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O papel das Escolas Superiores de Agricultura na institucionalização das ciencias agricolas no Brasil, 1930-1950 : praticas academicas, curriculos e formação profissional

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Número: 04/2005

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

ENSINO E HISTÓRIA DE CIÊNCIAS DA TERRA

Graciela de Souza Oliver

O papel das Escolas Superiores de Agricultura na institucionalização

das ciências agrícolas no Brasil, 1930-1950: práticas acadêmicas,

currículos e formação profissional

Tese apresentada ao Instituto de Geociências como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ciências no programa de pós-graduação em Ensino e História de Ciências da Terra.

Orientadora: Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa

CAMPINAS - SÃO PAULO Agosto - 2005

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BIBLIOTECA CENTRAL DA UNICAMP Helena Joana Flipsen – CRB-8ª / 5283 Oliver, Graciela de Souza.

OL4p O papel das escolas superiores de agricultura na institu- cionalização das ciências agrícolas no Brasil, 1930-1950 : práticas acadêmicas, currículos e formação profissional / Graciela de Souza Oliver. -- Campinas, SP : [s.n.], 2005.

Orientador: Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa.

Tese (doutorado) - Universidade Estadual de

Campinas, Instituto de Geociências.

1.

Ciência - História. 2. Escolas agrícolas. 3. Agricul-

tura – Estudo e ensino. 4. Agricultura – História – Brasil.

5. Brasil – História – 1930-1950. I. Figueirôa, Silvia

Fernanda de Mendonça. II. Universidade Estadual de

Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

ENSINO E HISTÓRIA DE CIÊNCIAS DA TERRA

AUTORA: GRACIELA DE SOUZA OLIVER

O papel das Escolas Superiores de Agricultura na institucionalização

das ciências agrícolas no Brasil, 1930-1950: práticas acadêmicas,

currículos e formação profissional

ORIENTADORA: Profa. Dra. Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa

Aprovada em: _____/_____/_____

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Silvia Fernanda de Mendonça Figueirôa ______________________ - Presidente Profa. Dra. Maria Amélia Mascarenhas Dantes __________________________

Prof. Dr. Amílcar Baiardi ______________________ Profa. Dra. Lea Maria Strini Velho ______________________

Prof. Dr. Tamás K. M. Szmrecsányi ______________________

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra

O papel das Escolas Superiores de Agricultura na institucionalização das ciências agrícolas no Brasil, 1930-1950: práticas acadêmicas, currículos e formação profissional.

RESUMO TESE DE DOUTORADO

Graciela de Souza Oliver

Essa tese tem por objetivo analisar o papel desempenhado pelas escolas superiores de agricultura na institucionalização das ciências agrícolas entre 1930 e 1950. As escolas analisadas foram: a Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’, a Escola Nacional de Agronomia, a Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais em Viçosa e Escola de Agricultura da Bahia. Para compreender qual a contribuição / papel dessas escolas no processo de institucionalização, busquei identificar como conceituaram e exerceram atividades científicas de acordo com o contexto local e com as demandas originadas a partir do processo de reconhecimento federal, iniciado em 1934. A hipótese central dessa pesquisa propõe que diferentes projetos políticos para a modernização da agricultura, encampados pelas escolas, estiveram baseados em diferentes tradições científicas. As duas supostas tradições teriam gerado dois modelos institucionais que, por sua vez, proporcionaram a formação de distintos profissionais de agronomia, especializações e um centro e uma periferia na área. A realização desse trabalho de pesquisa contribuiu para a construção de um perfil para cada escola e para a área de ciências agrícolas no período abordado.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra

ABSTRACT

Institutionalization of agricultural science in Brazil, 1930-1950 : the contribution of agricultural schools through their academical practices, curricular structure and professional profiles.

The main objective of this doctoral thesis is to comprehend the contributions of agricultural schools in the institutionalization of agricultural sciences between 1930 e 1950. Four schools were focused in this study - the Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’, Escola Nacional de Agronomia, Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais em Viçosa and Escola de Agricultura da Bahia. To understand this process I turned my attention on how each school has constructed a meaning and has practiced scientifics activities. I have either observed how those meanings and practices were related to the local context and to the demands originated from the process of federal recognition that began in 1934. The main assumption of this research is that two political projects for the Brazilian agriculture were based on two scientific traditions, distinguishing two kinds of professionals, specializations and resulting on a center and a periphery in the area. At the end of this doctoral thesis it was possible to construct a profile for each school and for the agricultural sciences in the focused period.

Keywords: Science – History, Agricultural schools, Agriculture – Study and teaching, Agriculture – History – Brazil, Brazil – History – 1889-1930.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Silvia Figueirôa pela amizade e dedicação estabelecidas no decorrer da orientação. Tal experiência e aprendizado sempre terão lugar especial em minha vida. Também não posso deixar de agradecer pelo apoio e incentivo em diversos momentos, fazendo notar uma de suas qualidades – o respeito ao outro.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento do projeto de pesquisa (00/14946-3), iniciado em abril de 2001.

Agradeço aos professores Tamás Szmrecsányi e Maria Amélia Dantes, pelas argüições motivadoras desde a iniciação científica, e aos professores Léa Velho e Amilcar Baiardi que, em diferentes momentos, também contribuíram para uma compreensão mais apurada do objeto de estudo.

Aos professores com quem pude conversar, funcionários e bibliotecárias do Instituto de Geociências da UNICAMP, da Escola de Agronomia da UFBA, da Universidade Estadual de Feira de Santana, da Universidade Federal de Viçosa, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e da Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz" da USP, agradeço pela simpatia e suporte técnico.

Dos amigos e amigas de percurso, gostaria de agradecer em especial àqueles com quem a conversa correu solta, tornando o dia-a-dia mais ameno: Lúcia Fantinel, Messias, Ermelinda, Rachel, Clarete, Sandra, Fernanda e Tércio (em Campinas); Nilton, Joselene, Anapaula e Luiz (Luigi e Enzo), Viviane e Eric, Magali e Bida, Júlio, Gal e Renatinho (em Feira de Santana); Rômulo, Marize, Angélica, Regilene e demais 'petianas (os)' (em Cruz das Almas); Joseane, Lydiani, Dimas e Prof. Paulo T. S. (em Viçosa); Prof.a. Zezé, Mizael, Tatiana, Thiago, Alessandro, meninas de Minas e toda a galera do 315 (em Seropédica); Valéria, Márcio e esalquianas(os) de apelido esquisito (em Piracicaba). Dessa turma de amigos, além da típica e querida vizinhança, há também aqueles que são colegas de profissão e outros, engenheiras(os) agrônomas(os) e florestais que são amigos entre si, com quem pude conviver brevemente durante as pesquisas nos arquivos. Curiosamente fui indo da amiga do amigo, amigo do amigo, amiga da amiga, da Bahia até São Paulo.

Esse percurso, literal retorno, teve a participação efetiva de pessoas da minha família no cuidado da recém – nascida Tatiana que, hoje, com 3 anos adora ouvir uma história. Todos os avós, titio, tios e tias avós e primas contaram mais uma vez e outra vez e de novo... A vocês, à Tatiana e ao Eduardo agradeço pelo carinho e alegria.

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ÍNDICE

Índice de Figuras, Gráficos e Mapas, p. xiii Índice de Siglas, p. xv

Índice de Quadros e Tabelas, p. xvii INTRODUÇÃO Surgimento do Tema, p. 01 Objetivos, p. 04 Pressupostos Teóricos, p. 07 Hipótese, p. 18 Metodologia e Fontes, p. 18 Estrutura da Tese, p. 23

CAPÍTULO 1. O PAPEL DAS ESCOLAS SUPERIORES DE AGRICULTURA NA EMERGÊNCIA E INSTITUCIONALIZAÇÃO DAS CIÊNCIAS AGRÍCOLAS NO BRASIL

1.1. Tradições científicas e instituições das ciências agrícolas no século XIX, p. 29

1.2 Da Imperial Escola Agrícola de Agricultura da Bahia à Escola Superior de Agricultura de Viçosa: a formação e a inserção de um novo profissional na sociedade brasileira, p. 49

CAPÍTULO 2. ENGENHEIRANDO: FORMAÇÃO E ÁREAS DE ATUAÇÃO PROFISISONAL NAS CIÊNCIAS AGRÍCOLAS

2.1 Introdução, p. 91

2.2. Notícias do Reconhecimento, p. 102

2.3. O Reconhecimento e o estabelecimento de um perfil para cada escola, p. 125

2.4 Características e o lugar das pesquisas científicas nas escolas agrícolas de ensino superior de agricultura, p. 138 CAPÍTULO 3. EXPERIMENTAÇÃO E PESQUISA AGRONÔMICA: CASOS ESPECÍFICOS

3.1 A medição das "Forças de Van der Hoff". As grandes excursões no final do período", p. 177 3.1.1 De Grande para Grande..., p. 187

3.2 O lema da ESAV: "Mens sana in Corpore Sano", p. 193 3.2.1 Discussão, p. 215

3.3. Fitopatologia: interdisciplinaridade e especialização, p. 219

3.3.1. A ciência como ficção humana e a confecção de máscaras da exposição e do vexame, p. 220 3.4 Ceres, as mulheres e o sertão: representações sobre o feminino e a construção do termo Agronomia, p. 245 CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 303

FONTES PRIMÁRIAS IMPRESSAS CITADAS E CONSULTADAS, p. 311 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CITADAS E CONSULTADAS, p. 315

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ÍNDICE DE FIGURAS E MAPAS

FOTO 1 - Reprodução da Foto "Seção de horticultura da Escola Agrícola de Piracicaba – Alameda Central – No segundo plano, à esquerda, vê-se a estufa, o edifício da Usina Elétrica e a Oficina Mecânica, e ao fundo a fachada posterior do edifício principal da Escola", p. 25

FOTO 2 – José Candido de Melo Carvalho, p. 279 FOTO 3 – Augusto Chaves Batista, p. 279

FOTO 4 – Quadro de Formatura da ENA de 1914 e detalhe da imagem da deusa Ceres, p. 281 FOTO 5 - Quadro de Formatura da EAB de 1930 e detalhe da imagem da deusa Ceres, p. 283 FOTO 6 – Imagens da deusa Ceres retratadas na ESALQ, p. 285

FOTO 7 - Reprodução de Foto de Relatório de Máquinas Agrícolas ENA, p. 287

FOTO 8 – Os alunos de Agronomia da ESAV em descanso, após terem tracionando os arados e carroças, p. 289 FOTO 9 – "Enxada Calçada", p. 289

FOTO 10 - EAB relatório de excursão trabalho de Engenharia Rural, p. 289

FOTO 11 - Reprodução da Foto "Ministério da Agricultura. Vê-se o aparelho de extração de éter, com aquecimento elétrico do Instituto de Química", p. 291

FOTO 12 – Reprodução da Foto "Laboratório de Exame e Fiscalização de Sementes da Diretoria do Fomento Agrícola do Ministério da Agricultura", p.293

GRÁFICO 1 - Número de concluintes das quatro escolas no período analisado, p. 153 MAPA 1 – Localidades onde nasceram os diplomados pela ESALQ entre 1930 e 1950, p. 169 MAPA 2 – Localidades onde nasceram os diplomados pela ESAV entre 1930 e 1953, p. 171 MAPA 3 – Localidades onde nasceram os diplomados pela EAB entre 1930 e 1953, p. 173 MAPA 4 - Localidade onde nasceram os diplomados pela ENA entre 1930 e 1950, p. 175

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SIGLAS

APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia

CATI - Coordenadoria de Assistência Técnica de São Paulo. CONFEA (1933) – Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura DEA (1933) – Diretoria do Ensino Agrícola

EAB / UFBA (1875) - Escola Agrícola (até 1946) ou Agronômica da Bahia (após 1946)/ Universidade Federal da Bahia EMBRAPA (1972) - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

ESALQ / USP (1901) - Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ –SP / Universidade de São Paulo

ESAMV / ENA / UFRRJ (1910) - Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária / Escola Nacional de Agronomia / Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

ESAV / UFV (1926) - Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerias em Viçosa / Universidade Federal de Viçosa

IBSP (1927) - Instituto Biológico de São Paulo

IIBA (1859) - Imperial Instituto Bahiano de Agricultura IIFA (1861) - Imperial Instituto Fluminense de Agricultura IIRG (1859) - Imperial Instituto Rio Grandense

SAIN (1825) - Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional SEAV (1938) - Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário SNA (1897) - Sociedade Nacional de Agricultura

SPA (1899) – Sociedade Paulista de Agricultura UFRPE – Universidade Federal Rural de Pernambuco UFPE – Universidade Federal de Pernambuco

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ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS

QUADRO 1 – Tipo de documentação encontrada para a análise das escolas, p. 27 QUADRO 2 – Número total de registros de alunos concluintes pesquisados, p. 27 QUADRO 4 - Disposição das disciplinas da Escola Agrícola da Bahia em 1875, p. 27 QUADRO 3 – Escolas que apresentam relatórios de excursão de alunos, p. 27

QUADRO 5 - Cadeiras e grupos possíveis do curso de Engenharia Agronômica da Escola Politécnica de São Paulo em 1891, p. 83

QUADRO 6 - Distribuição das cadeiras no decorrer do curso de agricultura da Escola de Piracicaba em 1899, p. 85 QUADRO 7 – Disciplinas e especializações do curso de Engenharia Agrícola da Escola Superior de Agricultura e Medicina

Veterinária (1910), p. 87

QUADRO 8 - Departamentos e Disciplinas da Escola Superior de Agricultura de Viçosa entre 1926 e 1939, p. 89

QUADRO 9 - Número de concluintes e de Escolas (entre parênteses) no ensino superior nas modalidades que compõem o CONFEA, 1935 – 1955, p. 151

QUADRO 10 – Total de alunos concluintes de 1930 a 1950, p. 153

QUADRO 11 – Diplomas Registrados na Divisão do Ensino Agrícola do Ministério da Agricultura, segundo o local de formatura (1937 – 1939), p. 155

QUADRO 12 – Diplomas Registrados na Divisão do Ensino Agrícola do Ministério da Agricultura, segundo o local de nascimento (1937 – 1939), p. 157

QUADRO 13 - Número de Concluintes por local de Nascimento na ESALQ, ENA, EAB e ESAV de 1930 a 1950, p. 159 QUADRO 14 - Número de concluintes por ano na ESALQ, de acordo com o local de nascimento nas oito principais

cidades em número de alunos no período, p. 161

QUADRO 15 – Profissão declarada dos alunos concluintes da ESAV e em detalhe dos alunos nascidos em Minas Gerias n décadas de 1930 e 1940, p. 163

QUADRO 16 - Número de concluintes por ano na EAB, de acordo com o local de nascimento nas oito principais localidades em número de alunos no período, p.165

QUADRO 17. Disciplinas privilegiadas no primeiro ano de curso na ENA, ESALQ, EAB e ESAV, p. 295 QUADRO 18 – Disciplinas privilegiadas no segundo ano de curso na ENA, ESALQ, EAB e ESAV, p. 297 QUADRO 19 – Disciplinas privilegiadas no terceiro ano de curso na ENA, ESALQ, EAB e ESAV, p. 299 QUADRO 20 - Disciplinas privilegiadas no quarto ano de curso na ENA, ESALQ, EAB e ESAV, p. 301 TABELA 1 – Número de alunos irmãos entre o total de registros encontrados, p. 27

TABELA 2 – Idade média geral dos alunos concluintes, p. 27

TABELA 3 – Concluintes do Ensino Superior e de Agronomia na População Brasileira, 1935 – 1955, p. 147 TABELA 4 – Número de Escolas de Agronomia e de seu corpo docente e discente no Brasil, de 1935 – 1955, p. 149 TABELA 5 – Número e percentual de alunos da ESALQ que ingressaram no serviço público do Estado de São Paulo, p. 167

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INTRODUÇÃO

Surgimento do tema

A idéia de estudar as técnicas e as ciências teve início ainda na graduação, mais sistematicamente durante a iniciação científica, quando utilizei os Boletins do Instituto

Agronômico de Campinas como principal documentação. Na leitura desses periódicos foi

possível notar a presença de dados científicos entremeados de opiniões sobre o papel da ciência no progresso da agricultura, sobre o caráter moral dos agricultores e as políticas que o Estado de São Paulo deveria criar, definindo e justificando um espaço para as ciências agrícolas entre fins do século XIX e início do XX. Dediquei-me às técnicas de produção de uvas para a produção de vinhos, tentando mostrar que aqueles conhecimentos eram resultantes de um contexto e não a mera reprodução de idéias científicas de outros países.

Entre 1890 e 1930, notei que alguns autores justificavam a divulgação das técnicas vitivinícolas pela necessidade de aumentar a produção de uvas e de vinho para atrair, fixar e tornar saudável a mão-de-obra imigrante. Através de análises químicas denunciavam as falsificações, fraudes e misturas que ‘envenenavam’ a mão-de-obra estrangeira pela acetificação ou mau gosto dos vinhos. Como alternativa agronômica para esses problemas, aqueles autores propuseram a aclimatação de variedades européias, a divulgação das etapas do processo de fermentação e de aparelhagem adequada ao plantio e ao fabrico de vinhos.

Para estabelecer uma ligação entre essas técnicas e o contexto histórico, procurei identificar como um conceito de vinho era elaborado em função da divulgação de determinadas técnicas. Na década de vinte, por exemplo, nota-se que o vinho é conceituado como uma bebida sã e tonificante para os trabalhadores, opondo-se às falsificações, ou seja, duas classificações relativas a uma noção científica do que é um processo de fermentação e das razões para a sua boa ocorrência. A necessidade de uma bebida sã, que não provocasse doenças e até mesmo o alcoolismo, também esteve presente nos jornais operários na mesma época. Nesses periódicos, patrões e operários compartilhavam a mesma noção de saúde, que em parte anulava a dicotomia entre classes, mas, contraditoriamente, acabou solidificando um tipo de conhecimento científico e legitimando ideais e ações da classe capitalista, sendo comum o repúdio ao alcoolismo pelo consumo de vinhos inferiores e de outras bebidas entre ambas as classes (Bertucci, 1997).

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O conceito de vinho como uma bebida saudável aparecia também em outras revistas de divulgação agronômica, como O Campo e Chácaras e Quintaes. Nesses periódicos, apesar da similaridade de seu conteúdo ao dos Boletins, a solução dos problemas da vitivinicultura não era somente uma questão de modernização técnica. Vários artigos incitavam a formação de cooperativas vitivinícolas e a regulamentação técnica da produção do vinho nacional. A defesa do vinho nacional, tanto na versão modernização técnica como na cooperativista, divulgava um conjunto mínimo de técnicas para garantir uma fermentação alcoólica sã e completa, usando variedades de uvas européias ou estirpes tradicionais.

Entretanto, mais do que maquinários, procedimentos de cultivo ou políticas, a aclimatação daquelas variedades tradicionais era considerado como um problema inicial e determinante para o desenvolvimento da viticultura no país. Isto se dava pelas características ambientais e culturais do país, porque o conceito de vinho estava relacionado tanto a um sabor, característico de determinadas uvas, como ao de uma bebida das nações civilizadas. Assim, as videiras aclimatadas deveriam proporcionar uma bebida com gosto de vinho europeu, igualando o gosto entre as classes e auxiliando a reconstituir a “raça” brasileira ao final de cada dia de trabalho.

No caso dessa monografia, o conhecimento científico foi compreendido como uma produção social ou mais uma ferramenta de dominação. Este tipo de análise tem sido objeto freqüente na historiografia brasileira, quer nas relações entre saber e poder quer ao analisar as relações entre a difusão do saber e o desenvolvimento da produção capitalista. Um pouco desse último enfoque pude trabalhar no mestrado, quando reconstruí as possíveis relações entre as políticas de modernização do agrônomo José Vizioli e o crescimento da agroindústria canavieira paulista.

Queria saber se e como a divulgação daquelas orientações técnicas teria resultado no desenvolvimento econômico de uma produção agrícola. A documentação utilizada compreendeu artigos de diversas revistas agrícolas relativos à crise do mosaico ou à cultura da cana-de-açúcar, dando ênfase aos de José Vizioli ou aqueles que de alguma forma expunham o assunto. Esta metodologia possibilitou observar o debate sobre as causas do aparecimento do mosaico nos canaviais, sobre a crise da lavoura canavieira e os motivos que requisitaram uma solução científica do problema.

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A leitura dessa documentação e a investigação sobre a carreira de um agrônomo, somando-se às leituras já feitas anteriormente, proporcionaram-me uma vaga noção sobre o que era a área de ciências agrícolas em São Paulo. Entretanto, esse conjunto de dados sugeria um estudo que fosse além de notificar as principais instituições de ensino, pesquisa e extensão onde as ciências agrícolas se desenvolveram ao longo do século XX, como já havia feito o agrônomo Eurípides Malavolta na coletânea História das Ciências no Brasil (vol. 3, 1979-1981).

Assim, as escolhas agronômicas de José Vizioli foram contextualizadas em relação ao processo internacional de difusão de novas variedades de cana-de-açúcar e da criação de estações experimentais. Muito pouco desse contexto fez referência às práticas, às publicações locais, aos agrônomos e às instituições, exceto em relação a alguns personagens próximos e à Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz', situada em Piracicaba - SP (1901 - ESALQ). E, além das evidências recolhidas sobre a criação de uma Estação Experimental de cana-de-açúcar naquela escola, quando li Agronomia e Poder (1999) pude estabelecer algumas semelhanças entre os projetos de modernização agrícola da elite paulista, o da ESALQ e o projeto de José Vizioli.

Com base nesse livro foi possível compreender que ter sido aluno da ESALQ, ter se especializado nos Estados Unidos e ser um especialista em cana-de-açúcar eram motivos positivos que lhe davam visibilidade na esfera política e científica da época. Todos esses motivos coincidiram com um momento de crise da lavoura canavieira, que era a principal cultura da região de Piracicaba, de convergência política entre a Secretaria da Agricultura e a diretoria da escola, de concretização do caráter superior de seu ensino e da perspectiva de projetar-se como instituição científica e padrão no cenário nacional (Mendonça, 1999), ao que muito contribuiria a criação de uma Estação Experimental em seus domínios.

Contudo, esses mesmos motivos que sinalizavam positivamente para José Vizioli também poderiam ser utilizados para sinalizar Theodureto de Camargo. Na época da ocorrência do mosaico, inclusive nos canaviais da própria ESALQ, Theodureto de Camargo era catedrático de química da ESALQ, formado engenheiro agrônomo pela Escola Politécnica de São Paulo (1904), havia feito especialização em química agrícola na Alemanha1 e, a partir de 1924, passou a responder pela diretoria do Instituto Agronômico de Campinas. Então, quais seriam os fatores de distinção? Seria apenas a questão do conhecimento fitopatológico específico?

1

Segundo o texto de Salvador Toledo Piza, publicado em Romero (2001, pp.102-8), Theodureto de Camargo estudou na Alemanha com Lemerman, Vitmak e Frezenius, mas não pôde concluir sua tese sobre colóides do solo,

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Não podemos esquecer que a própria controvérsia do mosaico não foi definitivamente concluída na época. Não sabemos ao certo como José Vizioli conseguiu convencer os pesquisadores da época que o mosaico era uma doença e não sintoma de degenerescência fisiológica, como defendia Theodureto de Camargo. Sabe-se apenas que teve a possibilidade de trabalhar com o mecanismo de inoculação na Universidade de Cornell (ou postulados de Kock) e estava a par das medidas que solucionaram o fenômeno em outros lugares ou que deram um golpe final no mundo canavieiro, sem, no entanto, dar um basta à controvérsia do mosaico na época. E, embora suas medidas tenham sido comprovadamente eficazes nos anos subseqüentes à crise, gerando uma nova etapa de crescimento da agroindústria canavieira (Oliver & Szmrecsányi, 2003), o vírus do mosaico da cana-de-açúcar só foi identificado como tal na década de 1950 por pesquisadores do Instituto Biológico de São Paulo (1927 - IBSP)

Assim, ao invés de uma simples relação de causa e efeito entre a formação e a inserção profissional, outros elementos circunstanciais foram elencados, como as estratégias de convencimento por meio da publicação em periódicos, da capital e revistas agronômicas, os grupos políticos e científicos em que estavam envolvidos e um conjunto de práticas e conceitos agronômicos. Todos esses elementos poderiam levar a caracterizar grupos e canais de inserção na ESALQ como também na Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. Por outro lado, com esse exemplo, considero que se essa infra-estrutura de pesquisa e de ensino foi mais um fator influente no desenvolvimento ou retração de diversas culturas agrícolas, quais grupos, práticas, conteúdos e critérios do fazer agronômico asseguraram que os canaviais paulistas estavam sofrendo o mal do mosaico? Esta foi uma das primeiras perguntas que me motivaram a estudar em detalhe a História das Ciências Agrícolas no país e seus mecanismos de institucionalização.

Objetivos

Na historiografia brasileira identifica-se a criação do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, criado pelo decreto n. 2500 em 1859 (Dantes, 1979-81; Capdeville, 1991; Baiardi, 1999), da Escola Agrícola da Bahia em São Bento das Lages (BA), criada em 1877 (Dantes, 1979-81, Malavolta, 1979-81) e do Instituto Agronômico de Campinas (SP), criado em 1887 (Schwartzman, 1979/1a.ed.; Albuquerque et all, 1986; Trigo & Kaimowitz, 1994) como marcos do surgimento das ciências agrárias no país. Como sugere Malavolta (1979-81), as Escolas

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Superiores de Agricultura também desempenharam papel preponderante no desenvolvimento e consolidação da área no decorrer do século XX. Mas, como enfatizou: “A história da pesquisa

agrícola no País ainda não foi escrita de modo sistemático” (1979/81, p. 119).

A criação e o desenvolvimento inicial destas e outras instituições agrícolas deram-se a partir do surgimento dos ideais positivistas (Costa, 1994, p. 289 e 308; Dantes, 1996, p.50), com a abertura de novos mercados para produtos tropicais e abolição da escravatura (Linhares e Silva, 1981; Rodrigues (a), 1987), com o movimento político chamado de ruralista (Mendonça, 1997) e, no caso da maior parte das escolas agrícolas, depois da Proclamação da República (Capdeville, 1991). Com o término da monarquia e do apoio das atividades científicas pelo mecenato do Imperador D. Pedro II (Baiardi, 2003, p.126), diferentes frações da elite agrária buscaram institucionalizar seus interesses no Estado brasileiro através de sociedades de agricultura (Mendonça, 1997), das escolas agrícolas (Mendonça, 1999) e também das sociedades de agronomia (Mendonça, 2003).

Dado este contexto que envolveu a criação das instituições científicas voltadas para a agricultura, qual teria sido o papel das escolas superiores de agricultura na institucionalização das ciências agrícolas? Buscar uma resposta para esta pergunta é um dos objetivos principais desse trabalho de tese. O primeiro passo foi identificar nos trabalhos de Sonia Mendonça como esta autora caracterizou as escolas superiores de agricultura em relação ao tipo de ensino e de pesquisa na área das ciências agrícolas.

Segundo Mendonça (1999, p.19 e 145), a estrutura curricular e os conteúdos programáticos ministrados nas escolas seriam condição e produto do processo de distinção e objetivação das frações da elite agrária brasileira no Estado, entendido pela autora de forma mais abrangente como sociedade civil, sendo as escolas superiores de agricultura um sub-campo político daquele. Baseando-se no modelo explicativo elaborado por Pierre Bourdieu e em dados sobre as origens social, geográfica e profissional do corpo discente e docente, além de uma análise dos regimentos escolares, a autora construiu dois habitus ou pré-disposições para a atuação em dois projetos de modernização da agricultura – a civilização do campo e a cooperativização do campo, encampados respectivamente pela Sociedade Paulista de Agricultura (1899 – SPA), que reunia os grandes fazendeiros de café, e a Sociedade Nacional de Agricultura (1897 – SNA), composta por elites diversificadas e de menor dinamismo no mercado internacional.

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Tal como a gradação entre os grandes e os pequenos capitais, a autora compreende que os conhecimentos agronômicos nas escolas podem ser separados entre o mais sofisticado ou de ponta, próximo às teorias científicas, e aqueles, que mesmo sendo cientificamente embasados, estariam próximos ao saber fazer das atividades agrícolas e seriam de caráter prático ou útil (Mendonça, 2003, p.02). Desse modo, aceitando que o trabalho manual conferia menor status do que o intelectual na sociedade brasileira da época, Mendonça (1999, p. 194/5) compreende a distinção entre as escolas como a diferença entre a 'grande porta' de entrada na sociedade civil, ou a escola portadora de grande capital simbólico e financeiro (ou ainda, formadora de um habitus específico mais vantajoso), e a 'pequena porta', ou aquela que não era tida como centro de 'excelência científica', mas era diversificada socialmente. No primeiro tipo está a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e, no segundo, a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária do Rio de Janeiro (1910 – ESAMV), dois perfis que, segundo Mendonça (2001), permaneceram válidos até a década de 1960.

Dentro desse sub - campo político observado por Sonia Mendonça, como teriam se posicionado as outras escolas de agricultura situadas em outros estados e mantidas por outros grupos políticos? Esta pergunta constitui a segunda meta do trabalho e estabelece uma análise comparativa que complementa o trabalhado iniciado por Mendonça. Desse modo, escolhi trabalhar com as duas escolas abordadas por ela e mais outras duas: a Escola Agrícola da Bahia (EAB), herdeira da primeira escola do país em São Bento das Lajes (BA), e a Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais em Viçosa (ESAV), a primeira a implementar o mestrado acadêmico em 1961.

As duas escolas foram escolhidas pela necessidade de incorporar à análise comparativa aquelas que potencialmente poderiam ser vinculadas a um e a outro projeto, conforme o modelo estabelecido por Mendonça (1999). Desse modo, seguindo o raciocínio daquela autora, entendi que a escola baiana se alinharia mais ao modelo da ESAMV, por ser porta-voz de uma elite menos dinâmica no cenário nacional, enquanto a escola mineira estaria mais próxima do modelo proposto pela ESALQ, porque seria represente de uma elite da zona da mata também ligada à cafeicultura. Seguindo esse raciocínio, teria se formado um centro e uma periferia quanto à recepção e desenvolvimento de conhecimentos agronômicos no país, já que a ESALQ teria sido a única a consolidar-se como um centro de pesquisa?

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Esta pergunta sintetiza um terceiro objetivo da tese e para trabalhar essa questão escolhi o período pós - 1930, quando o processo de reconhecimento federal das escolas, tendo a ESAMV como escola padrão (depois de 1934, chamada de Escola Nacional de Agronomia - ENA), pressionou para que os regulamentos, os currículos, os programas, os conteúdos, as atividades e posturas docentes em relação ao ensino e à pesquisa fossem iguais em todo o território nacional. Os posicionamentos tomados nesse processo poderiam evidenciar os significados da atividade científica a cada momento em cada instituição e uma em relação às outras.

Pressupostos Teóricos

Os objetivos que orientam este trabalho baseiam-se na idéia que a ciência é uma atividade social cujo objetivo é a construção do conhecimento científico. Este conhecimento se propõe como verdadeiro e passível de verificação, de acordo com determinadas práticas, conceitos e valores compreendidos como legítimos por aqueles que a praticam (Mendelsohn, 1977, p. 04). Chama-se de institucionalização científica o processo que originou e mantêm essas atividades científicas em espaços específicos, chamados de instituições, na sociedade moderna, apresentando também outros processos paralelos como a especialização e a profissionalização científicas (Ben-David, 1974, p. 109).

Dentro da historiografia brasileira das ciências, o uso dessas definições de ciência e de institucionalização científica tem permitido a observação de:

“...uma rede de sustentação das atividades cujos elementos mais visíveis são as

chamadas instituições científicas, mas na qual também estão presentes, igualmente, a <<comunidade científica>>, os diferentes apoios dos grupos sociais, os interesses do Estado e de particulares (e os mecanismos de efetivação desses interesses), entre outros elementos possíveis” (Figueirôa, 1992 b, p. 07).

Em Lopes(1999, p. 217/8), além desses elementos, compreendemos que fazem parte dessa rede de sustentação outros tipos de instituições, como revistas e expedições científicas, nas

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quais podem ser identificadas diferentes concepções científicas em discussão. Neste trabalho, nota-se que a autora utiliza o conceito de instituição de forma ampla, significando o lugar onde ocorreram os debates científicos, em que transitaram os conhecimentos, em que se consolidaram um grupo de pesquisadores e suas formas de fazer ciência.

Para o presente estudo, trabalhar com esses conceitos de institucionalização e instituição científica pressupõe aceitarmos que as escolas agrícolas são espaços científicos, onde transitavam e foram criados significados, necessidades, práticas, valores e finalidades que manteve a atividade científica e seus produtos. Aceitar esses conceitos também pressupõe que a criação dessas instituições fez parte do processo original de recepção, atualização, reelaboração, inovação e comunicação das atividades científicas no país, tal como propõem Lafuente e Ortega (1992) e Saldaña (1996).

Assumir esses pressupostos, aproxima este trabalho da sociologia do conhecimento científico, ou como salientou Even Seguin (2000, p. 505), do enfoque que busca a sociedade na atividade científica ao pesquisar: "...its method, research priorities, funding, bureaucratic

organization, ideological assumptions, personnel training, disciplinary divisions, and so on",

evidenciando que a ciência é socialmente construída e culturalmente admitida. Tomando por base essas concepções e enfoques de pesquisa, a historiografia Latino Americana sobre as ciências tem realizado estudos que resultaram em uma "ecologia da ciência", bem como na compreensão da sua dinâmica temporal e nos processos de transmissão e apropriação da ciência moderna (Lafuente & Ortega, 1992, p.98). A principal contribuição desses estudos é ter salientado o papel dos aspectos circunstanciais nessa dinâmica, dando outra conotação às diferenças regionais e entre os países. Estas diferenças, ao invés de estágios de um único processo de difusão da ciência ou polaridades, são vistas como partes integrantes da cultura e da comunidade científica local, rompendo com a postura eurocêntrica e universalista que era comum na historiografia tradicional (Polanco, 1986, p. 43; Saldaña, 1986, p. 79).

Segundo Dantes (1988 a), o processo de institucionalização científica no Brasil apresentou três fases de implementação. No primeiro momento, a autora nota a presença marcante de ideais iluministas e da tradição naturalista, favorecendo o estabelecimento de viagens e expedições, academias, escolas profissionais e museus científicos, entre meados do século XVIII até meados do século XIX. Estas iniciativas teriam a finalidade de inventariar e permitir à metrópole a produção de novas riquezas. Com a vinda da família real e depois de 1850, teriam se

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aprofundado as relações com as sociedades capitalistas que já incorporavam a ciência no sistema produtivo. Nesta segunda etapa, a disseminação dos ideais cientificistas e positivistas motivou o aporte e o desenvolvimento de uma ciência nacional que tivesse aplicações diretas (Dantes, 1988 a, p. 268-71). No terceiro momento, do início do século XX até os dias de hoje, a autora acima citada ressalta a criação de universidades, institutos, sociedades e comitês nacionais de ciência, observando uma expansão da comunidade científica, a aliança entre ensino e pesquisa e a instalação de novas áreas de pesquisa não diretamente ligadas ao setor produtivo.

Para a compreensão detalhada desse processo, vários estudos têm focalizado as atividades científicas, desde a época do Brasil Colônia, fazendo uso diversificado de fontes primárias e estabelecendo novas ligações entre o estabelecimento das atividades científicas e o desenvolvimento da sociedade e, num momento posterior, também com a formação do Estado brasileiro. Ao contemplarem em particular as ciências naturais, levantaram e analisaram as atividades voltadas para a agricultura, construindo uma parte da história das ciências agrícolas2. Ao fazer a leitura de alguns desses trabalhos, é possível sugerir que algumas práticas agronômicas possam ter iniciado seu processo de institucionalização no país dentro das zonas de comércio das ciências naturais, conforme conceitua Peter Galisson (1999, p.408), especialmente pela continuidade de uma política fisiocrática no decorrer de um longo tempo. Nessas zonas de troca de conhecimento, circulariam problemas sobre a instrumentação, a experimentação e a teorização (Galisson, 1999, p. 397), o que no caso das ciências agrícolas pode ter direcionado a implementação de um ou outro tipo de instituição científica, como as sociedades, os periódicos e as próprias escolas superiores de agricultura.

Por outro viés, é importante ressaltar que algumas dessas práticas científicas voltadas para a agricultura tiveram suas origens na Antiguidade, por exemplo, a partir das observações e experiências de De Columella, ou durante a Idade Média, com os avanços realizados no uso e manejo dos solos pesados, nos conhecimentos de hidráulica aplicados à agricultura, de irrigação e drenagem agrícola, e depois, a partir do Renascimento, com os trabalhos de italianos sobre insetos e microorganismos (Baiardi, 2004, p. 23-6). O mesmo autor destaca que a partir da Revolução Científica "... a moderna agronomia toma um impulso em termos de mecanização, de

2

Neste ponto do texto, ao invés de citar os trabalhos que tomo por base para fazer essas considerações, os quais aparecerão inevitavelmente na seqüência do texto, acredito ser conveniente extrapolar a regra da citação e evidenciar que essas considerações são fruto de uma vivência nos Simpósios e Seminários de História das Ciências e da

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manejo de solo, de seleção de animais e plantas e proteção às colheitas" e, depois, com a

Revolução Industrial e com o positivismo conteano, o interesse especulativo voltou-se totalmente à realidade existente, possibilitando o surgimento de novas áreas do conhecimento científico que viabilizaram a produção em larga escala, como a química agrícola, a genética convencional e a nutrição de plantas (Baiardi, 2004, p. 26/7).

Segundo Rossiter (1975, p. 25/6), foi somente com a publicação de Organic

Chemistry and its Application to Agriculture and Physiology, do químico alemão Justus Von

Liebig em 1840, que várias práticas agrícolas foram reavaliadas em função das teorias sobre a função dos compostos orgânicos e minerais nas plantas. Antes dessa data, na Europa, algumas dessas disciplinas, mais especificamente, a fisiologia vegetal, a produção racional e a química tradicional, ainda não tinham desenvolvido uma base teórica e metodológica para conjugar a multiplicidade de fenômenos que envolvem a agricultura (as relações entre a planta e suas partes, o solo e o ar), permanecendo como disciplinas que apenas dispunham de aplicações úteis à agricultura (Velho & Velho, 1997, p. 209). Como ressaltou Bernal (1969, p. 671), ainda não se compreendia o papel desempenhado pelo solo, o que foi sendo examinado e elucidado aos poucos entre 1790 e 1840.

Esses conhecimentos teriam causado tal impacto que o termo "Liebig" muitas vezes foi utilizado como sinônimo do termo "Química Agrícola", sendo que ambos tornaram-se símbolos do progresso e da utilidade da ciência (Idem). E, mesmo assim, as aplicações das teorias de Liebig ingressaram inicialmente na produção agrícola somente devido à atuação dos jornais agrícolas que orientavam o agricultor sobre quando, quanto e como usar determinadas substâncias (Rossiter, 1975, p. 29). Segundo Velho & Velho (1997, p. 215/216), esse paradigma, ou um conjunto de 'novas disciplinas' (genética convencional, nutrição das plantas e química agrícola), começou a institucionalizar-se apenas a partir de 1860, com a criação da primeira estação experimental alemã, onde se privilegiava a observação in vivo das condições de produção em muitos ciclos culturais. Tais práticas experimentais custosas e de longo prazo não se enquadraram dentro da atividade de ensino das universidades alemãs, às quais coube o desenvolvimento dos aspectos ‘básicos’ da agronomia e o treinamento de cientistas (Velho &Velho, 1997, p. 216/217). Embora a emergência desse modelo tenha se concluído em fins do século XIX, cada país desenvolveu as instituições e as aplicações científicas paralelas que satisfaziam muito mais aos

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interesses de personalidades ou grupos de pressão do que às necessidades culturais específicas de cada país (Velho & Velho, 1997, p. 221).

Na França, inclusive, até meados do século XIX o agrônomo era uma pessoa que se interessava por todos os aspectos da agricultura, científicos e técnicos, políticos, econômicos, sociais, juristas e até mesmo médicos (Denis, 1995, p.655). Desse modo, é preciso separar dois significados que os termos agronomia e ciências agrícolas ainda mantiveram no início do século XX. O primeiro deles, o mais antigo, conservou um olhar mais abrangente e incorpora todas as ciências ou parte destas que podem ser utilizadas para a racionalização da agricultura. O segundo reduz esses termos ao novo paradigma e corresponde à perspectiva adotada neste trabalho. Assim, mais uma vez, o objetivo dessa pesquisa correspondeu a compreender o papel das escolas na adoção, recepção e desenvolvimento dessas 'novas disciplinas'.

Nesse quadro teórico e conceitual, destaco que não é possível confundir temporalmente o processo de criação e de legitimação política das escolas superiores de agricultura no Estado brasileiro com o processo de emergência das ciências agrícolas no país. Tampouco, as práticas agronômicas anteriores ao estabelecimento e atuação das escolas de agricultura profissionais podem ser consideradas como pré - científicas ou simplesmente como atividades amadoras e diletantes, tal como afirma Mendonça (1999, p. 20).

Para esta autora, a principal evidência dessa mudança seria o uso de um discurso cientificamente embasado como estratégia de legitimação por esses novos profissionais (Mendonça, 1999, p. 23). Ela observa que no Brasil, durante a Primeira República, agrônomos falavam em nome dos pequenos e desprotegidos, mas serviam como mediadores entre a ciência e os interesses econômicos de diferentes grupos políticos. Esta seria uma característica marcante na fala de ilustres agrônomos como Arthur Torres Filho, Francisco Dias Martins, Fábio Furtado Luz Filho e Saturnino de Brito. Contudo, essas características compreendem justamente as bases do movimento cientificista, em que um "...grupo de pessoas que acreditam na ciência como uma

forma válida pra chegar à verdade e ao domínio eficiente da natureza, bem como para a solução dos problemas do indivíduo e de sua sociedade" (Ben-David, 1974, p. 113).

Deste modo, assumir a equivalência temporal dos processos históricos corresponderia a reviver a ideologia acima e a referendar apenas a química agrícola como um conhecimento verdadeiro e, portanto, conceber uma nítida separação entre as ciências básicas e as ciências aplicadas, negando os resultados e discussões da historiografia das ciências no país. O emprego

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dessas noções também poderia levar-nos a compreender que as ciências básicas antecedem obrigatoriamente as ciências aplicadas, tal como podemos interpretar da leitura da obra organizada por Fernando Azevedo, As Ciências no Brasil (1955).

Nessa obra, encontramos referências a alguns nomes e instituições que deram sua breve contribuição ao desenvolvimento da Química, da Botânica, da Economia Política e da Meteorologia. Tomo como exemplo o capítulo sobre o desenvolvimento da Química, no qual são mencionados os nomes de Jorge Tibiriçá, que estudou na Escola Agronômica Superior de Hohenheim e depois se dedicou ao estudo da química na Universidade de Zurique; o primeiro diretor do IAC, o químico austríaco Franz W. Dafert; também no IAC, o químico suíço R. Bollinger e o brasileiro Theodureto de Camargo, a quem é atribuído o mérito de ter organizado a “melhor biblioteca de Química no Estado de São Paulo”; e seguem, José Freitas Machado, professor de química inorgânica e analítica na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária do Rio de Janeiro e, no mesmo estado, Mário Saraiva, fundador do Instituto de Química em 1918, que mais tarde foi denominado Instituto de Química Agrícola (Rheinbold, 1994, vol. 1, p.54-7).

No artigo sobre a Botânica no Brasil encontramos as seguintes notificações de estudos botânicos nas Escolas Agrícolas: Honório Monteiro Filho, professor da Escola Nacional de Agronomia que desenvolveu trabalhos de sistemática com o grupo das Malváceas; Alvim, professor da Escola de Agricultura de Viçosa que se interessou sobre problemas da fisiologia vegetal; Augusto Chaves Batista, que havia sido professor na Escola Agrícola da Bahia, mas desenvolveu trabalhos sobre fungos no Instituto de Pesquisas Agronômicas em Recife. Outros nomes também são mencionados no capítulo sobre a Biologia no Brasil, com destaque para Álvaro Osório que foi professor catedrático de fisiologia da ESAMV entre 1917 e 1937 (Ferri, 1994, vol. 1, p. 175-231). Outro breve exemplo está no capítulo sobre Meteorologia, no qual se lê que as primeiras medições meteorológicas do estado da Bahia foram feitas em 1872, em São Bento das Lages, na Escola Imperial de Agricultura, segundo Ferraz (1994, p. 246).

Essas esparsas informações e a ausência de um capítulo exclusivo sobre as ciências agrícolas fazem parte de uma omissão indiretamente reconhecida por Fernando Azevedo, quando atribui um caráter emergencial e circunstancial ao surgimento de instituições de ciência aplicada (1994, p. 44-2). E, talvez, por essa razão, no caso das ciências agrícolas, os nomes e as instituições do passado fazem parte da história de ciências mais ‘puras’ ou tradicionais, como a

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Química ou a Botânica, mesmo que estivessem sendo ensinadas e desenvolvidas dentro das escolas de agricultura ou agronomia.

O não entendimento da complexidade dos termos ciência básica, ciência aplicada, tecnologia e técnicas agrícolas também marca o trabalho de Sonia Mendonça (1999). Isto se apresenta especialmente quando ela distingue como as escolas conceituam e praticam o conhecimento chamado na época de prático. Pelo regulamento de 1900, a autora observa como conceituam as atividades práticas na ESALQ fazendo a seguinte citação:

“(...) desenvolver nos alunos o espírito de observação, prendendo-lhes a atenção e a

inteligência por meio de considerações judiciosas e de fácil compreensão, de exemplos significativos, de experiências demonstrativas de resultado certo, e de estampas de toda a espécie, de modo a ilustrar e ventilar bem as questões deixando-os convencidos da exatidão e vantagem dos preceitos, processos e instrumentos preconizados” (Mendonça, 1999, p.68 e

Romero, 1992, fl. 43 - em negrito).

Depois cita Elza Nadai (1981), mostrando que este caráter foi mantido ao longo do tempo:

“(...) o projeto básico da Escola agrícola já se encontrava amadurecido. O <<caráter

prático>> significando sobretudo a ênfase na investigação e na experimentação, seria um de seus traços marcantes. Ao lado da fazenda Modelo, do Posto Zootécnico e do Parque, criou-se pela lei 1.534 de 29 de dezembro de 1916 uma Estação de Agrostologia e de Bromatologia. Era a ampliação das possibilidades de realização de pesquisas e de demonstrações” (Mendonça,

1999, p.78).

Já na ESAMV a atividade prática é definida pela citação de parte do regulamento da escola de 1916, sem perder ao longo do tempo “...esse caráter absolutamente aplicado...” (Mendonça, 1999, p. 144):

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“2.) as lições práticas consistirão principalmente em exercícios de análises químicas

bacteriológicas; ensaios de classificação de plantas e herborização; preparações, ao microscópio, de histologia e nosologia vegetais; observações meteorológicas e exames de solos agrícolas; execução de projetos, plantas, nivelamentos e desenhos topográficos e de máquinas; projetos de açudagem e irrigação; trabalhos culturais no campo; enxertias, podas, empas, experiências, estudos, ensaios, manipulação e fabrico do açúcar, álcool, óleos, manteigas, queijos, etc; reconhecimento e preparo de pensos para animais, estudos de raças pecuárias, preparações, de anatomia normal e patológica; trabalhos de fisiologia e microbiologia prática, de operações e cirurgia veterinária; exames toxicológicos, ensaios de clínica médica, exemplificação de modelos de administração agrícola, etc,” (Mendonça, 1999, p. 144)

De acordo com esses trechos, para aquela autora, as atividades práticas na ESALQ podem ser consideradas como uma atividade passiva dos alunos diante das demonstrações (ver e compreender o por quê), mesmo que fossem realizados no campo ou principalmente nos laboratórios. Praticar a pesquisa científica ou incorporar esse 'espírito', seria um interesse "antecipado" dos formados pela ESALQ, trazendo visibilidade naquele sub - campo político, especialmente, para as elites cafeeiras que viam no incremento técnico uma vantagem na concorrência de seus produtos no mercado internacional.

Na ESAMV, as atividades compreendiam muitas vezes exercícios manuais, em que os próprios alunos deveriam executar as demonstrações (ver e fazê-las), também realizadas dentro do laboratório e principalmente no campo, conforme a própria citação usada pela autora. Não praticar a ciência especulativa, mas executar as novas tecnologias, traria visibilidade no sub -campo político das escolas superiores de agricultura para os 'esavianos', que difundiriam uma base comum de rotinas, as quais aliadas às políticas cooperativistas, resguardariam os agricultores dos efeitos da concorrência.

Sobre isso, concordo que as escolas possam ter contribuído para a formação de diferentes profissionais, porque operavam com diferentes finalidades em relação ao ensino, capacitando profissionais com poder de mando e outros com poder de execução, respectivamente, por meio do ensino na ESALQ e na ESAMV. Também não desconsidero os momentos e os posicionamentos críticos sobre da atividade científica nessas escolas, acontecidos na década de 1920, 1930 e 1960, porque seria nessas ocasiões que os fatores estruturais e culturais da atividade

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científica foram debatidos e justificados como legítimos da área. Mas não concordo que seja possível determinar se uma escola era mais teórica ou aplicada do que a outra, como a distinção entre instituição de pesquisa ou escolar, apenas pela diferença entre os lugares em que ocorriam as aulas práticas, em razão da diferença entre o saber por quê e o saber como fazer ou em relação ao tipo de disciplinas científicas privilegiadas nas especializações, se dentro ou fora do paradigma dominante.

Ao longo do tempo na literatura brasileira sobre o assunto, a recriação contínua desta separação rígida de práticas complexas deu origem a estudos que acreditam discutir apenas o ensino agrícola, a pesquisa agrícola ou a extensão. Ou, então, criaram separações nítidas entre a pesquisa básica e aplicada dentro das ciências agrícolas, o que alguns pesquisadores, já na década de 1980, salientavam não ser tão evidente3. Ao retomar essas idéias, Sonia Mendonça também referenda a noção de que apenas a atividade realizada nos laboratórios constitui a ciência moderna, como sinônimo de ciência básica e desinteressada. Procedendo dessa maneira, ela também nega a importância da ciência normal, conforme expôs Thomas Kuhn (1962, pp.44 -51), na prática científica e nas mudanças paradigmáticas. Mas, contraditoriamente, e semelhante ao que compreende Pierre Bourdieu (1976, p.90), ela também endossa que a ciência tem o poder de desenvolver-se apenas de acordo com a sua lógica imanente, não levando em consideração o que Kuhn trabalhou sobre a incomensurabilidade dos paradigmas. Por essas razões, Agronomia e

Poder isola os componentes cognitivos dos contextuais, focalizando apenas as relações de

interesse presentes nas escolas.

Foi resguardando essa noção de ciência, que Pierre Bourdieu vê a liberdade intelectual como uma ilusão teórica, porque todas as escolhas teriam um interesse de serem aceitas conforme o paradigma em evidencia (Quiniou, 2000, p. 51 e 54). Foi desta maneira que Bourdieu também pretendeu desconstruir a diferença entre as ciências 'duras' e 'moles', ratificando o status das ciências sócias como disciplinas científicas (Quiniou, 2000, p. 54/5). E como apontam Latour & Woolgar (1997, p.20), os estudos sobre as ciências que assim se basearam contribuíram muito mais para a história das instituições científicas do que para mostrar a dinâmica entre os aspectos cognitivos e contextuais.

3

Numa conferência sobre a "Pesquisa básica versus pesquisa aplicada na Agropecuária", realizada em Porto Alegre em 1981, os membros presentes chegaram a um consenso de que haveria uma interdependência entre os dois tipos de

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O estudo da dinâmica dos elementos cognitivos e contextuais teve novo impulso na década de 1980, a partir dos estudos de Kuhn, Collins e Polany, segundo Dominique Pestre (1996). Esses autores compreenderam que a transmissão dos conhecimentos se dá mais pelo "fazer com" do que pelas palavras, bem como salientaram como os 'fatos científicos' são cotidianamente negociados, contingentes e encobrem considerações múltiplas e heterogêneas (Pestre, 1996, p. 09). Por pressupor a sociedade, o conhecimento e os artefatos científicos como realidades intersubjetivas, nestes estudos não se extirparia as iniciativas individuais, a negociação intersubjetiva e os embates, como ocorre ao se usar o conceito de habitus de Bourdieu, segundo King (2000, p. 426).

Assim, após esse momento da historiografia das ciências, resultou a necessidade de incorporar ao trabalho de investigação histórica, a cultura material, as práticas ou rotinas, as controvérsias científicas e os procedimentos de convencimento, evidenciando o conhecimento científico como mais uma representação humana (Pestre, 1996, p. 19/20). Nessa mesma linha de pensamento, as atividades de campo também têm sido observadas como lugares de apropriação e representação do conhecimento científico. Mas estas (field sciences), ainda hoje, têm sido relegadas a segundo plano na historiografia.

Isto acontece porque apresentam elementos bem diversos e até contrários ao que se têm descrito sobre as ciências de laboratório, especialmente pela ausência de uma limitação clara desse espaço e das práticas utilizadas pelas ciências de campo (Kuklick & Kohler,1996). Nas ciências de campo, como em parte são as ciências agrícolas, nota-se a relação constante entre amadores e profissionais, o uso dos artefatos científicos como produtos comercializáveis, a descrição de eventos singulares, etc. (Kuklick & Kohler, 1996, p. 04/5). Estes autores ainda apontam que, para descrever estes eventos, os cientistas de campo tendem a usar convenções visuais e literárias familiares para descrevê-los, como forma de resguardar a "veracidade" do fato. Essa familiaridade também se expressa de outras maneiras na prática científica, impensáveis dentro da prática científica de laboratório, as quais tendem a ser restritivas e corporativas, possibilitando, por exemplo, a companhia das esposas e, por vezes, seus filhos na atividade de campo (Kuklick & Kohler, 1996, p. 05). Nessa perspectiva não nos espantaria a cena retratada na FOTO 1 (Veja ao final do capítulo) ou mesmo em relatos e a própria disposição ambígua das escolas superiores de agricultura em questão como campo de experimentação e parques de passeio.

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A presença desses elementos traria ao historiador das ciências um maior número de elementos culturais a serem trabalhados, especialmente se considerar as relações históricas que existem entre o desenvolvimento das ciências de campo e do surgimento de uma classe média urbana (Kuklick & Kohler, 1996, p. 05). Estas classes tenderiam a acreditar que as atividades físicas, fora da cidade, seriam formadoras de um bom caráter moral. Essas relações e crenças repercutiram na formação dos critérios necessários para o pertencimento ao grupo dos cientistas de campo, privilegiando, por exemplo, características como a capacidade de fazer um relatório em campo e de ser uma testemunha confiável, tornando o trabalho de campo quase que um feito heróico (Kuklick & Kohler, 1996, p. 06).

Desde fins do século XIX, o modelo inicial de institucionalização das ciências agrícolas resultou da união das práticas de laboratório às de campo, não sendo possível por esse motivo classificar as escolas como aplicadas ou não em razão do lugar em que ocorriam as suas aulas práticas. Pela mesma razão, um estudo sobre o ethos de sua comunidade científica não pode esperar um ou dois grupos, mas uma rede de grupos, situados em lugares e contextos culturais diferentes dos quais são dependentes, conforme aponta a síntese de Kuklick e Kohler (1996, p. 06/7) sobre a temática. Nas ciências agrícolas, isso aconteceria porque: 1) a área compreende práticas e conhecimentos que estão presentes ou permeiam diversas áreas do conhecimento, tendo como objetivo observar, identificar e representar os fenômenos científicos que se apresentam na produção agropecuária, podendo apresentar ou não uma aplicação imediata à produção; e, porque 2) seus profissionais vêem e experimentam propriedades universais na produção agrícola ao mesmo tempo em que pretendem guardar as propriedades específicas daquele local, na sua observação, práticas e construção de conhecimento (Henke, 200, p. 485).

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Hipótese

Se ciência básica ou ciência aplicada, somente um estudo histórico sobre sua institucionalização possibilitaria observar em quais condições e lugares as ciências agrícolas são vistas e legitimadas de uma ou outra forma, tal como apresentou Velho (1985, p. 21). Mesmo assim, a principal hipótese de trabalho dessa tese sustenta que os dois modos de intervenção no mundo rural estavam baseados ou informados, cada qual, por uma tradição científica, entendida aqui como um conjunto de fatores comuns a um grupo. Desse modo, dentro do aporte teórico escolhido e discutido acima, trabalhar com essa hipótese propõe que se investigue o que era a comunidade científica da área, quais seus valores, sob qual paradigma basearam-se na construção das estruturas dos cursos, sob qual justificativa, em que lugares e com quais práticas legitimaram a área. A hipótese também permite que sejam focalizados os momentos de embate entre os dois projetos de modernização, pressupondo que nestes momentos todas essas características, que definem a atividade científica, seriam mais evidentes, tal como propôs Merton (1970, p.39).

Metodologia e Fontes

A partir da década de 1980, as novas idéias sobre como se concebe o conhecimento científico também alcançaram a História, fazendo com que o conhecimento histórico fosse considerado como uma representação, questionando o status de dado empírico do documento e as narrativas que tentam se desvencilhar dos elementos artísticos, como se isso garantisse o status de disciplina científica e um passado real (Benatti, 2001). Por compartilhar desses conceitos, compreendo o passado como aquilo que foi permitido sobreviver no tempo, através de documentação escrita, de objetos e imagens, cuja leitura é possível a partir da análise e cruzamento de dados, de leituras, discussões e problematizações do presente, numa tarefa contínua. Como resultado dessa pesquisa, construí um conhecimento, uma interpretação e um novo texto sobre as escolas superiores de agricultura, suas atividades, suas personagens e suas representações. O estilo da narrativa variou conforme os dados, as fontes e os objetivos de cada capítulo, sem perder de vista a que esta forma é apenas uma entre tantas possíveis.

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Assim, o trabalho investigativo da tese buscou, transcreveu e reuniu os significados das ciências agrícolas nas diversas falas encontradas na documentação das escolas superiores de agricultura visitadas. Nessa investigação, acabei encontrando uma fala preponderante – a masculina do corpo docente ou do corpo discente em menor amplitude. Essa fala sobreviveu até os dias de hoje por meio da palavra escrita e de imagens, guardadas em livros e fotografias, nas atas de congregação, memórias, relatórios, periódicos, ofícios, livros de registro da vida escolar, sendo quase inexistente outros tipos de registros como maquinários, cadernetas de campo, coleções de plantas e animais, materiais de laboratório, filmes, etc.

A necessidade de um registro textual, das atividades oficiais e burocráticas, e fotográfico propõe uma concepção de que fazer ciência era fazer um relato para um determinado público (Veja QUADRO 1 ao final da Introdução). Neste relato os sujeitos vêem, falam e fazem uma realidade nunca antes conhecida transparecer. Desse modo, homens, principalmente, tentaram criar, manter ou difundir aplicações científicas para a agricultura, chamado esse conjunto de conhecimentos primeiramente de ciência agrícola, depois de agronomia, chegando ao que hoje conhecemos como ciências agrárias. Tais relatos são circunstanciais às fontes, ou a quem fala, às conjunturas em que se expressam e também às relações contextuais que escolhi como pano de fundo, ou seja, ao processo de reconhecimento federal. Nesse caso, é conveniente afirmar que não considero o trabalho aqui realizado como o de apenas recuperar, reconstruir e referendar a história dessa ciência no sentido original do termo, como a história feita pelos próprios cientistas.

Assim, os significados do fazer agronomia nessa época, na documentação encontrada, podem ser:

1. as definições do que é uma escola superior de agricultura;

2. o conjunto dos valores morais prestigiados para essa formação que caracterizam o homem de ciência;

3. os espaços ou público alvo onde as instituições buscaram legitimidade (em relação ao Estado, ao governador do estado, a políticos locais, às outras escolas, à sociedade em geral, à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinários – SEAV, ao corpo discente e aos agricultores);

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5. os limites entre as atividades teóricas e práticas e os lugares onde estas

poderiam ocorrer;

6. a caracterização das práticas científicas feitas nos domínios da escola; 7. o tipo de publicação utilizada como referência nos currículos e disciplinas; 8. os critérios de seleção e julgamento para a entrada no corpo docente;

Todos esses aspectos não são estáticos nas fontes, porque estão sempre em diálogo, em definição, em trânsito entre secretarias, professores, alunos e a sociedade em geral, ou seja, estão sempre em debate, reforçando ou recriando tradições. Assim, a partir desse trabalho foi possível considerar qual o perfil e papel desempenhado por cada escola no processo de institucionalização das ciências agrícolas no país.

É possível e desejável que se desenvolva cada um desses itens mas não em uma única tese de doutorado. A dificuldade consiste na multiplicidade de sujeitos e instituições científicas que estão envolvidos, o que sugeriria percorrer fontes variadas inclusive fora das escolas. Por esses motivos, pretendo apresentar o que um conjunto de fontes comum entre as escolas pode oferecer sobre alguns desses aspectos e de forma a não esgotar o assunto. Inevitavelmente, darei maior atenção às escolas que não fizeram parte do estudo de Sonia Mendonça e que compreendem a parte mais original de meu estudo. Passo agora a apresentar as fontes que fazem parte desse conjunto documental em comum entre as escolas e como podem contribuir para responder às perguntas da tese.

O primeiro conjunto de dados em comum entre as escolas compreende a caracterização do corpo discente e docente através das pastas de alunos (Veja QUADRO 2). Nessas pastas de alunos encontramos a ficha de matrícula ou os documentos para esta, como certidões originais de nascimento, que se apresentam em modelo padronizado, na qual não consta a profissão dos pais em 99% dos casos. Esta fonte nos fornece no mínimo o nome completo do aluno e de seu pai, a data e local de seu nascimento.

Nas pastas de alunos na ESAV foram analisados dados da primeira turma de engenheiros agrônomos formados em 1931 até 1953, sendo a única escola pesquisada a apresentar uma ficha padrão que também informa a profissão do pai. Já na EAB, como as pastas de alunos são irregulares e geralmente estão vazias, tive que recorrer a diversas outras fontes, que felizmente encontrei, como papéis avulsos para a requisição de histórico, de relatórios pessoais,

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de dois livros de registro de diplomas na escola de (1889 a 1938) e (1938 a 1962) e quatro livros de termo de matrícula (1920-1933; 1933-1938; 1938 -1950 e 50-53), compreendendo as turmas formadas entre 1930 e 1956.

Esse conjunto de dados tabulados em arquivos do programa Access permite a caracterização do corpo discente como um todo e por turma em cinco aspectos. O primeiro deles consiste nas relações de parentesco: pais que foram ex-alunos, pais que são docentes, alunos que se tornaram docentes e alunos que têm irmãos também estudando (Veja TABELA 1). Ao traçar essas relações saberemos sobre o caráter do corpo docente, se este apresenta uma reprodução endógena ou não e, principalmente, o momento em que isso passa a ocorrer. O segundo aspecto consiste no número de alunos por turma e o tempo de curso que nos oferecem pistas sobre a dinâmica da vida escolar em relação ao seu prestígio e disciplina escolar (Veja TABELA 2). O terceiro aspecto consiste no levantamento dos alunos que vieram transferidos de outras escolas, o que aponta fatos interessantes sobre a influência mútua entre as escolas e o período em que ocorrem. O quarto aspecto é sobre o tipo de atividade prática realizada pelos alunos e registrada nos relatórios de excursão. E o último, consiste na caracterização básica do corpo discente - o ano e localidade de nascimento.

Começando pelo último aspecto, inventariar as localidades nas quais os alunos nasceram propicia visualizarmos uma área geográfica virtual, onde cada escola pode ter recebido maior influência das características da produção agrícola e ter desenvolvido no tempo maior prestígio e atuação, por exemplo, na prestação de algum serviço ou na atuação posterior de seus ex-alunos nas suas propriedades e órgãos estaduais e federais. Desde já, digo que o objetivo desse tipo de análise é levantar possibilidades e não estabelecer um mapa real de atuação da escola, o que deve ser melhor investigado por estudos futuros que façam uso de outras fontes e outras abordagens.

Sobre os relatórios de excursão de final de curso, uma atividade que se tornou obrigatória na década de 1940, ou mesmo de pequenas excursões, que substituíram as atividades práticas que deveriam ser feitas na escola, podemos encontrar precioso material que é volumoso e permite vários tipos de análises (Veja QUADRO 3). Tal tipo de documentação nos possibilita: 1) compreender como eram articuladas o conjunto das aplicações científicas para a agricultura; 2) articular os conteúdos programáticos às práticas agrícolas ou ao contexto econômico da agricultura no país em relação a cada disciplina ensinada; 3) apontar os lugares eleitos pelos

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docentes como exemplos do trabalho de fomento da agricultura, que compreendia desde a coleta de dados estatísticos e empréstimos financeiros até a realização de pesquisas de laboratório; 4) aponta a existência de controvérsias entre docentes, instituições e disciplinas; 5) possibilita traçar um padrão sobre como o agrônomo deveria proceder na vida profissional; 6) identificar os conteúdos que mereciam ser vistos em funcionamento; 7) reproduzir fotografias sobre as práticas de experimentação, instituições e objetos científicos e agrícolas; 8) inventariar os itens que levam ao julgamento de uma escola para com as outras. Desses aspectos só vou trabalhar os itens 5, 6 e 8 de forma pontual e apenas para a ESALQ e ESAMV/ENA.

O segundo conjunto de dados consiste nas Atas da Congregação, que apresentam os problemas da vida escolar que motivaram discussões e o posicionamento do corpo docente, representado pela Congregação. Neste posicionamento podemos identificar os grupos e as hierarquias, os valores morais que deve ter um homem de ciência, os critérios que delimitam essa atividade, as atividades científicas relevantes que devem ocorrer na escola, a quem eles recorrem e como se organizaram para manter a escola, a definição dos objetivos da escola face à padronização dos cursos. A esse segundo conjunto de fontes somam-se os regulamentos, os currículos dos docentes, documentos diversos e a documentação específica de reconhecimento das escolas que infelizmente não pôde contar com a documentação da Diretoria do Ensino Agrícola ou da Superintendência do Ensino Agrícola e de Veterinária.

O terceiro conjunto de fontes são os programas de cadeiras que, mesmo depois da padronização, apresentam diferenças significativas. Minha intenção é analisar esse conjunto de dados nas seguintes tarefas: 1) Identificar cadeiras ou departamentos que oferecem maior número de disciplinas; 2) Identificar quais disciplinas apresentam maior carga horária semanal e de aulas práticas; 3) Identificar na fala dos docentes quais disciplinas são importantes; 4) Comparar em dois momentos os programas das disciplinas que nas tarefas anteriores compreendi ser relevantes para o currículo do agrônomo em cada escola; 5) Fazer um quadro comparativo dessas disciplinas entre as escolas. A esse terceiro conjunto de fontes somam-se os relatórios de cadeiras, ofícios diversos e fotografias. Esse conjunto de fontes oferece caracterização pormenorizada do que foi considerado por cada escola como prática e teoria científicas em agronomia na época, sobre o que era considerado pesquisa científica, as relações com as demandas locais e os fatores que influenciaram na eleição de conteúdos, áreas, especialidades e tipo de publicações.

Referências

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