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Frieda - fonte tipográfica inspirada na vida e obra da pintora Frida Kahlo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES

BACHARELADO EM DESIGN

Isabela Muniz Batista

Frieda – fonte tipográfica

inspirada na vida e obra

da pintora Frida Kahlo

Natal 2019

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Frieda – fonte tipográfica

inspirada na vida e obra

da pintora Frida Kahlo

Trabalho de Conclusão de Curso da aluna Isabela Muniz Batista, apresentado ao Departamento de Artes do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para obtenção do título de bacharel em Design.

Orientadora: Profa. Luiza Falcão

Natal 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE ARTES BACHARELADO EM DESIGN

FRIEDA – FONTE TIPOGRÁFICA INSPIRADA NA VIDA E OBRA DA PINTORA FRIDA KAHLO

ISABELA MUNIZ BATISTA

Monografia apresentada ao Curso de Design da Universidade Federal do Rio Grande doNorte, aprovada em 03/12/19.

___________________________________________ Profa. Luiza Falcão Soares Cunha

Orientadora

___________________________________________ Profa. Helena Rugai Bastos

Membro

___________________________________________ Profa. Renata Amorim Cadena

Membro

Natal 2019

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“me levanto sobre o sacrifício de um milhão de mulheres

que vieram antes e penso: o que é que eu faço para tornar

esta montanha mais alta para que as mulheres que

vierem depois de mim possam ver além?” Rupi Kaur

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AGRADECIMENTOS

Ao longo desse árduo processo para obtenção do diploma em Design, muitas pessoas foram imprescindíveis, que me ajudaram e me apoia-ram para que esse sonho pudesse ser realizado.

De fato, os número de evasão universitária de mães solos, como eu, pode ser compreendido. Nem de longe arriscaria dizer um dia que seria fácil e tranquilo fazer a conciliação de ambas atividades.

Primeiramente, gostaria de agradecer ao meu filho Joaquim, que é o motivo da minha perseverança, que me estimula a alcançar meus obje-tivos e me incentiva com suas doces palavras quando fala que sou uma “ótima designer”.

À minha família e amigos no geral, que me apoiaram e me auxiliaram nessa jornada de conciliar a maternidade com a graduação. Em especial a minha querida mãe e às minhas amáveis irmãs, que nunca hesitaram em me socorrer e muitas vezes abriram mão dos seus tempos para cui-dar do meu filho. À vocês, minha eterna gratidão.

Aos meus poucos amigos que fiz na graduação, em especial Larissa, Vini-cius, Clara e Sofia que também contruibuíram para o resultado deste tra-balho, seja com as palavras motivadoras ou com contruibuições práti-cas, utilizando a minha fonte para que eu pudesse demonstrá-la em uso. À minha querida orientadora, Luiza Falcão, e às minhas professoras de graduação, Helena, Elizabeth e Lorena, mulheres de garra que admiro demasiadamente e considero como inspirações em todos os sentidos. Esse tempo foi de um incrível aprendizado, não só acadêmico.

Por fim, à todos que contribuiram direta ou indiretamente para finali-zação desse ciclo!

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RESUMO

Este projeto se propôs criar uma fonte tipográfica inspirada na vida e obra da pintora Frida Kahlo como uma maneira de contribuir com a inserção de mulheres na área da tipografia e valorizar a memória e a obra da pintora latino-americana, tida como um ícone feminista nos últimos tempos. Inicialmente foi estudada a produção de tipos desde os primór-dios e as transformações que a mesma sofreu com o avanço da tecnologia. Em seguida, foi tomado conhecimento do processo de produção de uma fonte como arquivo digital, bem como parâmetros objetivos e subjetivos que os tipos possuem. Foi também realizado um apanhado sobre a histó-ria e produção artística de Frida e a relação que ela adquiriu ao longo dos anos com o feminismo. Sustentado pela metodologia macro de Bonsiepe (1984), combinada com a abordagem de Falcão (2014) na realização das microfases, este projeto concebeu Frieda, uma fonte display com duas ver-sões, carregada de características da personalidade e obra da pintora. Palavras-chaves: Fonte tipográfica. Frida Kahlo. Feminismo.

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ABSTRACT

This project proposes to create a typeface inspired by the life and work of the painter Frida Kahlo as a way to contribute to the insertion of women in the area of tipography, and value the memory of the Latin American’s painter work, know as a feminist icon. Initially, the production of types was studied, from it’s beginnings to the transformations that it has undergone with the advance of technology. Then, we became aware of the process of producing a type as a digital file, as well as the objectives and subjectives parameters that the types have. It was also made an overview of the history and artistic production of Frida and the relationship she acquired over the years with feminism.Based by Bonsiepe’s (1984) macro methodology, combined with Falcão’s (2014) approach in the realization of the microphases, this project conceived Frieda, a two-version display font, loaded with the personality and work features of the painter.

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SUMÁRIO

01 INTRODUÇÃO

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02 TIPOGRAFIA

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03 FRIDA KAHLO

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04 PROCESSO METODOLÓGICO

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05 A FONTE

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06 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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07 REFERÊNCIAS

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01 INTRODUÇÃO

A comunicação é um fator fundamental para os seres humanos. Através de complexos sistemas, que chamamos de linguagens, conseguimos expressar emoções, transmitir mensagens e disseminar informação e conhecimento. Do ponto de vista da linguística, Twyman (1982) afirma que a linguagem pode ser dividida em duas grandes áreas: a oral e a visual. A linguagem oral compreende a verbal e a não-verbal, enquanto a linguagem visual compreende a gráfica e a não gráfica (paralinguís-tica). Como objeto de estudo a ser explorado ao longo deste trabalho, a linguagem visual gráfica, mais precisamente a verbal, versa sobre a tipografia como representação visual da linguagem, sobretudo, como uma expressão da cultura, a qual compreende o desenho e a produção de letras e a sua distribuição sobre uma superfície, seja impressa ou digital, com a finalidade inerente de comunicar (NIEMEYER, 2010). Enquanto conjunto de símbolos gráficos, o advento da tipografia possibilitou uma reprodução mais rápida da linguagem gráfica verbal permitindo a preservação e disseminação de informações, o que otimi-zou a comunicação. As primeiras tentativas desse processo de forma-lização da escrita, segundo Meggs (2009), foram feitas pelos mesopotâ-micos, egípcios, chineses e gregos. Porém, o grande impacto da escrita aconteceu no século XV com a invenção da prensa de tipos móveis por Johannes Gutenberg. Posteriormente, a Revolução Industrial no século XVIII trouxe a invenção de máquinas de composição a quente, como a Linotipo, proporcionando a aceleração na composição de textos longos. Por fim, a tipografia atingiu outro patamar com o advento do computador na era digital, promovendo uma nova configuração para a sua utilização. Os tipos perderam a propriedade física do objeto e tornaram-se sequências digitalizadas em código binário ou em curvas vetoriais (ROCHA, 2005). Além da maior liberdade para a composição textual, existem inúmeros novos recursos tais como fontes que simulam a prática caligráfica, a repe-tição das letras, a manipulação das formas dos caracteres, a utilização

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de espaçamentos de valores negativos entre as letras (que até então estavam sujeitos aos limites físicos dos tipos móveis), a disposição de uma variedade de pesos e estilos numa mesma família, entre outros. A tipografia é um recurso essencial para a sociedade, presente em todos os lugares, como vitrines, anúncios, embalagens, livros e dispositivos ele-trônicos pois ela viabiliza a comunicação gráfica verbal entre emissores e receptores de mensagens.

As formas das letras do alfabeto latino sofreram diversas mudanças ao longo do tempo, porém, durante séculos, um único estilo de letra com-punha as criações tipográficas dos escritores e tipógrafos: os tipos pró-prios para a composição de textos longos. De acordo com Rocha (2005), quando a prática chegou à Itália, levada por impressores alemães, foram criadas letras baseadas na grafia romana para a impressão de livros. No início havia forte influência da caligrafia gótica, como a idealizada por Gutenberg (Figura 1) com a invenção da tipografia. Posteriormente foi pro-duzida uma versão mais refinada com contrastes suaves entre os traços por Nicolas Jenson na França (Figura 2), que serviu de modelo durante os séculos seguintes em outros países da Europa como Holanda e Inglaterra. Nessa fase do desenvolvimento do desenho tipográfico surge também a primeira demanda comercial para otimizar o espaço da página ocupado pelo texto, fato que originou o estilo itálico dos tipos de texto. Essa produ-ção secular compreende os tipos de textos ou tipografia clássica, projeta-das para compor textos corridos e com finalidade estritamente funcional: seu principal objetivo é proporcionar conforto ao leitor e assim, passar despercebida no processo de leitura de grandes blocos textuais.

Frutiger (2007) afirma que os conjuntos de caracteres das fontes de texto eram compostos de letras maiúsculas, minúsculas, sinais de pontuação, acentos, algumas ligaduras e algarismos. Entre os séculos XIX e XX, com o surgimento da publicidade e dos cartazes e anúncios, os tipos ganha-ram novas expressões formais. A tipografia tradicional muitas vezes não fornecia o apoio gráfico esperado, surgindo uma necessidade de criação de novos tipos. Denominadas de fontes display, esses conjuntos

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tipográ-11 ficos manifestam maior expressividade e não possuem compromisso rigoroso com as regras básicas de construção, ao contrário dos tipos de texto. Sua finalidade é compor textos curtos em tamanhos maiores para dar destaque ou gerar percepções, que extrapolam os limites da semân-tica do texto para explorar outras significações por meio da estésemân-tica. Além de exercer importante papel como instrumento de transmissão de informação, cada tipo possui uma personalidade, que deve acompa-nhar o conteúdo transmitido. Assim, a intenção subjetiva da mensagem pode ser explorada de acordo com a escolha tipográfica pois, do mesmo modo que se recorre a palavra ideal para expressar um pensamento na comunicação oral, é permissível escolher a tipografia mais adequada para transmitir o contexto da mensagem visual. Ao projetar uma sinali-zação para um hospital, por exemplo, a escolha de uma fonte tipográfica com estilo gótico (Figura 3), compromete a credibilidade da mensagem, pois a finalidade do texto não condiz com a estética do tipo, conside-rando que fosse utilizada no Brasil ou em locais onde não há familiari-dade com esse tipo de tipografia. Nesse sentido, a tipografia representa um elo tangível entre o emissor e o receptor de mensagens, que não se limita apenas em tornar informações legíveis, mas também pode reve-lar uma carga subjetiva e representar conceitos abstratos, relacionados à bagagem cultural de cada receptor.

Figura 1: Cópia da Bíblia latina impressa por Gutenberg datada do século XVI. Fonte: Library of Congress.

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Figura 2: Tipo romano de Nicolas Jenson de seu livro Eusébio (1470). Fonte: CAST – The science of type, its history and culture.

Figura 3: Tipografia com estilo gótico produzida por Frederic Goudy pela Lanston Type Company. Fonte: MyFonts.com.

A carga subjetiva de uma tipografia faz menção, geralmente, a uma referência preestabelecida. O designer de tipos, de acordo com Lima (2009), pode explorar duas categorias para dar origem a uma fonte: a referência concreta e a referência conceitual. A primeira diz sobre uma criação com base em referências existentes, como uma carta manuscrita, já a segunda categoria diz sobre a criação proveniente de inspirações conceituais, como a arquitetura de uma cidade, por exem-plo. Silva e Levy (2017) demonstram como referências visuais abstra-tas – grafismos de artefatos indígenas – serviram de base para criação de uma fonte tipográfica (Figura 4).

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Figura 4: Referência visual e fonte tipográfica por Rosemary Silva e Aglaíze Levy. Fonte: Adaptado de Silva e Levy (2017).

Tendo em vista esta categorização, o presente trabalho objetiva explorar parâmetros conceituais para conceber uma fonte tipográfica display inspi-rada na vida e na obra da pintora mexicana Frida Kahlo. A artista produziu uma das mais emblemáticas obras do século XX e demonstrou possuir uma forte identidade pessoal, através das quais Frida é reconhecida até os dias de hoje. Ao longo da sua realização, o estudo realiza 3 objetivos específicos. O primeiro deles visa compreender como funciona a equalização dos aspectos objetivos e subjetivos no processo de construção uma fonte display. Posteriormente, foi estudada a vida e a obra da pintora Frida Khalo, com o intuito de construir uma bagagem conceitual que suporte o desenvolvimento dos caracteres. A partir disso, estabelecer uma relação entre os parâmetros tipográficos e os aspectos subjetivos da personali-dade e obra de Frida para conceber a fonte. Por fim, criar uma versão dingbat auxiliar com o intuito de reforçar a marca pessoal da pintora e assim agregar as composições gráficas que a utilizarão.

Nesse sentido, abordar a vida e obra de Frida Kahlo – tida como um ícone feminista – como fonte de pesquisa para esse trabalho deve-se ao fato do seu posicionamento que se deu ao longo da sua história de vida e ao seu envolvimento em questões políticas, estas, diretamente ligadas ao empo-deramento feminino. Além disso, sua obra revela sentimentos como medo e tristeza, que evidenciam a sua forma singular de encarar a vida, com valentia e inigualável alegria, apesar do sofrimento físico. Frida e a sua obra ultrapassaram os limites das galerias de arte e museus para ganhar espaço no nosso cotidiano, com pensamentos cada vez mais dissemina-dos entre as novas gerações e com obras estampando bens de consumo.

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Paralelo à trajetória de lutas feministas que ocorreram durantes os séculos passados, o design de tipos é, historicamente, ocupado em sua maioria por personalidades masculinas, uma questão velada na raíz da profissão, desde quando o processo de tipografia era manual, insalubre e envolvia grandes máquinas. A presença da mulher nesse contexto foi silenciada e, por consequência de dívidas históricas, essa cultura com-promete a atuação de mulheres na produção ou pesquisa tipográfica, de acordo com Kulpas (2018).

Quanto à produção de uma tipografia, o designer de tipos deve diferen-ciar as decisões de produção, se atendem a uma encomenda específica ou se configura como um projeto pessoal. O presente estudo se encontra na esfera de projeto pessoal, com escolhas pautadas em fins acadêmi-cos. Sendo assim, esse trabalho se justifica pela relevância de explorar o feminismo a partir da pintora Frida Kahlo, como forma de propagar a qualidade da sua obra, bem como a sua vivência e os resultados dos seus esforços contra a estrutura patriarcal, além de ser escrito e realizado por uma autora.

A partir de inquietações pessoais ao longo dos anos, percebe-se uma necessidade eminente de discutir a igualdade entre os gêneros e os papéis aos quais estes estão submetidos, bem como compreender a estrutura sexista instituída na sociedade – cada vez mais enaltecida pelo governo federal vigente – para pensar um novo modo de reagir a injustiças que acometem as mulheres e gerar conscientização. Portanto, é válido evi-denciar que há um desejo pessoal de valorizar nomes femininos, suas histórias e os trabalhos que as mesmas realizam, tomando como rele-vante o pioneirismo do Rio Grande do Norte1 em atuações feministas e que, por entraves sociais e pelo patriarcalismo ainda demasiadamente presente, faz-se necessário resistir dia após dia.

1 Dionísia Gonçalves Pinto é considerada a primeira feminista brasileira nascida na cidade de Papari, Rio Grande do Norte, que hoje recebe o seu pseudônimo de Nísia Floresta. Escritora, poetisa e educadora, Nísia escreveu seu primeiro livro chamado

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15 Para finalizar, essa pesquisa utiliza como aparato teórico conceitos rela-cionados à área da tipografia e informações relacionadas à vida e à obra da pintora Frida Kahlo. Estes são explorados respectivamente nos capí-tulos 02 e 03, que compõem o referencial teórico do presente trabalho. Para o projeto da fonte tipográfica, foi utilizada a metodologia Bonsiepe (1984) e o método para projetos de fontes apresentado por Falcão (2014), explanadas a fundo no capítulo 04. Ainda neste capítulo foi apresentada a fase de pesquisa e desenvolvimento do projeto de acordo com as eta-pas da metodologia para se chegar ao resultado final. No capítulo 05, por fim, apresenta a concepção da fonte tipográfica display e da fonte dingbat auxiliar, ambas inspiradas na vida e na obra da pintora Frida Kahlo.

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02 TIPOGRAFIA

DEFINIÇÕES TERMINOLÓGICAS Caligrafia, letreiramento e tipografia

Para adentrar no universo da tipografia e das suas definições faz-se necessário diferenciar as diversas formas de representar ou expressar a linguagem falada por meio de signos gráficos. De acordo com Finizola (2010), existem três abordagens para representar o desenho de caracte-res tipográficos: a caligrafia, o letreiramento e a tipografia.

A caligrafia ou escrita manual segundo Farias (2004), é definida como “o processo manual para a obtenção de letras únicas, a partir de traçados con-tínuos à mão livre”. Smeijers (1996 apud HENESTROSA; MESEGUER; SCA-GLIONE, 2014) complementa que a escrita manual diz respeito ao movi-mento da mão ou de alguma outra parte do corpo usada para criar letras – como o movimento do pé ou da boca –, feita a partir de um único traço central originado de um movimento contínuo. Esteves (2010) conclui que a concepção da escrita manual acontece no momento em que é utilizada, ou seja, ela é resultado de uma interação momentânea entre o corpo e a ferramenta, seja qual for o suporte, ferramenta ou pigmento, se utilizado. O traço executado pode resultar numa única letra ou até em palavras inteiras e, mesmo que o executante seja um exímio calígrafo com expe-riência em executar os movimentos de concepção de letras de diversos estilos, ao repetir o movimento pelo menos duas vezes de uma letra de um único estilo, essas terão formas diferenciadas ainda que minima-mente, pois trata-se de um processo manual e não mecanizado. Dessa forma, ao utilizar-se da caligrafia, o designer muito provavelmente obterá um resultado único, pois é muito difícil repetir uma mesma forma com a mesma precisão (Figura 5).

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Figura 5: Caligrafia realizada por Toonyxwan, que demonstra a imprecisão ao repetir os caracteres. Fonte: Instagram.com/toonyxwan.

No entanto, essa não é a única forma de expressão pela escrita. A segunda abordagem de representação de caracteres tipográficos, o letreiramento – mais conhecido como lettering, do inglês –, necessita de mais de um traço para ser concebido, ao contrário da caligrafia, pois a base dos caracteres é composta de uma forma, como um desenho. Os traços não são contínuos, mas arranjados, de forma que as letras tenham espaços cheios e vazios2. Assim, o processo de letreiramento para compor uma palavra ou um grupo de palavras específicas (como por exemplo, para uma capa de um livro), é mais maleável que o processo caligráfico, pois permite correções, como ajustar formas, contraformas e espaços entre as letras, fato que na cali-grafia não há outra alternativa senão começar novamente um novo traço (HENESTROSA; MESEGUER; SCAGLIONE, 2014).

Para Esteves (2010), o letreiramento possui uma maior relação de proximidade com a tipografia, uma vez que as formas das letras podem parecer com os tipos de impressão quando feitas por mãos habilidosas.

2 Perceber os espaços vazios é tão importantes quanto perceber as formas das letras, pois eles permitem identificar os caracteres, e, portanto, são considerados essenciais na concepção dos mesmos, seja qual for a abordagem utilizada. No entanto, há casos específicos em que os espaços vazios são omitidos com finalidade estética e/ou projetual.

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Em ambos os casos, o desenho das letras é construído por meio de uma linha de contorno e o que os diferencia são os espaços e alinhamentos, que no letreiramento são definidos manualmente. Quanto à tipogra-fia, os espaços de cada letra são definidos no momento de produção da fonte, diretamente no software. Em razão disso, são automáticos e se repetem para cada caractere específico digitado.

Dadas essas definições, é possível perceber que há pontos de convergência do letreiramento tanto com a caligrafia quanto com a tipografia. A cali-grafia e o letreiramento produzem uma palavra ou grupo de palavras que possuem uma maior liberdade de formas, espaços e alinhamentos, pois ambos não são pensados em função de uma posterior reprodução, mas de uma harmonia formal da composição particular a ser projetada. Já o que aproxima a tipografia do letreiramento é o fato deste último permitir ser concebido com tipos preexistentes, as tipografias. O que efetiva a dife-rença entre eles são os ajustes de espaços ou modificações no desenho ori-ginal das letras, que transformam a tipografia num lettering. Dependendo do resultado que se pretende dar a um projeto, o designer pode escolher entre diferentes meios e técnicas de reprodução de caracteres tipográfi-cos. Nesse presente trabalho, a escolha permeia sobre a abordagem da tipografia como uma fonte digital para que seja, além de projetada, tam-bém utilizada nos meios tecnológicos, como será explorada a seguir. A última abordagem de reprodução de caracteres tipográficos relacionada à produção de informações textuais é a tipografia. É relevante enfatizar que ao longo de mais de 500 anos de história, tanto a caligrafia como o letreiramento serviram e continuam servindo como inspiração (direta ou indireta) para a construção de tipografias. As primeiras fontes tipográficas do século XV (Figura 6), por exemplo, mimetizavam diretamente a caligra-fia gótica (Figura 7). A inspiração proveniente da caligracaligra-fia nas fontes tipo-gráficas diluiu-se a medida que novas tecnologias e novas tendências esté-ticas e culturais foram surgindo através dos séculos. No entanto, preceitos da caligrafia, tais como eixo de inclinação, contraste, serifas e terminais e versões itálicas, continuam sendo utilizados no desenho de tipos (Figura 8).

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Figura 6: Recorte de uma página do livro Cidade de Deus de St. Augustine,

impresso em 1467 pelos tipógrafos alemães Konrad Sweynheim e Arnold Pannartz. Fonte: Bridwell Librabry, Perkins School of Theology3.

Figura 7: Parte de uma coluna de um livro de manuscritos alemães, 1350. Fonte: TypeArt.

3 Disponível em: <https://www.smu.edu/Bridwell/SpecialCollectionsandArchives/ Exhibitions/InventionDiscovery/Italy/Augustine1467>. Acesso em 8 mai. 2019.

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Figura 8: Tipografia Centaur, criada por Bruce Rogers em 1914, derivada da escrita humanista. Fonte: Adaptado de Luc Devroye.

A principal característica que define a tipografia em relação às demais abordagens é a questão da reprodução infinita com a ausência de modi-ficações formais. Porém, a dimensão do termo tipografia permeia em dois principais campos de significação, um mais teórico e outro mais pragmático. De acordo com Niemeyer (2010), a tipografia é a represen-tação gráfica da linguagem na qual transmite mensagens e informações e conduz o leitor a prática da leitura, sendo essencial para esse processo, ao passo que as características formais e técnicas da tipografia também são consideráveis para compreender o termo. Para Farias (2000), tipo-grafia é o conjunto de práticas que correspondem à criação e utilização de símbolos, diretamente relacionados a caracteres ortográficos (letras) como as letras do alfabeto latino, bem como símbolos para-ortográfi-cos (sinais de pontuação e numerais), para fins de reprodução, sejam elas criadas em meios mecânicos ou digitais, destinadas a impressões ou interfaces digitais. Para Henestrosa, Meseguer e Scaglione (2014), define o termo com a seguinte afirmação:

[...] a grande diferença entre lettering e tipografia é que esta última está baseada em um sistema mecanizado, no qual as formas e os espaços entre elas podem ser previa-mente definidos, e que permite uma repetição infinita, independentemente dos operadores ou designers que a

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21 manuseiam. Essa sistematização é intrínseca a tipografia, e seria impossível tanto no lettering quanto na escrita [ma-nual]. (HENESTROSA; MESEGUER; SCAGLIONE, 2014, p. 32)

A tipografia enquanto tecnologia de reprodução de informações textuais, possui um vocabulário próprio já estabelecido. Com o cresci-mento dos meios digitais e a utilização da tipografia nesses meios, a ter-minologia tipográfica vem sofrendo uma série de adaptações e amplia-ções. O assunto será explorado a seguir.

Definições básicas

Outros termos que são utilizados neste trabalho precisam de uma definição clara para que seja possível uma melhor compreensão do pro-jeto. O primeiro deles é o conceito de face de tipo ou simplesmente face (tradução do termo em inglês typeface). De acordo com Silva (2016), face é o conjunto de sinais gráficos sejam letras, sinais de acentuação, núme-ros, pontuação e símbolos desenhados para possuir uma identidade pró-pria (estilo estético) em comum. Além disso, o autor considera que o tipo é a unidade mínima que compõe uma face, que pode ser representada por uma letra, um número ou qualquer outro sinal gráfico que a fonte venha a conter. O termo tipo define o caráter concreto do desenho das letras, enquanto o termo caractere abrange outra extensão, conforme apontado por Silva (2016):

O caractere é a menor unidade de uma linguagem em sua forma escrita. Etimologicamente, caractere está asso-ciado ao conceito de caráter e vem do substantivo grego χαρακτήρ que significa sinal gravado, impresso. No en-tanto, ele diz respeito ao significado abstrato e não a forma. Quando pensamos no caractere A, é como se ele fosse a referência para todas as formas de a que já foram escritas e para todas aquelas que ainda irão escrever. É claro que necessitamos ter sempre uma forma de

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sentação para apresentarmos um caractere fisicamente, quando nos referimos a ele. Mas na verdade o caractere é abstrato. (SILVA, 2016, p. 31)

Em outra visão, Farias (2004), considera que o termo face compreende o desenvolvimento de um conjunto de caracteres (letras e caracteres adi-cionais) que não chega a ser implementado como fonte e propõe a utili-zação do termo alfabeto quando o conjunto compreender somente letras. Um outro termo recorrente, fonte ou fonte tipográfica, pode ser utilizado como sinônimo de tipografia para fazer referência a um estilo específico de letra, criado ou utilizado em alguma determinada aplicação. Esteves (2010) destaca que a figura do designer de tipos é necessária para efeti-var a produção de uma fonte, pois ele não projeta somente a forma das letras, mas também as relações de espaços vazios no interior e exterior das letras. Conforme afirma Buggy (2007), cada letra deve ter à direita e à esquerda espaços que determinam a distância entre as letras, estabe-lecidos no momento da composição e chamados de sidebearing ou pro-teção lateral. No entanto, para alguns pares de letras, faz-se necessário um ajuste de espaço, utilizando um procedimento de ajuste conhecido como kern ou kerning (Figura 9) (FARIAS, 2004). Eles são tão importan-tes quanto às formas dos caracteres para o funcionamento do conjunto, visto que colaboram na harmonização do todo. Sendo assim, além do desenho das letras e da definição do espacejamento, uma fonte também necessita ser implementada como arquivo digital, possível de ser insta-lado em computadores, para ser considerada como tal.

Figura 9: Espaços laterais dos caracteres e ajuste de kerning num par de letras. Fonte: Elaborada pela autora.

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23 Desse modo, o profissional responsável por criar fontes tipográficas é chamado de designer de fontes ou designer de tipos, considerando que o termo ‘tipos’ é comumente utilizado sinônimo para tipografia.

Por fim, a ideia de organizar tipos com uma mesma unidade visual data do século XX, após a Revolução Industrial, quando surgiram as primeiras famílias tipográficas, que consistem em um conjunto de fontes criadas com o mesmo desenho ou unidade visual (Figura 10), conjunto no qual cada fonte apresenta uma variedade formal específica, como peso, lar-gura ou inclinação, podendo também se estender para versões ornamen-tadas, versões de diferentes serifas, números não-alinhados, entre outros.

Figura 10: Família da fonte Directa Serif projetada por Ricardo Esteves em 2013. Fonte: MyFonts.com.

O PROJETO DE UMA FONTE DIGITAL

Para projetar uma tipografia ou uma fonte tipográfica, o designer de tipos deve elencar e definir alguns parâmetros iniciais para clarificar como serão os aspectos formais, técnicos e estéticos da fonte tipográfica. De acordo com Henestrosa, Meseguer e Scaglione (2014), o design de tipos é uma tarefa lenta e meticulosa. Dentre muitas decisões, do ponto de vista prático, é imprescindível responder a algumas questões, como para quem se destinam, como serão lidas, onde serão utilizadas, como serão reproduzidas, entre outras.

Tendo em vista a extensa prática de criação de desenhos de tipos e a democratização de produção dos últimos tempos, existem vários modelos de classificação de tipografias – uma maneira encontrada de agrupar os

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inúmeros desenhos de tipos criados ao longo do tempo pelas caracterís-ticas que possuem em comum (NIEMEYER, 2010; HENESTROSA; MESE-GUER; SCAGLIONE, 2014). Como algumas classificações são insatisfatórias e caíram em desuso, os sistemas de classificação tipográfica principais uti-lizados atualmente são o ATypI, British Standard e DIN, originados a partir do sistema elaborado por Vox7 em 1954 (SILVA; FARIAS, 2005).

Nesse cenário, Esteves (2010), assegura que é possível diferenciar duas grandes categorias de produção e utilização de fontes tipográficas: fon-tes de texto e fonfon-tes display. A primeira carrega características tradi-cionais trazidas da produção dos primeiros livros da história da huma-nidade e seus modelos convencionais que são utilizados até os dias atuais. Em contrapartida, as fontes display se distanciam desse modelo e seguem no caminho da valorização da originalidade das formas tipo-gráficas e o impacto visual que elas podem causar. Do ponto de vista de Frutiger (2007), as fontes de texto, em geral, são projetadas com foco no conforto do leitor. Suas formas são apropriadas para a leitura contínua de grandes blocos de texto, por conservar o que o autor aponta como o arquétipo das letras, ou seja, sua estrutura mais elementar. Portanto, uma fonte de texto deve ser praticamente invisível enquanto tipografia, a qual atua como uma ferramenta útil e funcional que possibilita uma leitura eficiente (Figura 11).

Figura 11: Tipografia Open Sans, projetada por Steve Matteson. Fonte: Elaborada pela autora.

Quando acrescida de mudanças radicais, que extrapolam o arquétipo básico do caractere e exploram a área de ressonância (Figura 12), a estrutura elementar da letra é modificada e o processo de decodificação

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25 é comprometido e retarda o processo de leitura. Por conseguinte, sur-gem dessa transformação os tipos display, os quais apresentam formas mais expressivas e estão menos submissos aos arquétipos das letras. Rocha (2005) esclarece que as fontes display são projetadas para uso em textos curtos e tamanhos maiores (geralmente acima de 24pt), e devem utilizadas quando o objetivo é dar ênfase a um conteúdo e/ou transmitir mensagens subjetivas a partir da estética, priorizando a personalidade da tipografia (Figura 13).

Figura 12: As formas dos caracteres sobrepostas revelam que na área onde há maior desencontro dos traços é mais sujeita a modificações, enquanto que onde há menor

variação, revela a estrutura elementar do caractere. Fonte: Elaborada pela autora.

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Como escolha projetual, esse trabalho possui o objetivo de criar uma tipografia inspirada na vida e obra da pintora Frida Kahlo. Para isso, convém criar uma fonte display, capaz de possibilitar principalmente a exploração dos aspectos subjetivos de maneira mais autônoma a partir dos arquétipos dos tipos, diferentemente das fontes de texto. Ainda é possível, paralelamente, obedecer a aspectos técnicos para a efetivação do projeto, mesmo que não seja viável respeitar criteriosamente a tota-lidade desses aspectos, uma vez que a intenção final do trabalho é proje-tar uma fonte display com objetivo de causar impacto visual.

Os aspectos subjetivos, dessa maneira, excedem a barreira do conforto do processo leitura e o conceito de invisibilidade do tipo. Frutiger (2007) con-sente que pode haver um equilíbrio entre a identificação do arquétipo dos caracteres com o acréscimo dos ornamentos, o que ele se refere ao estilo:

Os detalhes que determinam o estilo da letra são assimi-lados como uma “ressonância”, que não prejudica o pro-cesso de leitura, contanto que o conjunto de caracteres tenha sido concebido de acordo com as regras básicas. O verdadeiro caractere é modelado ao redor da armação básica de uma letra. O elemento artístico, ou o que é cha-mado de “estilo”, manifesta-se na zona de ressonância da escrita. (FRUTIGER, 2007, p. 170)

Além da inclusão de estilo e de personalidade ao desenho dos caracteres, a interpretação da mensagem pretendida também depende da bagagem cultural e de conhecimento de mundo do usuário, seja para o designer que utiliza a fonte tipográfica nas suas composições como para o consu-midor final da mensagem.

Para compreender precisamente como funciona o processo de concepção de caracteres de uma fonte tipográfica, mesmo que categorizada como fonte display, faz-se necessário abordar dois conceitos técnicos: ana-tomia e métrica tipográfica. Quanto ao primeiro conceito, existe uma

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27 variada literatura que estabelece um extenso vocabulário de termos específicos. Sem haver um consenso entre os autores, existem vários nomes para um mesmo elemento. Visando não confundir, neste texto, serão utilizados os termos propostos por Rocha (2005), autor de língua portuguesa, que utiliza uma nomenclatura mais direcionada a referên-cias do corpo humano. De forma visual (Figura 14 e Figura 15), os esque-mas a seguir ilustram o uso dos termos.

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Figura 14: Anatomia tipográfica: letras maiúsculas e minúsculas. Fonte: Adaptado de Rocha (2005).

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Figura 15: Anatomia tipográfica: tipos de serifas. Fonte: Rocha (2005, p. 93).

Contudo, uma fonte tipográfica não corresponde somente a letras do alfabeto e sinais gráficos que comumente são utilizados no processo de comunicação. Composta por inúmeros glifos – tradução do termo em inglês glyphs – ou caracteres, uma tipografia pode conter letras maiús-culas ou caixas altas, letras minúsmaiús-culas ou caixas baixas, versaletes ou small caps, ligaturas, ditongos, acentos gráficos, símbolos comerciais, símbolos matemáticos, caracteres gregos, símbolos monetários, versão old style, frações e sinais de pontuação (BUGGY, 2007). Esta variabilidade de glifos é determinada de acordo com critérios e requisitos do projeto de design de tipos.

Além disso, o projeto tipográfico possibilita conceber uma extensa variação da família, apenas modificando pesos e estilos. Alguns dos exemplos são: versão regular, italic, bold, extra bold, black, entre outras e versões sem serifa, versões serifadas, versões condensadas, dingbats etc. Independentemente da quantidade de variações, a família deve manter uma única identidade. Neste trabalho, além de uma versão uni-case (Figura 16) – estilo mais contemporâneo que mistura as versões de caixa alta e caixa baixa numa só fonte (ROCHA, 2005), também será criada uma fonte dingbat auxiliar composta por ornamentos.

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Figura 16: Família HermanoAlto com estilo unicase projetada por Levi Szekeres. Fonte: DaFont.com.

Quanto às definições mais técnicas e pragmáticas para o projeto tipográfico, é essencial que se estabeleça proporções horizontais e verti-cais do desenho dos caracteres. As métricas que determinam as propor-ções verticais compreendem as linhas guias, que são linhas horizontais utilizadas desde a era medieval para conter e alinhar a impressão dos tipos nos manuscritos mas, que hoje em dia compõem mais detalhada-mente um sistema imaginário que define a altura uniforme dos carac-teres (Figura 17). De acordo com Falcão (2014), seus componentes são:

linha de base ou baseline, linha inferior onde se alinham a maioria dos

caracteres, linha média ou meanline, linha que estabelece a altura do

corpo das letras minúsculas, esta última chamada de altura x, gerada

entre a distância da linha de base e a linha média (recebe esse nome devido a letra x possuir terminações horizontais, que representam com precisão o tamanho do corpo das minúsculas), linha das capitulares,

que determina a altura das letras maiúsculas, linha das ascendentes,

na qual se alinham as projeções ascendentes das letras minúsculas (em alguns casos as letras maiúsculas se alinham juntamente com as proje-ções ascendentes) e a linha das descendentes, na qual se alinham as

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Figura 17: Linhas guias que auxiliam no processo de construção da proporção dos caracteres de uma tipografia. Fonte: Elaborada pela autora.

Quanto à proporção horizontal, adquiriu-se um padrão no comporta-mento da largura para a maioria dos caracteres. Ela está diretamente ligada com a espessura da haste, com a contraforma das letras e com as métricas verticais (como a dimensão das hastes ascendentes e descen-dentes das minúsculas, a altura x e a altura das letras maiúsculas). Geral-mente, delimita-se uma única letra para estabelecer uma referência de proporção horizontal: o “H” (Figura 18), por apresentar uma estrutura de construção simples, é o caractere mais utilizado (FRUTIGER, 2007).

Figura 18: Proporção de largura comumente utilizada para construção de caracteres. Fonte: Elaborada pela autora.

Todas as letras de uma fonte projetada para a composição de textos longos, devem respeitar essa mesma referência – ou realizar pequenas variações, configurada por 5 de altura por 4 de largura, que se estende também nas letras minúsculas. Quando alterada de forma radical, a proporção pode

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resultar em fontes condensadas, extra condensadas, expandida etc, para compor textos mais breves ou de destaque (FRUTIGER, 2007). Portanto, ao alterar demasiadamente essa proporção, a fonte projetada pode ser caracterizada como uma fonte display, uma vez que prioriza as questões estilísticas em detrimento das questões de legibilidade.

Do mesmo modo, a espessura dos traços dos caracteres de uma fonte digital interfere nas proporções de largura e mais diretamente na pro-porção de espessura das hastes da fonte. Frutiger (2007) afirma que fon-tes vistas como “normais” para o leitor tem uma relação preestabelecida que predomina: a espessura da letra “I”, cuja haste possui 15% do peso da sua altura. A variação desse valor (Figura 19) resulta nos mais varia-dos estilos de fonte, como light – aconselha-se utilizar 10% da altura, bold, com valores variáveis de 20 a 35%, semibold, black, entre outras.

Figura 19: Proporção de espessura das hastes. Fonte: Adaptado de Frutiger (2007).

É importante ressaltar que, quanto aos traços horizontais, a proporção não obedece a mesma lógica: nas versões mais finas de uma letra, as hastes

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33 verticais e horizontais possuem praticamente a mesma espessura, mas ao analisar uma versão bold, os traços horizontais são bem mais finos que os traços verticais. Isso se justifica pelos aspectos de natureza óptica, que precisam ser mantidos para proporcionar a identificação correta dos caracteres. Determinar a altura de todas as letras estabelece um limite de variação de espessura das hastes horizontais de um “E” maiúsculo, por exemplo. Portanto, enquanto as hastes verticais permitem variação quase ilimitada, utilizar a mesma proporção para as hastes horizontais inviabiliza a compreensão do caractere. (Figura 20)(FRUTIGER, 2007).

Figura 20: Em cima, a variação ilimitada das hastes verticais, embaixo, a variação limitada das hastes horizontais. Fonte: Adaptado de Frutiger (2007).

Dadas essas definições, compreende-se a estrutura essencial de uma fonte tipográfica e dos seus caracteres. Entender a trajetória desse advento, imprescindível para a sociedade bem como das suas diversas transformações e adaptações, forneceu um estudo técnico delineado de como o designer de tipos deve nortear um projeto tipográfico bem como agregar suas bagagens culturais e motivações para um projeto pessoal. Apesar de ser categorizada como fonte display, a tipografia a ser proje-tada neste estudo depende de um projeto tipográfico consistente para ser considerada harmônica e compreensível, de acordo com seus res-pectivos aspectos técnicos e subjetivos.

A seguir, são abordadas, de um ponto de vista histórico, a vida e a obra da pintora Frida Kahlo, para que posteriormente seja possível transformar tais vivências e produções artísticas em parâmetros projetuais tipográficos.

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03 FRIDA KAHLO

RESUMO HISTÓRICO

Em 6 de julho de 1907, no distrito de Coyoacán, hoje parte da Cidade do México, nasceu Magdalena Carmem Frida Kahlo Calderón. Seu pai, Wilhelm Kahlo, era imigrante alemão, filho de judeus húngaros, ateu, amante da música e da literatura. Sua mãe, Mathilde Calderón, era mexicana, de ascendência espanhola e indígena, extremamente católica e de pouco estudo. Essa mistura de origens foi retratada pela artista em algumas de suas obras (HERRERA, 2011).

Tudo começou quando Wilhelm Kahlo chegou ao México, com 19 anos. Ao chegar no país, mudou seu nome para Guilhermo Kahlo, tradução de Wilhelm para o espanhol. Casou-se duas vezes: no primeiro casamento, teve duas filhas; no segundo, com Mathilde Calderón, o casal teve cinco filhos, sendo que o terceiro, único menino, veio a falecer pouco depois do parto. O nascimento de Frida ocorreu em seguida à perda desse irmão, fazendo dela a terceira de quatro filhas (HERRERA, 2011).

De acordo com Herrera (2011), para que Frida pudesse ser batizada com um nome cristão, deram a ela os dois primeiros nomes Magdalena Carmen. Seu terceiro nome era Frieda – derivado da palavra Frieden, que significa “paz” em alemão, mas acabou abandonando a letra ‘e’ em função da ascensão do nazismo na Alemanha, no final da década de 1930.

Sua mãe Mathilde adoeceu pouco tempo depois do seu nascimento e durante um certo período, Frida foi amamentada por uma ama de leite indígena. Anos depois, quando ela percebeu que o fato de ter sido ama-mentada pela ama foi crucial, Frida pintou uma tela (Figura 21) em que a ama de leite aparece como a personificação de sua herança mexicana – a artista, com as feições de adulta e corpo de recém-nascida, aparece

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35 no colo da ama, mamando em seu seio (HERRERA, 2011). De acordo com Fulleylove (2019), a ama de leite era uma indígena cujo rosto é ocultado por uma máscara pré-colombiana, pois Frida não conseguia se lembrar de como era sua ama.

Figura 21: Minha ama e eu, 1937. Fonte: Livro “Frida Kahlo – a biografia”.

O contato com o pai fotógrafo, que era “especialista em paisagens, edifícios, interiores, fábricas e etc.” (HERRERA, 2011 p. 17), deixou-lhe uma herança rica e criativa: com ele teve os primeiros contatos com a pintura e adquiriu o gosto pela arte e pela cultura de modo geral. De 1904 a 1908, usando câmeras alemãs e mais de novecentas placas de vidro que ele mesmo preparava, Guillermo registrou a herança cul-tural do México e recebeu o título de “o primeiro fotógrafo oficial do patrimônio cultural do México” (HERRERA, 2011 p. 16). Um anúncio publicitário de seu trabalho, impresso em inglês e espanhol, dizia: “[...] tira fotografias sob encomenda na capital ou em qualquer outro lugar da República”. Apesar de eventualmente fazer retratos de membros

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do governo Díaz e de sua própria família, ele afirmava não querer fotografar pessoas, pois não desejava melhorar o que Deus criara feio (HERRERA, 2011). Frida era a filha preferida de seu pai, que a diferen-ciava das outras pela inteligência e sensibilidade. Tiveram uma ligação muito forte de admiração e afeto mútuo. Conforme Herrera (2011), ele não cultivava uma relação íntima com as filhas; só era atento a Frida, a quem destinava muito carinho e depositava grandes expectativas de um futuro profissional, estimulando o desenvolvimento do espírito intelectual e aventureiro da filha. Frida foi encarregada de acompa-nhar o pai, epiléptico, em seu trabalho, pois ele insistia em que ela tivesse uma boa educação escolar e esperava que ela pudesse cursar uma universidade. Ela costumava ir em seus passeios, como pintor amador, pelas zonas campestres locais e era sua confidente. Quando ela atingiu idade suficiente, ele a ensinou a usar a máquina fotográ-fica, a revelar, retocar e colorir fotografias. Kahlo diz que seu pai era: cordial, carinhoso, sossegado, diligente e corajoso. Ele dizia também que ela era a que mais se parecia com ele (HERRERA, 2011).

Três anos após o seu nascimento, em 1910, eclodiu no México a Revo-lução Mexicana4. Há registros controversos de que Frida tenha nas-cido neste ano. Na sua antiga casa, que hoje é o Museu Frida Kahlo, no México, há inscrições como “Aquí nació Frida Kahlo el día 7 de julio de 1910” (Aqui nasceu Frida Kahlo, no dia 7 de julho de 1910) de acordo com Herrera (2011). O autor afirma que “uma vez que era filha da década revolucionária, quando as ruas da Cidade do México esta-vam coalhadas de caos e derramamento de sangue, Frida decidiu que ela e o México moderno haviam nascido no mesmo ano” (HERRERA, 2011, p. 14). A revolução começou com motins em várias partes do

4 A Revolução Mexicana foi um movimento armado, social e cultural, iniciado no México, em 1910, contra a ditadura do General Porfírio Díaz Mori e que culminou oficialmente com a promulgação de uma nova constituição, sete anos depois. Este movimento teve grande impacto, nos círculos operários, agrários e anarquistas internacionais, pois a Constituição de 1917 foi a primeira no mundo a reconhecer as garantias sociais e os direitos coletivos dos trabalhadores (BASTOS e RIBEIRO, 2007).

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37 país e os conflitos perduraram pelos 10 anos seguintes. Frida, antes de falecer, registrou no seu diário ter presenciado algumas batalhas da Revolução:

Lembro que eu tinha quatro anos [na verdade, ela tinha cinco], quando se deu a “dezena trágica”. Testemunhei com meus próprios olhos a batalha dos camponeses de Zapata contra os carrancistas. Minha situação era mui-to clara. Minha mãe abria as janelas na rua Allende. Ela dava acesso aos zapatistas, de modo que os feridos e fa-mintos entrassem pelas janelas na minha casa, na “sala de estar”. Ela cuidava dos ferimentos e os alimentava com grossas tortillas, a única comida que se conseguia arranjar em Coyoacán naqueles dias [...] Éramos quatro irmãs: Matita, Adri, eu (Frida) e Cristi, a gordinha. [...] Em 1914, as balas passavam zunindo. Ainda hoje ouço aquele som sibilante extraordinário. No tianguis [merca-do] de Coyoacán, a propaganda a favor de Zapata era fei-ta com corridos [baladas revolucionárias] edifei-tados pelo [gravurista e desenhista José Guadalupe] Posada. Na sex-ta-feira, essas baladas custavam um centavo cada; escon-didas dentro de um enorme guarda-roupa que cheirava a nogueira, Cristi e eu as cantávamos, enquanto meu pai e minha mãe ficavam atentos para que não caíssemos nas mãos dos guerrilheiros. Lembro de um carrancista ferido correndo para seu baluarte perto do rio de Coyoacán. Da janela espiei também um zapatista com um ferimento de bala no joelho, agachado e calçando as sandálias [aqui Frida faz esboços do carrancista e do zapatista]. (HERRE-RA, 2011, p. 20)

Para a família Kahlo, a época da Revolução foi uma fase difícil, pois com a queda do governo e uma década de guerra civil, seu pai não recebia mais encomendas de trabalhos fotográficos. Aos 6 anos de idade, Frida viu seu corpo de menina ser invadido por uma doença, a poliomielite,

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que a deixou vítima de uma perna fina e um pé atrofiado. Isso lhe ren-deu o apelido de “Frida perna-de-pau”, mas retrucava ferozmente as outras crianças. Seu pai, durante nove meses, dedicou-lhe muito amor e empenho para que ela se curasse. Seguindo a orientação médica colocou-a para praticar esportes. De acordo com Herrera (2011), Frida praticou vários tipos de esportes, a maioria deles considerada mascu-linos como futebol, boxe e luta e também tornou-se campeã em nata-ção. No México daquele tempo, praticar esses esportes era tido como incomum para meninas. Frida escreveu: “meus brinquedos eram os dos meninos: patins, bicicletas” (HERRERA, 2011 p. 22). Depois de toda luta contra a poliomielite, Frida e seu pai se sentiram mais unidos, devido à experiência comum da enfermidade e solidão. Justamente na sua infân-cia, onde poderia desenvolver amizades e ampliar as relações sociais, ela foi obrigada a ficar em casa.

Em 1922, com 15 anos, Frida ingressou na Escola Nacional Preparatória, a melhor instituição de ensino do México. Incentivada pelo seu pai, ela foi para o centro da capital mexicana, onde começou a se interessar ati-vamente pela política. Entre seus colegas estava a nata da juventude do país, filhos e filhas de profissionais liberais da capital e das províncias. Na Escola havia um total de dois mil alunos, e ela foi uma das apenas trinta e cinco moças que estudavam lá. Era uma escola do Estado, que seguia um programa de estudo tendo em mente o ingresso na faculdade de medicina, que fazia parte dos planos de Frida (HERRERA, 2011). Na Preparatória, Frida tinha vários grupos de amigos, mas o que ela considerava como verdadeiros se chamava de Cachuchas, nome que se refere ao tipo de chapéus que todos eles utilizavam. Eles eram conheci-dos tanto pela inteligência quanto pelas travessuras. O que os unia não era necessariamente a adesão a uma causa, mas sim as atitudes irre-verentes, e apesar de declararem que não se envolviam com política por acreditar que os políticos trabalhavam para interesses próprios, eles eram norteados por uma espécie de socialismo romântico e pelo nacio-nalismo. No grupo tinha sete homens e duas mulheres, elas eram Frida

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39 e Carmen Jaime, que constantemente gostavam de travar duelos de inte-ligência para ver quem lia mais livros de filosofia ou descobria um livro melhor (HERRERA, 2011).

Nesse tempo, Frida Kahlo vestia-se com roupas masculinas (Figura 22), utilizava uma bengala e usava botas para esconder a perna mais fina e o pé atrofiado. No auge da adolescência, ela trabalhou como aprendiz da arte de retocar gravuras e fotografias para um amigo de seu pai – Fer-nando Fernández, um próspero impressor comercial, que a ensinou a desenhar mediante uma cópia de quadros feitos por um pintor impres-sionista sueco chamado Anders Zorn e descobriu que Frida tinha um “talento enorme”. (HERRERA, 2011, p. 41)

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Figura 22: Autorretrato con Pelo Corto, 1940. Fonte: Wikiart.org

Enquanto estudava na Escola Preparatória, ela namorou com Alejandro Gómez Arias, o líder do grupo Cachuchas. Ele era considerado carismático, orador, divertido e inteligente, de cultura vasta e inteligente. O romance dos dois não recebia aprovação dos pais de Frida e por isso eles se encontravam clandestinamente. Quando estavam distantes, eles trocavam muitas cartas. Segundo relatos de Alejandro, a primeira expe-riência homossexual de Frida aconteceu nesse período quando foi procu-rar emprego na biblioteca da Secretaria de Educação Pública. Seduzida

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41 por uma funcionária, a experiência de iniciação foi traumática porque os pais dela souberam e resultou em um escândalo (HERRERA, 2011). Um dos fatos mais marcantes da vida de Frida aconteceu quando ela tinha 18 anos e trouxe consequências durante toda a sua sua vida: o acidente de ônibus que aconteceu no fim da tarde do dia 17 de setembro de 1925. Frida e o atual namorado Alejandro estavam num ônibus com destino a Cayoacán quando colidiu com um bonde. Em um relato de Herrera (2011), Alejandro afirma que o bonde tinha dois vagões e um deles arrastou o ônibus, que se partiu e explodiu em mil pedaços. Com o impacto, Alejan-dro foi parar debaixo do bonde e quando se levantou para ajudar Frida, viu ela sendo carregada por outro passageiro, nua, manchada de sangue e coberta de ouro em pó que um dos passageiros carregava no ônibus. Em meio às ferragens do bonde, o corrimão quebrou e atravessou Frida de um lado a outro, na altura da pélvis, como a própria pintora relata:

É mentira que a pessoa tem consciência da batida, é mentira que a pessoa chora. Em mim não houve lágrimas. A colisão nos jogou para a frente e um corrimão de ferro me varou do mesmo jeito que uma espada rasga a carne do touro. Um homem me viu tendo uma tremenda hemorragia. Ele me carregou e me deitou em cima de uma mesa de bilhar até que a Cruz Vermelha chegasse (HERRERA, 2011, p. 44).

Com uma equipe médica desacreditada do sucesso do tratamento, um mês depois do acidente e de várias cirurgias, Frida recebeu alta para concluir o tratamento em casa, que durou três meses. De acordo com Jamis (1987), seu diagnóstico, esclarecido quase um mês depois, descreve:

Fratura da terceira e quarta vértebras lombares, fraturas no pé direito, luxação do cotovelo esquerdo, ferimento profundo do abdomêm, produzido por uma barra de ferro que entrou pelo quadril esquerdo e saiu pelo sexo, rasgando o lábio esquerdo. Peritonite aguda. Cistite pre-cisando de sonda por muitos dias (JAMIS, 1987, p. 78).

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Impossibilitada de frequentar a escola, Frida passou por um longo tempo acamada para prosseguir com o tratamento. Foi nesta época que ela demonstrou seu desejo por pintura e começou a pintar seus primei-ros autorretratos, sendo Autorretrato com vestido de veludo, de 1926 (Figura 23) um dos primeiros quadros que ela concebeu.

Figura 23: Autorretrato com vestido de veludo, 1926. Fonte: Frida Kahlo.

Algum tempo depois do acidente, Frida Kahlo conheceu Diego Rivera no Partido Comunista Mexicano e logo casaram-se. Ele era um céle-bre pintor mexicano e um dos mais solicitados do seu país. Ela já conhecia o trabalho dele desde quando pintou murais na Escola Pre-paratória. Sua arte tinha caráter revolucionário, retratava o índio oprimido, a luta da classe operária contra o capitalismo e enaltecia a cultura popular (HERRERA, 2011).

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43 Diego, desde logo, surpreendeu-se com a personalidade artística de Frida e casaram-se contra a vontade de sua mãe, que se incomodava com o fato de ele ser comunista, ateu e 20 anos mais velho do que ela. Eles foram um casal com comportamento bastante diferenciado para a época. De 1934 a 1939 moraram em casas separadas, unidas por uma ponte, construída em San Angel, próximo a Coyoacán. Depois se muda-ram para a casa onde Frida nasceu, construída por seu pai.

Diego nunca foi fiel a Frida, sempre teve muitas amantes, mas ela também os teve, homens e mulheres. Foi uma relação extremamente conflituosa e chegaram se de divorciar uma vez e casaram-se nova-mente. Ela tinha um amor que chegava a ser maternal, de acordo com Herrera (2011). Em um dos seus quadros Diego aparece em seus braços (Figura 24). Em seu diário escreveu exaustivamente sobre a paixão e o sofrimento que sentia por ele: “Sofri dois graves acidentes na minha vida. Um em que fui abalroada por um bonde. O outro acidente é Diego” (HERRERA, 2011 p. 85).

Sua relação com a cultura e tradições mexicanas pós-revolução, assim como sua amizade com os companheiros comunistas também foram traduzidos em pinceladas. Elementos de sua vida guiaram toda sua obra. Segundo Herrera (2011) Frida, certa vez, disse: “Eu pinto minha própria realidade”, “A única coisa que eu sei é que pinto por que pre-ciso, e pinto tudo que passa pela minha cabeça, sem levar nada mais em conta” (HERRERA, 2011, p. 9).

Frida manteve um diário por mais de 15 anos de sua vida. O que não era transmitido em telas era registrado por ela em palavras. Este diário contém desabafos e confissões da pintora, como o que sentiu diversas vezes em que ficou internada, a frustração por não ter filhos devido a sequelas do acidente, fato este que se tornou uma temática freqüente em sua obra, e alguns desejos suicidas.

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Figura 24: O Abraço de amor do Universo, a Terra (México), eu, Diego e Senhor Xolotl feito em 1949. Fonte: FridaKahlo.org.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo Calderón morreu aos 47 anos, em 13 de julho de 1954, em sua cidade de origem, na mesma casa em que nas-ceu. Em seus últimos meses de vida, pintou principalmente natureza morta (Figura 25), segundo Herrera (2011, p. 288) o seu modo de pintar mudou drasticamente:

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Figura 25: “Naturaleza Muerta con Bandera”, 1954. Fonte: Wikiart.org.

O trabalho com o pincel tornou-se mais relaxado, mais solto; ela perdeu a delicada precisão de miniaturista. Suas pinceladas caracteristicamente diminutas, lentas e afetuo-sas dão lugar a movimentos caóticos e frenéticos. As cores já não são mais claras e vibrantes, mas estridentes e disso-nantes. A modelagem e a textura superficial são tão sumá-rias que as laranjas perdem sua redondeza firme e atraen-te; as melancias já não parecem suculentas. Em diversas naturezas-mortas anteriores, os papagaios de estimação de Frida apareciam empoleirados em meio às frutas. Enca-rando o observador de maneira zombeteira, eles davam às pinturas um tipo especial de charme. Agora, os papagaios são substituídos por pombas da paz, pintadas de maneira tosca e grosseira, às pressas (HERRERA, 2011, p. 288).

Mesmo assim, continuou se empenhando em pintar pois precisava do dinheiro para pagar os remédios. As últimas palavras de seu diário reve-lam sua vontade de olhar com alegria as realidades mais tristes e desa-nimadoras: “Espero a partida com alegria — e espero nunca mais voltar — Frida” (HERRERA, 2011, p. 312).

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OBRA E FEMINISMO

Dentro do âmbito do feminismo, existe uma complexidade em definir o seu significado terminológico, uma vez que o movimento surgiu no pas-sado e é construído no cotidiano, compreendendo um processo de trans-formação, no qual contém avanços, regressos, medos e alegrias (ALVES; PITANGUY, 1985; PRÁ, 1997 apud SANTOS, 2017). O termo tem origem no contexto político francês do século XIX e visava distinguir grupos dis-tintos, mas com o mesmo propósito de reivindicar por melhorias para as mulheres e lutar contra a opressão (DAHL, 1987 apud SANTOS, 2017). No entanto, o feminismo não se resume somente ao passado, dadas as res-significações que ele vem sofrendo ao longo do tempo. Para Santos (2017), um dos propósitos do feminismo é gerar compreensão por meio de uma prática social-cultural, que é contra o sistema que subordina o papel das mulheres e impossibilita a sua autonomia. O estudo sobre as mulheres e o feminismo tem como objetivo propagar a cultura alternativa das mulhe-res que, por um lado é marcada pela estrutura do patriarcado, mas por outro revela os resultados dos esforços das mulheres, a partir dos quais as culturas masculinas devem tomar conhecimento. Essa cultura alterna-tiva que, desenvolve uma percepção posialterna-tiva para as mulheres, é também uma finalidade do estudo sobre as mulheres (SANTOS, 2017).

No longo período que Frida esteve de cama, ela se recompôs em seus autorretratos, como se o sofrimento tivesse servido de elo para suas criações artísticas. Essa dor foi retratada em sua obra de forma exa-gerada. Os autorretratos e as representações de cenas do hospital ou procedimentos médicos transmitiam com intensidade o seu sofrimento físico (Figura 26). Este, em muitas vezes, misturou-se com o sofrimento emocional e político-social, o que deixou algumas de suas pinturas no limite desses dois tipos de sofrimento (ARAS, 2001).

Há evidências que as obras de Frida tiveram destaque internacional ainda quando estava viva, visto que recebeu diversas encomendas, fez

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47 uma exposição que recebeu críticas bastante favoráveis em Nova Iorque, conheceu o famoso pintor André Breton, que organizou sua primeira exposição em Paris e consagrou-se como a primeira artista mexicana do século 20 a ter uma obra (Figura 27) adquirida pelo Museu do Louvre, o Auto-Retrato – El Marco de 1938 (HERRERA, 2011). Porém, segundo Santos (2017, p. 40), “muito da visibilidade de suas obras foi em função do esforço das feministas da segunda onda feminista (da década de 1960 até a década de 1980) em divulgar e apoiar seu trabalho”. Kahlo não pintava sobre o movimento feminista especificamente e por um tempo foi submissa e viveu à sombra do marido Diego Rivera, sem priorizar a sua carreira como pintora. Porém, para Santos (2017), ela se tornou um símbolo do movimento feminista, pois era demasiadamente excêntrica e quebrava regras tradicionais impostas no cenário mexicano conser-vador do século 20. Fotografias mostram, conforme Herrera (2011), que Frida não costumava gostar de usar roupas femininas e posava ao lado dos familiares de traje masculino com olhar irônico e postura viril (Figura 28). A rejeição à convenções de gênero, que atribuem caracte-rísticas femininas e masculinas, foi uma das primeiras evidências que Frida possuía uma genialidade forte e um desejo de auto expressão (SANTOS, 2017).

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Figura 26: Henry Ford Hospital, 1932. Fonte: Wikiart.org.

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Figura 28: “Retrato Família Kahlo”, de Guillermo Kahlo, Coyoacán, 1926. Fonte: Livro “Frida Kahlo – 1907-1954”.

Bissexual, Frida se mostrava ser uma mulher sem amarras e de pensamento liberal quanto às decisões que tomava. Segundo Herrera (2011), ela teve uma primeira experiência na Escola Preparatória e retor-nou depois que entrou na vida boêmia de Diego, em que o amor entre mulheres era normal e não estava sujeito a condenações. Ela passou a ter relações extraconjugais com mulheres abertamente, principalmente depois de ter conhecimento das traições do marido. O lesbianismo apa-rece nas obras de Frida, mas não de uma forma explícita. Juntamente com amor próprio, ele é proposto pelos autorretratos (Figura 29 e 30) e surge em diversas pinturas como uma intensa sensualidade desprovida da polaridade sexual convencional e uma necessidade urgente de inti-midade que ignorava o gênero (HERRERA, 2011).

Além disso, para Santos (2017), Kahlo tinha outra forte característica que é a autoafirmação. Ela não era submissa aos padrões estéticos da sociedade visto que ela não tinha o corpo saudável idealizado durante

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a sua época e, além disso, tinha fortes características visuais como a monocelha e pelos no buço (Figura 31).

Figura 29: Naturaleza Muerta con Perico y Bandera, 1951. Fonte: Wikiart.org.

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Figura 31: Autorretrato Dedicado al Dr. Eloesser, 1940. Fonte:Wikiart.org.

Outra forte característica eram suas vestimentas, que conforme Herrera (2011) relata, para Frida o traje de índia tehuana era “o retrato ausente de uma única pessoa” — seu eu ausente (HERRERA, 2011, p. 89). Às vezes ela optava por vestir as roupas tehuanas (Figura 32) por retratar sua mexicanidad, que Diego gostava, mas não usava somente para agradá-lo. Eram vestimentas que mulheres mexicanas usavam para enfatizar sua independência econômica e pessoal, além de haver o fator político em jogo. Até mesmo em suas viagens internacionais, nos quais usava trajes exóticos, ela mantinha sua identidade dando autenticidade as roupas bordando com ditos populares mexicanos (HERRERA, 2011).

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Figura 32: Frida em Nova Iorque em 1946 por Nickolas Muray. Fonte: BrooklynMuseum.org.

De acordo com Toledo e Manhas (2007), as produções da artista serviram de representações da sua posição política não apenas partidária, mas como mulher que se engajou em diversos meios. Estes meios possibili-taram expressar de forma autêntica a sua sexualidade, a sua profissão e os seus desejos, os quais foram lançados artisticamente de forma ino-vadora, principalmente por se tratar de uma mulher, cujos lugares e atribuições sociais eram conservadores, apesar do meio artístico mais liberal que a pintora vivia.

Percebe-se também que na obra de Frida ela se preocupa em evidenciar suas raízes culturais, afastando-se das influências estrangeiras. Por ser filiada ao partido comunista e politicamente ativa, ela queria que a sua arte fosse, de alguma forma, uma expressão da revolução. Por isso, sua

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53 obra remonta sempre às suas origens mestiças, o que a identificava ainda mais com o seu país, que ainda havia questões sociais referentes a discriminação étnica e as hierarquias sociais herdadas do período colonial. A sua identificação com a nação mexicana e as suas raízes culturais não pode ser vista somente como influência do meio que a rodeava ou dos seus problemas pessoais, mas como uma atitude inte-lectual, influenciada pelos acontecimentos políticos e culturais que se seguiram à Revolução Mexicana (ARAS, 2001).

Frida também aplicava uma dose de humor negro em suas obras ao retratar por exemplo de forma sarcástica a desgraça no seu qua-dro Unos Cuantos Piquetitos (1935) (Figura 33), em que retratou um assassinato que foi noticiado no jornal, em que o assassino matou a facadas sua namorada e justificou para o juiz que “foram apenas alguns golpes” (SANTOS, 2017). É possível considerar que essa obra é também uma denúncia a violência de gênero e a condescendência da cultura machista para com o agressor. De acordo com Aras (2001), numa declaração de Diego Rivera, nos anos 50, ele considerava Frida Kahlo como “a primeira mulher na história da arte a tratar, com abso-luta e descomprometida honestidade, podíamos até dizer com uma crueldade indiferente, aqueles temas gerais e específicos que apenas dizem respeito às mulheres” (ARAS, 2001 p. 14), apesar dela nunca ter se apresentado como feminista.

Por fim, conclui-se que Kahlo foi uma mulher que viveu à frente do seu tempo. Era uma mulher intensa, sexualmente liberada, bissexual e ati-vista política. Suas obras denunciavam de forma intrigante a intimidade mais secreta das mulheres: o nascimento e o aborto, órgãos internos, sangramentos, entranhas do corpo feminino e o desejo sexual feminino sem tabus. Frida transformou, na sua obra, o sofrimento em beleza, sabedoria e dor. Apesar de todo o amargor que a acometeu, ela demons-trou uma força fora do comum e ultrapassou um limite incomum no período em que vivia.

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04 PROCESSO METODOLÓGICO

METODOLOGIA

A metodologia permite otimizar e sistematizar as etapas de execução de um projeto. Porém, não existe uma receita universal que solucionará todos os problemas de design. O designer, portanto, possui liberdade para escolher a metodologia mais adequada às diretrizes, restrições e finalidades do seu projeto – o que também permite adaptar, inserir ou suprimir métodos e/ou ferramentas, sem prejudicar a macroestrutura metodológica aplicada ao desenvolvimento de projeto. Em geral, esta estrutura é definida em macrofases, como sugere Bonsiepe (1984), a saber: a. problematização, b. análise, c. definição do problema, d. ante-projeto/geração de alternativas e e. projeto.

Quanto ao projeto tipográfico que será executado na segunda etapa deste trabalho, existem diversas bibliografias que exploram o processo metodo-lógico para conceber uma fonte, como Buggy (2007), Cheng (2006), Smei-jers (2011), Henestrosa, Meseguer e Scaglione (2014), entre outros. Cada um deles determina, do seu modo, as etapas para o processo de criação de uma fonte de acordo com suas respectivas experiências projetuais. De modo a compilar essas etapas, Falcão (2014) apresenta um método de projeto tipográfico. O presente trabalho utiliza as microfases de projeto a seguir, com algumas adaptações:

1. Esboços iniciais: conceituação dos caracteres.

2. Desenho dos primeiros caracteres: desenho dos caracteres de con-trole, que determinam certas características que estarão presen-tes em diversos caracteres da fonte.

3. Derivação de caracteres: os caracteres de controle são utilizados como suporte para a derivação de outros caracteres.

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4. Testes iniciais: realização de testes com os caracteres. 5. Ajustes técnicos: ajuste dos caracteres, caso seja necessário.

6. Transposição dos desenhos para um software especializado: importação dos desenhos para um software especializado no desenvolvimento de fontes.

7. Espacejamento: definição os espaços laterais dos caracteres. 8. Geração do arquivo fonte: geração do arquivo fonte final.

Sob essa ótica, a estrutura metodológica a ser utilizada neste trabalho combina a macroestrutura de Bonsiepe (1984) e a microestrutura de Falcão (2014) de modo a direcionar o projeto de design de tipos (Figura 34).

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Figur

a 34: Estrutur

a metodológica do projeto. F

onte: elabor

ada pela autor

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