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O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS VOZES QUE ECOAM DA SALA DE AULA

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GABRIELA FURLAN CARCAIOLI

O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

(EJA) NO ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS

VOZES QUE ECOAM DA SALA DE AULA

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Curso de especialização latu sensu: Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa – Residência Agrária.

GABRIELA FURLAN CARCAIOLI

O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO

ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS VOZES QUE

ECOAM DA SALA DE AULA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Especialista em Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa

Orientadora: Dra. Marcia Regina de Oliveira Andrade

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DEFENDIDO

PELA EDUCANDAGABRIELA FURLAN CARCAIOLI,

ORIENTADO PELA Dra. MARCIA REGINA DE OLIVEIRA ANDRADE .

___

Assinatura da Orientadora

CAMPINAS 2015

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GABRIELA FURLAN CARCAIOLI

“THE PRONERA AND YOUTH AND ADULT EDUCATION

(EJA) IN THE CAMP ELIZABETH TEIXEIRA: THE

VOICES THAT ECHO THE CLASSROOM”

“O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

(EJA) NO ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS

VOZES QUE ECOAM DA SALA DE AULA”

CAMPINAS

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Curso de especialização latu sensu: Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa – Residência Agrária.

GABRIELA FURLAN CARCAIOLI

“THE PRONERA AND YOUTH AND ADULT EDUCATION (EJA)

IN THE CAMP ELIZABETH TEIXEIRA: THE VOICES THAT ECHO

THE CLASSROOM”

O PRONERA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA) NO

ACAMPAMENTO ELIZABETH TEIXEIRA: AS VOZES QUE

ECOAM DA SALA DE AULA

Final course assignment to the College of Agricultural Engineering of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for degree of Specialist in Rural Education and Agroecology in Family and Peasant Farming.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Especialista em Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa.

Adviser: Dra Marcia Regina de Oliveira Andrade THIS PRESS COPY CORRESPONDS TO THE FINAL

VERSION OF THE FINAL COURSE ASSIGNMENT

DEFENDED BY THE STUDENT GABRIELA FURLAN CARCAIOLI, ADVISED BY DRA. MARCIA REGINA DE OLIVEIRA ANDRADE.

Assinatura da Orientadora

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso (TCC) para o curso Residência Agrária em Educação do Campo e Agroecologia na Agricultura Familiar e Camponesa, vinculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA – tem como finalidade debater as políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos – EJA – no campo brasileiro. De modo a construir esse debate, apresentamos o contexto da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. O acampamento, localizado no município de Limeira, no interior do estado de São Paulo, conta com uma sala de EJA desde 2008, organizada pela comunidade e apoiadores. Em 2014, o acampamento Elizabeth Teixeira foi contemplado com o programa PRONERA, que levou inúmeros benefícios para a EJA e para a comunidade em geral. Neste trabalho, procuraremos discutir e avaliar a partir das narrativas dos educandos, educandas e educadoras da EJA, entendendo todos como sujeitos ativos desse processo, o reflexo de uma política pública ou um programa, como o PRONERA, tanto para a EJA, ou seja, para o contexto da educação, como para o cotidiano da comunidade.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Educação no Campo, políticas públicas.

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ABSTRACT

The final course assignment for the Agrarian Residency in Field Education and Agroecology in Family and Peasant Agriculture linked to the National Education Program in Agrarian Reform PRONERA aims to discuss public policies for Youth and Adults Education -EJA - in the Brazilian countryside. In order to build this debate, we present the context of -EJA in the camp Elizabeth Teixeira, organized by the Rural Workers Landless Movement - MST. The camp, located in the city of Limeira, in the São Paulo state, possess an EJA class since 2008, organized by the community and its supporters. In 2014, the camp Elizabeth Teixeira was awarded with the federal public program PRONERA, which brought numerous benefits to the EJA's group and to the community in general. From the narratives of the EJA's students and educators, active subjects of this process, we will try to discuss and evaluate PRONERA's results, both for EJA, i.e., the formal education context, as for community everyday life.

Key Words: Youth and adult education, Field Education, public policies

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Sumário

Introdução

...1

Capítulo 1: O sentido da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil: a

Educação do Campo em foco

...3

1.1.O que faz da EJA um direito constitucional?...3

1.2. O PRONERA e a mudança de cenário da EJA no campo brasileiro...7

1.3.Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o

trabalho coletivo...12

1.4 A formação de educadores e educadoras para o campo...15

Capítulo 2: A Pesquisa Participante como Metodologia de Trabalho

...21

2.1 Apresentando a Pesquisa Participante...21

2.2 A pesquisa etnográfica...22

2.3 As narrativas...25

2.4 Refletindo sobre “estar em campo”...29

2. 5 Um olhar sobre as entrevistas e a produção de narrativas...30

2.6 Os sujeitos dessa história e seus nomes fictícios...32

Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJA nas

lutas cotidianas

...35

3.1 O sonho pela terra: um histórico de resistência...35

3.2 Da lona à alvenaria: a EJA e a escola do acampamento...40

3.3. Os sujeitos da EJA e suas motivações...49

3.4 O ano de 2014: O PRONERA chegou!...51

3.5 A formação de educadores e educadoras...58

3.6 Percepções sobre a sala multisseriada da EJA...61

3.7 Currículo, livro didático e metodologias de aulas da EJA no acampamento....64

3.8 Percepções sobre educandos/educandas e educadoras da EJA...73

3.9 Contribuições coletivas para melhoria da EJA no acampamento Elizabeth

Teixeira...75

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4. Considerações Finais

...81

Referências Bibliográficas...85

(15)

Dedico este trabalho à comunidade do acampamento Elizabeth Teixeira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ...

[…] a todas e todos que se dedicam a construir o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária — PRONERA e fazem dele uma política ampla e democrática, dando-nos a oportunidade de fazer parte dele.

[…] ao CNPQ, pela concessão da bolsa de estudos e pelo financiamento ao programa.

[…] à FEAGRI/UNICAMP pela gestão e coordenação do curso de Residência Agrária.

[…] às companheiras e companheiros do acampamento Elizabeth Teixeira e do

grupo da EJA pela disponibilidade em fazer parte desta pesquisa, pela amizade e pelos aprendizados cotidianos.

[…] à Bruna e Melissa, pela amizade e confiança. Agradeço imensamente pela dedicação e protagonismo na EJA. Sem o trabalho de vocês duas, a história que tentei aqui contar, seria outra ou, provavelmente, nem existiria. Me orgulho demais do trabalho de vocês e espero que possamos continuar construindo juntas esse espaço tão precioso

de aprendizado para todas e todos, que é a EJA. Seguimos juntas nessa luta!

[…] aos movimentos sociais, simplesmente por existirem! Agradeço pela força e perseverança para unir o povo, lutar e construir, coletivamente, poder popular!

[…] a todas e todos que se dedicam a construir um mundo baseado nos direitos humanos e na justiça social.

[…] à Marcia, pela orientação deste TCC. Agradeço imensamente pela leitura atenta, pelas bibliografias sugeridas, pelo comprometimento com este trabalho e mais que isso, pelo comprometimento com as lutas do campo. Obrigada pela orientação e pela amizade.

[…] à Profa. Dra. Maria Clara Di Pierro, Profa. Dra. Carolina Catini e Dr. Wilon Mazalla pelo aceite em fazer parte da banca deste TCC, à leitura atenta, às contribuições a este trabalho e à minha formação.

[…] à toda equipe do Residência Agrária que se dedicou para que este curso acontecesse.

[…] às amizades construídas durante esse curso. Agradeço por cada educanda e educando que mesmo perdendo horas de sono, diversão, refeição e descanso se dedicaram para debater e construir esse curso. Cada momento juntas e juntos foram

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significativos para minha vida. Agradeço demais a todos vocês por isso que posso chamar de companheirismo.

[…] à Lívia e Maíra pela amizade e acolhimento, tornando meus tempos-escola

muito mais divertidos.

[…] à equipe de funcionárias e funcionários do Hotel Santa Tereza em Valinhos pela paciência e dedicação com todos nós em todos os tempos-escola.

[…] à Tessy pela amizade, pelas leituras dos meus textos, pelos materiais de apoio fornecidos, por ter me apresentado ao Coletivo Universidade Popular e à EJA. Agrdeço demais pela dedicação constante às lutas sociais e em especial, à luta pela EJA.

[…] às companheiras e companheiros do Coletivo Universidade Popular por tudo que construímos juntas e juntos e por seguirmos caminhando até aqui.

[…] à minha família, ao Inácio, às amigas e aos amigos de todos os dias, de todas as horas e com as e os quais sei que posso sempre contar. Sem todos e todas vocês não sei se daria conta de continuar.

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Soy... soy lo que dejaron Soy toda la sobra de lo que se robaron Un pueblo escondido en la cima Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima Soy una fábrica de humo Mano de obra campesina para tu consumo frente de frío en el medio del verano El amor en los tiempos del cólera, mi hermano! Soy el sol que nace y el día que muere Con los mejores atardeceres Soy el desarrollo en carne viva Un discurso político sin saliva Las caras más bonitas que he conocido Soy la fotografía de un desaparecido La sangre dentro de tus venas Soy un pedazo de tierra que vale la pena Una canasta con frijoles, soy Maradona contra Inglaterra Anotándote dos goles Soy lo que sostiene mi bandera La espina dorsal del planeta, es mi cordillera Soy lo que me enseñó mi padre El que no quiere a su patría, no quiere a su madre Soy América Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina. (Latinoamérica, Calle 13)

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Lista de Imagens

Imagem 1: Imagem aérea do acampamento Elizabeth Teixeira em 2008 ...34

Imagem 2: O despejo do acampamento Elizabeth Teixeira, abril 2007...35

Imagem 3: “Poço caipira” no lote de uma família e caminhão pipa entrando no acampamento ...38

Imagem 4: Aulas da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, (2008) e almoxarifado cedido para a escola (2009) ...40

Imagem 5: A escola e as aulas da EJA acontecendo na casa de uma das educandas (2012)...41

Imagem 6: Cadernos de aulas dos educandos e educandas da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira...42

Imagem 7: Páginas do Calendário 2012 do acampamento Elizabeth Teixeira...43

Imagem 8: mistura de terra, água e cimento para confecção dos tijolos (2012) ...44

Imagem 9: mistura sendo colocada na prensa (2012) ...44

Imagem 10: Tijolos prontos saindo da prensa, à esquerda e tijolos passando pelo processo de cura à direita (2012) ...44

Imagem 11: pilha de tijolos prontos (2012) ...45

Imagem 12: Mutirão para construção da escola. Primeiras etapas da construção (2012) ...45

Imagem 13: Mutirão para a carpintaria da escola. (2013). Últimas etapas de construção...45

Imagem 14: Mutirão para construção da fossa de Evapotranspiração da “Escolinha” (2014) ... 45

Imagem 15: A escola pronta, 2013 à esquerda e 2015 à direita...45

Imagem 16: O livro didático da EJA...65

Imagem 17: A capa do livro didático da EJA. ...66

Imagem 18: A turma da EJA em viagem ao SESC Itaquera para visita à exposição “Amazônia Mundi” – Projeto Educação em Ciências – 2014 ...74

Imagem 19: A turma da EJA no teatro Municipal de Limeira, 2014... 74

Imagem 20: Educadoras da EJA relatando suas experiências em evento na

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Unicamp – 2014 ...75

Imagem 21: A turma da EJA em visita pedagógica ao Museu Catavento em São Paulo – Projeto Educação em Ciências, 2014 ...75 Imagem 22: A EJA do acampamento Elizabeth Teixeira representada no Seminário de Educação do Campo da Paraíba, 2013 ...75

Imagem 23: Visita à Elizabeth Teixeira em João Pessoa, Paraíba – 2013 ...75

Imagem 24: Atividades pedagógicas da EJA, 2014...76

Imagem 25: O Círculo de Cultura da EJA. Educandos alfabetizados contribuindo com os alfabetizandos, 2014 ...76

Imagem 26: O Círculo de Cultura da EJA, 2015...76

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LISTA DE SIGLAS Alfasol: Alfabetização Solidária

ANFOPE: Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação

ANPED: Associação Nacional de Pós - Graduação e Pesquisa em Educação

BA: Brasil Alfabetizado

CNA: Confederação Nacional da Agricultura

CONAE: Conferência Nacional de Educação

CPN: Comissão Pedagógica Nacional

CRUB: Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras

DDE: Coordenação Geral de Educação do Campo e Cidadania

DDE-1: Divisão de Educação do Campo

EJA: Educação de Jovens e Adultos

FHC: Fernando Henrique Cardoso

MEB: Movimento de Educação de Base

MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

FONEC: Forum Nacional de Educação do Camponesa

Fundef: O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

INCRA: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INEP: Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB: Lei de Diretrizes e Bases

LedoC: Licenciatura em Educação do Campo

MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário

MEC: Ministério da Educação

MEPF : Ministério Extraordinário da Política Fundiária

MOBRAL: Movimento Brasileiro de Alfabetização

ONGs: Organizações não governamentais

PNE: Plano Nacional de Educação

Pronacampo: Programa Nacional de Educação do Campo

Pronatec: Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego)

PRONERA: Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

UNESCO: Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura

UAB: Universidade Aberta do Brasil

TCC:Trabalho de Conclusão de Curso

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Introdução

Meus maiores sonhos? Bom, eu tenho um sonho, que acho que é comum para todo mundo aqui da comunidade, que é conseguir a terra e formalizar este lugar aqui como um assentamento. Aí assim, sendo um assentamento, tendo uma estrutura melhor, podemos ter uma escola do campo tanto para os adultos quanto para as crianças. Então, acho que a educação é um sonho, uma boa educação no caso. (Educadora da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira)

Procurando contribuir com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, em especial com a EJA na Educação do Campo, propomos neste trabalho reflexões a partir de narrativas produzidas pelos sujeitos que “praticam o cotidiano1” (CERTEAU, 2012) da sala de aula da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira, localizado no município de Limeira – SP, para que a partir dessa reflexão local, possamos construir uma narrativa coletiva, que contribuirá para o entendimento e para a luta da EJA no país.

O acampamento Elizabeth Teixeira, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, está localizado em um limite rural-urbano no município de Limeira e sua comunidade, de cerca de 104 famílias acampadas aguardam há oito anos que o local se torne um assentamento. Infelizmente, na comunidade não há uma escola do campo, a promessa por uma escola itinerante também nunca foi cumprida e assim, cotidianamente, a comunidade sofre com a estigmatização histórica e social de ser Sem Terra2, o que reflete em grande parte deles, mas de forma mais pontual nas crianças e jovens da comunidade, que estudam em escolas urbanas. No acampamento há muitas mulheres e homens não alfabetizados e muitos jovens que, regularmente, abandonam a escola regular antes mesmo de finalizarem o Ensino Fundamental II.

Desde 2008, devido às demandas internas do acampamento, uma sala de EJA começou a funcionar de maneira informal, organizada conjuntamente, entre os membros da comunidade e apoiadores do Coletivo Universidade Popular3. Desde então, a sala de EJA passou a ter um grande reconhecimento por toda a comunidade, sendo até hoje, um símbolo de resistência, luta e conquista

1

Utilizamos aqui a expressão “praticar o cotidiano”, que advém dos estudos de Michel de Certeau. Para Certeau, o cotidiano é praticado,ou seja, executado a partir das invenções dos sujeitos, que fazem parte dele. Para Certeau, o cotidiano é o local da invenção e essas invenções são executadas a partir das “artes de fazer”, ou seja, das maneiras de fazer, de ser e estar no mundo, ou seja, no cotidiano.

2

Em minha dissertação de mestrado, trabalhando a partir das narrativas da comunidade do acampamento, pude fazer uma discussão acerca dos processos históricos de estigmatização que sofreram e ainda sofrem na cidade de Limeira. (CARCAIOLI, 2014).

3O Coletivo Universidade Popular, surgiu em 2008, em meio a uma grande greve que ocorria na Universidade Estadual

de Campinas. Diversas pessoas, que questionavam o modelo da universidade, se reuniram e decidiram formar o grupo, que passou a funcionar a partir da autogestão e suas atividades se guiaram pelos princípios de uma educação que eles buscavam, a Educação Popular.

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dentro do acampamento.

Há cerca de 9 meses, a EJA do acampamento foi contemplada com o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA – trazendo inúmeros benefícios para a comunidade, dentre eles, a certificação de educandos e educandas pelo tempo de estudo, a garantia de uma educadora de dentro da comunidade para a sala, entre outros. Mesmo sendo o PRONERA uma política pública voltada para os beneficiários e beneficiárias da reforma agrária, algumas questões relativas à essa identidade estão sendo questionadas pelos sujeitos praticantes desse cotidiano (CERTEAU, 2012) peculiar.

De forma a organizar este trabalho, o texto foi dividido em três capítulos, que dialogam entre si, mas que debatem os assuntos que queremos destacar em cada momento. Nosso primeiro capítulo traz uma revisão bibliográfica sobre a EJA de forma geral, seu lugar nas agendas políticas, e os avanços conquistados na modalidade. No mesmo capítulo procuramos debater a Educação do Campo e a EJA nesse contexto, assim como nosso entendimento sobre a EJA e a Educação Popular.

No segundo capítulo, apresentamos nossas escolhas metodológicas pela pesquisa participante e a bricolagem que realizamos entre a pesquisa etnográfica e as narrativas, trabalhadas a partir de uma perspectiva benjaminiana, produzidas a partir das entrevistas com os sujeitos que constroem a EJA no acampamento Elizabeth Teixeira.

Para apresentar a pesquisa de campo, construímos o capítulo três, realizando as tessituras possíveis entre os dois capítulos anteriores e principalmente, trazendo as vozes dos sujeitos da EJA para compor a discussão de um contexto real e peculiar da EJA do campo.

Finalizando o texto, mas nunca a discussão geral, tecemos algumas considerações finais sobre as questões colocadas em debate.

Para tanto, esperamos que este trabalho possa contribuir com o debate sobre a problemática da EJA no campo tanto no âmbito do curso de Residência Agrária, quanto no contexto geral da Educação do Campo e das políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos do campo. Para isso, apresentamos o contexto da EJA no acampamento Elizabeth Teixeira e procuramos, a partir das vozes dos sujeitos que a constroem cotidianamente, realizar uma avaliação qualitativa sobre esses nove meses de PRONERA , tendo como maior objetivo, procurar contribuir para que se coloque “a EJA em xeque” (HADDAD et alli, 2014) e possamos juntos continuar construindo e lutando por essa modalidade de ensino.

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Capítulo 1: O sentido da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil: a

Educação do Campo em foco

Foi por amar a nossa pátria brasileira Por uma bandeira foi que a gente se dispôs A educar no campo da reforma agrária Formar sujeitos pra amanhã que vem depois.

Pelos caminhos da nova sociedade A educação tem um papel fundamental Por isso vamos aprendendo e ensinando Plantar um sonho de justiça social.

Se achas que é besteira, só pensa asneiras, não sabe amar,

Pois nossa proposta e no aprende socializar Se achas que é perdido e não tem sentido esse seu pensar,

Pois o grande sonho é todo país alfabetizar. As educadoras, educadores o compromisso Do sacrifício assumindo sempre sem vacilar A realidade na produção do conhecimento

E o latifúndio da educação vamos ocupar.

Segue os movimentos que a escola tem em dignidade

Novas dimensões da pessoa humana pra conquistar

Quem não ama a vida pode nunca ensinar a viver

E na educação quem não ama nunca pode educar

Se achas que é besteira, só pensa asneiras, não sabe amar,

Pois nossa proposta e no aprende socializar Se achas que é perdido e não tem sentido esse seu pensar,

Pois o grande sonho é todo país alfabetizar. (Sonho e Compromisso, Cantares da Educação do Campo, Zé Pinto)

1. 1. O que faz da EJA um direito constitucional?

A pergunta acima é o ponto inicial para as discussões que buscamos trazer neste trabalho, pois ela nos leva a pensar sobre o tempo e o espaço da EJA dentro da colcha de retalhos que se faz a Educação no Brasil.

Até a década de 1920, cerca de 60% da população brasileira era analfabeta – a grande parte desse número eram trabalhadores do campo e da cidade e mulheres, em número bastante significativo (ARAÚJO, 2012) – agravando-se essa condição com a política da época dominada por uma elite que pouco se importava com a educação da classe trabalhadora.

Entre 1920 e 1930, Anísio Teixeira trazia ao Brasil um modelo Europeu de educação, conhecido como Escola Nova e que respondia a uma urgente demanda por alternativas na educação, uma vez que o mundo passava por diversas transformações urbano-industriais

(28)

(RIBEIRO, 2013). A Escola Nova só ganhou força no Brasil a partir de 1932 com a elaboração do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que propunha uma educação adequada a esse novo momento que o mundo passava, ele não se opunha e nem mesmo trazia críticas ao capitalismo industrial e nas mudanças que esse capitalismo trazia para a sociedade e para a educação no país (RIBEIRO, 2012).

A população do meio rural brasileiro continuava esquecida, pois em um momento de industrialização, aqueles que viviam no campo continuavam sendo vistos como atrasados, conservadores, alienados, ou seja, aqueles que deveriam se abrir ao progresso e aos movimentos civilizatórios; infelizmente essas ideias continuam ainda vivas na memória coletiva da sociedade contemporânea (CARCAIOLI, 2014).

Ainda em 1932, surge o movimento chamado “ruralismo pedagógico4”, que propunha-se como contestador das novas políticas de educação para o meio rural, preocupando-se com uma educação diferenciada para os filhos dos agricultores, de modo a mantê-los na terra e trabalhando de acordo com as demandas do campo. (RIBEIRO, 2012). Porém, é importante destacarmos, a partir de uma visão crítica, que esse ruralismo pedagógico para os camponeses e camponesas nada mais era que uma ideologia do que um projeto pedagógico que visasse a partir de resultados práticos, a superação de estruturas sociais da época (CARCAIOLI, 2014).

A partir da Constituição de 1934, começa a aparecer uma preocupação com o ensino de adultos, concretizando-se com o Plano Nacional de Educação (PNE). Porém, é apenas a partir de 1947 que inicia-se a primeira Campanha Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos, por iniciativa do Ministério da Educação e Saúde. Essa campanha se deu pela pressão por parte da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, que recomendou aos países com alta taxa de analfabetismo que mudassem rapidamente esse quadro.

No campo, o modelo de educação promovido pela Escola Nova ficou conhecido como Educação Rural, com a proposta de retirar o “atraso” histórico no campo brasileiro. Mas é importante destacar a preocupação do governo em erradicar o analfabetismo, preparando os homens incultos para se tornarem “povos dirigidos” (RIBEIRO, 2013), porém com o devido cuidado de não empoderá-los a ponto de emancipá-los, “tornando-se uma ameaça a seus opressores” (CARCAIOLI, 2014, p.20).

Nesse período de alfabetização em massa, emerge a Educação Popular vinculada às ideias 4 Em 1937, procurando manter o Homem no campo, cria-se o Ruralismo Pedagógico - “Instruir para poder sanear”.

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de Paulo Freire, que levava não só alfabetização às salas de aula, mas educação como um todo, de forma crítica, tendo como objetivo transformar a realidade dos trabalhadores, e dar a eles o papel de sujeitos de sua própria alfabetização. Dentro dessas propostas, surgiram fortes projetos, em grande parte ligados à Igreja Católica e grupos organizados, como por exemplo: Movimento de Cultura Popular (MCP), o Movimento de Educação de Base (MEB), o Centro Popular de Cultura (CPC) e a Cruzada ABC.

Porém, tanto Paulo Freire quanto a Educação Popular e esses tantos projetos foram “expurgados dos programas governamentais durante o regime militar” (DI PIERRO, 2014, p. 39) – que foi de 1964 a 1985. Paulo Freire foi cassado e exilado e os grupos que insistiram em continuar com sua pedagogia emancipadora passaram a sofrer drasticamente com a repressão. De todos os projetos listados anteriormente, apenas o MEB sobreviveu ao Golpe Militar, em 1964, sendo protegido pela Igreja Católica. Porém, para sobreviver em meio a um país com tanta força repressiva, o MEB precisou alterar sua orientação teórico-metodológica (PAIVA, 2003). A alfabetização de jovens e adultos passou a ser permitida apenas com caráter assistencialista e conservador (ARAÚJO, 2012).

Em 1967, surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), de caráter cívico, em um Seminário sobre Educação e Desenvolvimento (SUDENE). Aliando-se MOBRAL e MEB, com financiamento empresarial e tendo como perspectiva uma educação voltada ao capital, esses movimentos alinham-se às bases do regime da época, como nos apresenta Paiva (2003),

Em 1970 renova-se o MEB junto ao MOBRAL com apoio do MEC – IBGE-UNESCO e Vale do Rio Doce, restringe o método Paulo Freire e distribuem um material uniforme sem respeitar a diversidade do país. É feito um fortalecimento subliminar do industrial – urbano incentivando a migração rural para a urbana no apoio ao capitalismo e consumo. A mudança de abordagem é voltada para a adequação da mão de obra educada para o mercado de trabalho industrial e comercial. (ARAUJO, 2005, p. 177)

Entre o final da década de 1970 e início da década de1980, movimentos sociais e populares emergem tanto na cidade quanto no campo em luta contra a ditadura. No campo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surge com força em doze estados brasileiros, oficializando-se em 1984 em Cascavel – PR, a partir do Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra. Nesse momento, os movimentos sociais do campo, com destaque ao MST,

(30)

[...] passam a contestar as políticas agrárias na luta contra os grandes latifúndios, contra as políticas que beneficiavam o agronegócio, visando ocupar os espaços públicos, exigir a reforma agrária e levá-la às pautas das agendas políticas, incluindo aí também uma educação que dialogasse com as demandas sociais do campo. (CARCAIOLI, 2014, p. 22).

Com mudanças drásticas no cenário das lutas no campo, não havia mais espaço para tentar dialogar com uma Educação Rural “engendrada em uma política pública de marginalização e descaso com as identidades culturais do campo, e imbricada em um interesse aquém de uma educação de qualidade — um interesse latifundista e de expansão do agronegócio” (CARCAIOLI, 2014, p.20). Era preciso combater esse modelo, o momento pedia uma nova proposta, abarcada dentro das pautas desses movimentos. É nesse contexto que emerge um movimento pela Educação do Campo, que se fortalece junto às lutas de diversos outros movimentos, passando a questionar e exigir uma educação digna e específica para seus povos.

A partir das pressões desses movimentos, o direito à educação escolar em qualquer idade passa ser garantida pela Constituição de 1988, e a EJA passa a ser uma modalidade da educação básica a partir da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) em 1996, como parte da justiça social a quem o direito à permanência na educação escolar, seja ela na infância ou na juventude, foi negado ao longo de suas vidas.

Porém, é importante darmos uma atenção especial à questão do financiamento destinado à EJA quando ela passa a ser inclusa como modalidade de ensino. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) deixa de fora a EJA, focando os investimentos públicos apenas na educação de crianças e adolescentes. O governo federal, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso (FHC), nesse momento se abstém da responsabilidade relativa à EJA e lança, em 1995, o programa Comunidade Solidária, que entre as pautas traz a questão do combate ao analfabetismo de jovens e adultos, com o programa Alfabetização Solidária (Alfasol). Caracterizado pelo assistencialismo e ineficiência devido à falta de recursos para execução da modalidade, como na formação de profissionais para atuarem na EJA, houve a transferência de responsabilidade para as organizações da sociedade civil como universidades, empresas e organizações não governamentais (ONGs) (ARAÚJO, 2012).

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A partir dos anos 2000, já com o governo Lula, o programa Alfasol criado no governo FHC foi substituído pelo programa Brasil Alfabetizado (BA), que continuava sofrendo com a restrição de recursos hábeis para execução da modalidade EJA tanto no campo quanto na cidade. Porém, a EJA começa a ganhar lugar nas agendas da administração federal, mas ainda hoje, sofre com a falta de políticas públicas efetivas. No campo, muitos relatos de experiência dos movimentos sociais demonstram que a EJA é uma demanda concreta ocorrendo de forma efetiva, a partir da organização de luta dentro da comunidade.

Mesmo com experiências inspiradoras, com a entrada da EJA nas pautas de discussão das agendas públicas assim como os demais ganhos da modalidade, estudos recentes de Di Pierro (2014) sobre o financiamento da EJA em cidades do estado de São Paulo – que caracteriza-se por ser o estado mais populoso, melhor desenvolvido economicamente e que reúne o segundo maior contingente de analfabetos do Brasil - demonstram que a situação ainda se configura como “[...] uma violação aos direitos educativos construídos socialmente e consagrados na legislação, e um desafio às políticas educacionais [...]” (DI PIERRO, 2014, p. 41). A autora demonstra em suas recentes pesquisas que, mesmo em um novo contexto para a EJA, iniciado em 2006 com a entrada de recursos do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), ampliou os investimentos na modalidade, porém,

Embora a análise de realidade seja limitada pela escassez de informações fidedignas sobre os custos e o gasto público com a alfabetização e o ensino de jovens e adultos, os dados disponíveis nos levam a concluir que o padrão de gasto atual é insuficiente para uma provisão de qualidade e que, nos moldes vigentes, a política de fundos que rege a colaboração intergovernamental é ineficiente para induzir os governos subnacionais a ampliar e qualificar o atendimento, que minguou ao longo do quinquênio analisado (DI PIERRO, 2014, p. 70).

1.2. O PRONERA e a mudança de cenário da EJA no campo brasileiro

Criado em 16 de abril de 1998, pela portaria do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária (MEPF), o PRONERA surgiu da necessidade de um programa de educação específico para a população da Reforma Agrária, uma vez que em 1997, um estudo denominado Censo da Reforma Agrária, encomendado pelo Ministério Extraordinário da Política da Política Fundiária ao Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), constatou que havia um índice de

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analfabetismo nas áreas de assentamentos do campo acima da média brasileira e um índice de escolaridade extremamente baixo (SANTOS, 2012). A partir desse estudo, foi constatado que esses índices eram decorrentes da “ausência do poder público estadual ou municipal na organização das condições que assegurassem educação para esta parcela da população, que foi se estabelecendo nesses novos territórios” (SANTOS, 2012, p. 630).

A partir desse contexto, surge o PRONERA, como uma política pública do governo federal, inicialmente, sendo específica para a educação formal de jovens e adultos assentados da Reforma Agrária e do crédito fundiário e também, para a formação de educadoras e educadores que atendam essas populações. Os projetos do PRONERA foram se ampliando e hoje visam atender a alfabetização de jovens e adultos nos anos iniciais e finais do ensino fundamental e médio na modalidade EJA, ensino médio profissional, ensino superior e pós-graduação, neste último caso, essa pós graduação é denominada Residência Agrária (SANTOS, 2012).

Em 2001, o PRONERA foi incorporado ao INCRA, onde está alocado, passando a ser executado pelo MDA/INCRA. A gestão nacional é exercida pela Coordenação Geral de Educação do Campo e Cidadania (DDE) e Divisão de Educação do Campo (DDE-1), com assessoria e consultoria da Comissão Pedagógica Nacional (CPN) do PRONERA (Manual de Operações do PRONERA, 2011). Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2004 havia 28,7% de analfabetos no campo brasileiro, segundo Santos (2012), centenas de projetos foram desenvolvidos em parceria com instituições de ensino, alfabetizando, escolarizando e capacitando cerca de 400 mil trabalhadores rurais assentados. Em 2010, a partir da Pesquisa de Qualidade na Reforma Agrária (PQRA), realizada pelo INCRA, a taxa de analfabetismo nas áreas de reforma agrária era de 15,8% e os índices de escolaridade continuavam ainda muito baixos, em torno de 27% da população tinha concluído o ensino fundamental. Essa é uma grande demanda e um desafio ao programa.

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educação dos povos do campo.

Neste trabalho, procuraremos apresentar a experiência do acampamento Elizabeth Teixeira na cidade de Limeira, SP, demonstrando e discutindo um cenário comum da EJA no Brasil, principalmente no meio rural. O improviso, a criatividade e a vontade de estudar modificam o cotidiano de uma comunidade, como veremos mais adiante.

Felizmente, com o PRONERA, a situação no campo brasileiro apresenta resultados positivos, ainda que esbarre também nas questões pontuais que emperram a EJA no país. Os números mostram, que ainda altos, os índices de analfabetismo no campo estão tendendo a diminuir5, demonstrando que os esforços e persistência dos movimentos sociais em manterem as salas de aulas abertas nos assentamentos e acampamentos estão surtindo resultados satisfatórios e animadores para todos que fazem parte dessa luta cotidiana.

Mesmo com poucos recursos e lentidão dos órgãos governamentais, o PRONERA abriu portas para a Educação do Campo e ajudou a consolidar as primeiras iniciativas de uma Educação voltada para essa realidade, formando educadores e educadoras que compreendem as relações locais por fazerem parte delas.

Assim, a Educação do Campo parece apresentar como proposta pedagógica a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. Daí a importância de se ter professores que conheçam a história da comunidade e vivenciem os valores culturais do campesinato. (PEREIRA, 2011, p. 348)

Gostaríamos de destacar aqui o Programa Nacional de Educação do Campo (Pronacampo6), lançado em março de 2012 pelo governo federal, nos termos do Decreto presidencial n.7352, o mesmo da criação do PRONERA, e regulamentado pela Portaria n°. 86, de 1º de fevereiro de 2013.

Em agosto de 2012, ocorreu o Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, que teve como foco principal de análise as políticas públicas da Educação do Campo na atualidade. Nesse fórum, foi gerado um documento denominado pelos membros7 de Notas para análise do momento atual da Educação do Campo8, com o objetivo principal de socializar as discussões ali

5 Segundo dados do IBGE, o número de analfabetos no campo ainda chega a 21%. Fonte:

<http://www.ibge.gov.br/home/ > (último acesso em 21/06/2015).

6

Para conhecer mais sobre o Pronacampo: <http://portal.mec.gov.br/index.php?

option=com_content&view=article&id=18720:pronacampo&catid=194:secad-educacao-continuada> (último acesso em 15/01/2015).

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A sistematização desse documento foi elaborada pelos membros do FONEC: Antonio Munarim, Eliene Novaes Rocha, Mônica Castagna Molina e Roseli Salete Caldart.

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realizadas. A partir deste documento, os membros do FONEC deixam claramente explícito seu desapontamento com o Pronacampo. Situam o programa como “muito mais próximo a uma política de “educação rural” [...] do que das ações e dos sujeitos que historicamente constituíram a prática social identificada como Educação do Campo” (p.1) e cobram também do Governo Federal, junto aos seus órgãos responsáveis, uma discussão sobre as contradições presentes envolvendo a tríade campo, educação e políticas públicas, no momento atual brasileiro, sobre o lugar que o agronegócio ocupa hoje na economia brasileira e a situação de trabalho dele decorrente.

O documento também faz referência à ofensiva criação pela Confederação Nacional da Agricultura9 (CNA) do Projeto Escola Viva que, segundo seus canais de comunicação, deve “criar condições para que a família e a comunidade participem do dia a dia das unidades de ensino rurais. A escola deverá ser o principal instrumento de desenvolvimento social e comunitário” (p.8). É desta forma, que o agronegócio — a quem pertence a CNA — parece atuar, apropriando-se das reivindicações das classes trabalhadoras do campo, esvaziando o debate social do modelo de desenvolvimento do campo na atualidade brasileira, o que agrava as desigualdades sociais. Essas investidas de órgãos como a CNA “afirmam que há um papel importante da educação para a ampliação e manutenção do agronegócio” (p.8).

O documento aponta uma preocupação “no plano da política de educação para a população do campo, enquanto ação do Estado e dos governos, depois de um curto período de avanços desde os interesses sociais da classe trabalhadora do campo, a tendência atual é de retorno ao leito da ‘educação rural’ [...] e o avanço da ‘educação corporativa’.” (p.10).

Ainda, segundo o documento: “não é nosso objetivo analisar pormenorizadamente o Programa Pronacampo, até mesmo pela insuficiência de informações divulgadas sobre ele, mas entendemos que já é possível e necessário, refletir sobre algumas ações nele previstas, que podem vir a ter impactos significativos nos rumos da Educação do Campo. Dentre elas destacamos a Educação Profissional, a Formação de Educadores e a Construção de Escolas do Campo” (p. 17).

Sobre a Educação Profissional, o documento apresenta a ênfase que o Pronacampo dá ao Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego) para o campo. Esse programa procura inserir o trabalhador do campo no Ensino Técnico, possibilitando sua “inserção

publicação do documento Notas para análise do momento atual da Educação do Campo, importante para entender a situação atual da Educação do Campo. O documento está disponível em: <http://educampoparaense.org/site/media/Notas%20para%20an%C3%A1lise%20do%20momento%20atual%20da %20Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20Campo.pdf> (último acesso em 22/04/2015).

9A CNA é uma entidade sindical patronal que representa cerca de dois milhões de produtores rurais comerciais

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produtiva” no mercado, preparando mão de obra para o trabalho desqualificado que o agronegócio demanda, tendo a CNA atuando como protagonista dessa formação (p. 18-21).

Sobre a formação de educadores e educadoras, o Pronacampo estabelece como “meta de formação de educadores do campo para os três primeiros anos de sua vigência: 45mil educadores, sendo 15 em 2012, 15 mil em 2013 e 15 mil em 2014. Esse quantitativo foi distribuído entre três categorias de formação de educadores do campo: a dos próprios cursos do Pronacampo, a dos cursos desenvolvidos através da Plataforma Freire, e a terceira via — em nosso entendimento, a mais problemática — pela Educação à Distância, via Universidade Aberta do Brasil – UAB” (p.21-22). É importante destacar que o movimento da Educação do Campo, a ANFOPE (Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação), a ANPED (Associação Nacional de Pós -Graduação e Pesquisa em Educação) e a CONAE (Conferência Nacional de Educação) apresentam– se contrários e tecem duras críticas à formação inicial de educadores e educadoras à distância, principalmente à dos cursos da Universidade Aberta do Brasil, que os ministra de forma massiva e precarizada.

Sobre a “construção de escolas no campo”, é importante ressaltar que — de acordo com o Censo Escolar do INEP —, em 2002, existiam 107.432 escolas em áreas rurais. Em 2011, esse número caiu significativamente para 76.229 unidades; ou seja, houve o fechamento de 31.203 escolas em áreas rurais (VOMERO, 2014)10. A meta do Pronacampo é a construção de 3 mil escolas, sendo disponibilizados às prefeituras projetos arquitetônicos. A meta de construção ainda é modesta em relação ao número de escolas fechadas no meio rural, porém é importante ressaltar que o Pronacampo conseguiu enviar à Câmara dos Deputados (PL 3534/2012) a inclusão de uma alteração legal que dificulta o fechamento das escolas do campo. O projeto de alteração da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 foi aprovado em fevereiro de 2014 e está vigente no atual momento. O projeto exige uma massiva atuação das organizações que atuam na Educação do Campo.

Com base nesse documento elaborado pelos membros do FONEC e das demais discussões acerca das demandas políticas da Educação do Campo, é importante refletir sobre o momento atual que estamos vivendo e, dessa forma, termos unidade, firmeza e preparo para agir em favor de justiça social e políticas públicas que atendam às necessidades reais dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.

A partir desses esforços coletivos, a meta continua sendo a alfabetização e escolarização dos sujeitos do campo, porém tendo como horizonte aquilo que Paulo Freire já trazia com a

10

VOMERO, Maria Fernanda. A voz do campo, Revista Educação, Edição 207, Julho 2014. Disponível em: <http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/207/a-voz-do-campo-318118-1.asp> (último acesso em 08/05/2015)

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Educação Popular há anos atrás: autonomia, emancipação, elevação cultural e qualificação de consciência crítica para todos os homens e mulheres do campo.

1.3. Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o trabalho

coletivo

Operando a partir da ótica das classes trabalhadoras e das exigências trazidas por suas lutas, fazendo valer um conjunto de reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho e, ainda, de pressões para uma participação maior nas decisões políticas, a Educação Popular foi se gestando entre os anos de 1960 a 1980. Tornando-se mundialmente conhecida, a educação popular sempre teve como direcionamento central do processo educativo estar a serviço dos interesses e das necessidades das classes populares, dos trabalhadores (BRANDÃO, 1984).

As raízes da Educação Popular são as experiências históricas de enfrentamento do capital pelos trabalhadores na Europa, as experiências socialistas no Leste Europeu, o pensamento pedagógico socialista, as lutas pela independência na América Latina, a teoria de Paulo Freire, a teologia da libertação e as elaborações do novo sindicalismo e dos Centros de Educação e Promoção Popular. (PALUDO, 2012, p.281)

No Brasil, anteriormente aos anos de 1990, é possível identificar três momentos da constituição da Educação Popular. O primeiro iniciou-se em 1889, à época da Proclamação da República, e estendeu-se até 1930. Esse modelo representou a passagem do modelo de país agrário-exportador para um modelo urbano-industrial. Nesse período, as primeiras ideias de práticas educacionais alternativas se deram com grupos socialistas, anarquistas e comunistas11, que buscavam formas pedagógicas diferenciadas das pedagogias tradicionais e da Escola Nova (PALUDO, 2012).

Após esse período, com a Revolução de 1930, o Brasil passou pela ditadura do Estado Novo (1937-1945), vindo à tona os movimentos de educação popular com a concepção de Educação Popular. Foi quando surgiram três novas orientações pedagógicas em disputas de poder: a pedagogia da Escola Nova, a pedagogia tradicional e a Educação Popular, influenciada pelas teorias freireanas – ficando conhecida como a cultura popular dos anos 1960 (FÁVERO, 1983).

No final da década de 1970, como já discutimos anteriormente, emergiram com maior força, os movimentos sociais trazendo à tona as lutas populares, que sofreram drasticamente, como 11

Os libertários, no início do século XX, não lutavam pelo ensino público e gratuito. Inspirados em Ferrer,

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já mencionado, a época da ditadura militar. Por isso, até meados de 1990, a educação popular se fortaleceu de forma pedagógica e educativa, principalmente em espaços não formais, como sendo a educação do povo, da classe trabalhadora. Assim, “diversas concepções educativas estão presentes nas suas práticas: concepção de educação popular, teorias não diretivas, pedagogia da Escola Nova, pedagogia tradicional, pedagogia tecnicista” (SAVIANI, 2007).

Hoje, a proposta de educação popular que pretendemos apresentar como base para a pedagogia da Educação do Campo, vem no sentido de se firmar como um marco epistemológico e pedagógico engendrado no método prática-teoria-prática, ver-julgar-agir e ação-reflexão-ação (FREIRE, 2012), estabelecendo vínculos entre educação e política, educação e classe social, educação e conhecimento, educação e cultura, educação e ética e entre educação e projeto de sociedade (PALUDO, 2012) — ou seja, atendendo a demanda dos movimentos populares de uma escola onde se respeitam as diferenças culturais, a luta e organização das classes populares.

Em meio a lutas e resistências, alguns educadores e educadoras conseguem ainda retomar o sentido da educação popular com projetos que visam à resistência de uma educação transformadora e voltada aos sujeitos oprimidos por um sistema capitalista, sejam eles trabalhadores do campo ou da cidade.

Esses sujeitos, que tanto a educação popular quanto a Educação do Campo procuram contemplar, possuem suas histórias e saberes apagados e dominados no cotidiano comum da sociedade. Quando inserem-se na EJA, vêem nela uma oportunidade de externar todo esse conhecimento, quando incentivados e amparados pela turma, pelos educadores e educadoras e pelo sistema de ensino utilizados.

A Educação Popular se compromete com os interesses desses sujeitos, tendo como uma de suas preocupações básicas a criação de condições para que eles articulem suas experiências históricas, transformando-as num todo homogêneo e elaborando uma nova concepção de mundo. (FREIRE, 2011a).

Ora, se o que se busca não é mais o saber construído pela classe dominante, que saber seria este, então? Do ponto de vista de uma Educação, que se propõe como autônoma e independente, a construção desse novo conhecimento só poderia se dar a partir da ressignificação de um saber, que se inscreve nas experiências cotidianas das classes trabalhadoras e surge, ainda que desarticulado, destas mesmas classes.

A elaboração deste novo saber não se realiza naturalmente, exige uma troca recíproca de experiências e conhecimentos entre educadores e grupos de trabalhadores. Supõe, como diria Gramsci, um novo tipo de intelectual “[...] que não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como

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construtor, organizador persuasor “permanente”, já que não apenas orador puro [...]”12 (BLASS et al, 1980, p.38)

A partir das estruturas sociais com as quais a educação popular — e aqui gostaríamos de poder incluir desde já a Educação do Campo – precisa dialogar, com quais podemos compreender o processo que leva os educandos e as educandas a perceberem a desigualdade social -, se faz necessária uma perspectiva “de dentro” dos movimentos sociais, como propõem Brandão (1980 (a)) e Dias de Andrade (2010).

Assim, entendemos como um processo necessário, dentro de uma discussão centrada na cultura e nos saberes de um sujeito e/ou de uma comunidade, que as práticas de contextualização apareçam como um caminho possível dentro da Educação do Campo, da Educação Popular e das teorias pedagógicas populares.

Por que contextualizar? Contextualizar aqui vem num sentido de estabelecer relações orgânicas entre a escola e o contexto onde ela está inserida — neste caso, o campo — com problemáticas diversificadas da realidade urbana (AZEVEDO e GOMES 1986; REIS, 2011) e rompendo com a alienação do território, construindo conhecimentos a partir da relação local-global-local. (FERNANDES e MOLINA, 2004). Na tentativa de estabelecer um diálogo entre educandos, educandas, educadores e educadoras em prol de um projeto popular de educação, devemos nos ater, naquelas áreas mais densamente povoadas, aos sentimentos e emoções dos sujeitos, suas histórias de vida pessoais e familiares cheias de percalços e conquistas, e à busca de uma dignidade para compreenderem de outra forma o “sofrimento13” que carregam durante anos. Contextualizar nada mais é que colocar em prática um currículo que promova o diálogo entre o saberes científicos e populares, que leve em conta as histórias de vida de cada sujeito, perscrutando com atenção suas vivências e retirando — de histórias repletas de significados — conhecimentos tácitos e táticos recorrentes que perpassam coletividades construídas e desconstruídas cotidianamente, dentro dos movimentos sociais e/ou de suas comunidades. Uma análise que somente uma “visão de dentro” dessas comunidades pode nos dar14.

[...] para recriar a cara e a maneira de se fazer a escola do campo, passa pela possibilidade de conciliar os conhecimentos sociais e científicos acumulados pela humanidade, que podem ser úteis para a vida, favorecendo a capacidade de se questionar a razão da própria existência e das condições da realidade concreta da sociedade em que vivemos, com os

12 Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura, 1982, p.8.

13 Segundo Comerford (1999, p.19): “a luta é nitidamente associada à noção de sofrimento”. 14

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conhecimentos acumulados pela própria gente local das comunidades, já que a escola com os seus conhecimentos descontextualizados e distantes da realidade configura-se em mais um alienígena frente aos estudantes do campo. Contextualizar parece ser uma das saídas para esse grande fosso existente entre a atual escola do campo e a urbana. (REIS, 2011, p.281).

A Educação Popular procura transformar uma “Educação fundamental para o povo (com os valores políticos dos grupos externos retraduzidos na linguagem de ajuda ao povo) em uma Educação do povo (os valores culturais dos grupos populares retraduzidos através da Educação levada a eles)” (BRANDÃO, 1980 (a), p. 5), supondo que as camadas de populações mais marginalizadas e mais pobres se apropriem de um novo saber-instrumento; um saber que pode ser usado diretamente na realização dos objetivos sociais destas camadas (COSTA, 1977).

1.4 A formação de educadores e educadoras para o campo

Os movimentos sociais defendem políticas educacionais para o campo que não atendam uma função genérica e nem um currículo único para a Educação do Campo; eles também são contrários ao ruralismo pedagógico como o já ocorrido no Brasil, quando houve uma tentativa de formar professores para as escolas rurais e formou professores de forma generalista, ou seja, os professores eram capacitados para desenvolverem os “mesmos saberes e competências do ensino fundamental, independente da diversidade do coletivo” (ARROYO, 2012, p.359). Assim, as políticas de formação de professores do campo se constroem na conformação da Educação do Campo (idem), priorizando os programas, projetos e cursos de Pedagogia da Terra, de formação de professores do campo – como os cursos de Licenciatura em Educação do Campo15 -, de professores indígenas e quilombolas (idem). A Educação do Campo se propõe a superar a Escola Rural e o ruralismo pedagógico, assim como a formação de um professor rural e, dessa forma, “politizar a educação do campo em outro projeto de campo” (idem, 2012, p.360).

A formação de educadores e educadoras, imbricada nas lutas dos movimentos sociais, ocorrem em diversas Escolas do Campo e tem como peça central a riqueza das práticas que se aprendem na tensão social do contexto em que educandos e educandas e educadores e educadoras vivem — geralmente, dentro de áreas de reforma agrária, áreas indígenas ou

15O curso de Licenciatura em Educação do Campo teve sua base experimental desenvolvida pelo Iterra (Instituto

Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) em parceria com a Universidade de Brasília no ano de 2007. Hoje, a Licenciatura em Educação do Campo já saiu de sua fase experimental e é contemplada por diversas universidades púbicas no Brasil. O público-alvo dos cursos é os camponeses que pretendem desenvolver seus trabalhos educativos dentro de suas comunidades e/ou áreas da reforma agrária. (CALDART, 2010).

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quilombolas, em que ambos são sujeitos críticos e reflexivos da luta e transformadores da realidade.

É necessário que o poder popular – nesta proposta – se exerça na própria prática educativa. E os sinais de que isso está ocorrendo se dão na medida em que os grupos populares assumam o controle (encaminhamento) do processo educativo. (GARCIA, 1979, p. 92)

Ao longo do processo de formação de /educadores, militantes de movimentos sociais, passaram a questionar a falta de reconhecimento de seus valores políticos, culturais e educativos. Sendo assim, demandaram do currículo de formação de /educadores que, seus saberes e, ações coletivas e legitimação de seus conhecimentos, em diálogo com as teorias pedagógicas e didáticas dos cursos oferecidos, fossem levados em conta (ARROYO, 2008, 2012).

[...] Os currículos de formação tem incorporado o direito ao conhecimento da história de resistência e de ações coletivas de movimentos sociais pela sua afirmação. Se os profissionais docentes – educadores entenderem essa tensa história, estarão capacitados a trabalhar esse entendimento com as crianças e adolescentes, com os jovens e adultos que trabalham nos campos, nas comunidades indígenas, negras e quilombolas, e até nas escolas públicas populares em que chegam os diferentes, feitos e tratados em nossa história como desiguais. A incorporação dessa riqueza de conhecimentos ocultados trará maior densidade e radicalidade teórica aos currículos de formação. (ARROYO, 2012, p. 362)

No momento atual, a formação de educadores e educadoras do campo se dá, como já mencionado, a partir de cursos de graduação em Pedagogia da Terra (pelo PRONERA) e na forma de Licenciaturas em Educação do Campo implantadas nas universidades públicas desde 2007 e com o apoio do Ministério da Educação (MEC). Essa proposta nasceu na II Conferência Nacional Por uma Educação do Campo, em 2004 e começou a ser construída pelo MEC em 2005, por uma comissão instituída pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo da Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), contando com o apoio do Iterra. Em 2006, as universidades foram convidadas pelo MEC para realizarem projetos piloto do curso (CALDART, 2010).

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com a Pedagogia da Alternância. Segundo Caldart (2010), o levantamento realizado e apresentado à Comissão Nacional de Educação do Campo de 2010, apontava 21 cursos de Licenciatura em Educação do Campo em universidades públicas brasileiras, e a previsão era de abertura de novos cursos no mesmo ano e novo edital para 2011.

Caldart (2010) começa a apresentar uma reflexão sobre a questão da formação para a docência por área de conhecimento — que compõe a proposta do curso — e suas implicações sobre a forma de organização curricular das escolas do campo. Essas reflexões iniciais vão culminar para reflexões mais pontuais expressas no documento gerado pelo Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), em 2012, acerca do momento atual da Educação do Campo, que diz respeito ao Pronacampo.

Em 2004/2005, quando os cursos de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) foram pensados, a proposta era de uma “Licenciatura que se constitua desde a especificidade da Educação do Campo (que inclui uma estreita relação entre educação e processos de desenvolvimento comunitário) e que faça a formação dos educadores e educadoras que atuam/ou pretendem atuar nas escolas do campo” (CALDART, 2010, p. 131). Assim, de acordo com essa ampla atuação do educador e da educadora, essa licenciatura pretende “habilitar os professores para a docência multidisciplinar em um currículo organizado por área de conhecimento” (idem).

A partir dessa proposta, o curso incluiu três conjuntos de aprendizados básicos de formação para esses educadores e educadoras do campo. Segundo Caldart (2010), são eles:

1. Docência multidisciplinar em uma das áreas de conhecimento propostas pelo curso: Linguagens, Artes e Literatura; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Agrárias.

2. Gestão de processos educativos escolares, entendida como formação para a educação dos sujeitos das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica para a construção do projeto político-pedagógico e para a organização do trabalho escolar e pedagógico das escolas do campo.

3. Atuação pedagógica nas comunidades rurais, o que significa uma preparação específica para o trabalho pedagógico com as famílias e ou com os grupos sociais de origem dos estudantes para liderança de equipes e para a implementação (técnica e organizativa) de projetos de desenvolvimento comunitário sustentável.

Com esse projeto, Caldart (2010) traz algumas reflexões sobre a LEdoC, apresentando duas principais convicções — fundamentais para o trabalho pedagógico dessa Licenciatura. A primeira delas é a questão da centralidade do projeto político - pedagógico da LEdoC, que não está e não deve estar na questão da formação de docentes por área do conhecimento; sendo esta apenas uma ferramenta escolhida pelas circunstâncias históricas para o desenvolvimento “das dimensões

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do projeto de formação de educadores e educadoras que dê conta de pensar os caminhos da transformação da escola desde o acúmulo de reflexões já existentes sobre isso no âmbito da Educação do Campo e especialmente dos movimentos sociais camponeses” (CALDART, 2010, p.129).

A segunda convicção que ela apresenta é a de que a formação de docentes por área deve estar intimamente ligada a um projeto de transformação da forma escolar atual, ou seja, deve ocorrer uma desfragmentação curricular que leve à construção de "um vínculo mais orgânico entre o estudo que se faz dentro da escola e as questões da vida dos sujeitos concretos, e a reorganização do trabalho docente que visa superar a cultura do trabalho individual e isolado dos professores” (CALDART, 2010, p.129), fundamentando-se em uma abordagem histórico-dialética de compreensão da realidade e do modo de produção do conhecimento. É importante reforçarmos aqui a discussão que vínhamos trazendo: currículo narrativo e Educação Popular, ambos alicerçados nessa abordagem histórico-dialética.

Os questionamentos que Caldart (2010) traz e que se fundamentam com as novas polêmicas apresentadas no documento (FONEC, 2012) se dão a partir da constituição originária da LEdoC, que foi vista como uma possibilidade de provocação do debate sobre a necessidade de transformação da escola e dos modelos dominantes de formação de educadores e educadoras nas Licenciaturas atuais. Porém, as metas de formação de educadores e educadoras que o Pronacampo apresenta estão em desacordo com as metas de formação previstas pelos cursos de LEdoC no Brasil que ocorrem de maneira presencial; sendo assim, o Pronacampo autoriza a Universidade Aberta do Brasil (UAB) a abrir cursos de LEdoC através da Educação à Distância, formando professores e professoras; e, nesse caso, não nos sentimos à vontade para usar a grafia educadores e educadoras para os diplomados na forma massificada e precarizada realizada pela UAB. Essa crítica não quer dizer que “recusamos o direito e o dever dos docentes em formação de acessar as novas tecnologias de informação e comunicação e de saber incorporá-las em sua prática pedagógica, como ferramenta de ensino, pesquisa e extensão, mas se trata de situar o papel complementar e não central dessas tecnologias no processo formativo dos educadores” (FONEC, 2012).

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Conceber a cultura como agente das transformações indica a superação de uma cultura profundamente paternalista e fatalista, em que um camponês se perdia na perda de si mesmo, enquanto objeto quase puro do processo de produção, excluído do processo de produção. Quando se reincorpora ao processo de produção, ele evidentemente alcança uma posição social, histórica e cultural que não ocupava. A partir das transformações sociais que ele vê se realizarem na sua comunidade, ele descobre que, tendo sido capaz de transformar a terra, é também capaz de transformar a história, de transformar a cultura. Da posição fatalista, ele renasce numa posição de inserção, de presença na história, não mais como objeto, mas também como sujeito da história. (FREIRE, 2013, p. 248).

É dessa forma que pensamos ser de grande valia que a Educação Popular e a Educação do Campo estejam imbricadas no mesmo processo, como parceiras para uma Educação voltada ao trabalhador, ao camponês e sua família e, assim, possam atender ao universo cultural específico e local de cada comunidade, operando como uma Educação Popular e do Campo. É importante lembrar que a Educação do Popular se propondo a uma Educação do Campo, ou qualquer que seja o seu ambiente de ação, não necessariamente procura romper com as disciplinas, mas sim trabalhá-las em parceria umas com as outras, de forma interdisciplinar e contextualizada. Daí a importância de educadores e educadoras multidisciplinares como propõe a LEdoC.

Assim, as diversas áreas do conhecimento buscam integrar os conhecimentos específicos, dentro das disciplinas e sem bani-las, aos das demais disciplinas e aos conhecimentos cotidianos da comunidade, como nos apresenta Freire (2011, a):

É nesse sentido que se pode afirmar tão errado separar prática de teoria, pensamento de ação, linguagem de ideologia, quanto separar ensino de conteúdos de chamamento aos educandos para que se vá fazendo sujeito do processo de aprendê-los. Numa perspectiva progressista, o que devo fazer é experimentar a unidade dinâmica entre o ensino do que é e de como aprender. É ensinando matemática que ensino também como aprender e como ensinar, como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do conhecimento. (FREIRE, 2011, p.122)

São nesses caminhos que seguimos refletindo e em busca de transformações para a Educação do Campo e da escola do campo, compreendendo que, o “conhecimento se constrói a partir da relação com o outro e com o objeto a ser conhecido, onde o aluno se reconhece no outro num movimento de ida e volta, onde os conhecimentos das diferentes áreas formam uma totalidade articulada entre si, que transformam a forma de pensar o mundo, para nele agir.” (BUSETTI et. alli, 1990,s/n).

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Capítulo 2: A Pesquisa Participante como Metodologia de Trabalho

“Na canga do boi de carro Tem gente amarrada lá, Gente não é boi de carro Pra carro de boi puxar. Gente tem mente que gira Mente que pode girar, Gira a mente do carreiro A canga pode quebrar.”16

2.1 Apresentando a Pesquisa Participante

A pesquisa participante configura-se como uma metodologia, não só de pesquisa, mas sim de trabalho em geral, sendo usada com bastante sucesso nos trabalhos práticos, que enxergam na apropriação coletiva do saber e na produção coletiva de conhecimentos uma grande possibilidade de garantir o direito que os diversos grupos e movimentos sociais tem sobre a produção, o poder e a cultura (GAJARDO, 1982).

Há distintas maneiras de utilizar e colocar em prática a pesquisa participante, mas todas concordam que ela difere-se das demais metodologias de pesquisa, por ser um mecanismo de aprendizagem coletiva. Por esse motivo, há anos a pesquisa participativa faz parte e se sustenta junto a muitas ações sociais e educacionais.

Paulo Freire foi um dos precurssores dos trabalhos participativos com os camponeses e camponesas em assentamentos rurais em fins da década de 1960, partindo do pressuposto específico de que qualquer ação educativa deveria ser entendida como um ato de produção de conhecimento, de acordo com a realidade dos educandos e educandas. Nesse caso, as ações educativas eram necessárias para que ocorressem perspectivas de mudança social e empoderamento dos camponeses para lutarem pelos seus direitos nas terras em que viviam.

Diversas outras experiências utilizando a ação ou pesquisa participativa podem ser relatadas e em todas poderemos notar a “heterogeneidade presente nos trabalhos, o que reflete na possibilidade de ações junto a setores populares dentro do limite social e politicamente restritos

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Referências

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