70
O CÍRCULO:
QUISSAK JR.
ÂNGULO 147/148. Julho/Dezembro de 2016 72
O CÍRCULO: uma constância
Tomemos um triângulo, e que seja equilátero para que haja imparcialidade geométrica. Em cada ângulo interno coloquemos em doses iguais, em um, o perfume da Verdade, em outro o perfume da beleza e no terceiro, o perfume do Bem. Tracemos as bissetrizes de cada um dos três ângulos e determinemos pelo seu encontro o respectivo centro. Façamos girar o triângulo. Levando-se em conta a equidistância de seus vértices surgirá o círculo. A essência da Verdade, da Beleza e do Bem terá perdido sua condição solitária e estará integrada numa essência única e circular. A Verdade, a Beleza e o Bem não sobreviverão sozinhos, pois são interdependentes e formam um tríptico indissolúvel. A unidade circular guardaria o sentido de tal trilogia. Da rotação do círculo que aprisiona a essência maior teríamos a esfera – condensando o espírito da unidade. unidade tríptica. É esta unidade que Quissak Jr. vê pluralizada do Micro ao Macro, correspondendo ser a essência do todo absoluto e do homem.
Esse simbolismo do círculo se reflete nitidamente em todos os seus quadros. A lua, o sol, o ponto de fuga no centro de um círculo-esfera: a procura do infinito, da Unidade.
Às vezes, a ideia principal do quadro se desenvolve dentro de um círculo, que é o fundo e também se desdobra em outros, concêntricos. Um gesto, um toque; às vezes é sublimado na sua importância, pelo círculo.
Em outros aspectos, ele também é importante no desenho de Quissak.
As figuras que ele retrata são homens e mulheres normais, mas perfeitamente integrados na Consciência Cósmica, isto é, absorvidos, talvez, por instante, na harmonia com o Todo.
Por isso, muitas vezes, o círculo coroa suas cabeças, a dos homens divinizados, não por uma força sobrenatural ou predestinação, mas pela força interna que todos os homens possuem.
Mãe ao envolver o filho se torna uma com ele e com o Todo. Por isso não é mais simplesmente um aconchego, e sim uma elevação daquele instante ao mais cândido e sublime de si mesmos. E ela se torna a Madona e a criança o Menino-Deus, simbolicamente, e não podemos defini-los em seu tempo e lugar.
A linha é sempre sinuosa, e como disse o pintor: Creio na objetividade das manifestações racionais, mas também creio na emoção, tortuosa, fasciculada, suave, morna ou desconcertante... é essa emoção que se desenha, que se dilui nos rostos, e desce também suave pelos ombros, pelas mãos...
As articulações são delimitadas e mostram como que os membros transparentes, as várias partes de que se compõe o corpo humano e, ao mesmo tempo, essa fragmentação é a união porque como diria Gibran, o poeta do Líbano, cada parte parece amar cada outra parte, e os movimentos de cada articulação estão em perfeita harmonia com os movimentos das outras articulações.
Imagine um homem pré-histórico – Ele está apenas despertando e começando a sentir e a perceber. De repente a fêmea a seu lado. Pela visão, pelo olfato, percebe que ela é diferente dele e nasce o desejo de tocar – Essa mão colhida nesse instante, esse gesto da maior singeleza, o ato em si – é obra de arte.
Essas concepções se manifestam em toda a obra de Quissak – a valorização dos impulsos espontâneos, a importância do gestual como manifestações transcendentes.
Seja em duas mãos que se tocam, seja na leve inclinação de um rosto, seja na sugestão de uma sensação pelas posições dos corpos, no repouso ou no movimento, o gesto é colhido no momento de sua maior expressividade.
QUISSAK JR.
A mão, nesse aspecto, tem fundamentalpapel – pois é ela que acaricia, que gesticula, que se detém no momento exato, é ela que envolve e pelo gesto estabelece a comunicação silenciosa.
Porém, é bom que se diga, os seus trabalhos mesmos retratando o homem nos seus instantes de maior singeleza – não são de forma alguma piegas ou românticos. Exatamente o oposto. Ele capta os instantes excepcionais em que o Ser absolutamente integrado ao Todo Absoluto é a expressão do próprio Verbo. Realidade que ele distingue tal monobloco numa visão, em que se evidencia a única Verdade, quando o Homem se mostra presente e nu diante de si mesmo, cumprindo-se e revelando-se diante do Todo que o envolve. Não é vulgarmente triste ou alegre – apenas e silenciosamente É. Singelo festival do Ser. Renascimento do Verbo na sua efetiva dimensão – pelos caminhos da Arte.
Romântico ou piegas seria se fizesse o culto do superficial, da simploriedade paisagística, do epitelial e enfim. Do que está sobre e não dentro. Do facilmente detectável pelas visões curtas. Do vulgar do homem no exercício pleno de seu horizonte menor.
A força do seu trabalho reside no oposto. Antítese do banal e grotesco, faz a analogia do visceral e definitivo.
Diria que sua obra é uma abeugrafia ou biópsia dos Absolutos. É feita de dentro para fora (tal qual Rodin esculpia). O resultado final corresponde à floralização de uma semente que fez germinar, fasciculando-se a refletir nas ramagens externas a medida pluralizada de sua essência e natureza.
Em poucas palavras: a obra acabada é o retrato vivo da semente primeira.
Só assim é possível o entendimento da obra Quissak. Ele é um pintor do Pensamento ou Espírito. Não é por consequência um retratista de corpos ou situações, não reproduz épocas, personagens ou lugares. Suas figuras estão além do tempo e do espaço, ou melhor, são o próprio espaço e o próprio tempo.
Ele próprio disse:
Vulgar é o repetitivo acadêmico – daí o academismo não ser uma escola mas um estado de espírito onde se castra a originalidade e se cultiva os modismos igualitários – agentes maiores da diminuição humana.
Mais adiante, ele nos fala:
Em nome do dogma que cega e parcializa, do preconceito que ilude, da vaidade que elimina a noção de medida, da tecnologia laboratorial-artificial despersonalizada e fria, da erudição – antítese da criatividade, da falsa consciência do tempo – a chamada modernidade; em nome da ciência – vítima maior da aparência primeira e menor dos elementos, em nome da época e lugar contemporâneos, sob a égide do chamado progresso, constroem-se e edificam-se obras
e atos apenasmente acadêmicos e
nulos por mais vanguardísticos ou
vanguardeiros que pretendam ser.
Na sua própria tese Reumanização da
Arte, Quissak nos fornece o complemento: Não creio em vanguarda tampouco retaguarda (em termos de Bem, Verdade e Beleza a estratégia métrica torna-se ridícula) Daí a obra começar a ter diante dos olhos um sentido muito amplo, além do que inicialmente poderíamos imaginar.
Nela, a abstração maior está desde o micro-espaço até os limites quadrangulares da tela, ultrapassando-os, satelizando-se vertical e una, como obra criada no nosso espaço-tempo horizontal.
Não há maneirismo. Do menor detalhe à mensagem última só há violência – uma silenciosa violência. Não há o gestual demagógico, virtuosístico e fácil. É discreto
QUISSAK JR.
ÂNGULO 147/148. Julho/Dezembro de 2016 74
e simples, porém acabado e definitivo – uma visão filtrada.
Detectar ou possuir o dom da simplicidade é um desafio. Talvez por esse motivo que o saudoso crítico Arnaldo Pedroso D’Horta externou em artigo publicado no Estado de São Paulo que a obra de Quissak Jr. equipara-se em nível à façanha do Renascimento.
Um exemplo de simplicidade pode ser encontrado na história que Quissak contou-me:
Quissak desse-me:
Todo o sentido do Universo está na menor partícula de poeira.
Devo confessar que nenhum estudo sobre determinada obra ou homem seria justo, mesmo levando em conta a condição deste trabalho, despretensioso e sucinto pela própria natureza, se tratasse apenas de um período ou fase da obra global desse mesmo homem.
Digo isso porque me detive inicial-mente na última fase de Quissak Jr.. Porém fica-me o dever de analisar as outras, que antecederam a esta, para que assim possa justificar, partindo-se da análise da diversi-dade, a unidade do testemunho do artista.