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Longevidade, empatia e esperança - novos rumos

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Academic year: 2021

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Reflexões

Longevidade, empatia e esperança – novos rumos

Vera Brandão oje, a longevidade é um fato, e a vida vai muito além do imaginado, em consequência dos progressos das ciências, no contexto de uma sociedade amplamente desenvolvida e em constante mudança. Apesar dos avanços, continuamos mortais, e o final da vida vem, muitas vezes, com sofrimentos e fragilidades físicas e psíquicas. Uma vida além da vida é uma esperança para muitos, talvez a única, ante a certeza do fim. Essa esperança adquiriu, ao longo da história, inúmeras possibilidades, muitos nomes, divindades, ritos, preceitos, normas e códigos, por meio dos quais, em obediência, tem-se buscado um caminho além da materialidade terrena. Salvo para aqueles que dizem: tudo se extingue com o fim da matéria.

Esses caminhos de busca de sentidos, ao longo do ciclo vital, se cruzam e unem todos na frágil caminhada como humanos. Se nos ampararmos mutuamente será mais longo, e menos penoso, caminhar em direção ao futuro que, mesmo desconhecido, tem beleza, brilho e esperança.

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A busca “além de” pode ser denominada, amplamente, de espiritualidade, ou seja, a necessidade e a capacidade que todo homem tem de manter um diálogo interno e profundo que projete harmonia para o exterior, e que pode ser praticada por todos, independentemente de sua crença. A espiritualidade transcende os dogmas das religiões institucionalizadas, e abre espaço para a vida e o envelhecimento livre de preconceitos e normas estritas.

Na área da saúde muitos estudos e pesquisas indicam a religiosidade e/ou espiritualidade como benéficas na recuperação de pacientes acometidos por diferentes enfermidades e procedimentos cirúrgicos, e na manutenção da autoestima e qualidade de vida no envelhecimento. Indicam ainda que a busca de sentido na trajetória, baseada em alguma crença, parece fortalecer os indivíduos de forma plena, dos mais ativos aos mais fragilizados. Consideramos que a busca espiritual – baseada em uma filosofia pessoal - envolvendo todas as manifestações da vida e seus cuidados, pode ser desvinculada de sentido religioso, mas deve passar, obrigatoriamente, por uma escuta sensível e solidária dos que buscam atendimento e cuidados.

Os profissionais estão preparados para essa escuta - que vai muito além das competências profissionais e acadêmicas - de queixas e relatos de males e dores, dos cuidados físicos e rotinas cotidianas? Qual é o espaço para a escuta das necessidades mais íntimas e subjetivas?

Em entrevista ao repórter Carlos Aros1, o presidente do Centro de Longevidade, Alexandre Kalache, afirma que é preciso reformar o ensino médico, porque hoje ainda prevalece um preparo para os cuidados materno-infantis em um cenário no qual o número dos nascimentos diminui e o de idosos aumenta a cada dia. Completa afirmando que o Brasil tem 2 mil geriatras para atender mais de 20 milhões de idosos.

Reportagem2 baseada em pesquisa publicada no “British Medical Journal” confirma a declaração de que “faltam tempo e paciência” no atendimento, e constata que os médicos interrompem os pacientes cerca de 16 a 23 segundos após o início da consulta, o que gera sentimento de insatisfação. Uma das entrevistadas afirma que “eles deixam de demonstrar interesse em ajudar”. Outra relata o caso de seu pai, de 83 anos, levada por ela a um neurologista: “Fizemos todo aquele relato de doenças anteriores e disse que meu pai usava marcapasso. O médico anotava tudo, mas nem olhava para a gente. Falou que ia pedir uns exames, e um deles era ressonância magnética”.

1 “Especialistas destacam importância de campanhas para ensinar brasileiros a lidarem com

idosos”. Por Mariana Riscala. http://jovempan.uol.com.br/noticias/saude/2013/03/especialistas-destacam-importancia-de-campanhas-para-ensinar-brasileiros-a-lidarem-com-idosos.html

2 “D.R.” no Consultório. Pacientes reclamam de falta de atenção dos médicos nas consultas;

profissionais se queixam da pressão e da falta de tempo para atender’. Por Mariana Versolato.

Jornal Folha de S.Paulo, domingo, 2 de outubro de 2011.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0210201102.htm. D.R é a sigla que traduz “discussão de relacionamento”, utilizada especialmente entre casais.

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O problema é que ter um marcapasso é contraindicação para esse exame, e ela só descobriu isso quando a enfermeira alertou para o problema, no laboratório. Afirma: “Foi falta de atenção, de interesse, e poderia ter causado a morte do meu pai”.

Os médicos se defendem e indicam a falta de condições para um bom atendimento, especialmente no sistema público de saúde e alguns convênios, o que gera estresse no médico e no paciente, ocasionando a sensação de falta de atenção e descuido.

Wendy Schlessel Harpham, médica americana, escreveu o livro “Only 10 Seconds to Care: Help and Hope for Busy Clinicians”3, no qual indica como o paciente pode conhecer mais sobre o dia a dia dos médicos, para entender por que o cuidado, muitas vezes, não é o ideal. E os médicos podem descobrir jeitos simples de mostrar compaixão, além de ajudar o paciente a lembrar de detalhes que ajudarão o diagnóstico, mesmo em dez segundos.

Mas para isso ocorrer é essencial a abertura “despreconceituada” - escuta sensível e diálogo compartilhado, para desenvolver ações gerontológicas humanizadas, na perspectiva do encontro. Uma formação profissional diferenciada, na área médica e nas correlatas, no cuidado aos idosos, é exigência urgente.

3 “Apenas dez segundos para cuidar: ajuda e esperança para clínicos ocupados” (não traduzido /US$ 15,20 em e-book, na Amazon.com).

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Todos querem falar, poucos querem ouvir, refletir e buscar outros sentidos para viver de modo pleno, com consciência da importância do papel de cada um para a preservação da vida humana ética, digna e solidária, pessoal e coletivamente.

No mundo que envelhece, qual o espaço social do indivíduo idoso? Quem o escuta e valoriza? Qual o “modelo” criado para o envelhecimento saudável? Qual o espaço para problemas existenciais que se apresentam como “dores e doenças”?

Humanização e o diálogo são palavras-chave.

O envelhecimento e a longevidade como fatos complexos indicam essa perspectiva existencial – filosófica e ética –, que deve guiar ações para a formação profissional, conscientização da sociedade e políticas, fortalecendo o empoderamento no enfrentamento dos desafios de uma vida longa e de qualidade.

A editora-assistente de saúde Débora Mismetti afirma em reportagem complementar, que para a médica Lisa Sanders4 - colaboradora do seriado “House” (Record e Universal Channel), professora em Yale, e colunista na “New York Times Magazine” - as consultas deveriam ser uma cooperação entre especialistas: o médico, que entende de doenças, e o paciente, especialista em si mesmo. Em entrevista, Sanders afirma que os médicos têm que atender o paciente cada vez mais rapidamente, e os exames físicos são “uma arte em declínio”, além do que escutar leva tempo. Completa:

“Os médicos ficam achando que os pacientes vão falar sem parar. Mas eles não fazem isso. Os pacientes respeitam muito o tempo do médico e, quando chegam ao consultório, eles já ensaiaram a queixa. A pessoa já contou o que está sentindo para a mulher, os colegas de trabalho, os filhos... Estudos mostram que o tempo médio que um paciente usa para falar é de um minuto e meio”.

No dia 11 de fevereiro foi comemorado o Dia Mundial do Doente – o Dia do Enfermo - e, nessa data, foi publicada uma reflexão escrita pelo padre Anísio Baldessin, coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de São Paulo, intitulada “Mais empatia e menos teologia junto aos enfermos”5. Evidentemente não se fala apenas nos idosos, mas de todos os que sofrem nas diferentes idades da vida. No entanto, pensando nos cuidados que necessitamos, especialmente na fragilidade da velhice, alguns pontos devem ser acrescidos à reflexão.

4 Autora do livro “Todo paciente tem uma história para contar” (Editora Zahar, 328 págs., R$

38). http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0210201102.htm 5 Povo de Deus. Ano 37 nº15. Disponível em:

http://www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/sites/arquidiocesedesaopaulo.pucsp.br/files/15%205 %C2%BA%20DTC%202013.pdf

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O autor explica que a palavra empatia (do grego empátheia) significa a “tendência para sentir o que você sentiria se estivesse na situação da outra pessoa e sob as circunstâncias experimentadas por ela”. Afirma que a comunicação com o doente deve deixar claro que o ouvinte – médico ou outro profissional de cuidado - é capaz de compreender seu mundo interior não apenas racionalmente, mas respeitando e acolhendo o sofrimento.

“No relacionamento com o doente e no diálogo empático podemos estabelecer, ao menos no início da visita, como prioridades as seguintes regras: falar sobre o que o doente quiser; deixá-lo expor suas convicções, mesmo que sejam bem diferentes das nossas; acolher sua história, que embora triste e marcada por desencontros, dores e sofrimentos, é sempre algo sagrado”.

Evidentemente essa atitude tem enfoque diverso de uma escuta médica, por exemplo. Mas indagamos: uma escuta sensível, no sentido de abertura, empatia e acolhida, não deveria ser incorporada por todos os profissionais da área gerontológica? Não é essa a proposta do projeto de humanização da saúde? E além, para acolher no sentido pleno não é imprescindível humanizar todas as relações? O movimento de humanização nas relações não toca a espiritualidade?

Parece óbvio e redundante, mas a desumanização é o que infelizmente se verifica no cotidiano. Baldessin afirma que nos momentos difíceis os enfermos “precisam mais da nossa empatia do que da nossa teologia”, e acrescentamos, da medicina com suas verdades e técnicas.

Talvez a atitude de empatia guiasse ações éticas e solidárias de profissionais e familiares na atenção, escuta e cuidados de todos, pensando que o outro é sempre um possível de nós mesmos.

Data de recebimento: 03/04/2013; Data de aceite: 22/04/2013. ________________________

Vera Brandão - Pedagoga (USP). Mestre e doutora em Ciências Sociais-Antropologia pela PUC/SP. Pesquisadora CNPq PUC-SP. Docente do COGEAE PUC-SP. Idealizadora e docente da Oficina de Formação Continuada: Narrativas Autobiográficas: Memória, Identidade e Cultura. Editora do Portal do Envelhecimento e da Revista Portal de Divulgação

Referências

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