a c o n te c im e n to s . À d a ta , ao a n o e

p o s s iv e lfl? e n te ta m b é m ao mês e ao d ia a g a r r a m - s e os

---9

Jacques Le Goff, H is tó r ia eM e m ó r ia , p. 487.

BIBLQS, Rio Grande, 8. 43 _ 52, 1996.

(4)

a c o n te c im e n to s . N o liv r o - a lm a n a q u e e u r o p e u

e

s o b r e tu d o

fr a n c ê s ,

yxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

a p a r tir d o s é c u lo X V II e s o b r e tu d o d o s é c u lo X V III, a

h is tó r ia to r n a - s e c a d a v e z m a is im p o r ta n te , in te r r o m p e n d o "a

m o n o to n ia d a s p r e d iç õ e s a s tr o ló g ic a s " . A h is tó r ia d o s

a lm a n a q u e s

e

d o s c a le n d á r io s é u m a h is tó r ia d e r e is

e

d e

g r a n d e s p e r s o n a g e n s , d e h e r ó is e,a n te s d e m a is n a d a , d e h e r ó is

. . 10

n a c io n a is .

A sociedade contemporânea deu um sentido ao tempo, muito diverso das épocas anteriores à nossa. O capitalismo instaura magistralmente uma divisão e importância temporais, historicamente, sem precedentes. Já no século XIX, Baudelaire, grande poeta e pensador da modernidade, contemplava Paris, consciente do "efeito" desumano. dos relógios na sociedade moderna:

O s s in o s d o b r a m , d e r e p e n te fu r ib u n d o s

E la n ç a m c o n tr a

o

c é u u m u iv o h o r r ip ila n te ,

C o m o os e s p ír ito s s e m p á tr ia e v a g a b u n d o s

Q u e s e p õ e m

a

g e m e r c o m v o z

recetcnrente."

TEMPO SUBJETIVO OU PSICOLÓGICO

Em franca oposição ao tempo cronológico, teríamos uma outra modalidade de tempo, que seria o tempo da experiência individual e particular do ser' humano, comumente denominado de tempo "subjetivo" ou psicológico. Tal modalidade temporal é irreconciliável com o tempo cronológico porque obedece inteiramente aos ritmos interiores de cada indivíduo; portanto, está estritamente interligado e conectado à identidade do ser, variável de pessoa

para

pessoa."

10 Jacques Le Goff, H is tó r ia eM e m ó r ia , p. 524.

11 Walter Benjamin. C h a r le s B a u d e la ir e : um lírico no auge do capitalismo, p. 136.

12 Virginia Woolf problematiza de forma magistral a discrepância e oposição entre os tempos "objetivo" e "subjetivo": "Mas, desgraçadamente, o tempo, que faz florescerem e murcharem animais e vegetais com espantosa pontualidade, não tem sobre a mente humana um efeito tão simples. A mente humana, por seu lado, atua com igual estranheza sobre o corpo

tempo. Uma hora. instalada no estranho elemento do espírito humano, pode ser distendida

cinqüenta ou cem vezes mais do que a sua medida no relógio: inversamente, uma hora pode ser representada no tempo mental por um segundo. Esse extraordinário desacordo entre o tempo do relógio e o tempo do espírito é menos conhecido do que devia ser, e merece mais profundas investigações", Virginia Woolf, O r la n d o , p. 253.

48

BIBLOS. Rio Grande, 8: 43 - 52,1996.

O tempo "subjetivo" caracteriza-se pela sua reversibilidade liberdade de deslocamento no passado, assim como pela sua relação co~ rtossa vivência, sensações, impressões e pensamentos. Em qualquer obra ou texto poético, narrativo, ficcional ou não, o tempo é uma categoria inseparável do estatuto real ou imaginário dos seres, dos objetos e das situações que nos são apresentadas.

A IMPORTÂNCIA DO RESGATE MEMORIALlSTA

Walter Benjamin, em sua profunda análise sobre a sociedade moderna, parte do princípio de que a perda da experiência é um dos maiores problemas que enfrentamos, o que acarreta uma perda desastrosa para a narração. Segundo o referido pensador, na época do trabalho artesanal, as histórias eram contadas numa cadeia singular de temporalidade, ou seja, quando o narrador contava a sua história, imprimia a esta sua experiência individual, numa relação de reciprocidade entre narrador e seus ouvintes. Diz Benjamin:

A n a r r a tiv a , q u e d u r a n te ta n to te m p o flo r e s c e u n u m m e io

a r te s ã o - n o c a m p o , n o m a r

e

n a c id a d e - ,

é

e la p r ó p r ia , n u m

c e r to s e n tid o , u m a fo r m a a r te s a n a l d e c o m u n ic a ç ã o . E la n ã o

e s tá in te r e s s a d a em tr a n s m itir o " p u r o e m - s i" d a c o is a n a r r a d a

c o m o u m a in fo r m a ç ã o o u u m r e la tó r io . E la m e r g u lh a

a

c o is a n a

v id a d o n a r r a d o r p a r a em s e g u id a r e tir á - Ia d e le . A s s im s e

im p r im e n a n a r r a tiv a

a

m a r c a d o n a r r a d o r ; c o m o

a

m ã o d o

o le ir o n a a r g ila d o v a s o .13

Nesse sentido, através de tal relação, o sujeito reapropria-se de sua experiência e, ao resgatar sua trajetória individual, pode desvelar elementos da história coletiva. A memória individual traz sua marca, a sua peculiaridade, que é a experiência que pertence unicamente àquele sujeito, na verdade, fora dos padrões institucionalizados e documentais, o que poderá possibilitar a revivescência de vozes silenciadas que não foram ouvidas no passado.

Conforme Benjamin, a produção em série, embora coletiva, imprime às pessoas um ritmo de automatização que desfavorece a troca de experiências, colocando-as "em baixa", transformando o indivíduo numa "peça" isolada e interagindo apenas com o processo mais geral de uma determinada ProduÇão~ logo, o ritmo do homem passa a ser o ritmo da técnica:

---

13

Walter Benjamin, M a g ia eT é c n ic a , A r te eP o lític a , p. 45.

BIBLas, Rio Grande. 6: 43 _ 52, 1996.

(5)

acelerado e efêmero, em que o presente deixa de ter uma dimensão significativa.

Entretanto, o pensador alemão refletiu algumas formas de se resgatar o passado, em que este possa operar como dimensão significativa de temporal idade e deixar de ser apenas um instante vazio que se esvai permanentemente. Para Benjamin, uma das possibilidades de se resgatar a experiência está em estreita conexão com as diversas concepções da memória, haja vista o pensador, em "Sobre alguns temas em Bauoelaire"!", traçar um diálogo com o autor de

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A s flo r e s d o M a l, assim como com Proust, pela maneira como os autores citados conceberam a memória em suas respectivas literaturas.

Portanto, julgamos poder afirmar que a literatura essencialmente memorialista, ficcional ou não-ficcional, dependendo da perspectiva do narrador diante da memória, propicia um espaço particularmente privilegiado para se resgatar a experiência perdida e, conseqüentemente, configurar ou reconfigurar novos ritmos de temporalidade. Sob o ponto de vista de Benjamin, os elementos restituídos pela memória do narrador resgatam, inevitavelmente, ritmos temporais individuais, restaurando referenciais coletivos.

HISTÓRIA E MEMÓRIA

Conforme sabemos, principalmente de algumas décadas para cá, a história tem sido alvo de inúmeros questionamentos e, como tal, a perspectiva do historiador diante do tempo e da memória não poderia ficar de lado. Como afirma Le G o ff,

A c u ltu r a ( o u m e n ta lid a d e ) h is tó r ic a n ã o d e p e n d e a p e n a s d a s

r e la ç õ e s m e m ó r ia - h is tó r ia , p r e s e n te - p a s s a d o . A h is tó r ia

é

a

c iê n c ia d o te m p o . E s tá e s tr ita m e n te lig a d a às d ife r e n te s

c o n c e p ç õ e s d e te m p o q u e e x is te m n u m a s o c ie d a d e

e

s ã o u m

e le m e n to e s s e n c ia lm e n te d a a p a r e lh a g e m m e n ta l d o s s e u s

h is to r ia d o r e s . 15

Nessa perspectiva, não é de agora que a cronologia exerce um papel fundamental no que diz respeito à história. Já tecemos neste estudo alguns referenciais sobre a importância dos calendários ao longo da própria história. Portanto, segundo LeG o ff,

14 Walter Benjamin, C h a r le s B a u d e la ir e : um lirico no auge do capitalismo, p. 103.

15 Jacques Le G o ff. H is tó r ia e M e m ó r ia . p. 52.

50 "'.", BIBLOS. Rio Grande, 8: 43 - 52, 1996·

t". "_,

") r ~ ~ ' ~ '}"~':;:-J.

H o je ,

a

a p lic a ç ã o à h is tó r ia d o s d a d o s d a filo s o fia , d a c iê n c ia , d a

e x p e r iê n c ia in d iv id u a l

e

c o le tiv a te n d e

a

in tr o d u z ir , ju n to d e s te s

q u a d r o s m e n s u r á v e is d o te m p o h is tó r ic o ,

a

n o ç ã o d e d u r a ç ã o , d e

te m p o v iv id o , d e te m p o s m ú ltip lo s

e

r e la tiv o s , d e te m p o s

s u b je tiv o s o u s im b ó lic o s . O te m p o h is tó r ic o e n c o n tr a , n u m n ív e l

m u ito s o fis tic a d o ,

o

v e lh o te m p o d a m e m ó r ia , q u e a tr a v e s s a

a

h is tó r ia

e

a lim e n ta . 16

Dessa forma, uma tarefa imprescindível é praticamente imposta ao historiador: conhecer os diversos ritmos do tempo-memória que, possivelmente, podem se articular na "construção" da história.

Diante do quadro de incertezas e imprevisibilidades que caracterizam nosso contemporâneo, diante de tudo que a modernidade "prometeu" e fatalmente não "cumpriu", sabemos que a história redimensionou seus métodos e referenciais, principalmente quando não é mais possível "absolutizar" o passado, como pretenderam alguns historiadores, na esteira da famosa pretensão à objetividade científica.

Na verdade, as relações entre memória e história, assim como entre passado e presente, são profundamente complexas, dependentes de inúmeros elementos. Contudo, à luz de novos pensadores, assim como da materialidade dos próprios fatos, não podemos ignorar que a leitura do passado depende em grande parte do presente: "Pois que a história é duração, o passado é ao mesmo tempo passado e presente. Compete ao historiador fazer um estudo 'óbjetivo' do passado sob sua dupla forma. Comprometido na história, não atingirá certamente a verdadeira 'óbjetividade', mas nenhuma outra história é

oossrvsr'".

Nessa perspectiva, a história e a literatura essencialmente memorialista (no sentido benjaminiano) podem se articular conjuntamente, sobretudo resgatando ritmos temporais individuais singulares, que talvez tenham sido "adormecidos" pela teia (muitas vezes invisível) do poder.

BIBLIOGRAFIA

1.

BENJAMIN, Walter. C h a r le s B a u d e la ir e : u m lír ic o n o a u g e d o c a p ita lis m o . Tradução de José Carlos Martins Barbosa e Hermerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989.

- ' M a g ia e té c n ic a , a r te e p o lític a . Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987.

2.

---

,

16

Jacques Le G o ff, H is tó r ia e M e m ó r ia . p. 13.

17

Jacques LeG o ff, H is tó r ia e M e m ó r ia . p. 51.

BIBLOS, RIOGrande, 8: 43 _ 52, 1996.

Uff>R -

aC'S~

9\8L\OiECA

(6)

3. BORGES, Jorge Luis.

cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C in c o V is õ e s Pessoais. Tradução de Rosinda Ramos da Silva. 2. ed. Brasilia: Ed. Universidade de Brasilia, 1987.

4. GOLDFARB, Ana Maria. D a A lq u im ia á Q u ím ic a . São Paulo: Nova Estella; Editora da Universidade de São Paulo, 1987.

5. LE GOFF, Jacques. H is tó r ia e M e m ó r ia . Tradução de Bernardo Leitão .. [et al.]. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.

6. MANN, Thomas. A M o n ta n h a M á g ic a . Tradução de Erbert Claro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

7. MARGEM. Faculdade de Ciências Sociais da Pontificia Universidade Católica de São Paulo. NQ

1 (março-1992). São Paulo EDUC, 1992.

8. MEYERHOFF, Hans. O T e m p o n a L ite r a tu r a . Tradução de Myriam Campello. São Paulo: Mc Graw-Hill do Brasil, 1976.

9. PAZ, Octavio. E I A r c o yIa L ir a : s. 1., Fondo de Cultura Econômica, 1986. 10. .S ig n o s e m R o ta ç ã o . São Paulo: Perspectiva, s /d .

11. REIS, José Carlos. T e m p o , h is tó r ia e evasão. Campinas: Papirus, 1994.

12. RUIZ, Beatriz Hilda Grand. E I T ie m p o e n Ia E d a d M e d ia . Buenos Aires. Ediciones Clepsidra, 1985.

13. WOOLF, Virginia. M r s . D a llo w a y - O r la n d o . Tradução de Mário Quintana e Cecilia Meireles. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1972.

Referências

Documentos relacionados

Por isso, quando a quantidade de Oxigênio Dissolvido na água diminui, os peixes não conseguem compensar esta.. Diminuição, ficando prejudicados e,

O Museu Digital dos Ex-votos, projeto acadêmico que objetiva apresentar os ex- votos do Brasil, não terá, evidentemente, a mesma dinâmica da sala de milagres, mas em

nhece a pretensão de Aristóteles de que haja uma ligação direta entre o dictum de omni et nullo e a validade dos silogismos perfeitos, mas a julga improcedente. Um dos

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

A Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, por intermédio da Divisão Multidisciplinar de Assistência ao Estudante (DIMAE/PROAES) torna público o lançamento do presente edital

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

1)  Ver o gráfico: Definição de produto. 2)  1 sigma, 0 % object transmission.. 3)  Em objetos opacos e alinhamento exato

*-XXXX-(sobrenome) *-XXXX-MARTINEZ Sobrenome feito por qualquer sucursal a que se tenha acesso.. Uma reserva cancelada ainda possuirá os dados do cliente, porém, não terá