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ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA: Reflexões sobre o desastre da Samarco/ Vale / BHP Billiton

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MARCIO ZONTA CHARLES TROCATE

(Orgs.)

A questão mineral no Brasil - Vol.2

ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA:

Reflexões sobre o desastre da

Samarco/ Vale / BHP Billiton

Bruno Milanez Luiz Wanderley Maíra Mansur Raquel Pinto Ricardo Gonçalves Rodrigo Santos Tádzio Coelho

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MARCIO ZONTA CHARLES TROCATE

(Orgs.)

A questão mineral no Brasil - Vol.2

ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA:

Reflexões sobre o desastre da

Samarco/ Vale / BHP Billiton

Bruno Milanez Luiz Wanderley Maíra Mansur Raquel Pinto Ricardo Gonçalves Rodrigo Santos Tádzio Coelho Editorial iGuana Outubro de 2016

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Copyleft © 2016, by Editorial iGuana

Título original: A questão mineral no Brasil - vol. 2: Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre da Samarco/ Vale / BHP Billiton -

Maíra Sertã Mansur, Luiz Jardim Wanderley, Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Tádzio Peters Coelho.

Coordenação Editorial: Charles Trocate Revisão: Julia Dias e Marcela Ferreira Zacarri

Capa, projeto gráfico e diagramação: ZAP Design/Mariana V. de Andrade Fotos da capa: Marcelo Valle

Impressão e acabamento: Cromosete

Conselho Editorial: Ademir Braz, Raimundo Gomes Cruz Neto, Ayala Lindabeth Dias Ferreira, Idelma Santiago da Silva, Marcio Zonta, Fer-nando Michelotti, Rogerio Paulo Hohn, Elder Andrade de Paula, Jorge Luiz Rodrigues Neri, Jonas Borges, Maria Gorete Souza, Charles Trocate, Haroldo de Souza, Simone Silva, Antônio Marcos, Mayka Danielle Brito Amaral, Rosemayre Bezerra, Alexandre Junior da Silva.

É permitida a reprodução total ou parcial dos textos aqui reunidos, desde que seja citado(a) o(a) autor(a) e que se inclua a referência ao artigo original.

1ª edição: outubro de 2016

Editorial iGuana

Sociedade Editorial Iguana Folha 27, Quadra 05, Lote 27 Cep: 68.507-570 - Nova Marabá Marabá-Pará- Amazônia- Brasil editorialiguana@gmail.com

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 7 CAPÍTULO 1. ... 17

ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA: INTRODUÇÃO AOS ARGUMENTOS E RECOMENDAÇÕES REFERENTE AO DESASTRE DA SAMARCO/VALE/BHP BILLITON

Maíra Sertã Mansur, Luiz Jardim Wanderley, Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Tádzio Peters Coelho

CAPÍTULO 2. ... 51

A FIRMA E SUAS ESTRATÉGIAS CORPORATIVAS NO PÓS-BOOM DAS COMMODITIES

Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Maíra Sertã Mansur

CAPÍTULO 3. ... 87

DEPENDÊNCIA DE BARRAGEM, ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS E A INAÇÃO DO ESTADO: REPERCUSSÕES SOBRE O

MONITORAMENTO DE BARRAGENS E O LICENCIAMENTO DO FUNDÃO

Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Luiz Jardim Wanderley

CAPÍTULO 4. ... 139

CONFLITOS AMBIENTAIS E PILHAGEM DOS TERRITÓRIOS NA BACIA DO RIO DOCE

Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Raquel Giffoni Pinto, Luiz Jardim Wanderley

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CAPÍTULO 5. ... 183

A EMPRESA, O ESTADO E AS COMUNIDADES

Tádzio Peters Coelho, Bruno Milanez, Raquel Giffoni Pinto

PoEMAS - Grupo Política, Economia,

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APRESENTAÇÃO

Com o rompimento da Barragem do Fundão no município de Mariana no estado de Minas Gerais, em novembro de 2015, quebrou-se o elo convencional e o estigma que ainda se resguar-dava de uma contínua contradição, de não nos percebermos como um país minerador. As mais de 80 milhões de toneladas de lama que eclodiram sobre a bacia do rio Doce expuseram uma dialé-tica da repetição à sofisdialé-ticada e destrutiva indústria de extração mineral do país.

Caso fosse dividido, cada brasileiro, receberia do trio Samarco/ Vale/BHP Billiton, responsável pela tragédia, aproximadamente 450 quilos de rejeitos da mineração, que ficaram apenas nas costas da população de Bento Rodrigues e várias comunidades e cidades entre Minas Gerais e Espirito Santo que viraram, da noite para o dia, uma extensão do complexo minerador de Mariana. Parte da população brasileira viveu e a outra viu pela primeira vez os efeitos da indústria da mineração para além dos lacônicos bordões “superávit primário” ou “equilíbrio da balança comercial”.

A tragédia de Mariana é inesgotável em exemplos, do mito da bo-nança ao progresso inevitável, numa desmensurada relatividade de que tudo pode ser recompensado. A mineração é destruição e desperdício, seja da forma que for, tudo é sucumbido pela lógica da “produção em

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ro-A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

dagem perpétua”1, ou seja, minas sendo exauridas 24 horas diariamente,

determinando uma crise entre o trabalho e a máquina - que o substitui crescentemente para aumentar o volume de produção -; a natureza como fonte de acumulação primitiva sendo moída por sistemas mecanizados tendo o lucro máximo como alvo e uma população ao redor refém de promessas, subjugada por uma riqueza apenas imaginável, não tangível.

Essas características estão no cerne da destruição ecológica provocada pela Samarco/Vale/BHP Billiton em Mariana, que tanto foi vítima da ganância das transnacionais do setor, como do alto rendimento financeiro dos investidores e do Boom das commodities minerais iniciado em meados de 2002, como foi, ao mesmo tempo, afetada pelo seu declínio em 2012, com a intensificação da produção para a manutenção da taxa de lucro empresarial, perante a desvalori-zação das commodities minerais. Em ambos os momentos, a máquina mineradora nunca parou, pelo contrário, aumentou ainda mais a retirada de minérios em Mariana e muitos outros lugares do país, como veremos nos capítulos subsequentes deste livro.

Tudo é uma consequência sistêmica: “por isso, é assumido que justamente para resolver o problema (...), é necessário intervir para abrandar, para inverter, e finalmente, desmantelar o sistema de ro-dagem perpétua, especialmente no centro do sistema. No entanto, a perspectiva padrão da rodagem perpétua, se tomada por si só, tende a resumir o problema ecológico a uma questão quantitativa, desen-fatizando os aspectos mais qualitativos da dialética, representadas hoje pela promoção de valores de uso especificamente capitalistas e, assim, do desperdício econômico”. (FOSTER, 2010, p.247). 1 Ao se basear na Economia Política marxista e radical, Allan Schnaiberg chamou

a produção em rodagem perpétua do problema fundamental do meio ambiente, pois o aparelho produtivo capitalista influencia a população, o consumo e a tecnologia, repercutindo num capital monopolista de rodagem perpétua, que tanto o volume como a fonte da produção em rodagem perpétua são a indústria capitalista de alta energia.

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Apresentação

Normalizar em planos quantitativos, como é o caso brasileiro no Plano Nacional de Mineração 2030 (PNM), os bens naturais para especular e lucrar é uma premissa do mundo mineral atual. Se em outros momentos as crises econômicas freavam determinados ímpe-tos capitalistas de acumulação, nessa fase atual do sistema acontece justamente o contrário com a mineração. Isso se justifica, em parte, tanto pelo volume quanto pela fonte de produção mineral, que de-vem ser colocadas constantemente em movimento para promover a satisfação econômica de um dos seus fatores, os acionistas, que permeiam todas as relações de exploração da mineração no Brasil e no mundo capitaneadas pelo capital financeirizado.

Pior ainda, estamos minerando para elaboração de uma coleção de produtos para serem consumidos pela sociedade de maneira supérflua. O mercado não só criou a obsolescência programada para duração por tempo determinado de seus produtos, como já aciona a “obsolescência psicológica”, onde o indivíduo sente a necessidade da compra de outro produto, mesmo que o seu ainda esteja em plenas condições de uso, pelo fetiche da mercadoria mais “moderna”. Assim, as cidades se enchem de minerais, como as barragens se inundam de rejeitos. Da construção civil à invasão automobilística, passando pelo computador, pela televisão e pela expressão máxima da mercadoria interativa atual, o celular.

No entanto, essa não é apenas a única face da acumulação ca-pitalista através da natureza. Existem outras e talvez de ordem mais perversa, materializadas na super preponderância do valor de troca sobre o valor de uso. E os minerais são, possivelmente, a versão mais exata dessa constatação demarcada (e muito) pela construção das cidades chinesas vazias e inabitáveis, sem necessidade alguma, foram criadas para a circulação e realização do capital através da exploração de minerais. Diga-se de passagem, em parte, os minérios consumidos pelos chineses do complexo minerador de Mariana, que, como vê-se nas exportações, chegaram a 16,5% bem antes da catástrofe.

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

Mas e agora, o que se projeta para a mineração com a revolução tecnológica em curso, com a desaceleração do crescimento chinês, perí-odo chamado pelos autores desse livro como “o fim de um super ciclo”, de um pós-boom das commodities, além da ofensiva neoliberal que se traduz ainda numa crise prolongada das “democracias” no continente, agravado pelo alinhamento aos EUA, quando não há pacto possível entre renda social, capital e trabalho. A inserção subordinada à modernidade internacional será um dos traços, cujo fenômeno Mariana se revela, seja pelo uso máximo da natureza mineral ou pelo absolutismo da sua renda!

Para a classe trabalhadora da mineração, seja no Brasil ou na África, a situação é endêmica, de muita exploração e violência, como assinala Thomas Piketty, no seu livro O Capital, p. 46, “no dia 16 de agosto de 2012, a polícia sul-africana interveio num conflito entre os trabalhadores da mina de platina de Marikana, perto de Joanesburgo, e os responsáveis pela exploração dos recursos, os acionistas da companhia Lonmin, cuja sede fica em Londres. As forças policiais atiraram nos grevistas com munição de verdade, no balanço, 34 mineradores mortos. Como é muito comum nesses casos, o foco do conflito era a questão salarial: os mineiros queriam que sua remuneração passasse de 500 euros para 1000 por mês. Depois dos trágicos acontecimentos, a empresa propôs, por fim, um aumento de 75 euros mensais (…) esse episódio recente serve para nos lembrar, se é que isso é necessário, que a questão da repartição da produção entre a renumeração do trabalho e a do capital sempre constitui a principal dimensão do conflito distributivo”.

Um exemplo da externalidade desse conflito, no caso brasileiro, num universo de três milhões de trabalhadores da mineração no país, conforme menção da Frente Sindical Mineral (Ação Sindical Mineral, maio de 2013), um milhão e meio são terceirizados e apenas quinhentos mil possuem carteira assinada. Para cada dez mortes na mineração, oito são terceirizados. Dos catorze trabalhadores mortos na tragédia provocada pela Samarco/Vale/BHP Billiton, doze eram

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Apresentação

terceirizados. E este é apenas um dos inúmeros casos. Sessenta e sete operários que trabalhavam para a Tetra Tech, terceirizada e contratada pela Anglo American, na cidade de Conceição do Mato Dentro em Minas Gerais, em 2013, na construção do maior mine-roduto do mundo, foram classificados pelo Ministério Público do Trabalho (MTP) como em situação de trabalho análogo à escravi-dão. Os trabalhadores estavam a mais de cinquenta dias sem folga. Nessa linha de trabalho degradante, as mortes e mutilações são uma constante. De 2000 a 2010, a Fundação Jorge Duprat e Fi-gueiredo (Fundacentro) constatou que o Índice Médio de Acidente Geral no Brasil foi de 8,66%. Já o indicador médio de acidente da mineração, em Minas Gerais, por exemplo, foi 21,99%, quase três vezes maior que a média nacional. No mesmo compasso, o padrão de acumulação na produção vem delimitando o fator humano do complexo minerador com a implantação da robótica e automatização total. “Entre os anos de 1989 e 1998, a Vale desapareceu com 170 mil postos de trabalho” (COELHO, 2015, p. 45). Como explica John Bellamy Fostes: “isso requer a revolução incessante da produção, para substituir a força de trabalho e promover o lucro, ao serviço de uma acumulação cada vez maior” (FOSTES, 2010 p. 246).

Para isso serve o Instituto Tecnológico da Vale (ITV)2 em Belém,

no Pará, e em Ouro Preto, em Minas Gerais: pensar processos de 2 Criado em 2009, com o objetivo de buscar desenvolver soluções de médio e longo

prazo, que possam proporcionar a melhoria do desempenho da empresa em todas as etapas da atividade mineral. Uma das áreas de desenvolvimento de projetos é voltada para a Automação e Robótica, o que culminou na alta mecanização dos processos de extração mineral e na criação do Espeleo Robô, que subsistiu o trabalho humano na entrada de cavernas para fazer o levantamento topográfico, tirar fotos, identificar animais sensíveis e também coletar amostras do ar, da água e do solo dentro da caverna. A outra linha de atuação do ITV são as parcerias com universidades do Pará, Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais e Moçambique, pautando as linhas de pesquisa para mestrado e doutorado nessas instituições de ensino.

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

produção de “rodagem perpétua” cada vez mais tecnicistas e reali-zados por máquinas imparáveis.

Outro ponto que salta aos olhos e que se tornou uma marca central do trágico acontecimento em Mariana é que tudo se acirrará na tentativa de baixar os custos operacionais das mineradoras e, por-tanto, da segurança, para manter a taxa de lucro diante da baixa dos preços dos minerais no mercado internacional. Ou seja, é de se esperar que tudo se repita, caso não haja uma reação, em solo e subsolo, dos que estão em contradição com o capital mineral e suas adequações políticas, como a completa flexibilização das leis ambientais.

Na mesma direção, a propagada desaceleração do crescimento chinês, um dos maiores consumidores de minerais do Brasil, não repercutirá em demasiadas perdas econômicas por parte das mine-radoras que intensificarão sua produção com custos de extração e escoamento, a aproximadamente 13 dólares a tonelada de minério de ferro. Quer dizer, se o valor do mercado mundial está em torno de 55 dólares a tonelada dessa matéria prima, o capital já se realiza e o lucro se apresenta para as mineradoras apenas na retirada do minério de ferro da jazida. Dessa forma, muitas vezes a matéria-prima não precisará nem virar produto, ou seja, ter o seu valor de uso efetivado e apropriado para satisfazer a cadeia de acumulação financeirizada da mineração. Bastará seu valor de troca, como já mencionado acima.

Além disso, as cidades chinesas em plena expansão, assim como as grandes capitais do mundo, não serão mais o destino muitas vezes prioritário dos minerais, já que a revolução tecnológica que se concretiza poderá voltar a se concentrar na indústria bélica, hoje já mais associada ao cotidiano de serviços civis, para a construção de drones, aviões, softwares, eletrodomésticos e muitos outros produtos que surgem nessa fase.

Resta-nos saber (ou prever) quanto ficará ainda mais pesada a carga. Grande parte dela já foi jorrada pelo trio Samarco/Vale/BHP

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Apresentação

Billiton em novembro de 2015. E quantas mais cargas teremos que aguentar nas costas desse sistema de exploração mineral?

Este livro, que compõe o Volume 2 da Coleção “A Questão Mi-neral no Brasil3” é um esforço pensado a muitas cabeças. E por isso

a importância de refletirmos sobre as suas formulações críticas, no Brasil e nos demais países da América Latina, nesse acontecimento que poderíamos nomear como “pedagógica do capital” ou “como ensinar através da morte à sociedade”. Não só no âmbito da “educação pela pedra” como escreveu o poeta João Cabral de Mello Neto, mas com a afirmação de que a mineração não pode ser um debate só entre os capitais e suas representações. Os seus autores e autoras – Bruno Milanez, Luiz Jardim Wanderley, Maíra Sertã Mansur, Raquel Gi-ffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Tádzio Peters Coelho – têm por parte dos organizadores dessa coleção, e, imaginamos, por parte dos que são todos os dias soterrados pela avalanche ideológica, no discurso e no deslocamento territorial compulsório da indústria da mineração, o mesmo sentimento: o de que nenhuma teoria terá êxito sem uma efetiva relação com a realidade.

Os interessados lerão neste livro, nos cinco capítulos que o compõe, as interfaces da ideologia da indústria mineral e sua con-tínua expansão sobre forma de “pilhagem territorial” e a dinâmica “jurídico-institucional” que lhe confere tal ímpeto. Em uma das muitas revelações que “a expansão da extração mineral no Brasil nos últimos anos (que triplicou seu papel no valor adicionado nacional de 1,6% para 4,15% entre 2002 e 2014) constituiu o principal elemento indutor da ampliação de suas infraestruturas associadas. É essencial, portanto, operacionalizar uma discussão em torno de Taxas e Ritmos 3 Essa coleção é uma iniciativa do Movimento pela Soberania Popular na

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

de Extração adequados ao controle e à redução dos riscos presentes e futuros associados à intensificação das operações do setor no Brasil”.

As razões da mineração deslocaram para o tempo presente uma dinâmica de afetação, como assinala o quarto capítulo: “Os conflitos ambientais podem ser compreendidos enquanto conflitos entre diferentes formas de uso e significação dos recursos e objetos naturais, em que entendimentos e práticas dominantes se sobrepõem, comprometendo as outras não dominantes. Se para Samarco/Vale/ BHP Billiton as localidades rurais de Mariana e Barra Longa, as-sim como todo o rio Doce, são agora extensões de sua barragem de rejeitos, para os povos que lá vivem (agora sobrevivem), tratam-se de espaços comuns de reprodução material e social da vida. Com o espraiamento do rejeito da mineração sobre esses territórios, tais empresas impuseram seu uso privado ao meio ambiente destes grupos sociais”, “neles lançando os produtos não vendáveis da produção de mercadorias” (ACSELRAD, 2015, p. 61).

Por fim, esses argumentos não são apenas uma crítica ecológi-ca, senão a compreensão de que há uma ruptura metabóliecológi-ca, uma fissura irreparável, um “esgotamento rápido, com desperdícios da oferta natural” na atual organização do sistema minerário brasilei-ro e conhecê-lo é uma das premissas de quem deseja se posicionar no debate e na construção de alternativas, sobretudo numa fase de polarização do capital, seja ele rentista ou industrial sobre o “uso intensivo” de bens minerais com a ecologia política de inúmeros territórios conflagrados por conflitos minerários. Este livro, além de fornecer uma linha do tempo, dos inúmeros eventos trágicos desse sistema de rapinagem, nos oferece também indícios do que poderá ser uma pauta política e econômica que o dilema mineral impõe a toda a sociedade e em especial aquelas populações que vivem nestas “novas” fronteiras econômicas da indústria extrativa mineral, assim como demarca com inteligência uma teia de relações

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empresas/gover-Apresentação

nos/estado como um coletivo capitalista, que se resume em ações e subordinações, que se fossem menos espúrias teria tido a possibilidade de frear a rompimento da barragem do Fundão.

“Antes fosse mais leve a carga4: Reflexões sobre o desastre da

Samarco / Vale / BHP Billiton” é um livro de perguntas ao poder! Por um país soberano e sério, Contra o saque dos nossos minérios! Os organizadores Gurarema/SP Outubro de 2016

4 O título desse livro, da frase retirada do poema Lira Itabirana de 1984, de Carlos

Drummond de Andrade, talvez um dos primeiros cidadãos brasileiros que tenha se sentido em contradição com esse capital mineral que mudou o cotidiano da cidade mineira de Itabira no início do século passado, talvez seja a forma mais eficaz de sintetizar as ideias que urgem nesse livro, e como um todo, do mundo mineral, que de tão colossal se tornou insuportável para a vida humana e para a natureza.

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CAPÍTULO 1.

ANTES FOSSE MAIS LEVE A CARGA:

INTRODUÇÃO AOS ARGUMENTOS

E RECOMENDAÇÕES REFERENTE AO

DESASTRE DA SAMARCO/VALE/BHP

BILLITON

Maíra Sertã Mansur, Luiz Jardim Wanderley, Bruno Milanez, Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves, Tádzio Peters Coelho

1.1 Introdução

A sequência de quatro capítulos a seguir compõe o relatório “Antes fosse mais leve a carga: avaliação dos aspectos econômicos, políticos e sociais do desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton5 em

Mariana (MG)” produzido coletivamente pelos integrantes do Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS), em dezembro de 2015, e tendo sido nesta versão revisado e atualizado. O relatório nasceu da necessidade de sistematização das informações referentes à empresa Samarco Mineração S.A. (joint venture da Vale S.A. e da BHP Billiton) e ao rompimento da barragem de rejeitos do 5 Ao longo dos capítulos optou-se por utilizar as noções de desastre sempre

acompanhadas do termo “da Samarco/Vale/BHP Billiton” de modo a expressar um entendimento da responsabilidade compartilhada da empresa e suas controladoras, assim como dos seus acionistas, pelo evento catastrófico por eles provocados em Mariana (MG) e na bacia do rio Doce.

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, em Mariana (MG). Esse es-forço foi associado ao levantamento de informações complementares, que pudessem ampliar o entendimento sobre a empresa, o contexto operacional/institucional no qual ela atuava e algumas das possíveis causas e consequências do rompimento da barragem do Fundão.

O relatório teve como principal objetivo contribuir para um debate específico sobre a questão mineral, como também colaborar com o aprofundamento da discussão sobre o papel da mineração no Brasil. Além disso, subsidiar os movimentos sociais, organizações não governamentais e trabalhadores da mineração que reivindicam a garantia dos direitos humanos das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem, bem como a remediação dos impactos socioambientais.

1.2 CasoIsoladoouefeItosIstemátICo?

O rompimento da barragem do Fundão marca, no Brasil, o fim do megaciclo das commodities que ocorreu durante a primeira década dos anos 2000. Este megaciclo pode ser associado ao período entre 2003 e 2013, quando as importações globais de minérios saltaram de US$ 38 bilhões para US$ 277 bilhões (um aumento de 630%). O atendimento a essa demanda por minérios recaiu, porém, sobre poucos. Em 2013, apenas cinco países foram responsáveis por dois terços das exportações globais de minérios, tendo o Brasil se desta-cado com um ‘orgulhoso’ segundo lugar, e respondendo por 14,3% das exportações de minério no mundo (ITC, 2015).

Ao longo desses anos, aprofundou-se a dependência econômica do Brasil com relação ao setor mínero-exportador. No mesmo pe-ríodo, a participação dos minérios na exportação do país passou de 5,0% para 14,5%, tendo o minério de ferro correspondido a 92,6% desse total (ITC, 2015). A Samarco pode ser identificada como um ícone desse modelo de inserção subordinada. Consistindo em um complexo mina-mineroduto-pelotizadora-porto, a empresa tem como

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Capítulo 1

principal função abastecer o mercado global com bens naturais semitransformados extraídos no Brasil.

Entretanto, o mercado de minério em geral, e do minério de ferro em particular, é caracterizado por um caráter cíclico. Saindo de um patamar de US$ 32 (jan./2003), o preço do minério de ferro chegou ao um pico de US$ 196 (abr./2008) e, a partir de 2011, iniciou uma tendência de queda, chegando a US$ 53 (out./2015) (WORLD BANK, 2015).

Dados indicam que existe uma relação estrutural entre eventos de rompimento de barragens de rejeitos e os ciclos econômicos da mineração. Há indícios de que existe um aumento do risco de rom-pimento de barragens no novo ciclo pós-boom do preço dos minérios, como expressa o gráfico 1. Na análise dos últimos 45 anos (1965-2009), observa-se forte correlação entre o ciclo de pós-boom (fase de desvalorização dos preços dos minérios após ciclo de valorização) e o aumento do número de rompimento de barragem6. Entender essa

dinâmica é importante para compreender o caráter estrutural do rompimento da barragem do Fundão.

6 Davies e Martin (2009) optaram em promover a comparação entre o número

de rompimento de barragem e o preço deflacionado do cobre, identificando os períodos de valorização real do metal, superior a taxa de inflação e a existência de correlação com os incidentes com rejeito. Segundo os autores, a escolha pelo minério de cobre está relacionada, em primeiro lugar, a existência de dados confiáveis a nível global; em segundo lugar, a produção de cobre estaria mais diretamente relacionada à geração de resíduos de barragens rompidas.

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

Gráfico 1: Variação do Preço do Minério e Incidentes de barragens de rejeito

Fonte: Davies e Martin (2009)

De acordo com Davies e Martin (2009), há um aumento da ocor-rência dos rompimentos de barragens de rejeitos durante o processo recessivo dos ciclos de preços dos minérios. Segundo os autores, as causas para esse comportamento são várias, entre elas:

• pressa para obter o licenciamento no período de preços elevados, levando ao uso de tecnologias inapropriadas e à escolha de locais não adequados para a instalação dos projetos;

• pressão sobre as agências ambientais pela celeridade no licencia-mento, o que pode levar a avaliações incompletas ou inadequadas dos reais riscos e impactos dos projetos;

• movimento setorial de expansão, também durante o período de alta, causando contratação de serviços de engenharia a

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pre-Capítulo 1

ços mais elevados (aumentando o endividamento das firmas), dependência de técnicos menos experientes ou sobrecarga dos mais experientes (comprometendo a qualidade dos projetos ou a execução das obras);

• intensificação da produção ou pressão por redução nos custos a partir do momento em que os preços voltam aos patamares usuais.

Alguns desses elementos podem ser identificados no desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton e seu caráter estrutural sugere que o rom-pimento da barragem do Fundão não é um caso isolado e que outras empresas podem estar provocando situações de risco semelhantes. A barragem do Fundão entrou em operação em 2008, exatamente quando os preços do minério de ferro passavam por seu pico. Seu licenciamento foi realizado por instituições que passam por intenso processo de precarização, sendo sua aprovação vinculada a uma série de condicionantes. Da mesma forma, a empresa passou por um processo de elevação considerável de endividamento, sem o correspondente aumento de receita, dentro de um contexto de crescente pressão de investidores pela manutenção dos níveis de rentabilidade previamente atingidos (NIEPONICE, VOGT, KOCH, & MIDDLETON, 2015).

Há indícios, principalmente associados ao aumento significativo dos acidentes de trabalho, de que tal pressão causou uma intensi-ficação no processo produtivo e, possivelmente, negligência com aspectos de segurança. Tal processo poderia, em princípio, também ser associado ao rompimento da barragem, como sugerido pelo pro-fessor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Sérgio Médici de Eston (2015):

A minha hipótese é a seguinte. Eu acho que tem alguns aspectos para a gente considerar. A Samarco tem um corpo técnico de engenheiros

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

bom; ela era bem conceituada. Agora, o valor do minério de ferro, o valor do ouro, o valor do petróleo; tudo caiu muito. Então as empresas enxugam. E o Brasil não tem uma cultura de segurança como valor. Então, uma das causas: você deixa de fazer manutenção, você não segura mais o monitoramento que devia fazer todo o dia. Você deixa de fazer isso. Se você deixa de acompanhar parâmetros importantes de uma barragem desse porte em cima de uma cidade, você sabe que você está começando a correr um risco.

Ainda na mesma direção, em 2009, a Samarco teria contra-tado planejamento estratégico de segurança “prevendo a proteção aos funcionários e comunidades, no caso de rompimento de uma barragem” junto à Rescue Training International (RTI). Randal Fonseca, Diretor da RTI, afirma que esse “plano de ação nunca foi posto em prática” em função de “uma crise econômica”, assim como outro planejamento relativo a emergências médicas e realizado pela RTI em 2012 (WERNECK, 2015). Mesmo o Programa de Ações Emergenciais de Barragens (PAE), apresentado à Superintendência Regional do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Região Central Metropolitana (SUPRAM-CM), em 2014, teria sido “considerado frágil por especialistas”, assim como não teria sido “posto em prática” integralmente (WERNECK, 2015).

Assumindo a plausibilidade de tais análises, deve-se considerar que, se a volatilidade dos preços é uma característica intrínseca ao mercado de minérios, assim também seria o rompimento das barragens. Dessa forma, os diversos episódios de rompimento das barragens de rejeitos listados neste relatório não deveriam ser vistos como eventos fortuitos, mas como elementos inerentes à dinâmica econômica do setor mineral.

Tal questão torna-se ainda mais relevante, se for levada em consideração a análise proposta por Bowker e Chambers (2015). Ao

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Capítulo 1

analisar rompimentos de barragens ocorridos entre 1910 e 2010, eles notam o aumento da ocorrência de rompimentos sérios e muito sérios, identificando mais de 30 rompimentos após a década de 1990 no mundo. Os autores argumentam que tal tendência é um reflexo das tecnologias modernas de mineração, que permitem a implantação de megaminas, construídas para extrair minérios a partir de reservas caracterizadas por concentrações cada vez menores. À medida que a qualidade dos minérios diminui, aumenta a quantidade de rejeitos e, consequentemente, o tamanho das barragens. Os autores preveem, ainda, para o período 2010-2019 custos totais para a sociedade de US$ 6 bilhões devido ao rompimento de grandes barragens e alertam para a necessidade de mudanças nos sistemas regulatórios para se adequar a essa projeção.

Esse cenário indica, portanto, que falhas de barragens continu-arão a acontecer, porém com impactos em escala ampliada. Muitos destes elementos aparecem de modo específico no desastre em questão e nas formas de operação das empresas envolvidas diretamente.

1.3 samarCo mIneração s.a.

A análise da constituição da Samarco Mineração S.A. (1973) revela uma estratégia de ingresso no Brasil definida pelo grupo BHP Billiton, com a criação de sua subsidiária, BHP Billiton Brasil Ltda. (1972). Desde o início, esta estratégia objetivou a ‘desresponsabili-zação operacional’ do grupo, se revelando plenamente a partir do ingresso da Vale S.A. (2000) e de sua reestruturação societária como um modelo de non operated joint venture7, no qual a responsabilidade jurídica sobre as operações da Samarco recai exclusivamente sobre a Vale.

7 Uma non operated joint venture designa que, em uma união de duas ou mais

empresas (joint venture), somente algumas ou uma possuirá/possuirão a responsabilidade operacional da nova empresa.

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

Além disso, os arranjos de propriedade e controle de ambos os grupos apresentam estruturas acionárias pulverizadas e financeiriza-das, revelando uma rede ampla de responsabilidade sobre o desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton. A cadeia de controle operacional da Vale, que se estende à Valepar S.A. e a Litel Participações S.A., explicita estes elos de responsabilidade, abrangendo grupos financei-ros nacionais (Bradesco), intermediários comerciais internacionais (Mitsui), o Estado brasileiro (BNDESPar e Tesouro Nacional) e fundos de pensão de trabalhadores (Previ, Petros e Funcef). Já a BHP Billiton possui constituição acionária ainda mais pulverizada, contando com acionistas de diversas empresas, fundos e bancos internacionais.

A discussão acerca das estratégias de investimento e financiamen-to da Samarco nos últimos anos explicita também, a centralidade da dimensão financeira e dos acionistas na configuração das decisões sobre operações da empresa. A mudança no macrocenário econô-mico da mineração, de uma fase de boom para uma de pós-boom das commodities, induziu uma ‘aposta’ por parte das principais empresas do setor na criação e ampliação de economias de escala, o que na Samarco teve como eixo o Projeto Quarta Pelotização (P4P) (SANTOS, 2015). O P4P representou uma expansão significativa da capacidade instalada da empresa (37%), assim como a redução de descontinuidades no processo de produção, diminuindo os custos operacionais em relação às demais empresas do setor. Nesse sentido, a ampliação dos investimentos dependeu adicionalmente de práticas de elevação da produtividade (do capital, do trabalho e do uso de recursos naturais), sintetizadas na estratégia Visão 2022 e apoiada em métodos gerenciais (Lean Seis Sigma, Lean Office e Kaisen) que implicam a mobilização do conhecimento e a pressão contínua sobre os trabalhadores pela ampliação dos níveis de produção e qualidade. A redução do custo unitário por tonelada de pelota de ferro de US$

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Capítulo 1

57,11 (2013) para US$ 53,42 (2014) refletiu, assim, na capacidade da Samarco de suportar os efeitos adversos do macrocenário regressivo, mantendo os níveis de lucratividade líquida, em valores absolutos, sem considerar as perdas pela inflação. É importante notar, no entanto, que a aposta em ganhos de escala foi decisiva na elevação expressiva do endividamento absoluto da empresa a partir de 2009 (ampliado em cerca de 30% entre 2013 e 2014) e do endividamento contábil, principalmente a partir de 2012. A confrontação entre o endividamento e a receita operacional da companhia aponta para uma pressão crescente pela elevação da produtividade como forma de manutenção dos níveis de remuneração aos acionistas.

As operações da Samarco envolvem as etapas e atividades de extração (centradas em três cavas principais no Complexo de Alegria, em Mariana, MG); de beneficiamento primário (envolvendo três usinas de concentração mineral, de suma importância em função do declínio progressivo da quantidade e qualidade do minério de ferro da reserva); de logística (dutoviária, determinada por características fisiográficas e pelo controle oligopólico do modal ferroviário na região); de pelotização (realizada em quatro unidades localizadas no Espírito Santo); e de transporte transoceânico (por meio do Ter-minal de Uso Privativo de Ponta Ubu) das pelotas, principalmente, e de finos de minério de ferro para os mercados da África e Oriente Médio (23,1%), Ásia, não incluída a China (22,4%), Europa (21%), Américas (17%) e China (16,5%).

Três elementos merecem maior ênfase a partir desta descrição: i. a ampliação da escala operacional da empresa nos últimos anos condicionou e interagiu com os determinantes fisiográficos da reserva, intensificando sua depleção mineral quantitativa e qualitativa e, portanto, impulsionando a expansão significativa da geração de estéril e rejeitos de minério;

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ii. essa expansão demandou, consequentemente, ampliações correspondentes da capacidade de disposição de estéril e, prin-cipalmente, rejeitos, determinando o aumento exponencial do uso de recursos naturais (em especial da água, nos processos de beneficiamento primário e disposição) e da escala dos riscos associados à opção preferencial da empresa por barragens; iii. finalmente, esses elementos mantêm uma orientação exclusi-vamente exportadora, definida em função de estratégias privadas e públicas de acesso a recursos minerais escassos, assim como do próprio Estado brasileiro na entrada de divisas e equilíbrio da Balança Comercial.

Da perspectiva de relação com a força de trabalho, a Samarco aumentou nos últimos anos o número total de trabalhadores, intensifi-cando sua ampla política de terceirização. Este processo foi uma de suas estratégias frente à queda nos preços do minério de ferro, ao aumento do endividamento da empresa e ao seu compromisso em reduzir custos relativos e incrementando a produção, como formas de sustentação dos níveis de lucratividade e de redistribuição de valor aos acionistas.

A terceirização veio acompanhada pela deterioração ampliada das condições de trabalho. Dentre as principais formas de descum-primento da legislação trabalhista pela Samarco encontram-se a terceirização ilícita; o não pagamento das horas in itinere para os trabalhadores diretos e terceirizados; a não fiscalização das condi-ções de trabalho e do cumprimento das normas trabalhistas pelas prestadoras de serviço; dentre outras.

No entanto, a referida estratégia de relações de trabalho não é exclusiva à Samarco. Na indústria extrativa mineral (IEM), são ge-neralizados os padrões de uso intensivo da força de trabalho, assim como níveis elevados de acidentes de trabalho. Os trabalhadores, diretos e externos, frente à limitada oferta de alternativas ocupacionais

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Capítulo 1

nas localidades onde empresas mineradoras operam, se submetem a condições precárias de trabalho, sofrendo psicológica e fisicamente, os efeitos das decisões corporativas.

No que diz respeito às relações das empresas com as comunidades e populações afetadas, a dimensão de dependência econômica se torna particularmente relevante. Apesar de Mariana ser o primeiro município brasileiro em repasses da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Naturais - CFEM (2015), a cidade convive com indicadores sociais comparativamente baixos, particularmente no que diz respeito à desigualdade de renda e à pobreza no meio rural. Nesse sentido, a pobreza e a desigualdade das regiões mineradas e sua dependência da IEM se retroalimentam e asseguram a sobre-vivência de ambas. De um lado, a pobreza facilita a instalação das atividades extrativas e a aceitação de seus impactos; enquanto, de ou-tro, as operações da IEM dificultam a instalação de outras atividades econômicas, contribuindo para a redução da diversidade da estrutura econômica, sendo a dependência da atividade criada e reforçada por investimentos públicos e privados. Em particular, a estrutura econômica de Mariana sustenta e reforça a minério-dependência e perpetua uma situação agravada de fragilidade ambiental e social.

Para além da especialização da atividade econômica no território, que cria dependência econômica, a legitimação social da atividade passa também pela formação de estratégias territoriais centradas em um discurso pró-mineração difuso, muitas vezes amparadas por empresas especializadas na comunicação com as comunidades. A concepção desse discurso tem como objetivo a coesão social em contextos caracterizados pelos impactos da mineração. Contratando agências especializadas em comunicação e gestão socioambiental, a Samarco – e outras empresas do setor – planeja estratégias de abor-dagem e mantém avaliação e monitoramento contínuos das comu-nidades e dos riscos sociais potenciais (reputacionais e econômicos).

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Neste contexto, a Samarco, através da realização de “diagnósticos políticos e socioeconômicos”, da realização de “reuniões de diálogo” e do financiamento de projetos sociais nas comunidades próximas aos seus empreendimentos, pretendeu estabilizar o contexto social e gerir suas condições políticas de modo estratégico, acentuando esses procedimentos a partir do rompimento da barragem do Fundão e da implantação do acordo para compensação do desastre socioam-biental.

Por sua vez, a adoção de estratégias de antecipação de riscos potenciais e gestão da contestação social estão intimamente asso-ciadas à natureza e escala dos impactos socioambientais provocados pela Samarco, que não configuram propriamente uma novidade. A mineradora acumulava 19 infrações notificadas pela Fundação Esta-dual do Meio Ambiente - FEAM-MG, Instituto EstaEsta-dual do Meio Ambiente - IEMA-ES e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA desde 1996 até o momento do rompimento da barragem do Fundão, o que contabilizava uma média de uma por ano. Dentre os casos mais graves estão os vaza-mentos de polpa dos minerodutos, contaminando cursos d´água e comprometendo, em especial, o consumo humano. Assim, em 2006, em Barra Longa (MG), a empresa foi multada em R$ 32,9 mil; em 2008, quase 2 mil m2 de polpa vazaram em Anchieta (ES), resultando

numa multa de R$ 1,6 milhões; e em 2010, o município de Espera Feliz (MG) teve que decretar situação de emergência por conta da contaminação da água que abastecia 30 mil pessoas e a mineradora pagou módicos R$ 28 mil.

Como estratégia de desresponsabilização, a Samarco contesta frequentemente as autuações feitas pelos órgãos públicos e, mesmo quando paga os valores das multas, essas não representam quaisquer ameaça econômica às suas operações e, portanto, não constituem desincentivos eficazes às práticas corporativas vigentes da empresa.

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Capítulo 1

Nesse sentido, os modos efetivos de fiscalização, controle e punição estatais tendem a estimular ainda mais as práticas operacionais irregulares e ilícitas, sobretudo porque as condições de fiscalização periódica dos órgãos ambientais são deficitárias técnica e economi-camente, além de politicamente orientadas.

Ainda, nos últimos anos, a Samarco aumentou significativamen-te seu consumo de água - o que já era apontado na análise de suas operações de beneficiamento primário e de disposição de rejeitos -, diminuindo os níveis de eficiência em sua utilização nos processos de extração, produção e transporte. Simultaneamente, o município de Mariana viveu uma situação crítica de escassez hídrica, que culminou no estabelecimento e intensificação de uma política de rodízio de abastecimento (PREFEITURA DE MARIANA, 2015). As condições de desigualdade no acesso à água e seu uso industrial privilegiado vêm gerando alguns questionamentos na comunidade, direcionados ao excesso de água consumido pela empresa em Mariana e nos municípios vizinhos.

Questionamentos sociais e ambientais tendem, no entanto, a atrair pouca atenção dos representantes políticos. Em grande medida, a dependência local da IEM é reforçada por atitudes políticas pró-mineração nas escalas estadual e federal – o que pode ser compreen-dido, em alguma medida, através das práticas de financiamento de campanhas eleitorais por corporações mineradoras para os poderes Executivos e Legislativos. Dessa forma, a prática das empresas mi-neradoras de financiar candidatos diversos e de diferentes partidos é analisada neste estudo tendo como referência o universo dos políticos eleitos para cargos executivos e legislativos nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e em nível federal, com financiamento de empresas ligadas ao grupo Vale.

A estratégia de financiamento de campanhas eleitorais – que não abrange todas as formas potenciais de influência corporativa da

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IEM sobre os representantes políticos – por parte das empresas do grupo Vale apresentou caráter nitidamente pulverizado, abrangendo a maioria dos partidos reconhecidos juridicamente no Brasil, o que reforça sua capacidade relativa de induzir comportamentos político -administrativos alinhados a seus interesses – em especial no que diz respeito às situações de responsabilização e punição demandadas em contextos de catástrofes publicamente reconhecidas.

1.4 análIses InstItuCIonaIs

No que diz respeito especificamente ao desastre da Samarco/ Vale/BHP Billiton, é fundamental enquadrar a ruptura da barragem do Fundão em uma trajetória de desastres de barragens no Brasil e sua relação com procedimentos de monitoramento precários. Deste modo, desde 1986 foram registrados, apenas no estado de Minas Gerais, sete casos de rompimento de barragens de rejeito (FARIA, 2015; IBAMA, 2009; OLIVEIRA, 2015; SOUZA, 2008). O monitoramento e o controle da segurança de barragens são de responsabilidade do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), com apoio complementar da Fundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM). Anualmente, a FEAM publica o Inventário de Barragens do Estado de Minas Gerais, no qual essas estrutu-ras são classificadas de acordo com seu tamanho e estabilidade. No inventário de 2014, a barragem do Fundão foi considerada estável e este relatório apontava 27 barragens cuja estabilidade não estava garantida (sendo sete consideradas de grande impacto social e ambiental) e duas não estáveis desde 2012 (FEAM, 2012; 2013; 2014). Tendo isto em conta, podemos inferir que o sistema de monitoramento apresenta limitações estruturais, associadas à incapacidade e à inação dos órgãos estatais em garantir níveis mínimos de segurança às populações e aos ecossistemas a jusante das barragens de rejeito em operação no estado.

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Capítulo 1

Por outro lado, a catástrofe socioambiental sofrida pela bacia do rio Doce explicita também a ineficácia dos estudos/relatórios de impacto ambiental (EIA-RIMAs) e dos processos de licencia-mento ambiental em prognosticar efeitos de grande magnitude ou cenários extremos. Análises deficientes e superficiais desenvolvidas na elaboração dos estudos e/ou práticas profissionais antiéticas têm provocado a subestimação dos impactos negativos e a superestimação dos efeitos positivos de grandes empreendimentos sobre as sociedades e o meio ambiente.

O processo de licenciamento ambiental referente à barragem de Fundão se iniciou em 2005, sendo a primeira Licença de Operação do empreendimento concedida em 2008 – licença que se encontrava em processo de renovação no dia do rompimento. O EIA-RIMA da barragem possui sérios problemas técnicos, o que impossibilitou a previsão dos efeitos do rompimento da barragem e agravou os impactos sobre as comunidades vizinhas, majoritariamente negras. Fundão era a única das três alternativas locacionais que produzia impactos e efeitos cumulativos diretos sobre as barragens do Germano e Santarém, podendo gerar um efeito dominó no rompimento, além de ser a opção que drenava em direção à comunidade de Bento Ro-drigues, ampliando ainda mais a condição de risco socioambiental. A escolha por esta opção foi, portanto, econômica, aproveitando-se do sistema de barragens do Germano - Santarém em funcionamento e diminuindo os custos da obra. Ainda, a análise de risco do EIA classificou a possibilidade de rompimento da barragem no grau mais baixo, “improvável” (BRANDT, 2005), desconsiderando o histórico de repetidos rompimentos em Minas Gerais, no Brasil e no mundo.

Diferentemente do que estava previsto no EIA-RIMA, o impacto do rompimento da barragem não se restringiu às áreas de influência preestabelecidas tecnicamente (as três barragens mais o povoado de Bento Rodrigues). A lama produziu destruição socioambiental

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por 663 km nos rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce até chegar à foz do último, onde adentrou pelo menos 80 km2 ao mar. Bento

Rodrigues, Paracatu de Baixo, Gesteira, a cidade de Barra Longa e outros cinco povoados no distrito de Camargo, em Mariana, foram completamente arrasados pela lama, causando inclusive perdas humanas em Bento Rodrigues. Mortos e desaparecidos, entre tra-balhadores contratados e subcontratados da Samarco e moradores de Bento Rodrigues, totalizaram 19 pessoas; mais de 1.200 pessoas ficaram desabrigadas; pelo menos 1.469 hectares de terras ficaram destruídas, incluindo Áreas de Proteção Permanente (APP) e Uni-dades de Conservações (Parque Estadual do Rio Doce; Parque Es-tadual Sete Salões; Floresta Nacional Goytacazes; e o Corredor da Biodiversidade Sete Salões-Aymoré). Houve prejuízo a pescadores, ribeirinhos, agricultores, assentados da reforma agrária e populações tradicionais, como a tribo Krenak, na zona rural, e a moradores das cidades ao longo dos rios atingidos. Sete cidades mineiras e duas capixabas tiveram que interromper o abastecimento de água. Trinta e cinco municípios de Minas Gerais ficaram em situação de emergên-cia ou calamidade pública e quatro do Espírito Santo sofreram com os impactos do rompimento da barragem. Os efeitos da lama e da falta de água refletiram sobre residências e prejudicaram atividades econômicas, de geração de energia e industriais (G1, 2015; MOTA, 2015; O GLOBO, 2015;).

O rompimento da barragem de rejeitos tende a causar, ainda, uma série de impactos socioambientais de curto, médio e longo prazos. O principal impacto imediato foi a total destruição de residências, infraestrutura e ainda de áreas de pastagem, roças e floresta. Além da perda de vidas humanas, houve também a morte de animais do-mésticos e silvestres. Uma parte considerável da calha do rio Doce foi assoreada, o que deverá aumentar os riscos de enchentes nos próximos anos e mudar a dinâmica de inundações; partes que antes não eram

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Capítulo 1

ocupadas pelas águas durante as cheias devem passar a ser atingidas. Diferentes estudos têm apresentado evidências variadas sobre a pre-sença de metais pesados no rio, tanto na água quanto nos sedimentos (que podem estar misturados à água, depositados nas margens e planícies de inundação ou ainda no fundo do leito). Estudos anteriores já mostravam a contaminação dos rios por metais, decorrente do beneficiamento mineral em Mariana. A presença desses materiais exigirá esforços consideráveis na recuperação ambiental e coloca em risco a saúde das pessoas no longo prazo, com a possibilidade de um aumento considerável de doenças crônicas (BONELLA, 2015; COSTA; NALINI JR; LENA; MAGES; FRIESE, 2001; CUNHA, 2015; IGAM, 2015, GOVERNADOR VALADARES, 2015; TOMMASI ANALÍTICA, 2015).

O desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton pode ser enquadrado ainda na condição de racismo ambiental, tendo em vista que há uma tendência de intensificação das situações de risco que atingem comunidades com população predominantemente negra causadas pela proximidade da exploração mineral de ferro e das barragens de rejeito da Samarco. Bento Rodrigues, com uma população apro-ximadamente 85% negra, se encontrava a pouco mais de 6 km da barragem de rejeitos rompida e 2 km da barragem do Santarém; Paracatu de Baixo, com 80%, se situava a pouco mais de 40 km a jusante da barragem rompida (seguindo o curso do rio Gualaxo do Norte); o povoado de Gesteira, afastado aproximadamente 62 km da barragem, apresenta 70,4% da população negra, e a cidade de Barra Longa, com 60,3% da população negra, dista cerca de 76 km da barragem. Foram, sobretudo, estas comunidades negras as que mais sofreram com as perdas humanas e com os impactos materiais, simbólicos e psicológicos do evento (WANDERLEY, 2015).

Nesse sentido, a presença de grupos étnicos politicamente mi-noritários e economicamente vulneráveis e, por isso, com pequenas possibilidades de fazer ouvir suas demandas por direitos na esfera

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pú-A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

blica, pode ser compreendida enquanto elemento central na localização das barragens de rejeitos. Bem como a sobrecarga dessas estruturas, a ausência de controle e de fiscalização estatal, o descaso com a im-plantação de alertas sonoros e planos de emergência e a forma como foi conduzido o atendimento às vítimas também estão relacionados às características populacionais dos atingidos. Essa correspondência pode ser explicada pelas injustiças e indícios de racismo ambiental presentes nos processos de flexibilização do licenciamento ambiental.

Para além das comunidades e povoados nas proximidades do Complexo de Alegria e das barragens de rejeitos da Samarco em Mariana e região, a lama liberada pelo rompimento da barragem do Fundão provocou um rastro de destruição de territórios de existência coletiva ocupados por populações rurais e ribeirinhas no vale do rio Doce e seus afluentes. As condições cotidianas de vida e trabalho destas populações, reproduzido socialmente nas comunidades rurais, assentamentos de reforma agrária e povoados, foram arruinadas pela lama de rejeitos, comprometendo fontes locais de geração de renda e ameaçando as condições materiais e imateriais de permanência nos seus territórios. Esse processo explicita novamente as aproximações entre injustiça e racismo ambiental e os impactos socioambientais provocados pelo desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton.

Em uma primeira análise sobre a conduta da empresa nos momentos que se seguiram ao desastre da Samarco/Vale/BHP Billiton, as medidas fundamentais e urgentes para a garantia dos direitos humanos das comunidades impactadas só foram to-madas após solicitação das equipes de resgate, pressão popular e intercessão judicial, embora a empresa as divulguem como ações assistenciais e voluntárias em sua página na internet. O sistema de avisos sonoros e um plano de emergência, a estadia para os desabrigados e o fornecimento de água potável são três exemplos da conduta violadora de direitos.

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Capítulo 1

A empresa descumpriu a legislação de segurança de barragens, no que se refere à implantação de um sistema de alarme sonoro e à disponibilização de pessoas treinadas para assessorar a comunidade em casos de emergência. Sem um plano de emergência efetivo, a população de Bento Rodrigues se organizou de forma autônoma para deslocar-se em direção a um local seguro. Em um primeiro momento, as famílias foram encaminhadas para o ginásio de Mariana e somente alocadas em hotéis pela empresa após a intervenção do Ministério Público, que considerou o espaço inadequado para as famílias. A lama de rejeitos contaminou o rio Doce, fazendo com que diversos municípios interrompessem a captação de água do rio, criando uma crise de abastecimento de água em diversas regiões.

A lama de rejeito comprometeu também a água dos rios e áreas de solos férteis por onde passou. Propriedades rurais, dependentes da criação de gado e dos rios próximos para sua reprodução social, foram diretamente afetadas. Até o momento não há laudos claros e definitivos referentes à qualidade da água, à fertilidade dos solos e aos prováveis riscos do contato dos humanos e animais com a lama de rejeitos de minério. Deste modo, o trabalho cotidiano e as fontes de renda dos agricultores, ribeirinhos, pescadores e indígenas que vivem ao longo de toda a extensão do rio Doce se encontram sob risco grave de comprometimento.

Os referidos efeitos reais e potenciais dizem respeito, no entanto, a determinadas opções técnicas. A definição do evento como desastre tecnológico da Samarco/Vale/BHP Billiton parte da compreensão de que as operações de disposição de rejeitos na indústria extrativa mineral (IEM) no Brasil, em geral, e na Samarco, em particular, constituem uma opção tecnológica determinada por incentivos de mercado (em processo de mudança significativa em função da alteração para um macrocenário de pós-boom das commodities), práticas corporativas inadequadas e intensificadoras de riscos

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socio-A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

ambientais e da inação estatal no que concerne à fiscalização e ao controle (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2015). Em grande medida, a IEM no Brasil sofre de uma espécie de ‘dependência de barragens’, o que configura um horizonte de risco ampliado para populações e ecossistemas no entorno destas estruturas de disposição.

De um lado, prevalecem no setor práticas corporativas orienta-das à redução de custos operacionais quanto à disposição de rejeitos, exemplificadas pela ausência e/ou deficiência de projetos de engenharia, automatização e/ou subcontratação de atividades de inspeção (formal-mente independentes, como supõe o Plano Nacional de Segurança de Barragens – PNSB – desde 2010, mas contratadas pelas mineradoras), etc. De outro, o reforço do marco regulatório de barragens no Brasil (PNSB, 2010 e sua proposta de reforma limitada em 2015, após o evento) e em Minas Gerais (por meio da definição e implementação de critérios técnicos e socioambientais de classificação de barragens em 2002 e 2005) não se fez acompanhar de responsabilidades definidas e capacidades tecno-operacionais ao nível dos sistemas de controle e fiscalização de barragens, em especial no que se refere aos papéis da ANA, do DNPM e dos órgãos ambientais estaduais e federais.

De maneira geral, a inação do Estado, no que diz respeito a um entendimento amplo e democrático da matriz de disposição e recu-peração de rejeitos de mineração no Brasil, provoca uma armadilha de elevação exponencial dos riscos a populações e ecossistemas. De fato, tecnologias de separação magnética de alta intensidade e aperfeiçoamentos nos processos de flotação nos últimos anos foram estimulados por incentivos fisiográficos e de mercado, assim como por desincentivos seletivos e entraves ambientais e regulatórios, em detrimento da ampliação de barragens de rejeitos no macrocenário de boom das commodities. Empresas como a Vale desenvolveram so-luções e implementaram - de modo parcial e descontínuo - projetos expressivos de recuperação de rejeitos de barragem.

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Capítulo 1

Mesmo a reversão deste cenário a partir de 2011 não eliminou tais condições, tornando ainda mais premente uma ação estatal voltada à definição de dispositivos de indução e restrição de comportamentos corporativos no sentido de uma revisão abrangente daquela matriz. De modo fundamental, tecnologias de disposição de resíduos voltadas à expansão de densidade e à redução de conteúdo líquido (elemento crucial na definição de riscos socioambientais em barragens) se en-contram plenamente difundidas e devem ser o objeto central de uma política pública ambiental e socialmente referenciada de disposição de rejeitos de mineração, implicando inclusive em restrições limitadas a processos tecnológicos específicos (barragens de rejeito, em especial) e suas escalas operacionais.

O contexto apresentado deve ser compreendido conjuntamente com importantes retrocessos que as legislações ambiental e mineral passam, tanto no nível estadual, particularmente em Minas Gerais, quanto no nível federal (PL 2.946/2015 em Minas Gerais, PL do Senado 654/2015 e a proposta de um novo Código Mineral). Muitos dos parlamentares envolvidos em tal debate foram financiados de forma significativa por empresas mineradoras, o que compromete sua independência e influencia suas decisões.

A partir dessa conjuntura, este relatório se propõe, por meio da sistematização e divulgação da informação, a contribuir para o apri-moramento do debate sobre a atividade mineral no país. Os autores acreditam que o acesso à informação por parte dos movimentos e organizações envolvidos com questões de proteção aos direitos hu-manos e de preservação ambiental poderá aprimorar sua capacidade de atuação. Dessa forma, espera-se que o reconhecimento do Brasil como um país minerador, bem como dos riscos e impactos gerados por essa atividade para a sociedade e para o meio ambiente, aumente a pressão social sobre agentes do Estado e sobre as empresas e, dessa forma, colabore para a construção de novos sistemas, democráticos

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

e participativos, de controle sobre a forma como se exploram os bens minerais do país.

1.5 argumentosereComendações

A partir da análise apresentada, torna-se necessário tecer uma série de argumentos e recomendações sintéticas. Como primeiro

argumento, defende-se que o rompimento da barragem do Fundão, seus impactos e os prejuízos causados são de total responsabilidade da Samarco, que deveria ser solidariamente estendida aos seus acionistas. A empresa optou por intensificar investimentos baseados em uma aposta irreal na continuidade de elevada demanda e preço do minério de ferro e, ao optar por garantir níveis de lucratividade e de retorno aos acionistas, intensificou consideravelmente a extração e beneficia-mento, aumentando a taxa de acidentes de trabalhadores e o risco de rompimento. O quanto essa decisão administrativa repercutiu nas medidas de segurança da barragem e ocasionou o seu rompimento deverá ser identificado pelas investigações e perícias. Deste modo, os custos socioambientais desta decisão devem ser arcados em sua plenitude pela mineradora e seus acionistas, compensando, ressarcin-do e atendenressarcin-do as demandas e exigências ressarcin-dos grupos atingiressarcin-dos, da sociedade brasileira e do Estado, para fins de solucionar os problemas sociais e ambientais provenientes desta catástrofe.

Da perspectiva destes agentes econômicos, é decisivo discutir os níveis de responsabilidade envolvidos nas estratégias corpora-tivas e formatos organizacionais dos grupos Vale e BHP Billiton, controladores da Samarco. De fato, estruturas acionárias complexas e financeirizadas são racionalmente utilizadas como formas de des-responsabilização. No caso do grupo anglo-australiano, o formato jurídico de non operated joint venture da Samarco é decisivo, mas suas práticas ambientais e trabalhistas em diferentes localidades de-monstram um padrão de ação profunda e repetidamente contestável.

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Capítulo 1

No que diz respeito à Vale, a reconstituição de sua estrutura de controle permite entrever a difusão da culpa pelo desastre da Samar-co/Vale/BHP Billiton como um signo dos padrões de operação do setor extrativo mineral no Brasil. Desse modo, grupos transnacionais e estratégias estatais de acesso a matérias-primas se somam a corpo-rações financeiras como o Bradesco, ao Estado brasileiro (BNDES) e à mobilização de fundos previdenciários na configuração de um cenário irracional de expansão ad eternum da exploração e transfor-mação minerais, respondendo a dinâmicas privadas de lucratividade e estatais de equacionamento das contas públicas.

Esta argumentação se relaciona ao entendimento de que o risco de rompimento de barragens de rejeito é um elemento estrutural-mente conectado à atividade mineral; as tendências indicam que a possibilidade de rompimento é maior durante o período de redução de preços. Esse fato poderia ser relacionado a problemas durante a construção das barragens, ao licenciamento pouco rigoroso ou à re-dução na priorização de ações de segurança operacional no período de baixa. Conforme será discutido mais aprofundadamente ao longo dos capítulos há indícios de que o comportamento da Samarco nos últimos anos se enquadraria neste cenário.

Ao mesmo tempo, um segundo elemento a ser considerado se deve ao fato de que existe um aumento do risco de acidentes graves e muito graves, uma vez que as barragens de rejeito vêm se tornando cada vez maiores. Da mesma forma, antes do rompimento, existiam planos, por parte da Samarco, de unir as barragens do Fundão e do Germano, o que aumentaria consideravelmente o impacto causado por uma falha tecnológica.

Considerando a verificação de ambos os elementos no caso da Samarco, como segundo argumento, recomenda-se analisar até que ponto outras empresas mineradoras também apresentam um comportamento semelhante, como estratégia para se avaliar a

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

possibilidade de novos rompimentos durante esse período de fim de ciclo.

Deve-se levar em consideração que, em parte, somente foi per-mitido à empresa e a seus controladores operar dessa forma devido à fragilidade institucional presente no estado de Minas Gerais - fragi-lidade que possui contrapartes importantes nos governos do Espírito Santo e federal. Esta fragilidade se manifesta tanto no processo de licenciamento ambiental, quanto no monitoramento e fiscalização. Em todas as fases, a capacidade institucional dos órgãos ambientais responsáveis se mostrou muito abaixo da necessária para lidar com obras de tal risco.

Após o rompimento das barragens, diferentes órgãos estatais, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável de Minas Gerais (SEMAD) e Instituto Estadual do Meio Ambiente do Espírito Santo (IEMA) se apressaram em anunciar multas à Samarco. Entretanto, a forma como o sistema punitivo está estruturado no Brasil e as práticas da empresa com relação às multas sugerem que essas penalidades serão contestadas e, após alguns anos de disputas judiciais, parte considerável deixará de ser paga. O aprendizado institucional do desastre da Samarco/ Vale/BHP Billiton também parece ser limitado. Os órgãos de moni-toramento e controle ambiental nos níveis estadual e federal passam por um processo estrutural de sucateamento, carência de pessoal, equipamentos e recursos para promoção de fiscalização mais efetiva e eficiente. A visão ainda corrente entre os gestores públicos de que a degradação socioambiental seria um problema menor, sugere que poucos esforços serão feitos para reverter esse quadro.

Dessa forma, o terceiro argumento seria pelo fortalecimento institucional, em diferentes níveis, dos órgãos de controle ambiental, tanto estaduais, quanto federais. Primeiramente, deve haver a

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contra-Capítulo 1

tação de pessoal, via concurso público, e a renovação da infraestrutura operacional. Em segundo lugar, deve-se garantir a independência política de tais órgãos, uma vez que, particularmente no caso do licenciamento, muitas licenças são dadas na atualidade contrariando as recomendações dos técnicos. A mesma independência deve ser estendida às consultoras que realizam os estudos técnicos ambientais, as auditorias, os programas de compensação e monitoramento, não podendo estas servirem aos interesses dos seus contratantes em detri-mento de uma análise técnica séria e até mesmo negativa dos projetos propostos ou de laudos requeridos, em virtude dos elevados custos e riscos socioambientais identificados. Por fim, devem ser revistas as condições de tomada de decisão de forma a garantir a participação efetiva da população potencialmente atingida, inclusive com o di-reito de dizer não à implantação de empreendimentos poluidores e causadores de grandes impactos socioambientais em seus territórios.

Com relação ao licenciamento de barragens em particular, o caso demonstra os riscos e limites do licenciamento fragmentado, onde não são avaliados os riscos cumulativos de diferentes projetos. Dessa forma, o quarto argumento do relatório seria uma revisão dos métodos de avaliação de impacto ambiental, exigindo-se estudos completos dos projetos. Mais do que isso, assim como proposto para barragens hidrelétricas, deveriam ser feitas avaliações ambientais estratégicas, que tivessem a bacia hidrográfica como unidade de análise e considerassem os efeitos cumulativos e os riscos dos projetos sobre esse recorte.

No caso específico da segurança de barragens de rejeitos, como

quinto argumento, propõe-se que, uma vez identificadas as li-mitações do setor ambiental e do setor mineral em lidar com essa questão, o monitoramento e a fiscalização dessas obras possa ser fortalecido pela incorporação de novos atores institucionais. Tendo por base aspectos associados à segurança e à saúde dos trabalhadores,

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A Questão Mineral no Brasil - Vol. 2

deveriam ser envolvidos em tais processos agentes do Ministério do Trabalho e Previdência Social, bem como vinculados ao Ministério da Saúde, particularmente ao Vigidesastre e à Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador.

Não se limitando à questão institucional, e considerando o grau de exposição ao risco da população, como sexto argumento, defende-se que a participação das comunidades do entorno e dos trabalhadores deva ser considerada como uma exigência no processo de licenciamento ambiental, no monitoramento e fiscalização de barragens de rejeito, assim como na elaboração e atualização dos Planos de Ações de Emergência. Para tanto, os estudos, programas, planos, monitoramentos e os cumprimentos de condicionantes devem ser facilmente encontrados e acessíveis ao público, no sentido dar maior transparência às ações empresariais e permitir maior controle social da atividade mineral.

Ainda com relação às comunidades atingidas, o relatório identi-ficou que grupos negros (pardos e pretos) foram expostos de forma desproporcional, e até mesmo desnecessária em virtude de alternati-vas factíveis, ao risco associado à barragem do Fundão. Além desse, existem outros exemplos que parecem apresentar características semelhantes como a comunidade da Água Quente, em Conceição do Mato Dentro, e o povoado do Marzagão, em Itabirito; ambas em Minas Gerais. Por esse motivo, como sétimo argumento, sugere-se um estudo aprofundado entre localização de barragens de rejeito e composição racial, étnica e cultural das comunidades expostas ao risco associado. Caso seja identificado esse padrão, tonar-se-ia neces-sário iniciar um amplo debate com a sociedade em geral, e com os grupos atingidos em particular, de programas que venham a prevenir e corrigir tais injustiças sociais e ambientais.

A participação social será ainda fundamental em qualquer tra-balho de monitoramento da qualidade ambiental e de uma eventual

Referências

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