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RESUMO HISTÓRICO

Em 6 de julho de 1907, no distrito de Coyoacán, hoje parte da Cidade do México, nasceu Magdalena Carmem Frida Kahlo Calderón. Seu pai, Wilhelm Kahlo, era imigrante alemão, filho de judeus húngaros, ateu, amante da música e da literatura. Sua mãe, Mathilde Calderón, era mexicana, de ascendência espanhola e indígena, extremamente católica e de pouco estudo. Essa mistura de origens foi retratada pela artista em algumas de suas obras (HERRERA, 2011).

Tudo começou quando Wilhelm Kahlo chegou ao México, com 19 anos. Ao chegar no país, mudou seu nome para Guilhermo Kahlo, tradução de Wilhelm para o espanhol. Casou-se duas vezes: no primeiro casamento, teve duas filhas; no segundo, com Mathilde Calderón, o casal teve cinco filhos, sendo que o terceiro, único menino, veio a falecer pouco depois do parto. O nascimento de Frida ocorreu em seguida à perda desse irmão, fazendo dela a terceira de quatro filhas (HERRERA, 2011).

De acordo com Herrera (2011), para que Frida pudesse ser batizada com um nome cristão, deram a ela os dois primeiros nomes Magdalena Carmen. Seu terceiro nome era Frieda – derivado da palavra Frieden, que significa “paz” em alemão, mas acabou abandonando a letra ‘e’ em função da ascensão do nazismo na Alemanha, no final da década de 1930.

Sua mãe Mathilde adoeceu pouco tempo depois do seu nascimento e durante um certo período, Frida foi amamentada por uma ama de leite indígena. Anos depois, quando ela percebeu que o fato de ter sido ama- mentada pela ama foi crucial, Frida pintou uma tela (Figura 21) em que a ama de leite aparece como a personificação de sua herança mexicana – a artista, com as feições de adulta e corpo de recém-nascida, aparece

35 no colo da ama, mamando em seu seio (HERRERA, 2011). De acordo com Fulleylove (2019), a ama de leite era uma indígena cujo rosto é ocultado por uma máscara pré-colombiana, pois Frida não conseguia se lembrar de como era sua ama.

Figura 21: Minha ama e eu, 1937. Fonte: Livro “Frida Kahlo – a biografia”.

O contato com o pai fotógrafo, que era “especialista em paisagens, edifícios, interiores, fábricas e etc.” (HERRERA, 2011 p. 17), deixou-lhe uma herança rica e criativa: com ele teve os primeiros contatos com a pintura e adquiriu o gosto pela arte e pela cultura de modo geral. De 1904 a 1908, usando câmeras alemãs e mais de novecentas placas de vidro que ele mesmo preparava, Guillermo registrou a herança cul- tural do México e recebeu o título de “o primeiro fotógrafo oficial do patrimônio cultural do México” (HERRERA, 2011 p. 16). Um anúncio publicitário de seu trabalho, impresso em inglês e espanhol, dizia: “[...] tira fotografias sob encomenda na capital ou em qualquer outro lugar da República”. Apesar de eventualmente fazer retratos de membros

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do governo Díaz e de sua própria família, ele afirmava não querer fotografar pessoas, pois não desejava melhorar o que Deus criara feio (HERRERA, 2011). Frida era a filha preferida de seu pai, que a diferen- ciava das outras pela inteligência e sensibilidade. Tiveram uma ligação muito forte de admiração e afeto mútuo. Conforme Herrera (2011), ele não cultivava uma relação íntima com as filhas; só era atento a Frida, a quem destinava muito carinho e depositava grandes expectativas de um futuro profissional, estimulando o desenvolvimento do espírito intelectual e aventureiro da filha. Frida foi encarregada de acompa- nhar o pai, epiléptico, em seu trabalho, pois ele insistia em que ela tivesse uma boa educação escolar e esperava que ela pudesse cursar uma universidade. Ela costumava ir em seus passeios, como pintor amador, pelas zonas campestres locais e era sua confidente. Quando ela atingiu idade suficiente, ele a ensinou a usar a máquina fotográ- fica, a revelar, retocar e colorir fotografias. Kahlo diz que seu pai era: cordial, carinhoso, sossegado, diligente e corajoso. Ele dizia também que ela era a que mais se parecia com ele (HERRERA, 2011).

Três anos após o seu nascimento, em 1910, eclodiu no México a Revo- lução Mexicana4. Há registros controversos de que Frida tenha nas- cido neste ano. Na sua antiga casa, que hoje é o Museu Frida Kahlo, no México, há inscrições como “Aquí nació Frida Kahlo el día 7 de julio de 1910” (Aqui nasceu Frida Kahlo, no dia 7 de julho de 1910) de acordo com Herrera (2011). O autor afirma que “uma vez que era filha da década revolucionária, quando as ruas da Cidade do México esta- vam coalhadas de caos e derramamento de sangue, Frida decidiu que ela e o México moderno haviam nascido no mesmo ano” (HERRERA, 2011, p. 14). A revolução começou com motins em várias partes do

4 A Revolução Mexicana foi um movimento armado, social e cultural, iniciado no México, em 1910, contra a ditadura do General Porfírio Díaz Mori e que culminou oficialmente com a promulgação de uma nova constituição, sete anos depois. Este movimento teve grande impacto, nos círculos operários, agrários e anarquistas internacionais, pois a Constituição de 1917 foi a primeira no mundo a reconhecer as garantias sociais e os direitos coletivos dos trabalhadores (BASTOS e RIBEIRO, 2007).

37 país e os conflitos perduraram pelos 10 anos seguintes. Frida, antes de falecer, registrou no seu diário ter presenciado algumas batalhas da Revolução:

Lembro que eu tinha quatro anos [na verdade, ela tinha cinco], quando se deu a “dezena trágica”. Testemunhei com meus próprios olhos a batalha dos camponeses de Zapata contra os carrancistas. Minha situação era mui- to clara. Minha mãe abria as janelas na rua Allende. Ela dava acesso aos zapatistas, de modo que os feridos e fa- mintos entrassem pelas janelas na minha casa, na “sala de estar”. Ela cuidava dos ferimentos e os alimentava com grossas tortillas, a única comida que se conseguia arranjar em Coyoacán naqueles dias [...] Éramos quatro irmãs: Matita, Adri, eu (Frida) e Cristi, a gordinha. [...] Em 1914, as balas passavam zunindo. Ainda hoje ouço aquele som sibilante extraordinário. No tianguis [merca- do] de Coyoacán, a propaganda a favor de Zapata era fei- ta com corridos [baladas revolucionárias] editados pelo [gravurista e desenhista José Guadalupe] Posada. Na sex- ta-feira, essas baladas custavam um centavo cada; escon- didas dentro de um enorme guarda-roupa que cheirava a nogueira, Cristi e eu as cantávamos, enquanto meu pai e minha mãe ficavam atentos para que não caíssemos nas mãos dos guerrilheiros. Lembro de um carrancista ferido correndo para seu baluarte perto do rio de Coyoacán. Da janela espiei também um zapatista com um ferimento de bala no joelho, agachado e calçando as sandálias [aqui Frida faz esboços do carrancista e do zapatista]. (HERRE- RA, 2011, p. 20)

Para a família Kahlo, a época da Revolução foi uma fase difícil, pois com a queda do governo e uma década de guerra civil, seu pai não recebia mais encomendas de trabalhos fotográficos. Aos 6 anos de idade, Frida viu seu corpo de menina ser invadido por uma doença, a poliomielite,

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que a deixou vítima de uma perna fina e um pé atrofiado. Isso lhe ren- deu o apelido de “Frida perna-de-pau”, mas retrucava ferozmente as outras crianças. Seu pai, durante nove meses, dedicou-lhe muito amor e empenho para que ela se curasse. Seguindo a orientação médica colocou-a para praticar esportes. De acordo com Herrera (2011), Frida praticou vários tipos de esportes, a maioria deles considerada mascu- linos como futebol, boxe e luta e também tornou-se campeã em nata- ção. No México daquele tempo, praticar esses esportes era tido como incomum para meninas. Frida escreveu: “meus brinquedos eram os dos meninos: patins, bicicletas” (HERRERA, 2011 p. 22). Depois de toda luta contra a poliomielite, Frida e seu pai se sentiram mais unidos, devido à experiência comum da enfermidade e solidão. Justamente na sua infân- cia, onde poderia desenvolver amizades e ampliar as relações sociais, ela foi obrigada a ficar em casa.

Em 1922, com 15 anos, Frida ingressou na Escola Nacional Preparatória, a melhor instituição de ensino do México. Incentivada pelo seu pai, ela foi para o centro da capital mexicana, onde começou a se interessar ati- vamente pela política. Entre seus colegas estava a nata da juventude do país, filhos e filhas de profissionais liberais da capital e das províncias. Na Escola havia um total de dois mil alunos, e ela foi uma das apenas trinta e cinco moças que estudavam lá. Era uma escola do Estado, que seguia um programa de estudo tendo em mente o ingresso na faculdade de medicina, que fazia parte dos planos de Frida (HERRERA, 2011). Na Preparatória, Frida tinha vários grupos de amigos, mas o que ela considerava como verdadeiros se chamava de Cachuchas, nome que se refere ao tipo de chapéus que todos eles utilizavam. Eles eram conheci- dos tanto pela inteligência quanto pelas travessuras. O que os unia não era necessariamente a adesão a uma causa, mas sim as atitudes irre- verentes, e apesar de declararem que não se envolviam com política por acreditar que os políticos trabalhavam para interesses próprios, eles eram norteados por uma espécie de socialismo romântico e pelo nacio- nalismo. No grupo tinha sete homens e duas mulheres, elas eram Frida

39 e Carmen Jaime, que constantemente gostavam de travar duelos de inte- ligência para ver quem lia mais livros de filosofia ou descobria um livro melhor (HERRERA, 2011).

Nesse tempo, Frida Kahlo vestia-se com roupas masculinas (Figura 22), utilizava uma bengala e usava botas para esconder a perna mais fina e o pé atrofiado. No auge da adolescência, ela trabalhou como aprendiz da arte de retocar gravuras e fotografias para um amigo de seu pai – Fer- nando Fernández, um próspero impressor comercial, que a ensinou a desenhar mediante uma cópia de quadros feitos por um pintor impres- sionista sueco chamado Anders Zorn e descobriu que Frida tinha um “talento enorme”. (HERRERA, 2011, p. 41)

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Figura 22: Autorretrato con Pelo Corto, 1940. Fonte: Wikiart.org

Enquanto estudava na Escola Preparatória, ela namorou com Alejandro Gómez Arias, o líder do grupo Cachuchas. Ele era considerado carismático, orador, divertido e inteligente, de cultura vasta e inteligente. O romance dos dois não recebia aprovação dos pais de Frida e por isso eles se encontravam clandestinamente. Quando estavam distantes, eles trocavam muitas cartas. Segundo relatos de Alejandro, a primeira expe- riência homossexual de Frida aconteceu nesse período quando foi procu- rar emprego na biblioteca da Secretaria de Educação Pública. Seduzida

41 por uma funcionária, a experiência de iniciação foi traumática porque os pais dela souberam e resultou em um escândalo (HERRERA, 2011). Um dos fatos mais marcantes da vida de Frida aconteceu quando ela tinha 18 anos e trouxe consequências durante toda a sua sua vida: o acidente de ônibus que aconteceu no fim da tarde do dia 17 de setembro de 1925. Frida e o atual namorado Alejandro estavam num ônibus com destino a Cayoacán quando colidiu com um bonde. Em um relato de Herrera (2011), Alejandro afirma que o bonde tinha dois vagões e um deles arrastou o ônibus, que se partiu e explodiu em mil pedaços. Com o impacto, Alejan- dro foi parar debaixo do bonde e quando se levantou para ajudar Frida, viu ela sendo carregada por outro passageiro, nua, manchada de sangue e coberta de ouro em pó que um dos passageiros carregava no ônibus. Em meio às ferragens do bonde, o corrimão quebrou e atravessou Frida de um lado a outro, na altura da pélvis, como a própria pintora relata:

É mentira que a pessoa tem consciência da batida, é mentira que a pessoa chora. Em mim não houve lágrimas. A colisão nos jogou para a frente e um corrimão de ferro me varou do mesmo jeito que uma espada rasga a carne do touro. Um homem me viu tendo uma tremenda hemorragia. Ele me carregou e me deitou em cima de uma mesa de bilhar até que a Cruz Vermelha chegasse (HERRERA, 2011, p. 44).

Com uma equipe médica desacreditada do sucesso do tratamento, um mês depois do acidente e de várias cirurgias, Frida recebeu alta para concluir o tratamento em casa, que durou três meses. De acordo com Jamis (1987), seu diagnóstico, esclarecido quase um mês depois, descreve:

Fratura da terceira e quarta vértebras lombares, fraturas no pé direito, luxação do cotovelo esquerdo, ferimento profundo do abdomêm, produzido por uma barra de ferro que entrou pelo quadril esquerdo e saiu pelo sexo, rasgando o lábio esquerdo. Peritonite aguda. Cistite pre- cisando de sonda por muitos dias (JAMIS, 1987, p. 78).

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Impossibilitada de frequentar a escola, Frida passou por um longo tempo acamada para prosseguir com o tratamento. Foi nesta época que ela demonstrou seu desejo por pintura e começou a pintar seus primei- ros autorretratos, sendo Autorretrato com vestido de veludo, de 1926 (Figura 23) um dos primeiros quadros que ela concebeu.

Figura 23: Autorretrato com vestido de veludo, 1926. Fonte: Frida Kahlo.

Algum tempo depois do acidente, Frida Kahlo conheceu Diego Rivera no Partido Comunista Mexicano e logo casaram-se. Ele era um céle- bre pintor mexicano e um dos mais solicitados do seu país. Ela já conhecia o trabalho dele desde quando pintou murais na Escola Pre- paratória. Sua arte tinha caráter revolucionário, retratava o índio oprimido, a luta da classe operária contra o capitalismo e enaltecia a cultura popular (HERRERA, 2011).

43 Diego, desde logo, surpreendeu-se com a personalidade artística de Frida e casaram-se contra a vontade de sua mãe, que se incomodava com o fato de ele ser comunista, ateu e 20 anos mais velho do que ela. Eles foram um casal com comportamento bastante diferenciado para a época. De 1934 a 1939 moraram em casas separadas, unidas por uma ponte, construída em San Angel, próximo a Coyoacán. Depois se muda- ram para a casa onde Frida nasceu, construída por seu pai.

Diego nunca foi fiel a Frida, sempre teve muitas amantes, mas ela também os teve, homens e mulheres. Foi uma relação extremamente conflituosa e chegaram se de divorciar uma vez e casaram-se nova- mente. Ela tinha um amor que chegava a ser maternal, de acordo com Herrera (2011). Em um dos seus quadros Diego aparece em seus braços (Figura 24). Em seu diário escreveu exaustivamente sobre a paixão e o sofrimento que sentia por ele: “Sofri dois graves acidentes na minha vida. Um em que fui abalroada por um bonde. O outro acidente é Diego” (HERRERA, 2011 p. 85).

Sua relação com a cultura e tradições mexicanas pós-revolução, assim como sua amizade com os companheiros comunistas também foram traduzidos em pinceladas. Elementos de sua vida guiaram toda sua obra. Segundo Herrera (2011) Frida, certa vez, disse: “Eu pinto minha própria realidade”, “A única coisa que eu sei é que pinto por que pre- ciso, e pinto tudo que passa pela minha cabeça, sem levar nada mais em conta” (HERRERA, 2011, p. 9).

Frida manteve um diário por mais de 15 anos de sua vida. O que não era transmitido em telas era registrado por ela em palavras. Este diário contém desabafos e confissões da pintora, como o que sentiu diversas vezes em que ficou internada, a frustração por não ter filhos devido a sequelas do acidente, fato este que se tornou uma temática freqüente em sua obra, e alguns desejos suicidas.

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Figura 24: O Abraço de amor do Universo, a Terra (México), eu, Diego e Senhor Xolotl feito em 1949. Fonte: FridaKahlo.org.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo Calderón morreu aos 47 anos, em 13 de julho de 1954, em sua cidade de origem, na mesma casa em que nas- ceu. Em seus últimos meses de vida, pintou principalmente natureza morta (Figura 25), segundo Herrera (2011, p. 288) o seu modo de pintar mudou drasticamente:

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Figura 25: “Naturaleza Muerta con Bandera”, 1954. Fonte: Wikiart.org.

O trabalho com o pincel tornou-se mais relaxado, mais solto; ela perdeu a delicada precisão de miniaturista. Suas pinceladas caracteristicamente diminutas, lentas e afetuo- sas dão lugar a movimentos caóticos e frenéticos. As cores já não são mais claras e vibrantes, mas estridentes e disso- nantes. A modelagem e a textura superficial são tão sumá- rias que as laranjas perdem sua redondeza firme e atraen- te; as melancias já não parecem suculentas. Em diversas naturezas-mortas anteriores, os papagaios de estimação de Frida apareciam empoleirados em meio às frutas. Enca- rando o observador de maneira zombeteira, eles davam às pinturas um tipo especial de charme. Agora, os papagaios são substituídos por pombas da paz, pintadas de maneira tosca e grosseira, às pressas (HERRERA, 2011, p. 288).

Mesmo assim, continuou se empenhando em pintar pois precisava do dinheiro para pagar os remédios. As últimas palavras de seu diário reve- lam sua vontade de olhar com alegria as realidades mais tristes e desa- nimadoras: “Espero a partida com alegria — e espero nunca mais voltar — Frida” (HERRERA, 2011, p. 312).

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OBRA E FEMINISMO

Dentro do âmbito do feminismo, existe uma complexidade em definir o seu significado terminológico, uma vez que o movimento surgiu no pas- sado e é construído no cotidiano, compreendendo um processo de trans- formação, no qual contém avanços, regressos, medos e alegrias (ALVES; PITANGUY, 1985; PRÁ, 1997 apud SANTOS, 2017). O termo tem origem no contexto político francês do século XIX e visava distinguir grupos dis- tintos, mas com o mesmo propósito de reivindicar por melhorias para as mulheres e lutar contra a opressão (DAHL, 1987 apud SANTOS, 2017). No entanto, o feminismo não se resume somente ao passado, dadas as res- significações que ele vem sofrendo ao longo do tempo. Para Santos (2017), um dos propósitos do feminismo é gerar compreensão por meio de uma prática social-cultural, que é contra o sistema que subordina o papel das mulheres e impossibilita a sua autonomia. O estudo sobre as mulheres e o feminismo tem como objetivo propagar a cultura alternativa das mulhe- res que, por um lado é marcada pela estrutura do patriarcado, mas por outro revela os resultados dos esforços das mulheres, a partir dos quais as culturas masculinas devem tomar conhecimento. Essa cultura alterna- tiva que, desenvolve uma percepção positiva para as mulheres, é também uma finalidade do estudo sobre as mulheres (SANTOS, 2017).

No longo período que Frida esteve de cama, ela se recompôs em seus autorretratos, como se o sofrimento tivesse servido de elo para suas criações artísticas. Essa dor foi retratada em sua obra de forma exa- gerada. Os autorretratos e as representações de cenas do hospital ou procedimentos médicos transmitiam com intensidade o seu sofrimento físico (Figura 26). Este, em muitas vezes, misturou-se com o sofrimento emocional e político-social, o que deixou algumas de suas pinturas no limite desses dois tipos de sofrimento (ARAS, 2001).

Há evidências que as obras de Frida tiveram destaque internacional ainda quando estava viva, visto que recebeu diversas encomendas, fez

47 uma exposição que recebeu críticas bastante favoráveis em Nova Iorque, conheceu o famoso pintor André Breton, que organizou sua primeira exposição em Paris e consagrou-se como a primeira artista mexicana do século 20 a ter uma obra (Figura 27) adquirida pelo Museu do Louvre, o Auto-Retrato – El Marco de 1938 (HERRERA, 2011). Porém, segundo Santos (2017, p. 40), “muito da visibilidade de suas obras foi em função do esforço das feministas da segunda onda feminista (da década de 1960 até a década de 1980) em divulgar e apoiar seu trabalho”. Kahlo não pintava sobre o movimento feminista especificamente e por um tempo foi submissa e viveu à sombra do marido Diego Rivera, sem priorizar a sua carreira como pintora. Porém, para Santos (2017), ela se tornou um símbolo do movimento feminista, pois era demasiadamente excêntrica e quebrava regras tradicionais impostas no cenário mexicano conser- vador do século 20. Fotografias mostram, conforme Herrera (2011), que Frida não costumava gostar de usar roupas femininas e posava ao lado dos familiares de traje masculino com olhar irônico e postura viril (Figura 28). A rejeição à convenções de gênero, que atribuem caracte- rísticas femininas e masculinas, foi uma das primeiras evidências que Frida possuía uma genialidade forte e um desejo de auto expressão (SANTOS, 2017).

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Figura 26: Henry Ford Hospital, 1932. Fonte: Wikiart.org.

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Figura 28: “Retrato Família Kahlo”, de Guillermo Kahlo, Coyoacán, 1926. Fonte: Livro “Frida Kahlo – 1907-1954”.

Bissexual, Frida se mostrava ser uma mulher sem amarras e de pensamento liberal quanto às decisões que tomava. Segundo Herrera (2011), ela teve uma primeira experiência na Escola Preparatória e retor- nou depois que entrou na vida boêmia de Diego, em que o amor entre mulheres era normal e não estava sujeito a condenações. Ela passou a ter relações extraconjugais com mulheres abertamente, principalmente depois de ter conhecimento das traições do marido. O lesbianismo apa-

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