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O DISCURSO GERMÂNICO NA CIDADE DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

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Academic year: 2021

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O DISCURSO GERMÂNICO NA CIDADE DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

Marcelo dos Santos

RESUMO:

O presente trabalho procura apresentar uma possibilidade de aplicação da anál ise do discurso a uma pesquisa historiográfica. Esta pesquisa procura analisar a partir de entrevistas coletadas através do projeto Crenças e Atitudes da Unioeste, como o discurso do descendente de alemão é construído na cidade de Marechal Cândido Rondon, quais os posicionamentos e que formações discursivas reforçam esse discurso enaltecedor da trajetória e da descendência alemã. Através da teoria da Análise do Discurso francesa serão propostas reflexões e analises em relação a recortes da entrevista que possam comprovar o fundamento teórico. Esta análise possibilitara a percepção de como se deu inicio este processo de germanização da Cidade de Marechal Cândido Rondon, quais são os posicionamentos discursivos dos entrevistados em relação a esta cultura germânica, e que possíveis fatos são silenciados em função do enaltecimento da tradição germânica. Após o trabalho de verificação e análise das entrevistas, fundamentaremos na Análise do Discurso os possíveis motivos ou justificativas que fomentaram o surgimento dessa imagem do colonizador alemão na cidade de Marechal Cândido Rondon, como também os motivos que levaram a esses silenciamentos.

PALAVRAS-CHAVE : Colonização, Relato, Silenciamento.

Introdução:

A cidade de Marechal Cândido Rondon, localizada na região Oeste do estado do Paraná, apresenta em diversas instâncias discursivas a busca por reafirmar a sua descendência alemã. A colonização advinda de uma trajetória de luta, e persistência para instituir morada em área territorial brasileira faz os descendentes alemães trazerem a público formações discursivas que ressaltam muitas vezes discursos que se querem institucionalizar e cristalizam dizeres em defesa da sua origem.

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Esta institucionalização da etnia e a aparente exaltação ao passado atravessa discursivamente os sujeitos por ela interpelados, propiciando posicionamentos questionáveis em relação a realidade atual, a busca por entender e localizar no discurso estas características possibilitara uma reflexão em relação a forma como se manifesta essa germanidade A cidade de Marechal Cândido Rondon apresenta na arquitetura, nos costumes e no cotidiano a recorrência discursiva da germanização em um movimento de construção de memória (do futuro) de uma certa origem germânica. O enaltecimento da descendência, no caso desta pesquisa a alemã, é manifestado na forma de pensar, de se posicionar, e, por conseqüência, no discurso. Percebe-se uma possível sensação de orgulho em pertencer à cultura alemã a ponto de o morador de Marechal Cândido Rondon, mesmo nascido na cidade, não se declarar rondonense, mas sim alemão. Outro interessante acontecimento é a forma como este discurso da germanidade é respaldado em outra estâncias, a prefeitura incentiva a continuação dessa germanização na maneira como divulga a cidade, nas campanhas municipais, e até mesmo através de um incentivo para que moradores construam casas com arquitetura germânica, obtendo com isso a isenção de impostos predial.

Essa busca pela germanização trouxe influências na forma de pensar e agir dos declarados “alemães” (moradores de Marechal Cândido Rondon). Observa-se a existência de um posicionamento discursivo instituído histórica e socialmente, por parte dos considerados “alemães”, que os diferencia de outros sujeitos que não pertencem a essa “classe” germânica. A maneira como a história da cidade é contada, as formações discursivas em relação a fatos ou pessoas que não venham a enaltecer a trajetória alemã na cidade reforçam a busca pela permanência dessa germanização. Esses aspectos se refletem no discurso, no pensamento, nas concepções.

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Esta pesquisa parte, então, do pressuposto de que, ao enaltecer uma cultura, silencia-se outra. A busca deste trabalho é responder, por meio de referentes teóricos da Análise do Discurso francesa, aos seguintes questionamentos: a) Como se deu início historicamente ao processo de germanização na cidade de Marechal Cândido Rondon? b) Como se deu a ocupação dessa região no processo de colonização do extremo-oeste do Paraná? Como a política de silenciamento de outras culturas/etnias é construída nesse processo colonizatório da região?

Tendo como base teórica a Análise do Discurso francesa, apresentamos aqui alguns dos principais conceitos que serão usados na trajetória da pesquisa: segundo a perspectiva de Foucault (2008) para analisar discursos é necessário recusar as explicações unívocas, as fáceis interpretações e igualmente a busca insistente do sentido último ou do sentido oculto das coisas – práticas bastante comuns quando se fala em fazer o estudo de um “discurso”. Para Michel Foucault (2008) é preciso ficar (ou tentar ficar) no nível de existência das palavras, das coisas ditas. Isso significa que é preciso trabalhar com o próprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que lhe é peculiar. A primeira tarefa para se chegar a isso é tentar desprender-se de um aprendizado que ainda faz que desprender-se olhe os discursos apenas como um conjunto de signos, como significantes que se referem a determinados conteúdos, carregando um significado, quase sempre oculto, dissimulado, distorcido, intencionalmente deturpado, cheio de “reais” intenções, conteúdos e representações, não imediatamente visíveis. É como se, no interior de cada discurso, fosse possível encontrar a verdade.

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Pêcheux (1997) define o discurso como sendo efeito de sentido entre locutores, um objeto sócio-histórico em que o linguístico está pressuposto. O autor considera a linguagem como um sistema capaz de ambiguidade e define a discursividade como a inserção dos efeitos materiais da língua na história, incluindo a análise do imaginário na relação dos sujeitos com a linguagem.

Pêcheux (1997) não separa categoricamente estrutura e acontecimento, relacionando a linguagem e a sua exterioridade, ou seja o interdiscurso. De acordo com esse conceito, as pessoas são filiadas a um saber discursivo que não se aprende, mas que produz seus efeitos por intermédio da ideologia e do inconsciente.

O interdiscurso é articulado ao complexo de formações ideológicas representadas no discurso pelas formações discursivas: algo significa antes em outro lugar e independentemente.

Diremos, nessas condições, que o próprio de toda formação discursiva é dissimular, na transparência do sentido que nela se forma, a objetividade material contraditória do interdiscurso, que determina essa formação discursiva como tal, objetividade material essa que reside no fato de que “algo Fala” sempre “antes, em outro lugar e independentemente”, isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas. (PECHEUX, 1997, p 162 grifos meus)

As formações discursivas, por sua vez, são aquilo que o sujeito pode e deve dizer em situação dada. O dizer esta ligado as suas condições de produção que analisa a reformulação da noção de “circustâncias” de um discurso. Para Orlandi (2009) “A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito”.

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Esse conceito evolui para o tecido histórico social que constituiu o discurso, assim, analisa-se o contexto histórico além das condições em que foi construído determinado discurso. Os sentidos são construídos socialmente pelo jogo da língua, e as construções de sentidos, que este projeto tem por finalidade analisar, voltam-se a imigrantes / migrantes que se estabeleceram nas terras de Marechal Cândido Rondon. Esses sujeitos conservam uma tradição cultural marcada não só quanto à identidade étnica, mas também quanto à linguística e à religiosa. Tais características, enquanto sistemas de símbolos e valores em comum, atuam como representações de conduta, o que se evidencia a partir da reprodução das instituições e do estilo de vida destes agentes neste novo espaço colonial. Representações relacionam-se a determinado contexto que as produziu e as preservou. Oriundos de núcleos coloniais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, os migrantes preservam vínculos comunitários, centrados, principalmente, no espírito associativista e na tradição religiosa, o que aqui se pode entender como identidade. Como afirma Orlandi (2009, p. 46) “A ideologia interpela o indivíduo em sujeito e este submete-se a língua, significando e significando-se pelo simbólico na história” este interpelamento repleto de formações ideológicas acaba por formar a identidade do sujeito

Para Orlandi (2009), a ideologia é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. O individuo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Já Pêcheux ( 1997) afirma que a característica comum da ideologia é dissimular sua existência no interior de seu próprio funcionamento, produzindo um tecido e evidências “subjetivas. Por meio da Análise do discurso e com base teórica de Foucault (2008), Pêcheux (1997), Orlandi (2009) e outros autores que se fundamentam na Análise do Discurso de linha francesa, este estudo busca analisar o não explicito, o que vai além das fachadas de características germânicas ou das festas típicas existentes na cidade.

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A metodologia da pesquisa para análise proposta neste trabalho consiste na abordagem qualitativa/ interpretativista. Os proponentes da pesquisa qualitativa/ interpretativista, consideram que a compreensão das ciências só é possível ao se refletir sobre o contexto sócio-histórico dos indivíduos. A abordagem qualitativa permite que o pesquisador participe da pesquisa, ao mesmo tempo em que observa o objeto de pesquisam procurando entender e interpretar os fenômenos analisados ou a situação social. Outra questão importante na pesquisa interpretativista é a não imparcialidade do pesquisador sobre os fatos por ele pesquisado. Segundo esse paradigma, há um envolvimento sócio-cultural do investigador, portanto, um modo de ver o mundo e as suas crenças. Esses fatores influenciam na “construção” do conhecimento. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico vai a campo com uma preocupação inicial, um objetivo central, uma questão orientadora. Para buscar compreender a questão formulada é necessário inicialmente uma aproximação, ou melhor, uma imersão no campo para familiarizar-se com a situação ou com os sujeitos a serem pesquisados. Para que essa interação ocorra o pesquisador freqüenta os locais em que acontecem os fatos nos quais está interessado, preocupando-se em observá-los, entra em contato com pessoas, conversando e recolhendo material produzido por elas ou a elas relacionado. Procurando dessa maneira trabalhar com dados qualitativos que envolvem a descrição pormenorizada das pessoas, locais e fatos envolvidos. A partir daí, ligadas à questão orientadora, vão surgindo outras questões que levarão a uma compreensão da situação estudada. O corpus desta pesquisa consiste na análise de entrevistas realizadas por meio do projeto Crenças e Atitudes, o qual tem como propósito a análise estrutural e linguística da língua. Consiste em entrevistas de moradores da cidade de Marechal Candido Rondon nas seguintes variáveis:

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sexo (masculino e feminino), faixa etária (18-30 anos, 31-45 anos, 46-65 anos) e escolaridade (Fundamental Incompleto Médio e Superior). Foram elaborados questionários com 47 perguntas, para a realização dos inquéritos, questões que orientassem os inquiridores na discussão sobre temáticas que pudessem revelar crenças sobre os falantes e línguas com as quais os informantes convivem. A proposta deste trabalho é realizar um deslocamento das entrevistas para analise do discurso, trabalhando as questões discursivas, analisando os posicionamentos, a forma como se constrói esse discurso e as possíveis características da germanização contidas nas entrevistas. Atrelado a análise das entrevistas, também será realizado pesquisa histórica no sentido de entender a trajetória da descendência alemã existente na cidade de Marechal Cândido Rondon.

Algumas Considerações:

A observação das formações discursivas manifestadas pelos entrevistados da cidade de Marechal Cândido Rondon podem permitir a interpretação de que há, historicamente, nessa comunidade, a construção de um simbolismo manifestado em fachadas de casas ou praças e, particularmente no caso da investigação aqui proposta, no discurso.

Essa germanização, advinda desde o período de colonização da região localizada no Oeste do Paraná, é ainda hoje percebida em muitos costumes, posicionamentos, atitudes na cidade de Marechal Cândido Rondon.

Pensar em como essa identidade germânica se manifesta no discurso, em como é estimulada e mantida, pode possibilitar a reflexão sobre as possíveis características que são suprimidas bem como seus motivos. Assim, para entender em que se apoia o “orgulho alemão” percebido nesse município

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e como essa trajetória discursiva foi traçada, remete-se ao que afirma Robson Laverdi (2005), em seu livro “Tempos diversos, vidas entrelaçadas”.

O autor faz análise sobre a germanização e também sobre como o “outro” é visto na cidade de Marechal Cândido Rondon. Além disso, Laverdi (2005) analisa formas de tratamento usadas para com os moradores que tenham vindo de “fora” ou que não possuam as características pertencentes à descendência alemã.

A vivência entre declarados germânicos e os de “fora” possibilita esta análise, pois há de um lado um grupo que faz a manutenção de uma memória-germânica, e há de outro lado um grupo que não enaltece a germanidade da cidade. Essa divisão de posicionamento pode ser percebida nas concepções, na ideologia e consequentemente no discurso. Então, analisar as características que remetam e reforcem o discurso germânico possibilita uma reflexão sobre como funciona, e de que maneira ele é legitimado. Esta reflexão possibilitara analisar historicamente que possíveis silenciamentos ocorreram durante a trajetória histórica em função da germanização, analisar o posicionamento discursivo e ideológico dos entrevistados perante a cidade, buscando compreender como se formou e de que maneira é mantida esta continuação da germanidade, e principalmente que outras crenças estão atreladas a esta cultura germânica.

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Referências Bibliográficas:

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994.

FOCAULT, Michel. Arqueologia do saber: Forense Universitária (2008) , 7º edição 3º reimpressão

LAVERDI, Robson. Tempos diversos vidas entrelaçadas: Aos quatro ventos, 2005

PECHÊUX, Michel. O discruso – Estrutura ou Acontecimento: Pontes, 2006 PECHÊUX, Michel. Semântica e Discurso: Unicamp (1997)

ORLANDI, Eni Análise do Discurso – Princípios e Procedimentos: Pontes, 2009

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