Arq. Bras. Ofta!. 53(1): 13- 16, 1 990
PARTE I
Estudo da clínica ocular em hansenianos em
hospital de dermatologia sanitária.
A
prevenção em nossas mãos
Ocular study of Hansen's disease at a dermatological hospital.
The prevention in our hands
Fernando Oréfice(l) Leticia Menin Boratto(2)
TrabaJho realizr:ldo no Serviço de Uve(tes (Hos pitalStJo Geraldo) de FMUFMG.
(1) Prof. Adjunto e do Corpo Cllnico da FMUFMG e do Hospital F elido Rocho (2) Oftalmologista do Corpo Cllnico do Hospital
F eUcio Rocho e Mestranda da Escola Paulista de MediciruJ.
Endereço para correspondênd8: FcmalÍdo Or6fice - Rua Uberaba, 4 1 5 - 30. 1 80 - Belo Horizonte - MG
ARQ. BRAS . OFT AL. 53(1), 1990
RESUMO
Este estudo foi baseado na observação de 363 pacientes portado res de diferentes tipos da Doença de Hansen. Ao examinarmos o pa ciente, não tínhamos conhecimento prévio do seu tipo de lepra, de modo que o exame do paciente podia ser realizado sem que houvesse a influência de um diagn6stico precedente. O protocolo consistiu dos seguintes itens: acuidade visual, função do m6sculo facial, estudo das sobrancelhas, cílios, aparelho lacrimal, pupila, motilidade ocu lar, sensibilidade corneana, teste de Schirmer e estudo do segmento anterior do globo ocular com lAmina de fenda.
Nosso estudo compreendeu 363 pacientes portadores das seguin tes formas: Virchowiana (275), Tubercul6ide (57), Indeterminada
(29) e Dimorfa (2). A idade variou de 18 a 82 anos. Havia: 229 ho mens e 134 mulheres; 183 brancos, 157 mulatos e 23 negros.
INTRODUÇÃO
Como se sabe, a prevalência da Doença de Hansen no mundo oscila entre 10 a 1 5 milhões de casos e, deste grupo, 3 a 7% apresentam ce gueira, sendo suas causas mais fre
qüentes a iridociclite e as alterações corneanas.
MATERIAL E MÉTODOS
o presente estudo corresponde a uma análise dos problemas oculares da Doença de Hansen, tendo sido utilizada como material de estudo a população do Hospital de Dermato logia Sanitária (Santa Izabel), muni cípio de Betim, MG.
Foram estudados 275 pacientes com a forma Virchowiana, 57 com a
forma Tubercul6ide, 29 com a forma
Indeterminada e 2 com a forma Di
morfa, num total de 363 pacientes.
RESULTADOS
o grupo de pacientes estudados
foi de 363. assim distribuídos: Forma clfnica: Virchowiana (275
casos), Tubercul6ide (57 casos), In-. determinada (29 casos) e Dimorfa (2 casos).
Grupo etário: variou de 1 8 a 82
anos de idade, com média de 47' anos.
Raça: Brancos ( 1 83 casos), Mulatos (157 casos) e Pretos (23 casos). Sexo: Masculino (229 casos) e Fe minino (134 casos).
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Reflexos pupilares TOTAL: (casos)
Madarose dos superemos T:
P:
Madarose dos cmos T: Entr6pio: Ectrópio: Triqurase: Lagoftalmo: Músculo orbicular: Lacrimejamento: Teste de Schirmer: Dacriocistite crónica: TOTAL: (casos) Esclerites Estafiloma "Comeoscleral RolI" TOTAL: (casos) Reflexos pupüares
Estudo da clúUca ocular em hansenianos em hospital de dermatologia sanitária. A prevenção em nossas miíos
v TABELA 1 Reflexos pu pilares T 80 29 1 0 1 7, 5 1 9 4 6 275 v 57 TABELA 2 Anexos oculares 1 1 1 1 1 3 93 46 1 1 22 33 41 1 9 1 8 3 v 40 6 41 1 8 33 6 6 1 4 5 8 3 1 2 6 1 4 1 0 7 2 6, 5 O 1 275 % 6,9 1 , 4 2, 1 TABELA 3 Esclera 2 O T T 57 % 3, 5 O 1 ,7 275 57 % 1 0 31 8 1 , 7 8 5,2 1 0 1 7 3,5 O O 1 1 37 2 O 1 29 3 7 3 2 5 1 4 3 2 O O 29 29 % 6,8 O 3,4 % 1 0 24 1 0 6, 8 1 2,2 3,4 1 3, 7 1 0 6, 8 O O D 2 D O O O O O O O O O O O 2 D O O O 2 50 % %
Os reflexos pupilares estão dimi nuídos e, mesmo ausentes, muitas vezes nas três formas observadas.
Em relação ao lagoftalmo, era de se esperar um número maior nas di
ferentes formas, o que não ocorreu. Anexos oculares:
Ao estudar a tabela dos anexos oculares, verifica-se a grande per centagem do aparecimento das alte rações dos supercílios, nas formas totais e parciais da madarose e tam bém na madarose dos cílios. Em re lação às outras alterações, como o entr6pio, ectr6pio, triquíase foram encontrados valores não expressivos.
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Conjuntiva:
A conjuntiva é uma estrutura que por si s6 geralmente não é afetada pelo bacilo, a não ser quando há formação de pseudopterigio, n6dulo localizado na base do limbo.
Esclera:
Na tabela 3 nota-se uma predomi
nância nítida das alterações da
escle-ra na forma Virchowiana em relação às outras formas.
C6rnea:
É
impressionante, ao estudar a c6rnea, verificar a diminuição da sensibilidade corneana nas diferentes fonnas clínicas.íris:
Ao estudar a fris, nota-se que a maioria das atrofias do estroma e da capa pigmentar não é devida a alte rações inflamat6rias uveais anterio res, mas sim o mecanismo de altera ções do filete nervoso.
Em relação a esta tabela, há um fator que deve ser mencionado que é a presença de 1 caso, na forma Tu bercul6ide.
As alterações inflamat6rias uveais , agudas ou cronicas, foram observadas em uma porcentagem pe quena.
COMENTÁRIOS
A fonna Indeterminada é em geraI a fonua clínica inicial do indivíduo infectado e susceptível, que, na au sência de tratamento e de acordo com a sua tendência imunol6gica, num período de 1 a 5 anos, pode evoluir para a cura espontânea, para a formas Tubercul6ide, Dimorfa ou Virchowiana, ou mesmo pennanecer
como forma Indeterminada.
Os reflexos pupilares, onde se notam, nas três formas principais, há uma redução e mesmo uma áusência dos mesmos.
Anexos oculares:
Em nossa tabela, verifica-se que nas três formas principais, uma
grande predominância destas altera ções ocorre na forma Virchowiana, embora seja também encontrada nas outras duas formas, sendo que na forma Tubercul6ide há uma incidê
n
cia maior do que na forma Indeter minada. Fato interessante é sobre o ectr6pio, que em ambas as formas foi encontrado em porcentagem peque na, que também os autores assim o
Redução da sensibilidade Espessamento Nódulos Superficiais Profundos Esclerose Alivo Pannus: Epitélio Parênquima Endotélio Leucoma total vascularizado Ceratile bolhosa Cerallte hlpertr6f1ca Corneosclera Degeneração llpólde Degeneração calcária Úlcera marginai Total de casos: Nódulos Pérolas Sinéquias Atrofias do es1roma lridociclile aguda lridociclile crOnica lridodiálise Oclusão Total de casos:
Estudo da cllnica ocular em hansenianos em oospital de dermatologia sanitdrúJ. A prevençlio em nossas mdos
TABELA 4 Córnea V T nQ % nQ % 1 42 51 3 1 3 31 1 1 , 2 1 4 5 8 2, 9 1 8 6, 5 51 1 8, 5 1 9 6, 9 1 2 4,3 9 3, 2 1 9 6, 9 0,3 0,3 4 1 , 4 1 0,3 3 1 , 1 O O 1 1 25 49 46 4 39 275 TABELA S (ri8 v 275 % 4 9 1 7,8 1 6, 7 1 , 4 1 4, 1 0,3 0,3 27 47,3 1 1 , 3 1 1 , 7 5 8, 7 2 3,5 1 , 7 1 1 , 7 1 0 1 7, 1 8 1 4 3 5, 2 2 3,5 2 3, 5 O O O O 1 1 , 7 2 3, 5 O O O O 2 1 6 6 O 4 6 6 57 T 57 % 3,5 1 , 7 1 0, 5 1 0, 5 O 7,4 O O % 1 1 39,9 3, 4 1 3,4 3 1 0,3 1 3,4 O 1 3,4 5 6, 2 1 3,4 O O O O O O O O O 29 D 1 O O O O O O O O O O O O O O O O O 2 D % nQ % 2 O 3 O 2 O O 29 6,8 O 1 0,3 3,4 O 6, 8 O O O O O O O O O O 2
expressam. Um outro elemento que o presente trabalho aponta são os da dos numéricos de diferentes autores, como RlCHARDS (197 1 ), CHO
VEr ( 1980), BRANDT ( 1984), FFYTCHE (1985) E JOFFRION (1988), em relação ao lagoftalmo, que estes autores apresentam uma
incidência maior do que foi encon trada por nós. Outro fato interessante
diz respeito ao ectr6pio, pois EMI
RU ( 1970) diz ter encontrado 9 ca sos em 890 pacientes e relata que esta patologia seria devida à invasão
das pálpebras pelos bacilos. Os da dos do presente trabalho apresentam
um mimero exagerado de 46 pacien
tes, na forma Virchowiana, com ec
trópio, dados estes que contradizem a literatura.
Outros elementos dos anexos oculares nada demonstraram de im portante, e a literatura quase nada cita sobre o teste de Schirmer, o la crimejamento, as dacriocistites, que seriam patologias decorrentes de problemas secundários às alterações do músculo orbicular e de alterações ARQ. BRAS. OFr AL. 53(1), 1990
da secreção lacrimal por entidades outras.
No que diz respeito à CONJUN
TIV A, este trabalho mostrou uma indiferença numérica nas alterações desta estrutura ocular e a literatura não considera como hiperemia, pte rígio e simbléfaro, como causadas pela moléstia de Hansen.
Quanto à ESC;LERA, ao estudar mos suas alterações como esclerite, estaf'Iloma e corneoscleral roIl, nota se que a literatura também conside rou como sendo alterações predomi nantemente da forma Virchowiana, fato este também encontrado neste estudo.
É
bom assinalar que quando se estudou o comeoscleral roIl, veri ficou-se um aumento significativo naforma Indeterminada.
Em relação à CÓRNEA, nota-se uma grande predominância da dimi nuição da sensibilidade corneana como fato mais importante, na parte
superior da tabela. Trabalhos de COURTRIGHT & cols (1 984) mos tram uma redução da sensibilidade corneana menor do que aquela que foi aqui encontrada. Entretanto, os outros autores consideram a sensibi lidade como um dos elementos mais
freqüentemente encontrados na pa
tologia da córnea.
No presente trabalho, os dados demonstram a severidade da redução da sensibilidade corneana nas três formas principais, portanto, um fato
que jamais deverá ser desprezado como elemento preventivo nas alte rações mais graves, resultantes desta redução. A literatura também cita a presença do leucoma, cuja causa
p0-de ser variada. Em relação aos ner vos, tanto a literatura do começo do século como a contemporânea mos
tram grande predominância das alte
rações dos metes nervosos. A parte inferior da tabela de c6mea cita vá rias alterações que a literatura não valoriza o seu comentário, mas elas devem ser lembradas diante de uma córnea muito sofrida devido à
M0-léstia de Hansen.
No estudo da ÚVEA, verifica-se que há uma predominância grande dos autores em considerar as suas
flamaçóes como sendo uma das ra
zões da diminuição da visão e mes
mo de cegueira. Entretanto, se com pararmos os dados deste trabalho com os da literatura, haverá um certo
constrangimento, pois estes são bem
inferiores aos daquela.
AGRADECIMENTOS
Aos nossos colegas que nos aju
daram a realizar esta difícil pesquisa:
Dr. Wesley Ribeiro Campos, Dr. Al fredo Bonfioli, Dr. Fernando Trin dade, Dr. Almir Verdini, Dr. Gil berto Maglioca e Dr. Carlos S. Bo nésio.
SUMMARY
This study is based on the
obser-16
Estudo da cllnica ocular em hansenianos em hospital de dermatologia sanit4ria. A pr�nçéio em nossas m40s
vation of 363 patients bearing diffe rent types of Hansen's disease. ln examining a patient we had no pre vious knowledge as to the type of le prosy to expect.
Therefore we were able to study ali patients without the danger of being influenced Uy a previous diag nosis.
The protocol was brokendown as follows: visual acuity, facial muscle
function, eyelashes, lacrimal appa ratus, pupil, ocular motility, cornea sensibility, Schinner test, a study of the anterior segment of the eye with slit-lamp. This study encompasses 363 patients, brokendown as fol lows: Virchowiane (275), Tubercu loide (57), lndeterminated (29) and
Dimorphos (2). Ages ranged from 18 to 82: 229 men and 134 women,' 183 caucasians, 157 dark skinned and 23 black.
REVISÃO BIBUOGRÁFICA
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