Recordemos que se f : [a,b] ! R é uma função contínua e não negativa, então a área abaixo do gráfico de f (veja Figura 4.1) é dada pela integral de f , ou seja,
x y
Figura 4.1: Esboço de uma função não-negativa com a área abaixo do gráfico da função destacada.
Área abaixo da curva = Z b
a
f (x)dx.
Notemos que dx na expressão acima tem a interpretação geométrica de um comprimento infinitesimal.
Vimos no capítulo anterior as integrais ite-radas, mas ali não foi dada qualquer interpre-tação sobre elas. Ao contrário, elas são muito mais um procedimento computacional para se calcular mais de uma integral, mas não temos,
em princípio, uma interpretação para elas. Essa ausência será coberta agora, neste capítulo. Seja R ✓ R2 um conjunto. Dizemos que ele élimitado se existir r > 0 tal que R ✓ B(0;r),
em que B é a bola de centro 0 e raio r > 0. Caso contrário, dizemos que R é um conjunto
ilimitado. In[107]:= gráfico paramétrico ParametricPlot[{{x, raiz quadrada Sqrt[1 x^2]}, {x, -raiz quadrada Sqrt[1 - x^2]}}, {x, -1, 1}, legenda do gráfico PlotLegends → "Expressions", eixos Axes → falso False, marcad⋯ Ticks → nenhum None] Out[107]= x, 1 - x2 x, - 1 - x2 In[106]:= gráfico paramétrico ParametricPlot[{{ raiz quadrada Sqrt[1 - y^2], y}, {-raiz quadrada Sqrt[1 - y^2], -y}}, {y, -1, 1}, legenda do gráfico PlotLegends → "Expressions", eixos Axes → falso False, marcad⋯ Ticks → nenhum None] Out[106]= 1 - y2, y - 1 - y2, -y
(a) Região verticalmente simples.
In[107]:= gráfico paramétrico ParametricPlot[{{x, raiz quadrada Sqrt[1 x^2]}, {x, -raiz quadrada Sqrt[1 - x^2]}}, {x, -1, 1}, legenda do gráfico PlotLegends → "Expressions", eixos Axes → falso False, marcad⋯ Ticks → nenhum None] Out[107]= x, 1 - x2 x, - 1 - x2 In[106]:= gráfico paramétrico ParametricPlot[{{ raiz quadrada Sqrt[1 - y^2], y}, {-raiz quadrada Sqrt[1 - y^2], -y}}, {y, -1, 1}, legenda do gráfico PlotLegends → "Expressions", eixos Axes → falso False, marcad⋯ Ticks → nenhum None] Out[106]= 1 - y2, y - 1 - y2, -y
(b) Região horizontalmente simples.
Figura 4.2: Exemplo de regiões simples.
Dizemos que R é uma região verticalmente simples se o conjunto R for escrito da forma R = {(x,y), a x b, y1(x) y y2(x)}, em que y1e y2 são funções de x.
Uma região da forma R = {(x,y), c y d, x1(y) x x2(y)}, em que x1 e x2 são funções
de y, é chamada região horizontalmente simples, como ilustrado na Figura 4.2.
Por simplicidade, uma região que seja horizontal ou verticalmente simples será chamada
região simples e durante todo este capítulo uma região desta forma será denotada,
generica-mente, por R.
Exemplo 4.1. Um caso particular de região simples é uma região retangular. Nela, x e y
conti-nuam delimitando regiões, porém uma não depende da outra. Suponha que R seja uma região da forma
R = {(x,y),x0 x x1, y0 y y1},
com x0, x1, y0, y1 números reais dados. Temos então que a região pode ser esboçada de acordo com
a Figura 4.3 e nada mais é do que um retângulo, o que explica o nome deste tipo de região. O procedimento de integração, todavia, é exatamente o mesmo de regiões simples.
x y R x0 y0 y1 x1
Figura 4.3: Uma região simples retangular é aquela tal que x e y não dependem explicita-mente um do outro.
Exemplo 4.2. Seja R a região delimitada entre os eixos coordenados e a reta x + y = 1. Podemos
descrevê-la de duas formas: a primeira, analisando y como função de x. Neste caso, para cada x, y
varia de y1(x) = 0 até a reta y2(x) = 1 x. Por sua vez, x varia de 0 até 1. Numa descrição como
y=1-x 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0
Figura 4.4: Esboço da região delimitada entre a reta y = 1 x e o eixos coordenados
conjunto, temos R1= {(x,y), 0 x 1, 0 y 1 x}.
A outra alternativa que temos é deixar y varia livremente entre 0 e 1, enquanto x varia de
Embora os conjuntos R1 e R2 possuem uma descrição distinta, matematicamente eles descre-vem a mesma região.
-1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8 2.0 Figura 4.5: Região do plano.
Relembremos que dx representa um comprimento infinitesi-mal no caso unidimensional. No plano xy temos dois compri-mentos infinitesimais: dx e dy, cada um deles correspondendo a um comprimento em cada um dos respectivos eixos. Assim, na-turalmente temos umaárea infinitesimal dA, dada por dA = dxdy
ou dA = dydx.
A integral dupla de f sobre R é denotada por "
Rf (x, y)dA.
Temos a notação para uma integral dupla, mas carecemos de dar a ela significado e mostrar como calcular este objeto que acabamos de definir.
Integral dupla
Suponha que f : [a,b] ⇥ [c,d] ! R seja uma função contínua e que R seja uma região simples.
Se a região é verticalmente simples, ou seja R = {(x,y), a x b, y1(x) y y2(x)},
então a integral dupla de f sobre R é definida como " Rf (x, y)dA = Z b a Z y2(x) y1(x) f (x, y)dydx.
Se R é uma região horizontalmente simples, ou seja, R = {(x,y), c y d, x1(y) x x2(y)}, então a integral dupla de f sobre R é definida como
" Rf (x, y)dA = Z b a Z x2(y) x1(y) f (x, y)dxdy.
Sejam R uma região simples e f : R ! R uma função contínua. Suponha que R possua duas representações R1= {(x,y), a x b, y1(x) y y2(x)} e R2= {(x,y), c y d, x1(y) x x2(y)}. Então, decorre do Teorema de Fubini que vale a igualdade
Z b a Z y2(x) y1(x) f (x, y)dydx = Z d c Z x2(y) x1(y) f (x, y)dxdy,
o que mostra que o resultado da integral independe da representação da região.
Observação importante
Note que a definição de integral dupla sobre regiões simples nos mostra como calculá-las, uma vez que elas se reduzem a integrais iteradas. Note, no entanto, o seguinte: uma integral dupla é um número associado a uma função definida sobre uma região R, independente da forma como se calcula (em consequência do Teorema de Fubini). Uma integral iterada é uma integral dupla (no sentido que se calculam duas integrais) juntamente com uma regra rígida para o seu cálculo (a ordem de integração fixada).
Exemplo 4.3. Revisitemos os exercícios resolvidos 3.5 e 3.7 à luz de integrais duplas. Podemos,
algebricamente, inverter as relações, porém o esboço da região de integração torna o processo um pouco mais intuitivo. Invertemos a ordem de integração da integração do Exercício Resolvido 3.6 por meio da Figura 3.7, a qual reproduzimos aqui.
Figura 4.6: Figura do Exercício Resolvido 3.7.
Nos cálculos originais tínhamos y x 2 e 1 y 2. Queremos agora colocar a variação de y com dependência de x de tal forma a escrever
Z 2 1 Z 2 y xydxdy = Z Z Rxydydx,
de tal forma que R continue sendo a mesma região da Figura 4.6. Na integral do lado esquerdo, vemos que 1 y 2 e y x 2, de tal forma que, ao substituirmos os valores da condição para
y em x, encontramos 1 x 2. A variável y, por outro lado, pode ser examinada por meio da
dada por Z 2 1 Z x 1 xydydx = Z 2 1 x y2 2 y=x y=1 dx = Z 2 1 x3 2 x 2 ! x = x 4 8 x2 4 ! x=2 x=1 = 9 8,
de tal forma que os resultados, como esperado, são exatamente os mesmos. No Exemplo 3.5,
Figura 4.7: A curva azul representa a função y = x, enquanto a curva laranja corresponde a
x = 2. Na imagem, x varia (horizontalmente) e y a 2, enquanto y varia verticalmente de 1 a
2.
a integral também pode ser alterada, porém a inversão se torna ligeiramente mais complicada. Observe na Figura 4.7 que se queremos escrever
Z 1 0 Z ey y p xdxdy = Z Z R p xdydx,
para x 2 [0,1] temos 0 y x. Porém, para x 2 [1,e] (por quê?), temos lnx y 1. Assim, a ordem de integração é alterada e os cálculos levam a exatamente o mesmo resultado.
Exercício Resolvido 4.1. Calcule a integral Z Z
Rx
2y2dydx,
na qual R é a região R = {(x,y),x 2 [0,2], x y x}.
Solução: Comecemos por entender melhor a região de integração do problema. Se x
y x, temos que y é a região que se encontra entre as retas y = x e y = x. Juntando com fato de que x é um número entre 0 e 2, a região de integração encontrada é dada pela Figura 4.8.
Figura 4.8: Aqui observamos a região R com x variando entre 0 e 2 e y entre y = x (reta laranja) e y = x (reta azul).
A integral então é escrita como Z Z Rx 2y2dydx =Z 2 0 Z x xx 2y2dydx =Z 2 0 F(x)dx,
com F(x) =Rxxx2y2dy. Como a integração de F(x) é dada em y, x é visto como constante, de
tal forma que temos
F(x) = Z x x x2y2dy = x2 Z x x y2dy = x2y 3 3 y=x y= x = 2 3x5.
Substituindo a expressão encontrada para F(x) na integral e proceguindo com os cálculos, encontramos Z Z Rx 2y2dydx =Z 2 0 F(x)dx = 2 3 Z 2 0 x 5dx = 2 3 x6 6 x=2 x=0 = 64 9 . ⌅
Exercício Resolvido 4.2. Calcule a integral Z Z
Rx cos ydydx,
na qual R é a região delimitada por x 2 [0,1],y = 0 e y = x2.
Solução: Fazendo um esboço das curvas dadas que delimitam x e y, obtemos a região de integração representada na Figura 4.9.
vari-Figura 4.9: Região de integração R, na qual a curva em azul representa y = x2, enquanto
a curva laranja se refere a y = 0. Considerando que 0 x 1, a região de interesse é a hachurada.
ando (verticalmente) de 0 a x2. Desta forma, a integral será dada por Z Z Rx cos ydydx = Z 1 0 Z x2 0 x cos ydydx = Z 1 0 F(x)dx,
no qual F(x) =R0x2x cos ydy. Calculemos F(x):
F(x) = Z x2 0 x cos ydy = x Z x2 0 cosydy = x siny y=x2 y=0 = x sinx2.
Substituindo a expressão determinada para F(x) na integral, temos Z Z Rx cos ydydx = Z 1 0 F(x)dx = Z 1 0 x sin x 2dx.
Utilizando a substituição u = x2, temos que du = 2xdx e, na nova coordenada, os limites de
integração são mantidos, pois x = 0 e x = 1 implicam, respectivamente, que u = x2= 02= 0 e
u = x2= 12= 1. Assim, nossa integral é calculada como
Z 1 0 x sin x 2dx =1 2 Z 1 0 sinudu = 1 2cosu u=1 u=0 = 1 2 1 2cos1. ⌅
Exercícios
Exercício 4.1. Encontre a integral dupla "
Rf (x, y)dA
para os seguintes casos:
a) f (x,y) = x y na região R delimitada pelas retas y = 2x e y = 2.
b) f (x,y) =p1 y2e R é a região entre as retas x = 0, x = y e y = 1.
c) f (x,y) = x e R é a região limitada pelas retas y = x, y = 0 e x = 1.
d) f (x,y) = y e R é a região limitada pelas curvas y = x 2 e x = y2.
Exercício 4.2. Seja D = {(x,y) 2 R2; x2+ y2 r2}, em que r > 0 é uma constante fixada.
a) Encontre funções f1(x), f2(x), g1(y)) e g2(y) tais a região definita pelo disco D possa ser
escrita como R1 = {(x,y); r y r, g1(y) x g2(y)} e R2= {(x,y); r x r, f1(x)
y f2(x)}. b) Calcule I1= " R1 dA. c) Encontre I2= " R2 dA e mostre que I1= I2.