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NUMA LINGUAGEM SIMPLIFICADA

Adaptação:

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VIAGENS ESPÍRITAS DE ALLAN KARDEC

Numa Linguagem Simplificada

Allan Kardec

Adaptação de:

Louis Neilmoris

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VIAGENS ESPÍRITAS

DE ALLAN KARDEC

NUMA LINGUAGEM SIMPLIFICADA

Allan Kardec

Adaptação:

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Nota da adaptação

A proposta deste trabalho é trazer ao meio popular toda a riqueza do

apanhado sobre as

VIAGENS ESPÍRITAS DE ALLAN KARDEC

: uma coletânea de

escritos de autoria do codificador do Espiritismo, publicada pela Sociedade

Parisiense de Estudos Espíritas acerca de um importante empreendimento para

a propagação da Doutrina do Consolador, que foi a tarefa que ele tomou para si

de viajar pelo interior da França, indo até além de seu país, visitando centros de

estudos e experimentações sob a luz da Doutrina Espírita.

Mas, convenhamos, as traduções brasileiras, até então disponíveis,

ainda oferecem à grande massa popular graves obstáculos para uma perfeita

compreensão, não por falha dos tradutores — muito pelo contrário, mas pela

fidelidade com que verteram dos originais em francês para o português,

mantendo a elevada elocução. Kardec, eminente autoridade em linguística,

evidentemente, só poderia escrever à altura do superior nível cultural de seus

contemporâneos. Desta forma, e nada mais justo, as versões procuram sempre

equilibrar a linguagem.

Esta adaptação procura simplificar o texto utilizando-se de vocábulos

mais comuns, mais atualizados, no entanto, sem alterar o teor da argumentação.

As novas verdades que a maravilhosa Doutrina Espírita nos traz devem

estar ao alcance de todos, por uma questão de respeito e de amor.

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VIAGENS ESPÍRITAS

DE ALLAN KARDEC

Por:

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Sumário

Nota do Tradutor

Resposta de Allan Kardec ao Convite dos Espíritas de Lyon e de Bordeaux Viagem espírita em 1862

Impressões Gerais

Discursos Pronunciados nas Reuniões Gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux Instruções Particulares dadas aos Grupos em Resposta a algumas das Questões Propostas Projeto de Regulamento para uso dos Grupos e Pequenas Sociedades Espíritas

Apêndice e outras viagens de Kardec

VIAGEM ESPÍRITA EM 1860

Resposta de Allan Kardec durante o Banquete que lhe foi Oferecido pelos Espíritas de Lyon O Espiritismo em Lyon

VIAGEM ESPÍRITA EM 1861

Discurso de Allan Kardec durante o Banquete que lhe foi Oferecido em Lyon O Espiritismo em Bordeaux

Discurso de Allan Kardec aos Espíritas de Bordeaux

VIAGEM ESPÍRITA EM 1864

O Espiritismo na Bélgica

“O Espiritismo é uma Ciência Positiva"

VIAGEM ESPÍRITA EM 1867

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Nota do tradutor

A maioria dos espíritas conhece as obras básicas da Doutrina Espírita, especialmente O LIVRO DOS ESPÍRITOS, repositório de seus princípios fundamentais, e que Allan Kardec desdobrou nos demais volumes que constituem a Codificação Espírita.

Muitos, no entanto, ignoram as dificuldades que Kardec enfrentou para que a Doutrina Espírita se tornasse conhecida e praticada naqueles tempos tão difíceis do século XIX, justamente por não compulsarem outros escritos que ele deixou, enfocando de maneira surpreendente suas diretrizes para o Movimento Espírita.

Os estudiosos que desejarem conhecer os primeiros passos do Movimento Espírita nascente encontrarão farto material para suas pesquisas na Revista Espírita de Allan Kardec, notadamente nos volumes referentes a 1860, 1861, 1862, 1864 e 1867, anos em que o Codificador da Doutrina Espírita, aproveitando as férias de verão da Sociedade Espírita de Paris, deslocou-se da capital francesa para visitar algumas cidades do interior da França, alcançando, em 1864, Antuérpia e Bruxelas, na Bélgica.

Hoje, com o avanço da tecnologia e a rapidez dos meios de comunicação, o mundo tornou-se pequeno e acessível à significativa parcela de sua população. E possível tomar-se um avião pela manhã, em Paris, e chegar no mesmo dia em Brasília. Muito diverso, porém, era o panorama existente na época de Allan Kardec. Para fazer a sua Viagem Espírita em 1862, o Codificador precisou de quase dois meses para percorrer 693 léguas e visitar cerca de vinte cidades, e isto porque a França, na metade do século XIX, já possuía uma malha ferroviária que cortava o país em todas as direções e cujos trens trafegavam na incrível velocidade de 50 quilômetros por hora...

De todas as viagens de Allan Kardec, realizadas a serviço da Doutrina Espírita, a de 1862 foi a mais importante, merecendo dele um opúsculo especial, publicado no mesmo ano, riquíssimo em observações sobre o estado do Espiritismo - que então comemorava o seu quinto aniversário — e em instruções sobre a formação de grupos e sociedades espíritas, afora os conselhos e orientações que prodigalizava aos adeptos da novel Doutrina.

E o que buscava Kardec nessas viagens? É ele mesmo que no-lo revela em "Impressões Gerais" desta obra "(...) nossa viagem tinha um duplo objetivo: dar instruções onde estas fossem necessárias e, ao mesmo tempo, nos instruirmos. Queríamos ver as coisas com os nossos próprios olhos, para julgar do estado real da Doutrina e da maneira pela qual ela é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras. Estávamos desejosos,

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sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente a nossa mui sincera e viva simpatia, retribuindo as tocantes provas de amizade que nos dão em suas cartas; de dar, em nome da Sociedade de Paris, e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem os seus primeiros e mais firmes sustentáculos, marchando sempre para frente, sem se inquietarem com as pedras que lhes atiram e pondo o interesse da causa acima do interesse pessoal." E, mais adiante, arremata: "Sob vários pontos de vista, nossa viagem foi muito satisfatória e, sobretudo, muito instrutiva pelas observações que recolhemos. Se pudessem restar algumas dúvidas quanto ao caráter irresistível da marcha da Doutrina e à impotência dos ataques, sobre a sua influência moralizadora, sobre o seu futuro, o que vimos bastaria para dissipá-las."

Durante todo o tempo em que codificou a Doutrina Espírita, Allan Kardec permitiu-se apenas uma viagem de lazer. i Em agosto de 1864, pouco antes de visitar os espíritas de Antuérpia e Bruxelas, na Bélgica, ele esteve na Suíça, demorando-se nas cidades de Neuchâtel, Berna, Zimmerwald, Interlaken, Oberland, Friburgo, Lausanne, Vevey e Genebra, conhecendo os vales de Lauterbrunnen e Grindelwald, os lagos de Brieutz e Léman, as cachoeiras de Staubach e Giesbach, e o castelo de Chillon. Mesmo assim, e para provar que nunca se furtava ao trabalho, aproveitou a ocasião para observar e estudar in loco o estranho fenômeno de um camponês das cercanias de Berna, que gozava da faculdade de descobrir fontes d'água e ver no fundo de um copo as respostas às perguntas que lhe eram feitas, inclusive imagens de pessoas e lugares.ii

Era nossa intenção inicial compor este volume apenas com a tradução integral da Viagem Espírita em 1862. Lembrando-nos, contudo, dos discursos pronunciados nas demais viagens que Kardec empreendeu, na França e na Bélgica, bem como das apreciações que houve por bem fazer acerca de cada uma delas no seu Jornal de Estudos Psicológicos, acudiu-nos a ideia de agregá-los a este livro, sob a forma de apêndice, por guardarem estreita conexão com a matéria tratada nesta obra. Todos os textos foram extraídos da Ia edição da Revista Espírita, editada pela Federação Espírita Brasileira nos anos de 2004 e 2005.

Brasília (DF), 3 de outubro de 2005

Evandro Noleto Bezerra

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Resposta de Allan Kardec ao

Convite dos Espíritas de

Lyon e de Bordeaux

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Meus caros irmãos e amigos espíritas de Lyon.

Apresso-me em lhes dizer o quanto sou sensível ao novo testemunho de simpatia que acabais de dar-me, com o amável e afetuoso convite para visitá-los ainda este ano. Aceito-o com prazer, porque, para mim, é sempre uma felicidade encontrar-me no meio de vocês.

Meus amigos: grande é a minha alegria ao ver a família crescer a olhos vistos; é a mais eloquente resposta aos tolos e ignóbeis ataques contra o Espiritismo. Parece que tal crescimento aumenta a ira deles, porque hoje mesmo recebi uma carta de Lyon, anunciando a remessa de um jornal dessa cidade, La France littéraire, no qual a Doutrina em geral, e minhas obras em particular, são ridicularizadas de maneira tão infamante que me perguntam se devem responder pela imprensa ou pelos tribunais. Digo que devem responder pelo desprezo. Se a Doutrina não fizesse nenhum progresso, se minhas obras não tivessem vingado, ninguém se inquietaria e nada diriam. São os nossos sucessos que exasperam os inimigos. Deixemo-los, pois, que deem livre expansão à sua raiva impotente, pois essa raiva mostra como sentem próxima a sua derrota; não são tão tolos a ponto de lutarem por um aborto. Quanto mais ignóbeis forem os seus ataques, menos estes devem ser temidos, porque são desprezados pelas pessoas honestas e provam que aqueles não têm boas razões a opor, uma vez que só sabem dizer injúrias.

Então, meus amigos, continuem a grande obra de regeneração, iniciada sob tão felizes auspícios, e em breve colherão os frutos da sua perseverança. Sobretudo, provem pela união e pela prática do bem que o Espiritismo é a garantia da paz e da concórdia entre os homens, e façam que, em sendo vistos, todos possam dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.

Sinto-me feliz, meus amigos, por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo para todos, não poderia haver divisões; uma mesma bandeira deve guiá-los e nela está escrito: Fora da caridade não há salvação.

1

Atendendo a convite dos espíritas de Lyon e Bordeaux, subscrito por quinhentas assinaturas, Allan Kardec empreendeu a sua famosa Viagem Espírita em 1862, durante os meses de setembro e outubro daquele ano, comparecendo não só às duas primeiras, mas demorando-se em dezoito outras localidades que se achavam em seu trajeto — Nota do tradutor.

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Fiquem certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira sentirá necessidade de se congregar, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela inveja e pela cupidez. Esta máxima — verdadeira âncora de salvação, porque será o repouso depois da fadiga — o Espiritismo terá a glória de ser o primeiro a havê-la proclamado. Inscrevam-na em todos os locais de reunião e em suas residências. Que, a partir de agora, ela seja a palavra de união entre todos os homens sinceros, que querem o bem, sem segunda intenção pessoal. Mas façam melhor ainda: gravem-na em seus corações e, desde já, colherão a calma e a serenidade que aí as gerações futuras encontrarão, quando ela for a base das relações sociais. Vocês são a vanguarda; devem dar exemplo, a fim de encorajar os outros a segui-los.

Não se esqueçam de que a tática de seus inimigos encarnados e desencarnados é dividi-los. Provem a eles que perderão o tempo se tentarem plantar sentimentos de inveja e rivalidade entre os grupos, que seriam uma negação da verdadeira Doutrina Espírita cristã.

As quinhentas assinaturas que subscrevem o convite que tiveram por bem me enviar representam um protesto contra essa tentativa, e ainda há várias outras que terei o prazer de aí ver. Aos meus olhos é mais que simples fórmula: é um compromisso para marcharmos nos caminhos que nos traçam os bons Espíritos. Eu conservarei preciosamente todas elas, porque um dia farão parte dos gloriosos arquivos do Espiritismo.

Ainda uma palavra, meus amigos. Indo vê-los, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos são difíceis; é importante então não fazer despesas inúteis. O dinheiro que isto custaria será mais bem empregado em auxílio aos que, mais tarde, dele necessitarão. Eu lhes digo isso com toda sinceridade: o pensamento naquilo que fizerem por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos e me tiraria todo o prazer da reunião. Não vou a Lyon a fim de me exibir, nem para receber homenagens, mas para conversar convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos, ajudá-los com os meus conselhos naquilo que estiver em meu poder fazê-lo.

E o que de mais agradável me podem oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Creiam que os termos tão afetuosos do seu convite para mim valem mais que todos os banquetes do mundo, ainda que fossem oferecidos num palácio. O que me restaria de um banquete? Nada, ao passo que seu convite fica como preciosa lembrança e um penhor da sua afeição.

Até breve, meus amigos; se Deus quiser terei o prazer de lhes apertar as mãos cordialmente.

A. K.

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Impressões Gerais

Nossa primeira turnê espírita, realizada em 1860, limitou-se a Lyon e algumas cidades que se encontravam em nosso trajeto. No ano seguinte acrescentamos Bordeaux ao itinerário e, este ano, além dessas duas cidades principais, visitamos uma vintena de localidades e assistimos a mais de cinquenta reuniões, durante uma viagem de sete semanas e um percurso de seiscentas e noventa e três léguas. Nossa intenção não é fazer um relato anedótico da excursão. Dela recolhemos todos os episódios que talvez um dia terão o seu interesse, embora já pertencerão à História. Hoje, no entanto, limitamo-nos a resumir as observações que fizemos sobre a situação da Doutrina Espírita, levando ao conhecimento de todos as instruções que foram dadas nos diferentes Centros. Sabemos que os verdadeiros espíritas assim o desejam e preferimos satisfazê-los a agradar aqueles que não buscam senão distração. Nesta narrativa, aliás, muitas vezes o nosso amor-próprio estará sendo testado, e esta é uma razão preponderante para maior prudência de nossa parte; é, também, o motivo que nos impede de publicar os numerosos discursos que nos foram tributados e que guardamos como preciosas recordações. O que não poderíamos deixar de assinalar, sob pena de passar por ingrato, é o acolhimento tão benevolente e tão simpático que recebemos, por si só suficiente para nos recompensar de todas as fadigas.

Agradecemos particularmente aos espíritas de Provins, Troyes, Sens, Lyon, Avignon, Montpellier, Cette, Toulouse, Marmande, Albi, Sainte-Gemme, Bordeaux, Royan, Mescherssur-Garonne, Marennes, St.-Jean d'Angély, Angoulême, Tours e Orléans, bem como a todos quanto não recuaram ante uma viagem de dez a vinte léguas para se reunirem conosco nas cidades em que nos derivemos. Essa acolhida poderia, realmente, despertar o nosso orgulho, caso não levássemos em conta que tais demonstrações se dirigiam muito menos a nós do que à Doutrina, cujo crédito atestam, desde que, não fosse ela, nada seríamos e ninguém se preocuparia conosco.

O primeiro resultado que pudemos constatar foi o imenso progresso das crenças espíritas.

Um único fato poderá nos dar uma ideia disto. Quando de nossa primeira viagem a Lyon, em 1860, ali havia, no máximo, algumas centenas de adeptos; no ano seguinte já existiam cinco a seis mil, tornando-se impossível saber o seu número agora. Pode-se, no entanto, e sem nenhum exagero, avaliá-los entre vinte e cinco e trinta mil. No ano passado não chegavam a mil, em Bordeaux, número que decuplicou no espaço de

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um ano. Este é um fato comprovado, que ninguém pode negar. Mas há outro fato notável, que também pudemos constatar: numa porção de localidades onde era desconhecido, o Espiritismo penetrou graças às pregações desfavoráveis que lhe eram feitas, inspirando nas pessoas o desejo de saber em que ele se fundamentava. Em seguida, porque o achassem racional, conquistou partidários. Poderíamos citar, entre outras, uma pequena cidade do Departamento do Indre-et-Loire, em que jamais se ouvira falar de Espiritismo — pelo menos nos últimos seis meses; ali, acorreu a um pregador a ideia de fulminar, do púlpito, o que ele chamava, falsa e impropriamente, a religião do século dezenove e o culto a satã. A população, surpresa, quis saber do que se tratava; mandaram trazer livros e hoje, ali, os adeptos organizaram um Centro. Os Espíritos tinham razão quando alguns anos atrás nos disseram que os nossos próprios adversários, sem o quererem, serviriam à nossa causa. Está provado que em toda parte a propagação do Espiritismo tem ocorrido em razão dos ataques. Ora, para que uma ideia se popularize dessa maneira é preciso que agrade e que a julguem mais racional do que outras que lhe são opostas. Assim, um dos resultados de nossa viagem foi poder constatar, com os próprios olhos, o que já sabíamos por nossa correspondência.

Todavia, é preciso admitir que essa marcha ascendente está longe de ser uniforme. Se há regiões onde as ideias espíritas parecem brotar à medida que são semeadas, outras há onde penetram mais dificilmente, em virtude de causas locais, ligadas ao caráter de seus habitantes e, sobretudo, à natureza de suas ocupações. Nestes últimos lugares, os espíritas estão espalhados, isolados; mas aí, como noutras partes, são raízes que se desenvolverão cedo ou tarde, como atualmente já ocorre nos centros mais numerosos. Por todo lado a ideia espírita começa nas classes esclarecidas ou de mediana cultura. Em nenhum lugar principiou pelas classes inferiores e ignorantes. Da classe média ela se estende às mais elevadas e às mais baixas categorias da escala social. Hoje, em muitas cidades, as reuniões se compõem quase exclusivamente de membros dos tribunais, da magistratura e do funcionalismo; a aristocracia também fornece o seu contingente de adeptos, embora, até o presente, se tenha contentado em mostrar-se simpática à causa, pouco se reunindo, pelo menos na França. As reuniões desse gênero são vistas de preferência na Espanha, na Rússia, na Áustria e na Polônia, onde o Espiritismo conta ilustres representantes, oriundos das classes sociais mais elevadas.

Um fato talvez mais importante ainda do que o número de adeptos, deduzido de nossas observações, é a seriedade com que se considera a Doutrina. Onde quer que se investigue, podemos dizer que o lado filosófico, moral e instrutivo é buscado com avidez. Em parte alguma vimos a fenomenologia espírita ser tomada como objeto de entretenimento, nem as experiências como distração. As perguntas fúteis e a curiosidade são descartadas em todos os lugares. Os grupos, em sua maioria, são muito bem dirigidos, alguns até de maneira notável, com perfeito conhecimento dos verdadeiros princípios da ciência espírita. Todos estão unidos em torno dos propósitos defendidos pela Sociedade de Paris e não têm por bandeira senão os princípios ensinados em O LIVRO DOS ESPÍRITOS. Em geral, a ordem e o recolhimento ali reinam com perfeição.

Vimos alguns Grupos, em Lyon e Bordeaux, constituídos habitualmente por cerca de cem a duzentas pessoas, cuja atitude não seria mais edificante numa igreja. Foi em Lyon que se realizou a reunião geral mais importante, composta de mais de

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seiscentos delegados de diferentes grupos, tudo ali se passando de maneira admirável. Devemos acrescentar que as reuniões não sofreram a mais leve oposição, em parte alguma, e somos reconhecidos às autoridades civis pelas demonstrações de benevolência de que fomos alvo em diversas circunstâncias.

Os médiuns igualmente se multiplicam, havendo poucos grupos que não contem vários deles, sem falar da quantidade, bem mais considerável, dos que não pertencem a nenhum agrupamento, servindo-se de sua faculdade apenas para si e para os amigos. Nesse número, existe um núcleo de grande superioridade, dotado de médiuns escreventes apropriados aos diferentes gêneros de manifestações, com predomínio dos médiuns moralistas, pouco divertidos para os curiosos, que melhor fariam se procurassem distrações em outro lugar, e não nas reuniões espíritas sérias. Lyon dispõe de vários médiuns desenhistas notáveis; um deles utiliza a técnica do óleo sobre tela sem jamais haver aprendido a desenhar, nem pintar. Há muitos médiuns videntes, cuja capacidade pudemos constatar. Em Marennes há também uma senhora, médium desenhista e, ao mesmo tempo, excelente médium escrevente, tanto no que respeita às dissertações quanto às evocações. Em Saint-Jean d'Angély vimos um médium mecânico que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma dama que escreve longas e belas comunicações enquanto lê seu jornal ou toma parte na conversa, sem sequer olhar a própria mão.

Sucede, por vezes, não se dar conta de já haver terminado o ditado. Os médiuns iletrados são bastante numerosos e muitos psicografam sem jamais terem aprendido a escrever. Isso não é mais extraordinário do que ver desenhar um médium que não aprendeu o desenho. Mas, o que é característico, é a evidente diminuição dos médiuns de efeitos físicos, à medida que se multiplicam os de comunicações inteligentes. É que, como bem o disseram os Espíritos, o período da curiosidade já passou; estamos, agora, no segundo período: o da filosofia. O terceiro, que em breve começará, será o de sua aplicação à reforma da Humanidade.

Conduzindo as coisas com muita sabedoria, os Espíritos quiseram, preliminarmente, chamar atenção sobre essa nova ordem de fenômenos e provar a manifestação dos seres do mundo invisível. Excitando a curiosidade, eles se dirigiram a todo o mundo, ao passo que uma filosofia abstrata, apresentada desde o início, só teria sido compreendida por pequeno número, que dificilmente lhe admitiria a origem. Agindo gradativamente, mostraram o que podiam realizar. Entretanto, como as consequências morais, em última análise, eram o seu objetivo essencial, assumiram o tom grave quando julgaram suficiente o número de pessoas dispostas a ouvi-los, pouco se inquietando com os recalcitrantes. Quando a ciência espírita estiver solidamente constituída; quando houver sido completada e escoimada de toda ideia sistemática e errônea, que cai diariamente ante um exame sério, eles se ocuparão de sua implantação universal, empregando meios poderosos. Enquanto esperam, semeiam a ideia pelo mundo inteiro, a fim de que, chegado o momento, ela já encontre balizas por toda parte. Então, os Espíritos haverão de remover todos os entraves, pois, contra eles e contra a vontade de Deus, o que poderiam representar os obstáculos humanos?

Essa caminhada racional e prudente revela-se em tudo, mesmo no ensino de detalhes, graduados e proporcionados conforme os tempos, os lugares e os costumes

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dos homens. Assim como uma luz deslumbrante e repentina ofusca em vez de iluminar, os Espíritos só a oferecem pouco a pouco. Quem quer que acompanhe o progresso da ciência espírita reconhecerá que ela cresce em importância à medida que penetra os mais profundos mistérios. Hoje o Espiritismo aborda ideias que, alguns anos atrás, nem sequer suspeitávamos, e ainda não deu a última palavra, pois nos reserva muitas outras revelações.

Reconhecemos essa marcha progressiva do ensino pela natureza das comunicações obtidas nos diferentes grupos que visitamos, comparadas às de antigamente. Elas não se distinguem apenas por sua extensão, amplidão, facilidade de obtenção e elevada moralidade, mas, acima de tudo, pela natureza das ideias apresentadas, por vezes de maneira magistral. Sem dúvida isso depende muito do médium, mas não é tudo; não basta ter um bom instrumento, é necessário dispor de um bom músico para dele tirar bons sons e, ainda, que esse músico disponha de audiência capaz de compreendê-lo e apreciar, pois, do contrário, não se daria ao trabalho de tocar para os surdos.

Aliás, esse progresso não é geral. Exceção feita aos médiuns, nós o constatamos em relação ao caráter dos grupos. Atinge maior desenvolvimento naqueles onde reinam, com a mais viva fé, os sentimentos mais puros e o mais absoluto desinteresse moral. Os Espíritos sabem perfeitamente em quem depositar confiança, a propósito das coisas que não podem ser compreendidas por toda a gente. Naqueles que apresentam condições insatisfatórias o ensino é bom, sempre moral, mas geralmente restrito a banalidades.

Por desinteresse moral entendemos a abnegação, a humildade, a ausência de toda pretensão orgulhosa, de todo pensamento de dominação à custa do Espiritismo. Seria supérfluo falar do desinteresse material, tanto por uma questão de princípio quanto por havermos constatado, em toda parte, uma repulsa instintiva contra qualquer ideia de especulação, que seria vista como um sacrilégio. Os médiuns interesseiros e profissionais são desconhecidos nos lugares que visitamos, à exceção de uma única cidade, que conta com alguns. Aquele que, em Bordeaux ou noutros lugares, fizesse de sua faculdade mediúnica uma profissão, não inspiraria a menor confiança; muito ao contrário, seria repelido por todos os grupos, sentimento que pudemos constatar de maneira notável.

Mais um sinal característico dessa época é o número incalculável de adeptos que nada viram e que nem por isso deixam de ser menos fervorosos, simplesmente porque leram e compreenderam. Esse número aumenta sem cessar. Em Cette, por exemplo, só conhecem os médiuns por ouvir falar e através de livros; apesar disso, é difícil encontrarmos mais fé e mais fervor. Um deles nos perguntava se essa facilidade em aceitar a Doutrina pela simples teoria era um bem ou um mal; se era própria de um Espírito sério ou superficial. Respondemos-lhe que é um indício da facilidade em compreendê-la; que, como qualquer outra ideia, pode ser inata, bastando uma fagulha para despertá-la de seu estado latente. Essa facilidade em compreender representa um progresso anterior nesse sentido; seria leviandade aceitá-la sob palavra e cegamente.

Já o mesmo não se dá com aqueles que não a adotam senão depois de haverem estudado e compreendido: veem pelos olhos da inteligência o que outros só veem pelos olhos do corpo. Isto prova que ligam mais importância ao fundo que à forma; para eles a

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filosofia é o principal, não passando as manifestações de simples acessório. Essa filosofia lhes explica o que nenhuma outra foi capaz de explicar e lhes satisfaz a razão pela lógica, preenchendo o vazio da dúvida; isto lhes basta. Eis por que a preferem a qualquer outra.

É raro que aqueles que se incluem nessa categoria não sejam bons e verdadeiros espíritas, desde que neles existe a semente da fé, sufocado momentaneamente pelos preconceitos terrenos.

Para uns, as provas materiais são fundamentais; para outros, bastam as provas morais. Por outro lado, há criaturas que não se convencem nem por umas nem por outras, característica que permite diagnosticar a natureza de seu espírito. Em todo caso, pouco se pode esperar dos que dizem "Só acreditarei se tal ou qual coisa se produzir", e absolutamente nada dos que, julgando-se superiores, não se dão ao trabalho de estudar e observar. Quanto aos que dizem "Ainda que eu visse não acreditaria, pois sei que é impossível”, é inútil falar deles e, mais inútil ainda, perder nosso tempo com eles.

Sem dúvida, já é muito acreditar, mas apenas a crença não é suficiente, se não leva a resultados. Infelizmente há muitos nessa situação, isto é, pessoas para quem o Espiritismo não passa de um fato, de uma bela teoria, uma letra morta que não conduz a nenhuma mudança, nem no seu caráter, nem em seus hábitos. Mas, ao lado dos espíritas simplesmente crédulos ou simpáticos à ideia, há os espíritas de coração, e nos sentimos felizes por haver deparado com muitos deles. Vimos transformações que se poderiam dizer miraculosas; recolhemos exemplos admiráveis de zelo, abnegação e devotamento, numerosas demonstrações de caridade verdadeiramente evangélica que, com justa razão, poderíamos chamar: Belos traços do Espiritismo. As reuniões compostas exclusivamente de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais fala o coração, também apresentam um aspecto muito especial; todas as fisionomias refletem franqueza e cordialidade; nós nos sentimos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos da fraternidade. Tanto quanto os homens, os Espíritos aí se comprazem, mostram-se mais expansivos e transmitem suas instruções íntimas. Naquelas, ao contrário, em que há divergência de sentimentos, onde as intenções não são inteiramente puras, em que se nota o sorriso sardônico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, em que se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre mal-estar, constrangimento e desconfiança. Em tais ambientes os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes paralisados pela influência dos maus fluidos, que pesam sobre eles como um manto de gelo. Tivemos a ventura de assistir a numerosas reuniões da primeira categoria e as registramos com alegria em nossos apontamentos, como uma das mais agradáveis lembranças que guardamos de nossa viagem. Reuniões dessa natureza por certo se multiplicarão, à medida que o verdadeiro objetivo do Espiritismo for mais bem compreendido; são também as reuniões que facultam a mais sólida e mais frutuosa propaganda, porque se dirigem a pessoas sérias, que preparam a reforma moral da Humanidade pregando pelo exemplo.

É notável que as crianças educadas nos princípios espíritas desenvolvem um raciocínio precoce que as torna infinitamente mais fáceis de governar; vimos muitas delas, de todas as idades e de ambos os sexos, nas diversas famílias espíritas em que fomos recebidos, onde pudemos constatar o fato pessoalmente. Isto nem lhes tira a

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alegria natural, nem a jovialidade; nelas não existe essa turbulência, essa obstinação, esses caprichos que tornam tantas outras insuportáveis; pelo contrário, revelam um fundo de docilidade, de ternura e de respeito filial que as leva a obedecer sem esforço e as torna mais estudiosas. Foi o que pudemos notar, e essa observação é geralmente confirmada. Se pudéssemos analisar aqui os sentimentos que essas crenças tendem a desenvolver nas crianças, facilmente conceberíamos o resultado que devem produzir. Diremos apenas que a convicção que têm da presença de seus avós, que ali estão, ao lado delas, podendo vê-las incessantemente, as impressiona bem mais vivamente do que o temor do diabo, do qual logo terminam por não crer, enquanto não podem duvidar do que testemunham diariamente no seio da família. Então, é uma geração espírita que se educa e que vai aumentando progressivamente. Essas crianças, por sua vez, educarão seus filhos nos mesmos princípios e, enquanto isso, desaparecerão os velhos preconceitos com as velhas gerações. Torna-se evidente que a ideia espírita um dia alcançará o status de crença universal.

Um fato não menos característico do estado atual do Espiritismo é o desenvolvimento da coragem de opinião. Se ainda existem adeptos contidos pelo temor, hoje seu número é bem menos considerável ao lado dos que confessam abertamente suas crenças e já não temem dizer-se espíritas, como não receariam passar-se por católicos, judeus ou protestantes. A arma do ridículo, à força de ferir sem provocar danos, acabou por se desgastar e, diante de tantas pessoas notáveis, que proclamam altivamente a nova filosofia, viu-se obrigada a curvar-se. Uma única arma permanece ainda em suspenso: a ideia do diabo; mas é o próprio ridículo que faz justiça.

Aliás, não foi apenas este gênero de coragem que percebemos, mas também o da ação, do devotamento e do sacrifício, isto é, dos que corajosamente, em certas localidades, se colocam na vanguarda do movimento das ideias novas, assumindo riscos e afrontando ameaças e perseguições. Sabem que Deus não os esquecerá, caso os homens lhes façam mal nesta vida.

Como se sabe, a obsessão é um dos grandes escolhos do Espiritismo; assim, não podemos negligenciar um ponto tão capital. A esse respeito recolhemos importantes observações, que constituirão matéria de um artigo especial da REVISTA ESPÍRITA, no qual falaremos dos possessos de Morzinev, que igualmente visitamos na Haute-Savoie. Aqui diremos apenas que os casos de obsessão são muito raros entre aqueles que fizeram um estudo prévio e atento de O LIVRO DOS MÉDIUNS e se identificaram com os princípios nele contidos, mantendo-se alertas e espreitando os menores sinais que poderiam denunciar a presença de um Espírito suspeito. Vimos alguns grupos que, sem dúvida, encontram-se sob uma influência abusiva, porque nela se comprazem e dela tornam-se presa por uma confiança demasiado cega e por certas disposições morais. Outros, ao contrário, revelam tal temor de serem enganados que levam a desconfiança — por assim dizer — ao excesso, investigando com meticuloso cuidado todas as palavras e todos os pensamentos, preferindo rejeitar o duvidoso a arriscar-se a admitir o que fosse mau. Por isso, vendo que nada têm a fazer, os Espíritos mentirosos terminam por se retirar, indo buscar compensação junto dos que lhes oferecem menor dificuldade e nos quais encontram certas fraquezas e algumas imperfeições de espírito a explorar. O excesso em tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso, é preferível pecar por excesso

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de prudência a pecar por excesso de confiança.

Outro resultado de nossa viagem foi nos permitir julgar a opinião relativa a certas publicações que se afastam mais ou menos dos nossos princípios, algumas das quais chegam mesmo a ser francamente hostis para eles.

Para começar, digamos que encontramos uma aprovação unânime para o nosso silêncio, relativamente aos ataques que temos sofrido, haja vista as cartas de felicitações que diariamente temos recebido a este respeito. Em vários discursos que foram pronunciados, aplaudiu-se favoravelmente a nossa moderação; um deles, entre outros, contém a passagem seguinte: "A malevolência dos teus inimigos produziu resultado inteiramente contrário ao que esperavam: o de te engrandecer aos olhos dos teus numerosos discípulos e de apertar os laços que os unem a ti. Pela tua indiferença, mostra que têm consciência de tua força. Opondo mansidão às injúrias, dá um exemplo que saberemos aproveitar. A História, caro mestre, como teus contemporâneos, e melhor ainda do que eles, irá nos levar em conta esta moderação, quando constatar, por teus escritos, que às provocações da inveja e do ciúme, não te opôs senão a dignidade do silêncio. Entre eles e ti, a posteridade será o juiz".

Os ataques pessoais jamais nos abalaram. Outro tanto não se pode dizer dos que são dirigidos contra a Doutrina. Algumas vezes respondemos diretamente a certas críticas, quando isso nos pareceu necessário, a fim de provar — se preciso for — que sabemos entrar na liça. E o teríamos feito com mais frequência se tivéssemos constatado que esses ataques traziam prejuízo real ao Espiritismo; mas, quando ficou provado pelos fatos que, longe de prejudicá-lo, serviam à causa, louvamos a sabedoria dos Espíritos, empregando seus próprios inimigos para propagar a Doutrina e, graças à censura, fazendo penetrar a ideia em meios onde jamais teria penetrado pelo elogio. Este é um fato que nossa viagem constatou de maneira peremptória, uma vez que, nesses mesmos meios, o Espiritismo recrutou mais de um partidário.

Quando as coisas caminham por si sós, por que então se bater em ataques sem proveito?

Quando um exército percebe que as balas do inimigo não o atingem, ele o deixa atirar à vontade e desperdiçar suas munições, bem certo de poder agir melhor depois. Em semelhante caso, o silêncio muitas vezes é uma estratégia; o adversário, ao qual não se responde, julga não haver ferido suficientemente ou não ter encontrado o ponto vulnerável. Então, confiando no sucesso que imagina fácil, descobre-se e debanda em disparada. Uma resposta imediata o teria posto em guarda. O melhor general não é o que se atira de corpo e alma na refrega, mas o que sabe esperar e calcular o momento certo. Foi o que aconteceu a alguns dos nossos antagonistas; vendo o caminho por onde se aventuravam, era certo que nele se afundariam cada vez mais. Limitamo-nos a não intervir; e suas teorias foram desacreditados muito mais cedo do que se esperava por conta de seus próprios exageros, o que não teríamos conseguido apenas com os nossos argumentos.

Entretanto, dizem os pretensos críticos de boa-fé, não pretendemos senão esclarecer-nos, e, se atacamos, não é por hostilidade, por preconceito ou malquerença, mas para que jorre a luz da discussão. Não há o que duvidar que entre esses críticos alguns são sinceros; mas é de notar que os que têm em vista apenas questões de

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princípios discutem com calma e jamais se afastam da conveniência. Ora, quantos há? O que contém a maior parte dos artigos que a imprensa, grande ou pequena, tem dirigido contra o Espiritismo? Diatribes2, chacota geralmente pouco espirituosas, tolices e

pilhérias de mau gosto, muitas vezes injúrias que rivalizam com a grosseria e a trivialidade. Serão críticos sérios, dignos de uma resposta? Há os que se traem com tanta facilidade que se torna inútil levá-los em consideração, pois todos os percebem. Na realidade, seria dar a eles importância demasiada, sendo preferível deixar que se divirtam em seu pequeno círculo, a pô-los em evidência mediante refutações sem objetivo, pois que não os convenceriam. Se a moderação não estivesse em nossos princípios — já que é uma consequência mesma da Doutrina Espírita, que prescreve o esquecimento e o perdão das ofensas —, seríamos encorajados a empregá-la quando víssemos o efeito produzido por esses ataques, constatando que a opinião pública nos vinga melhor do que o fariam nossas palavras.

Quanto aos críticos sérios, de boa-fé, que comprovam sua educação pela urbanidade das formas, estes colocam a ciência acima das questões pessoais. A estes muitas vezes respondemos, se não diretamente, pelo menos quando temos oportunidade de tratar em nossos escritos de questões controvertidas, embora não haja objeção que não encontre sua resposta para quem quer que se dê ao trabalho de os ler. Para responder a cada um, individualmente, seria preciso repetir, incessantemente, a mesma coisa, e isto só serviria para uma única pessoa. O tempo, aliás, não nos permitiria isso, ao passo que, aproveitar-se um assunto que se apresenta para refutá-lo ou dar a seu respeito uma explicação, é, no mais das vezes, pôr o exemplo ao lado do preceito, e isso serve para todo mundo.

Havíamos anunciado um pequeno volume de Refutações. Ainda não o publicamos porque não nos pareceu urgente e só pudemos lucrar com isto. Antes de responder a certas brochuras que, no dizer de seus autores, deveriam minar os fundamentos do Espiritismo, quisemos julgar o efeito que elas produziriam. Pois bem, nossa viagem nos convenceu de uma coisa: elas não minaram coisa alguma, o Espiritismo está mais vivo do que nunca e hoje quase não se fala mais dessas brochuras. Sabemos que na classe das pessoas a quem se dirigiam e às quais não nos dirigimos, elas são consideradas sem réplica e o nosso silêncio é tido como prova de nossa incapacidade em respondê-las; donde concluem que estamos devidamente vencidos, fulminados e divididos. Que nos importa isso, já que não estamos tão mal assim? Esses escritos fizeram diminuir o número dos espíritas? Não. Nossa resposta teria convertido essas pessoas? Não. Não havia, pois, nenhuma urgência em refutá-las; ao contrário, havia vantagem em deixar que os nossos adversários atirassem a primeira pedra.

Quando Sófocles foi acusado por seus filhos, que exigiam sua interdição por causa de uma clemência, ele escreveu o Édipo e sua causa foi ganha. Não somos capazes de escrever um Édipo, mas outros se encarregam de responder por nós: nosso editor em primeiro lugar, imprimindo a nona edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS (a primeira é de 1857) e a quarta de O LIVRO DOS MÉDIUNS, em menos de dois anos; os assinantes da REVISTA ESPÍRITA, dobrando de número e nos obrigando a fazer uma nova reimpressão

2 Diatribes: crítica severa, em tom violento e geralmente afrontoso, em que se ataca alguém ou alguma coisa — N. D. (Nota da versão

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dos anos anteriores, duas vezes esgotadas. A Sociedade Espírita de Paris, que vê crescer o seu prestígio; os espíritas, que aumentam consideravelmente a cada ano, fundando por toda parte, na França e no estrangeiro, grupos sob o patrocínio e conforme os princípios da Sociedade de Paris; o Espiritismo, enfim, correndo o mundo, consolando os aflitos, sustentando a coragem dos abatidos, semeando a esperança onde havia desespero, a confiança no futuro onde reinava o medo. Estas respostas valem bem mais que as outras, pois são os próprios fatos que falam. Mas, como um rápido corcel, o Espiritismo levanta sob seus pés a poeira do orgulho, do egoísmo, da inveja e do ciúme, derrubando à sua passagem a incredulidade, o fanatismo, os preconceitos e conclamando todos os homens à lei do Cristo, isto é, à caridade e à fraternidade.

Vocês que acham que ele caminha rápido demais, por que não o interrompem, ou melhor, por que não vão mais depressa do que ele? O meio de barrar-lhe a passagem é muito simples: façam melhor que ele; deem mais do que ele dá; tornem os homens melhores, mais felizes, mais crentes do que ele pode fazer, e as pessoas o deixarão para segui-los. Mas enquanto não o atacarem senão por palavras e não por melhores resultados morais, enquanto não substituírem a caridade que ele ensina por uma caridade maior, é preciso que se resignem a deixá-lo passar. E que o Espiritismo não é apenas uma questão de fatos mais ou menos interessantes ou autênticos, para divertir os curiosos; é, acima de tudo, uma questão de princípios; é forte sobretudo por suas consequências morais; ele se faz aceito não porque fira os olhos, mas porque toca o coração.

Toquem o coração mais do que ele o faz e serão aceitos. Ora, nada toca menos o coração do que a agressão e as injúrias.

Se todos os nossos partidários estivessem agrupados em torno de nós, poderiam ver aí uma camarilha; mas não poderia ser assim com milhares de adesões que nos chegam de todos os pontos do globo, da parte de gente que jamais vimos e que só nos conhecem por nossos escritos.

Estes são fatos concretos, expressos pela brutalidade das cifras, e que não podem ser atribuídos nem aos efeitos da propaganda, nem da camaradagem do jornalismo; portanto, se as ideias que professamos e das quais não passamos de humílimo editor responsável, encontram tão numerosas simpatias, é que não as acham tão desprovidas de senso comum.

Muito embora a utilidade da refutação que anunciamos não nos esteja claramente demonstrada hoje, já que os ataques se refutam por si mesmos, pela insignificância de seus resultados, e considerando-se o incalculável número de adeptos, mesmo assim o faremos.

Contudo, as observações que fizemos em viagem modificaram nosso plano, pois há muitas coisas que se tornam inúteis, ao passo que novas ideias nos têm sido sugeridas. Nós nos esforçaremos para que esse trabalho retarde o menos possível tarefas muito mais importantes que nos restam fazer para concluir a obra pela qual nos responsabilizamos.

Em resumo, nossa viagem tinha um duplo objetivo: dar instruções onde estas fossem necessárias e, ao mesmo tempo, nos instruirmos. Queríamos ver as coisas com os nossos próprios olhos, para julgar do estado real da Doutrina e da maneira pela qual ela

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é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras. Estávamos desejosos, sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente a nossa mui sincera e viva simpatia, retribuindo as tocantes provas de amizade que nos dão em suas cartas; de dar, em nome da Sociedade de Paris, e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem os seus primeiros e mais firmes sustentáculos, marchando sempre para frente, sem se inquietarem com as pedras que lhes atiram e pondo o interesse da causa acima do interesse pessoal. Seu mérito é tanto maior porque trabalham em solo ingrato, vivem num meio mais refratário e não esperam deste mundo nem fortuna, nem glória, nem honra; por isso sua alegria é grande quando, entre os espinheiros, veem desabrochar algumas flores. Dia virá em que teremos a felicidade de erguer um panteão ao devotamento dos espíritas; enquanto esperamos que os materiais sejam reunidos, queremos deixar-lhes o mérito da modéstia: eles se farão conhecer e apreciar por suas obras.

Sob vários pontos de vista, nossa viagem foi muito satisfatória e, sobretudo, muito instrutiva pelas observações que recolhemos. Se pudessem restar algumas dúvidas quanto ao caráter irresistível da marcha da Doutrina e à impotência dos ataques, sobre a sua influência moralizadora, sobre o seu futuro, o que vimos bastaria para dissipá-las. Há, certamente, muita coisa por fazer e, em muitos lugares, ela lança apenas rebentos esparsos, embora vigorosos e que já dão frutos. Sem dúvida a rapidez com a qual as ideias espíritas se propagam é prodigiosa e sem exemplo nos anais das filosofias, mas só estamos no começo da jornada, e resta ainda a fazer a maior parte do caminho. Que a certeza de atingir o objetivo seja, pois, para todos os espíritas, um estímulo para que perseverem na via que lhes foi traçada.

Publicamos, em seguida, o discurso principal que pronunciamos nas grandes reuniões de Lyon, Bordeaux e algumas outras cidades. Acompanhamo-lo de instruções particulares dadas, conforme as circunstâncias, nos grupos particulares, em resposta a algumas perguntas que nos foram dirigidas.

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Discursos Pronunciados nas

Reuniões Gerais dos Espíritas de

Lyon e Bordeaux

I

Senhores e caros irmãos espíritas,

Vocês não são mais principiantes em Espiritismo. Assim, hoje deixarei de lado os detalhes práticos sobre os quais — devo reconhecer — estão suficientemente esclarecidos, para considerar a questão sob um aspecto mais largo, sobretudo em suas consequências. Este lado da questão é grave, o mais grave incontestavelmente, pois que mostra o objeto para onde se inclina a Doutrina e os meios para atingi-lo. Serei um pouco longo, talvez, pois o assunto é muito vasto e, contudo, restaria ainda muito a dizer para o completar. Assim, reclamarei sua indulgência considerando que, não podendo ficar convosco senão por algum tempo, sou forçado a dizer de uma só vez o que em outras circunstâncias eu teria dividido em várias partes.

Antes de abordar o ângulo principal do assunto, creio dever examiná-lo de um ponto de vista que, de certo modo, me é pessoal. Todavia, se não se tratasse senão de uma questão individual, seguramente eu não me ocuparia com ela; porém, ela se liga a várias questões gerais, podendo resultar instruções para todo mundo. Foi esse o motivo que me levou a aproveitar esta ocasião para explicar a causa de certos antagonismos que muita gente se admira de encontrar em meu caminho.

No estado atual das coisas aqui na Terra, qual é o homem que não tem inimigos? Para não ter nenhum, seria preciso não estar na Terra, por ser esta a consequência da inferioridade relativa do nosso globo e de sua destinação como mundo de expiação. Para isto, bastaria fazer o bem? Oh, não; o Cristo não está aí para provar isso? Se, pois, o Cristo — que é a bondade por excelência — foi alvo de tudo quanto a maldade pôde imaginar, por que nos admirarmos de que assim suceda com aqueles que valem cem vezes menos?

O homem que pratica o bem — isto dito em tese geral — deve então esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, pondo em xeque — pela

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maledicência ou pela calúnia — aqueles que os ofuscam.

Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o coração e nos torna egoístas; falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, porque esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom. O reconhecimento já é uma remuneração do bem que se faz; praticá-lo tendo em vista esta remuneração é fazê-lo por interesse. E, depois, quem sabe se aquele a quem se faz um favor, e do qual nada se espera, não será levado a melhores sentimentos por uma postura correta? É talvez um meio de levá-lo a refletir, de abrandar sua alma, de salvá-lo! Esta esperança é uma nobre ambição; se nos decepcionamos, não teremos realizado o que nos cabia realizar.

Entretanto, não se deve crer que um benefício que permanece estéril na Terra seja sempre improdutivo; muitas vezes é um grão semeado que só germina na vida futura do beneficiado.

Várias vezes já observamos Espíritos, ingratos como homens, serem tocados, como Espíritos, pelo bem que lhes haviam feito, e essa lembrança, despertando neles bons pensamentos, facilita-lhes o caminho do bem e do arrependimento, contribuindo para abreviar-lhes os sofrimentos. Só o Espiritismo poderia revelar este resultado da beneficência; só a ele estava dado, pelas comunicações de além-túmulo, mostrar o lado caridoso desta máxima: Um benefício jamais é perdido, em lugar do sentido egoísta que lhe atribuem. Mas, voltemos ao que nos concerne.

Pondo de lado qualquer questão pessoal, tenho adversários naturais nos inimigos do Espiritismo. Não pensem que me lastimo: longe disto! Quanto maior é a antipatia deles, tanto mais ela comprova a importância que a Doutrina assume aos seus olhos; se fosse uma coisa sem consequência, uma dessas utopias que já nascem inviáveis, não lhe prestariam atenção, nem a mim. Não veem escritos muito mais hostis que os meus quanto aos preconceitos, e nos quais as expressões não são mais moderadas do que a ousadia dos pensamentos, sem que, no entanto, digam uma única palavra? Aconteceria o mesmo com as doutrinas que procuro difundir, se permanecessem restritas às folhas de um livro. Mas, o que pode parecer mais surpreendente, é que eu tenha adversários, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Ora, é aqui que uma explicação se faz necessária.

Como sabem, entre os que adotam as ideias espíritas, há três categorias bem distintas:

1ª Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que não deduzem deles nenhuma consequência moral;

2ª Os que veem o lado moral, mas o aplicam aos outros e não a si próprios;

3ª Os que aceitam para si mesmos todas as consequências da Doutrina, e que praticam ou se esforçam por praticar a sua moral.

Vocês bem sabem que estes são os verdadeiros espíritas, os espíritas cristãos. Esta distinção é importante, porque explica bem as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil de compreendermos a conduta de certas pessoas. Ora, o que reza esta moral? Amem-se uns aos outros; perdoem aos inimigos; retribuam o mal com o bem; não

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tenham ódio, nem rancor, nem ira, nem inveja, nem ciúme; sejam severos para convosco mesmos e indulgentes para com os outros.

Tais devem ser os sentimentos de um verdadeiro espírita, daquele que vê o fundo e não a forma, que põe o Espírito acima da matéria; este pode ter inimigos, mas não é inimigo de ninguém, pois não deseja o mal a ninguém e, com mais forte razão, não procura fazer o mal a quem quer que seja.

Como podem ver, senhores, este é um princípio geral, do qual todo mundo pode tirar proveito. Logo, se tenho inimigos, não podem ser contados entre os espíritas desta categoria, porque, admitindo-se que tivessem legítimos motivos de queixa contra mim — o que me esforço por evitar —, isto não seria motivo para me odiarem, considerando-se que não fiz mal a ninguém. O Espiritismo tem por princípio: Fora da caridade não há salvação, o que significa dizer: Fora da caridade não há verdadeiros espíritas. Convido-os a inscrever, a partir de então, esta dupla máxima em sua bandeira, porque ela resume ao mesmo tempo a finalidade do Espiritismo e o dever que ele impõe. Portanto, estando admitido que não se pode ser bom espírita com sentimentos de rancor no coração, eu me orgulho de contar apenas com amigos entre estes últimos, pois que, se eu tiver defeitos, eles saberão desculpá-los. Veremos, em seguida, a que imensas e férteis consequências este princípio conduz.

Vejamos assim as causas que podem excitar certas intrigas.

Desde que surgiram as primeiras manifestações dos Espíritos, muitas pessoas aí viram um meio de especulação, uma nova mina a explorar. Se essa ideia tivesse seguido seu curso, teriam visto médiuns pululando por toda parte, ou se apresentando como tais, dando consulta a tanto por sessão; os jornais estariam cobertos por seus anúncios e reclames; os médiuns se teriam transformado em ledores de sorte e o Espiritismo seria incluído na mesma linha da adivinhação, da cartomancia, da necromancia, etc. Nesse conflito, como poderia o público discernir a verdade da mentira? Reabilitar o Espiritismo não seria coisa fácil. Era preciso impedir que ele tomasse esse atalho mortal, cortando pela raiz um mal que o teria retardado de mais de um século. Foi o que me esforcei por fazer, demonstrando, desde o princípio, o lado grave e sublime desta nova ciência; fazendo-a sair do caminho puramente experimental para fazê-la entrar no da filosofia e da moral; mostrando, finalmente, que seria profanação explorar a alma dos mortos, quando cercamos seus despojos de respeito. Desse modo, assinalando os inevitáveis abusos que resultariam de semelhante estado de coisas, contribuí, e disso me ufano, para desacreditar a exploração do Espiritismo, levando o público a considerá-lo como coisa séria e santa.

Creio ter prestado algum serviço à causa; mas, não tivesse feito senão isso, e já me daria por satisfeito. Graças a Deus meus esforços foram coroados de sucesso, não apenas na França, mas no estrangeiro; e posso dizer que os médiuns profissionais são hoje raras exceções na Europa. For toda parte onde minhas obras penetraram e servem de guia, o Espiritismo ê considerado sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, sob o ponto de vista exclusivamente moral; por toda parte os médiuns, devotados e desinteressados, compreendem a santidade de sua missão, são cercados da consideração que lhes é devida, seja qual for a sua posição social; e essa consideração cresce em razão mesma da posição realçada pelo desinteresse.

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Não pretendo absolutamente dizer que entre os médiuns interessados não existam muitos que sejam honestos e dignos de estima. Mas a experiência tem provado, a mim e a tantos outros, que o interesse é um poderoso estimulante para a fraude, porque se quer ganhar dinheiro; e se os Espíritos não ajudam — o que acontece muitas vezes, já que não estão por conta de nossos caprichos —, a astúcia — fecunda em expedientes — encontra facilmente meios de supri-los. Para um que agir lealmente, haverá cem que abusaria e prejudicaria o Espiritismo em sua reputação. Por isso, os nossos adversários não perderam a ocasião para explorar, em proveito de suas críticas, as fraudes que puderam testemunhar, concluindo que tudo devia ser falso, e que era de todo conveniente que se opusessem a esse novo gênero de charlatanismo. Em vão contesta-se que a santa doutrina não é responsável por tais abusos. Conhecem o provérbio "Quando se quer matar o cão alheio, diz-se que está raivoso".

Que resposta mais peremptória poderíamos dar à acusação de charlatanismo do que dizer "Quem lhes pediu para vir? Quanto pagaram para entrar?". Aquele que paga quer ser servido; exige uma compensação por seu dinheiro; se não lhe dão o que espera, tem o direito de reclamar.

Ora, para evitar isto, querem servi-lo a qualquer preço. Eis o abuso; mas esse abuso, em vez de ser exceção, ameaça tornar-se uma regra, sendo preciso detê-lo. Agora que a opinião se formou a respeito, só os inexperientes correm perigo.

Assim, àqueles que se queixarem de ter sido enganados, ou de não terem obtido as respostas que desejavam, pode-se dizer: Se tivessem estudado o Espiritismo, teriam sabido em que condições ele pode ser observado com proveito; quais são os legítimos motivos de confiança e de desconfiança, o que se pode dele esperar, e não teriam pedido o que ele não pode dar; não teriam ido consultar um médium como a cartomante, para pedir revelações aos Espíritos, informações sobre heranças, descobertas de tesouros e cem outras coisas semelhantes que não são da alçada do Espiritismo. Se foram induzido em erro, não devem inculpar senão a vocês mesmos.

É bem evidente que não se pode considerar como exploração a contribuição que se paga a uma sociedade para prover às despesas da reunião. Diz a mais vulgar equidade que não se pode impor esse gasto a pessoas de parcos recursos ou que não dispõem de tempo suficiente para comparecerem às reuniões. A especulação consiste em se fazer uma indústria da coisa, em convocar o primeiro que chegar — curioso ou indiferente — para arrancar seu dinheiro. Uma sociedade que assim agisse, seria tão repreensível, ou mais repreensível ainda que o indivíduo, e já não mereceria confiança. É justo e não constitui exploração ou especulação que uma sociedade acuda a todas as suas despesas, não as deixando sobre os ombros de um só; outra, porém seria a situação, se o primeiro que chegasse pudesse comprar o direito de entrada, mediante pagamento, porque seria desnaturar o objetivo essencialmente moral e instrutivo das reuniões desse gênero, para fazer delas um espetáculo de curiosidade. Quanto aos médiuns, eles se multiplicam de tal modo, que os profissionais seriam hoje completamente supérfluos.

Tais são, senhores, as ideias que me esforcei por fazer prevalecer, e me sinto contente por ter triunfado mais facilmente do que esperava. Mas, compreendam, aqueles de quem frustrei as esperanças não são meus amigos. Eis, pois, uma categoria que não me pode ver com bons olhos, o que, aliás, pouco me inquieta. Se alguma vez a exploração

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do Espiritismo tentasse introduzir- se em nossa cidade, eu lhes convidaria a renegar essa nova indústria, a fim de não serem solidários com ela e para que as censuras que possam provocar não venham a cair sobre a doutrina pura.

Ao lado da especulação material, há a que se poderia chamar especulação moral, isto é, a satisfação do orgulho, do amor-próprio (vaidade); é o caso daqueles que, mesmo sem interesse financeiro, julgavam fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se colocarem em evidência. Não os favoreci, e, assim como meus conselhos, meus escritos se contrapuseram a mais de uma premeditação, mostrando que as qualidades do verdadeiro espírita são a abnegação e a humildade, segundo esta máxima do Cristo: "Quem se exalta será humilhado." Esta segunda categoria também não me aprecia e bem poderia ser chamada a das ambições frustradas e dos amores-próprios melindrados.

Em seguida vêm as pessoas que não me perdoam por ter sido bem-sucedido, para as quais o sucesso de minhas obras é uma causa de desgosto, que perdem o sono quando assistem aos testemunhos de simpatia que me são dirigidos. E a camarilha3 dos

invejosos, pouco ou nada indulgente, reforçada por criaturas que, por temperamento, não podem ver um homem erguer um pouco a cabeça sem tentar abaixá-la.

Uma camarilha das mais irascíveis4, acreditem, encontra-se entre os médiuns,

não entre os médiuns interesseiros, mas entre os desinteressados, materialmente falando; quero falar dos médiuns obsediados, ou melhor, fascinados. Algumas observações a respeito não deixam de ter sua utilidade.

Por orgulho, de tal modo estão convencidos de que tudo quanto obtêm é sublime, e não pode vir senão de Espíritos Superiores, que se irritam à mínima observação crítica, a ponto de se indisporem com seus amigos quando estes têm a inabilidade de não admirar os seus absurdos.

Nisto reside a prova da má influência que os domina, pois, supondo-se que eles não enxergassem claramente — por falta de julgamento ou de instrução —, não seria motivo para embirrar contra os que não compartilham de sua opinião; mas isto não convém aos Espíritos obsessores que, para melhor manter o médium sob sua dependência, inspiram-lhe o afastamento e até mesmo a aversão por quem quer que possa abrir os seus olhos.

Há, ainda, aqueles cuja passividade é levada ao excesso; que se melindram com as mínimas coisas, mesmo com o lugar que lhes é destinado nas reuniões, se não os põem em evidência, com a ordem estabelecida para a leitura de suas comunicações, ou quando se proíbe a leitura daquelas cujo objeto não parece oportuno numa assembleia; dos que não são solicitados com muito empenho a dar a sua contribuição mediúnica; outros se contrariam porque a ordem dos trabalhos não é invertida, de modo a contemplar as suas conveniências; outros gostariam de ser tidos como médiuns titulares de um grupo ou de uma sociedade, quer chova ou faça bom tempo, e que seus Espíritos dirigentes fossem tomados por árbitros absolutos de todas as questões, etc. Estes motivos são tão infantis e mesquinhos que nenhum deles ousa confessá-los; mas nem por isso deixam de ser a fonte de uma surda mágoa que, mais cedo ou mais tarde se trai,

3

Camarilha: grupo de pessoas que convivem com uma autoridade ou personalidade importante e procuram influir direta ou indiretamente sobre suas decisões — N. D.

4

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ou pelas malquerenças, ou pelo afastamento. Não tendo boas razões para dar, há os que não têm escrúpulos de alegar pretextos imaginários. Como não estou disposto a me dobrar diante de todas essas pretensões, é um erro o que digo? É um crime imperdoável aos olhos de certas pessoas que, naturalmente me deram as costas, erro maior ainda porque não lhes dei importância. Imperdoável! Concebem esta palavra nos lábios de pessoas que se dizem espíritas?

Tal palavra deveria ser riscada do vocabulário do Espiritismo.

Esse desgosto, a maior parte dos chefes de grupos ou de sociedades, como eu, tem experimentado, e os estimulo a fazer como eu, isto é, a dispensarem os médiuns que antes constituem um entrave que um recurso. Com eles estamos sempre pouco à vontade, temerosos de feri-los com as mais insignificantes ações.

Antigamente esse inconveniente era mais frequente do que agora. Quando os médiuns eram mais raros, devíamos contentar-nos com os que existiam; mas hoje, que eles se multiplicam a olhos vistos, o inconveniente diminui em razão da própria escolha e à medida que eles se compenetram melhor dos verdadeiros princípios da Doutrina.

Pondo de lado o grau da capacidade mediúnica, as qualidades essenciais de um bom médium são a modéstia, a simpatia e o devotamento. Deve oferecer sua contribuição tendo em vista tornar-se útil, e não para satisfazer à sua vaidade; jamais deve tomar partido das comunicações que recebe, pois, de outra forma, poderia fazer crer que nelas põe algo de si, e que tem interesse em defendê-las; deve aceitar a crítica, e mesmo solicitá-la, submetendo-a ao parecer da maioria, sem ideias premeditadas; se o que escreve é falso, é mau, detestável, devem dizê-lo sem temor de magoá-lo, porque ele não é responsável por nada. Eis os médiuns realmente úteis numa reunião e com os quais jamais teremos contrariedade, porque compreendem a Doutrina; os outros não a compreendem ou não a querem compreender. São estes que recebem as melhores comunicações, porque não se deixam dominar por Espíritos orgulhosos; os Espíritos mentirosos os temem, pois se reconhecem impotentes para deles abusar.

Em seguida vem a categoria das pessoas que jamais estão contentes. Algumas acham que ando depressa demais, outras com excessiva lentidão; é, de fato, como na fábula do Moleiro, seu filho e o asno. Os primeiros me reprovam por haver formulado princípios prematuros, de me impor como chefe de escola filosófica. Mas, pondo de lado qualquer ideia espírita, não tenho o direito de criar, como tantos outros, uma filosofia a meu modo, ainda que absurda? Se os meus princípios são falsos, por que não colocam outros em seu lugar e não os fazem prevalecer? Ao que parece, em geral eles não são considerados tão despropositados, já que encontram numerosos aderentes; mas não seria exatamente isto que excita o mau humor de certa gente? Se esses princípios não encontrassem partidários, fossem ridículos em alto grau, não se falaria mais deles.

Os segundos, os que pretendem que não ando com bastante rapidez, esses gostariam de me empurrar — creio que com boa intenção, pois é sempre melhor acreditar no bem do que no mal — num caminho que não quero me arriscar. Sem, pois, me deixar influenciar pelas ideias de uns e de outros, prossigo meu caminho; tenho um objetivo, vejo-o, sei quando e como o atingirei, e não me inquieto com os clamores dos que passam.

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mesmo sobre as maiores. Caso conhecêssemos a verdadeira causa de certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas se apresentariam. Devemos ainda mencionar as pessoas que se colocaram contra mim em posições falsas, ridículas ou comprometedoras, e que procuram covardemente se justificar por meio de pequenas calúnias; os que esperavam seduzir-me pela bajulação, crendo poder levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de suas manobras para atrair minha atenção. Enfim, os que não me perdoam por ter adivinhado os seus propósitos, e que são como a serpente sobre a qual se pisa. Se toda essa gente quisesse se colocar, ao menos por um instante, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco mais do alto, compreenderia o quanto é infantil o que a preocupa e não se admiraria da pouca importância que os verdadeiros espíritas dão a tudo isso. E que o Espiritismo abre horizontes tão vastos que a vida corporal — que é tão curta e tão efêmera — se apaga com todas as suas vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.

Entretanto, não devo omitir uma censura que me foi dirigida: a de nada fazer para trazer novamente a mim as pessoas que se afastam. Isto é verdadeiro, e se é uma censura fundada, eu a mereço, porque jamais dei um passo nesse sentido; eis os motivos de minha indiferença:

Os que vêm a mim, fazem isto porque lhes convém; é menos por minha pessoa do que pela simpatia aos princípios que professo. Os que se afastam, fazem-no porque não lhes convenho ou porque não concordam com a nossa maneira de ver as coisas. Por que então eu iria contrariá-los impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Aliás, eu não teria mesmo tempo para isto, pois, como se sabe, minhas ocupações não me deixam um instante de repouso, e para cada um que parte, há mil que chegam; dedico-me antes de tudo a estes últimos, e é isso que faço. Orgulho? Desprezo pelos outros? Oh, seguramente não; não desprezo ninguém; lamento os que agem mal e peço a Deus e aos bons Espíritos que façam renascer neles melhores sentimentos; eis tudo. Se voltam, são sempre bem-vindos, mas, correr atrás deles, jamais o faço, em razão do tempo que reclamam as pessoas de boa vontade; e, depois, porque não concedo a certas pessoas a importância que elas se atribuem. Para mim, um homem é um homem e nada mais; meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, e não pela posição que ocupa. Ainda que esteja altamente colocado, se agir mal, se for egoísta e presunçoso de sua dignidade, é a meus olhos inferior a um simples operário que age bem, e eu aperto a mão mais cordialmente de um pequeno que deixa falar o coração, do que a de um grande, cujo coração nada diz; a primeira me aquece, a segunda me congela.

Personagens da mais alta condição social me honram com sua visita, sem que, por causa delas, jamais um proletário tenha ficado na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe fica lado a lado com o artesão; caso se senta humilhado, digo-lhe que não é digno de ser espírita.

Mas, sinto-me feliz em dizer, muitas vezes os tenho visto apertarem-se as mãos fraternalmente, e digo para mim mesmo: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; é o prelúdio de muitos outros prodígios!".

Não dependeria senão de mim abrir as portas da alta sociedade; contudo, jamais fui nelas bater. Isto me tomaria um tempo que creio poder empregar mais utilmente. Coloco em primeira linha consolar os que sofrem, levantar a coragem dos

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