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Marionetas: das personagens à descoberta do mundo

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Academic year: 2021

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2013

Maria de Fátima

Oliveira da Costa

Loureiro

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2013

Maria de Fátima

Oliveira da Costa

Loureiro

MARIONETAS: das personagens à descoberta do mundo

Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ensino de Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundá-rio, realizada sob a orientação científica do Doutor Carlos Fragateiro, Professor Auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Uni-versidade de Aveiro.

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Agradeço e partilho, no dia-a-dia, os momentos de cansaço e de ale-gria que vivi ao lado do meu marido, amigo incansável, e aos filhos que nunca reclamaram pela falta de afeto e de momentos de brinca-deiras felizes.

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O Júri

Presidente

Vogais

Professora Doutora Teresa Bettencourt Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

Professor Doutor Carlos Fragateiro

Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro

Professora Doutora Maria da Conceição Lopes

Professora Associada c/ Agregação da Universidade de Aveiro

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Agradecimentos

Ao Amigo Francisco Mota, pelo material cedido.

À Companhia de Teatro e Marionetas de Mandrágora, pela partilha de saberes.

À minha colega de grupo Sofia Pires, na nossa cami-nhada conjunta.

O meu profundo agradecimento à Professora Manuela Almeida, pela inexcedível partilha e amizade, bem como à escola e à turma 11º F do Curso Profissional Técnico de Apoio à Infância.

Ao Professor Doutor Carlos Fragateiro, pela sua dispo-nibilidade e preciosos conselhos na orientação do meu trabalho.

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Palavras-chave

Resumo

Arte e Educação, Expressão Plástica, Marioneta, Fantoche

Com este trabalho desenvolvemos um projeto que permitiu descobrir o mundo e a diversidade das suas culturas e figu-ras humanas, tendo como mediação a construção de um conjunto de marionetas que caraterizassem figuras repre-sentativas de diferentes continentes.

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Keywords

Abstract

Art and Education, Artistic Expression, Puppetry

With this work, we developed a design project that allowed the discovery of the world and the diversity of its cultures and human figures, having as mediation the construction of a set of puppets that might characterize representative figures from diverse continents.

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INTRODUÇÃO ...1

1 - ENQUADRAMENTO TEÓRICO ...5

1.1. O que é e de onde vem a Marioneta ...5

1.2. Abordagem histórica da Marioneta ...8

1.2.1. A Marioneta entre culturas ...10

1.2.2. A Marioneta em Portugal ...26

1.3. A Marioneta e o Fantoche na Educação ...41

1.3.1. O Teatro ...41

1.3.2. A relação pedagógica ...48

1.4. Tipos de Marionetas - técnicas e materiais ...61

1.4.1. - De Fios ...61 1.4.2. - De Vara ...62 1.4.3. - De Sombras ...62 1.4.4. - Fantoche de Luva ...63 1.4.5. - Marioneta de Esponja ...71 2 - PROJETO DE INTERVENÇÃO ...77

2.1. Caracterização do contexto da Escola ...77

2.2. Caracterização da turma ...77

2.3. O Projeto no contexto da disciplina de Expressão Plástica ...78

2.4. Descrição das atividades - Módulo nº 7 ...80

1º Momento - Sensibilização ...81

2º Momento - Observação de rostos do mundo ...82

3º Momento - Desenho do Rosto e da Figura Humana...83

4º Momento - Utilização do boneco articulado ...85

5º Momento - Workshop - da Leitura ao prazer de ler ...88

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ii

8º Momento - Planificação dos moldes na esponja...90

2.5. Descrição das atividades - Módulo nº 8 ...93

9º Momento - Construção e pintura das Marionetas ...93

2.6. Descrição das atividades - Módulo nº 9 ...97

10º Momento - Exposição das Marionetas ...97

3 - AVALIAÇÃO DOS RESULTADOS ... 101

3.1. Metodologia ... 101

3.2. Instrumentos... 101

3.3. Análise dos dados ... 103

3.4. Conclusões ... 104

4 - ANÁLISE CRÍTICA DO ESTÁGIO. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 139

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INTRODUÇÃO

O relatório que apresento pretende ser um documento reflexivo no âmbito do Curso de Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário, ministrado pela Universidade de Aveiro.

Comecei a trabalhar as marionetas e os fantoches na "Hora do Conto" numa antiga escola onde lecionei, em substituição de uma colega por motivo de doença prolongada. Nessa altura a direção da escola propôs que parte do meu horário letivo fosse preenchido com atividades que permitissem proporcionar, às crianças do 1º ciclo e a partir das leituras realizadas, momentos destinados à divulgação de livros, leituras orientadas, interpretação, dramatização e participação no jornal de parede.

Acolhi a proposta com expetativa e entusiasmo com a consciência de que, se o objetivo era ajudar a desenvolver o gosto e o prazer pela leitura, tal não seria possível ou não faria sentido sem o meu próprio envolvimento e empenhamento pessoal.

Iniciadas as minhas atividades, fui constatando que as crianças apreciavam as leituras, mas ficavam à espera de uma outra surpresa, ou seja, que as personagens saíssem da história e pudessem ser elas mesmas a contar as histórias.

A partir de várias leituras, seguidas de registos que, na minha perspetiva, melhor ajudavam a interiorizar as histórias, começo a fazer os desenhos das personagens que depois concretizo com a construção de fantoches. Quando a história não tinha personagens eu criava-as, o que constituiu um grande desafio, desafio que para mim acabou por ser o mais interessante. Depois da construção dos fantoches representativos das diferentes personagens, realizava todo um trabalho ao nível da exploração da voz e da manipulação, o que permitia dar vida e alma aos fantoches e à dramatização e estabelecer diálogos com e para as crianças.

Estes projetos ajudaram-me a perceber como a exploração do fantoche é fundamental na sala de aula, pois estabelece uma relação de amizade e cumplicidade com a criança, que nele projeta as suas frustrações, que com ele tem as suas mais íntimas conversas e é a ele que confia os seus desejos e aspirações; tendo ganho uma tal notoriedade na escola, passei a ser conhecida, pelos meus alunos e colegas, como a "professora fantocheira das histórias", designação que recebi com orgulho e respeito.

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2 Pelo fascínio com que enfrentei estas propostas/aventuras e pela tomada de consciência do enorme potencial que os fantoches podem ter na sala de aula, apareceu-me com toda a naturalidade a necessidade de fazer um investimento numa formação que passasse pela construção de marionetas e fantoches, pela aprendizagem de novas técnicas e pela utilização de novos materiais, com a consciência de que não basta construir uma marioneta ou um fantoche pois, no contexto de sala de aula, é preciso trabalhar a manipulação e a dramatização.

Foi assim que participei em diversas formações: "Construção de Fantoches e Marionetas", "A Máscara" e "Formas Animadas – Construção e Manipulação", onde realizei várias experiências, através da aplicação de técnicas e utilização de materiais manipuláveis, e pude constatar que os materiais apresentam propriedades físicas e mecânicas muito específicas para diferentes tipos de marionetas. Mas o mais importante foi a experimentação, a descoberta, a verificação do saber fazer, procurando claramente uma estruturação das técnicas em torno da resolução de problemas concretos, face a situações imprevisíveis que conduzem, muitas vezes, a resultados surpreendentes e inesperados.

O Desafio do Mestrado

É na sequência destas experiências e da tomada de consciência da importância dos fantoches e das marionetas no interior da sala de aula, ou nos projetos das escolas, e do investimento pessoal que fui fazendo numa especialização cada vez maior neste domínio, que apareceu como algo natural a proposta de abordar/explorar, no decurso do estágio do Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e Secundário, o trabalho com marionetas e fantoches, por se tratar de um dos objetivos de aprendizagem do Programa de Expressão Plástica.

O meu desejo e a conjugação natural e feliz de objetivos do estágio, permitiram-me integrar a marioneta como uma unidade de trabalho passível de ser abordada nas aulas de Educação Visual, Educação Tecnológica, Expressão Plástica, Língua Portuguesa e outras, numa perspetiva de interdisciplinaridade, de acordo com as orientações programáticas das várias disciplinas.

A partir daí, surgiu a necessidade de procurar respostas para algumas questões que se prendem com a introdução da marioneta:

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3 - Como é que as marionetas sensibilizaram as alunas?

- Será que as marionetas se constituíram como um elemento mobilizador para trabalhar os diferentes conteúdos disciplinares e promover a interdisciplinaridade?

- Como é que as alunas se envolveram na construção das marionetas, aplicando técnicas e utilizando materiais manipuláveis?

- Qual a perceção das alunas acerca da utilidade do que aprenderam sobre as marionetas?

E o que é e foi interessante no projeto realizado é que ele permitiu pensar a arte enquanto instrumento privilegiado que pode ajudar e incentivar a descoberta e o cruzamento de mundos, pois o projeto implicou a abordagem de uma diversidade de culturas um tanto ou quanto desconhecidas para as alunas: a Europa, a Ásia, a África, a América, a Oceania e a Antártida, o que obrigou a trabalhar as expressividades do rosto, o vestuário mais significativo, o sistema educativo, a religião e as manifestações artísticas e culturais que melhor representassem os diversos continentes. Para cada um deles foram realizadas uma ou mais marionetas, dependendo da dimensão e das características desse continente, tendo os desenhos dos rostos e das figuras humanas surgido a partir de imagens que melhor identificavam os diferentes povos, tendo sido muito desenvolvido, como técnica de expressão e representação, o desenho de observação do rosto e da figura humana, de modo a criar uma personagem, proporcionando o contacto com diferentes técnicas e materiais manipuláveis.

De acordo com Bruno Munari (1982, p.41) os elementos de expressividade do rosto – olhos, nariz e boca -, devem ser estruturados e, quando se passa à fase da construção no material selecionado, convém adequar as técnicas aos materiais. As investigações visuais levam a experiências com instrumentos técnicos e combinações possíveis, com o objetivo de se realizar o desenho do rosto.

Neste trabalho foi utilizada a metodologia de investigação – ação, que possibilita desenvolver novos meios de ensino-aprendizagem no grupo de alunas do curso, de forma a facilitar o surgimento de propostas conducentes à resolução de situações problemáticas, que nos permitiu compreender o interesse que as alunas demonstraram na construção das marionetas e a perceção em termos de utilidade na sua futura profissão. A metodologia adotada permitiu uma interação direta com as participantes, sendo uma mais-valia para a observação e compreensão das atividades e estratégias desenvolvidas.

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4 A Estruturação do Relatório

O presente trabalho está estruturado do seguinte modo:

Numa primeira parte, Capítulo 1, é feito o necessário enquadramento teórico, que tem em atenção os objetivos e competências desenvolvidos nos módulos lecionados no estágio às alunas do Curso Profissional de Técnicos de Apoio à Infância, 11º ano; atende também à área de Expressão Plástica do ensino pré – escolar e do 1º ciclo do ensino básico, uma vez que será nesses ciclos que os conhecimentos obtidos pelas alunas, no seu Curso Profissional, poderão ser aplicados.

Assim, no primeiro ponto deste Capítulo 1, será feita a abordagem à problemática da marioneta, começando pela identificação e clarificação de alguns termos a ela associados.

No segundo ponto, passa-se à abordagem histórica da marioneta e do teatro de marionetas, a nível mundial e, particularmente, no nosso país, tentando interligar tradição e modernidade.

No terceiro ponto, "A Marioneta e o Fantoche na Educação", será feita uma abordagem à importância do teatro e da expressão dramática, na educação; será também apresentada uma síntese dos principais conceitos abordados na obra de Isabel Alves Costa e Filipa Baganha, "O Fantoche que ajuda a crescer".

No quarto ponto serão referidos alguns tipos de marionetas, particularmente no que se refere às técnicas e aos materiais.

No Capítulo 2, serão feitas a caracterização da escola e da turma, bem como a apresentação do projeto desenvolvido no contexto da disciplina de Expressão Plástica, com uma descrição mais pormenorizada das atividades inerentes aos módulos sete e oito, por mim lecionados.

No Capítulo 3 serão apresentados e analisados os resultados obtidos, bem como as necessárias conclusões. Por fim, será feita a análise crítica do estágio, serão apresentadas as considerações finais e a bibliografia correspondente.

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1 - ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.1. O que é e de onde vem a Marioneta

O presente trabalho incide sobre as marionetas, unidade que me propus desenvolver na disciplina de Expressão Plástica, Curso Profissional de Técnicos de Apoio à Infância, 11º ano, no projeto realizado no âmbito do meu Mestrado. Assim, irei fazer uma abordagem à Marioneta, à sua história, aos seus diferentes tipos e ao seu contributo pedagógico. Para o efeito, começo por apresentar algumas possíveis definições, abarcando os diferentes termos por que é conhecida.

Marioneta, Fantoche, Títere, …

Na literatura, é frequente encontrar vários termos equivalentes que se referem, grosso modo, a uma mesma entidade: marioneta (no Brasil é utilizada a palavra marionete), fantoche, títere, boneco, bonecro, bonifrate, roberto, mamulengo, entre outros.

De acordo com o que será versado a seguir, a palavra marioneta refere-se, essencialmente, à "marioneta de fios", enquanto o fantoche está associado à "marioneta de luva".

O que é uma marioneta?

Muitas vezes as definições que lhe correspondem acabam por ser incompletas, dado que não traduzem as suas múltiplas potencialidades, para além de ser um simples "boneco". Contudo, acabam por nos dar uma ideia, ainda que limitada, sobre o que efetivamente se trata.

O Dicionário da Língua Portuguesa (Dicionários Editora, Porto Editora, Costa, J.A. e Melo, A.S., 7ª edição, 1994) refere apenas que Marioneta é "bonifrate, títere"; quanto ao Bonifrate, refere que é " boneco articulado; (…); o mesmo que títere, fantoche (do latim bonu frate, «bom irmão» ? ". Por outro lado, Títere é o " boneco que se move por meio de cordas e engonços"; o mesmo que bonifrate; (…) ".

Assim, a partir do dicionário e daquilo que é comummente aceite, fica-se com a ideia de que se trata de termos equivalentes, utilizando-se quase indistintamente. Mas se fantoche e bonifrate são designações equivalentes, já não se deve confundir

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6 fantoche ou títere com a marioneta, pois os primeiros correspondem a um tipo de marioneta – a marioneta de luva -, enquanto a marioneta propriamente dita se refere à marioneta de fios; contudo, muitas vezes, como modo de simplificar a linguagem ou por desconhecimento do termo correto a aplicar, na prática utiliza-se a palavra títere para designar os bonecos animados incluindo, assim, a marioneta.

Henrique Delgado, in Ribeiro (2011, p.214), refere que " (…) as diferenças entre títeres e marionetas são grandes e de duas espécies: de técnica e de origem. O Títere é animado diretamente pelo homem, ao passo que a marioneta é acionada por meio de fios, cuja técnica de movimentação é de difícil e morosa aprendizagem". Assim, fantoche é uma espécie de boneco animado por uma pessoa, diferindo da marioneta pela forma de manipulação — o fantoche é manipulado internamente, enquanto a marioneta é, habitualmente, suspensa por fios invisíveis.

Recorrendo a Vieira (2001, p.108), o termo marioneta refere-se, de um modo geral, às "figuras inanimadas, concebidas para serem manipuladas pela força humana e tomarem parte numa ação dramática". João Paulo Seara Cardoso considera a marioneta como "um agente de interpretação. Apesar de depender de um ator, é um instrumento por ele usado para interpretar. É, por isso, um instrumento teatral. É também um objeto plástico, uma escultura". (2001, p.99)

Isabel Alves Costa e Filipa Baganha (1989, p.37) referem que ―o fantoche, embora sendo um objeto inanimado, torna-se alguém. É esta a grande ilusão que o fantoche provoca, quer naquele que o manipula, quer naquele que o vê viver ―.

―A Marioneta é um artefacto criado no contexto de uma dramaturgia e cujo conceito de animação está estreitamente ligado ao corpo daquele que lhe dá anima – i.e., alma‖ . (Vieira, 2001, p. 25)

Vemos assim que marioneta é um objeto, na sua essência inanimado, mas capaz de atuar e representar ao ganhar vida própria, que lhe é comunicada ou transmitida pelo manipulador.

A terminologia utilizada nas línguas dos países que nos são mais próximos é diversa. Assim, em espanhol é títere, em francês é marionette, em inglês é puppet para todos os tipos exceto a marioneta de fios, designada por "marionette"; em italiano é puppazi ou ainda burattino ou fantoccino, consoante se trata de marioneta de luva ou de fios, respetivamente; em alemão é puppe. Noutros países da Europa terá um significado de "pouppée qui joue". (Sant-Louis, s.d, p.1)

Para terminar esta breve referência, apenas destaco que a palavra "marioneta" deriva do francês, "marionette", ou "petite marion" .

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7 Etimologia dos termos Marioneta e Fantoche

A palavra "Marioneta" deriva do francês "marionnette", derivada de "Marion", diminutivo de "Marie". A marioneta estabelece duas divisões, atendendo à sua movimentação:

- "Marionnette à gaine" - o nome a seguir à marioneta define a técnica, designada por fantoche de luva; conhecido por Roberto e Bonifrate.

- "Marionnette à fil" - o nome a seguir à marioneta define a técnica, que é designada por marioneta de fios, arames ou varetas.

A marioneta andou muito ligada a procissões e a autos sacros, e chegaram a ser proibidas de exibição e representação nos interiores das igrejas.

A palavra "fantoche" terá origem no termo italiano "fantoccini", que gerou o termo francês "fantoche" que o português adotou. Marioneta e Fantoche designam o mesmo que boneco articulado direta ou indiretamente animado pela mão humana. A mão do fantocheiro, introduzida na luva, reproduz os movimentos humanos, a que se junta uma voz aflautada, com recurso a um instrumento (palheta) colocado na boca do manipulador.

As Marionetas, em alguns países, são conhecidas pelo nome da personagem principal que se impôs naturalmente e que define e exprime o género:

 Roberto (Portugal);

 Puppet (Inglaterra) ou Punchinello;  Guignol (França) ou Polichinelle;

 Pulicinello (Itália), versão napolitana do Arlequim. Personagem cómica, com o nariz longo, corcunda, de barriga enorme, vestido de roupas coloridas e barrete na cabeça, que originou a "Commédia dell´Arte".

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1.2. Abordagem histórica da Marioneta

O teatro de marionetas, fantoches ou títeres terá existido desde a mais remota antiguidade, em quase todas as civilizações e em quase todas as épocas, e terá surgido não só antes do teatro escrito, mas mesmo antes da própria escrita.

Ana Maria Amaral (1991) defende que, a seguir às obrigações religiosas, o teatro de bonecos foi o único lazer permitido ao povo, daí o ter adquirido grande popularidade. Evocando temas bíblicos com adaptações livres, este tipo de teatro proporcionava momentos para chorar, divertir e aprender.

Hermilo Barbosa Filho (1966) refere que

"Os títeres, como os homens, têm uma história. Sempre viveram juntos. É possível que o homem das cavernas, à luz das fogueiras, tenha feito movimentos com as mãos, formando bichos contra as muralhas (…). A origem dos fantoches, no entanto, perde-se na noite dos tempos e a sombra das mãos é apenas uma suposição, mas Platão já dizia que a nossa visão do mundo é como sombras no fundo de uma caverna".

Para Antonino Solmer, "a origem das marionetas não é clara, e é objecto de discussão entre estudiosos e historiadores". Para Solmer (1999)

"A acção imprimida a um boneco com apenas uma articulação, e que assim se transforma em algo que não estava previsto, pode ser entendida como o primeiro espectáculo com marionetas. Tal pode ser o caso de uma brincadeira de criança ou da adoração a um deus. A religião, como no teatro de actores de tragédia grega, terá contribuído bastante para a formação e o desenvolvimento das marionetas. Os Egípcios faziam procissões com falos gigantes movidos por cordas, havendo deuses que mexiam a cabeça e os membros através de fios ou varas". (p.167)

Não haverá tanto interesse em discorrer sobre os povos primitivos, do tempo das cavernas. O que se aceita é que as primeiras representações terão sido de caráter mágico, ritualista, em que as máscaras e os bonecos serviram como intermediários entre os deuses e os homens, procurando ultrapassar os seus medos, aplacar as cóleras divinas ou as forças da natureza, parecendo haver evidências de que a origem da marioneta estará na Índia ou no Egito, o que é suportado pelos textos escritos ou

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9 achados arqueológicos, apesar da enorme a dificuldade em encontrar vestígios, dado o tipo de materiais pouco resistentes em que eram construídos os bonecos. De qualquer modo, sabe-se que foram encontrados alguns bonecos articulados sepultados em pirâmides no Egito, e também Aristóteles e Arquimedes fazem referência, nos seus escritos a figuras articuladas.

Solmer (op. Cit, p.167) refere que se sabe que "na Índia, as marionetas eram usadas há pelo menos 4000 anos" e, do antigo teatro sânscrito indiano, pode constatar-se já uma ligação ao mundo da manipulação por meio de fios. Na Grécia, diz, julga-se que "as marionetas remontam a 800 a.C., embora existam testemunhos de ser prática popular só por volta do séc. IV a.C.".

A palavra grega para marioneta é neurospastos, e neuron significa fio ou corda. As marionetas eram manipuladas por fios, embora haja pistas que apontam no sentido da existência, já nessa altura, de marionetas de luva.

Calvet de Magalhães e Aldónio Gomes (1964) referem que o teatro de bonecos ou figuras foi uma prática que resistiu ao tempo e teria nascido no Oriente há milhares de anos, sendo anterior ao teatro humano intencional, que mais não fez que imitá-lo. Os autores referem que

"pelo menos no passado, Chineses, javaneses, Persas, Indianos, egípcios ou Gregos afamaram-se pela perícia nele conseguida. E algumas notícias precisas revelam que no Egipto remontam ao Século XXIII a.C. os mais antigos textos conhecidos para os bonecos articulados, de madeira, com cabeça de marfim, que simbolizavam os deuses, lá como na Índia, para que os respectivos rostos ganhem vida; que 1000 anos a.C. os bonecos de palha e de laca chineses atingiam uma movimentação inexcedível; que em Java a perfeição do teatro de figuras origina até um desenho animado embrionário; que ainda na Índia, Vidouchaka, um boneco anão, corcunda e truculento, da genealogia dos bobos, se populariza; que na Grécia os bonecos e máscaras quase eram marionetas; que em Roma outro tanto acontece e os fantoches lançam a árvore genealógica de Polichinelo com o seu Maco, corcunda e barrigudo". (pp.85-86).

Borba Filho (1966) confirma que o teatro de marionetas foi popular na Grécia antiga, apontando para a existência de várias referências a esse respeito em Xenofonte, Luciano, Homero, Sócrates e Plutarco, escrevendo mesmo que "um certo

Potino dava espetáculos desse tipo no Teatro de Dionísio. As marionetes eram de haste, a maior parte em terracota". Refere ainda que

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10 "o teatro de bonecos em Roma também tem uma origem religiosa, logo depois aceite pelo povo. As fontes de referência são escassas, mas Marco Aurélio fala de marionetas, comparando-as aos homens. Isto, apenas do ponto de vista literário, porque como espetáculo ele achava que esse tipo de representações era indigno" (pp.20-21).

Parece não restarem dúvidas de que as marionetas, eventualmente a partir do Egito, se espalharam para a Ásia e sobretudo para a Grécia, e daí para Roma, sendo depois levadas até aos confins do Império Romano, acabando por aportar a toda a Europa, primeiro, e depois, com as descobertas e as conquistas de além-mar, para as Américas e mais tarde para a Austrália e Oceania.

Nesta abordagem irei fazer uma referência, necessariamente breve, aos diversos continentes, seguindo uma ordem que, partindo da Ásia, com as suas tradições, passa pela África, Américas do Norte e do Sul, Oceania, vai chegar à Europa, cuja importância é fundamental e merece um destaque especial, o que vai permitir também estabelecer uma melhor ligação com Portugal. No fim, apresento uma visão geral em termos da marioneta no mundo atual.

1.2.1. A Marioneta entre culturas

A propósito do Oriente, Solmer (op. Cit., p.171) refere que "o teatro de marionetas não vive separado do teatro de atores, sendo mesmo considerado mais eficaz na possibilidade de criar magia e de se envolver em clima de grande religiosidade".

Ao falar da Ásia, entendo necessário fazer uma referência prévia ao teatro de sombras, que se supõe ter sido a primeira forma de teatro de marionetas, embora nada exista de concreto a esse respeito. Para alguns historiadores, a sua origem é incerta, tanto poderá ter sido na China como na Índia sendo, de qualquer modo, uma arte milenar que está inserida no campo do teatro de animação e não exige grandes recursos: essencialmente um foco de luz, uma tela branca e silhuetas de figuras humanas, animais ou objetos recortados em papel, que depois serão manipulados, com o necessário enquadramento sonoro.

Borba Filho (op. Cit., p.5) refere uma história que é contada sobre o Imperador Wu Ti, da poderosa dinastia Han, da China que, no ano 121 a.C., teve o desgosto de perder a sua dançarina predileta. Desesperado, ordenou ao mágico da corte que a trouxesse de volta ao mundo dos vivos, sob a ameaça de ser decapitado. O mágico

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11 usou da sua imaginação e conseguiu recortar, numa pele de peixe, uma silhueta muito fina representando a dançarina. Numa varanda do palácio imperial, mandou esticar uma cortina branca em frente a um campo aberto e com o imperador e a corte reunidos na varanda, e à luz do meio-dia que se filtrava através da cortina, o mágico fez evoluir a sombra da dançarina, ao som de uma flauta, e todos ficaram alucinados com a semelhança. Como recompensa, recebeu um rico presente e, desde então, o teatro de sombras ficou a ser o passatempo predileto dos fidalgos chineses e, mais tarde, do povo.

O facto de tal tipo de espetáculo ser conhecido habitualmente por "sombras chinesas", não nos permite garantir que tenha partido da China, dado não existir nenhum documento a esse respeito. Sabe-se, no entanto, que as sombras foram muito populares nesse país no Século XI e só mais tarde apareceram noutros países. Pelo seu modo de animação, as sombras também pertencem à história das marionetas e se as sombras da China possuem um caráter restrito de divertimento, as de Java já têm um caráter religioso, não existindo mesmo sob o aspeto puramente comercial. Já na Turquia, as sombras adquirem um caráter exclusivamente diversional e satírico, servindo-se de uma figura popularíssima do teatro de bonecos: o Karagós. E é precisamente desse tipo que surge uma lenda que tenta também explicar a origem do teatro de sombras, a partir da história do Karagoz e de seu companheiro Hacivad (…). Borba Filho (1966, pp.5-6)

De acordo com Nyoman Sedana (2013, p. 188), a narrativa oriental é focada em dois grandes épicos, o Mahabharata e o Ramayana, e suas inúmeras crónicas misturadas com mito e história.

Na Índia, existe a figura importante do sutradhara, isto é, o homem que puxa o fio, sendo o texto das peças improvisado. Esse tipo de teatro, também com caráter religioso, rapidamente evoluiu para um tipo de teatro popular, cujo personagem principal era Vidouchaka, um brâmane, anão, corcunda, com enormes dentes, olhos amarelos e completamente calvo, ridículo nas suas expressões, nas suas vestes e glutão. Concupiscente e lúbrico, brincalhão e grosseiro, bate em todo mundo, fala a linguagem popular em vez de empregar o sânscrito, que é a linguagem dos brâmanes. (Borba Filho, 1966, pp.6-7). O tal Vidouchaka acaba por ser o pai ou avô de todos os Polichinelos, Punchs e outros bonecos populares no mundo inteiro.

O manipulador de fantoches ou putti-wallah é uma figura muito conhecida, sendo encontrado em determinadas festividades. O titereiro indiano costuma ir de casa em casa levando os bonecos e realizando espetáculos. Encontra grande recetividade, pois os fantoches representam na Índia uma ocupação tradicional; a arte de fazê-los e

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movimentá-los passa de geração a geração e onde cada geração embeleza as histórias ouvidas da anterior, dando-lhes maior interesse emocional. (op. Cit., p.7)

A marioneta de luva, a mais próxima do corpo, apesar de ser conhecida na Índia, praticamente desapareceu, sendo utilizada apenas pelos itinerantes. As marionetas de vara de Bengala Ocidental, as putul nautch, são as mais conhecidas: em bambu e barro amassado com arroz triturado, elas fixam-se à cintura do manipulador, que anima os braços por meio das varas, mas também com fios. (Encyclopedie, 2009, p. 73)

No Sri-Lanka (antigo Ceilão), o principal personagem do teatro de bonecos é um tal Raguin, atrevido, desafiador de todos os princípios morais e sociais, que defende o direito a cada um buscar os prazeres do amor, encontrando aí justificação para tentar possuir todas as mulheres que encontra, quer pela sedução quer sobretudo pela violência e mesmo pela morte, sem qualquer tipo de escrúpulos.

Na ilha de Java, os bonecos já são conhecidos desde o séc. XI e têm, provavelmente, a sua origem no culto religioso ancestral. De acordo com esta hipótese, a representação revestiria o caráter de rito religioso que precedia as oferendas. No arquipélago da Indonésia, estão presentes os famosos Wayangs, nome pelo qual são conhecidas as marionetas. Como sofreram a influência hindu, o respetivo teatro é de caráter religioso, sendo o mais antigo dos wayangs o purwa, que significa marioneta antiga. Corresponde ao chamado teatro de sombras javanês.

Uma outra forma de espetáculo é o wayang beber, que consiste em "cenas pintadas em papéis colados uns aos outros e que vão passando aos olhos dos espectadores à medida que a história é narrada. É o ancestral mais remoto do desenho animado". (Borba Filho, 1966, p.9)

Existem ainda o wayang golek, uma verdadeira marioneta esculpida, com os seus braços em madeira e um corpo vestido com fazendas, e o wayang kelitik, um boneco parecido com o purwa, em madeira recortada, ricamente decorado e com um corpo mais achatado, mas aqui a marioneta não aparece em sombras, sendo perfeitamente visível a todos os espetadores.

Uma figura fundamental é a do dalang (manipulador) que anima as sombras ou as marionetas, improvisa as farsas, dá voz às personagens e conduz o gamelão, que é uma orquestra com sonoridade de gongos e é considerado como um intermediário entre o mundo divino e o terreno, sendo bastante respeitado.

Na Indonésia, a difusão do wayang golek, que não é tão popular como o teatro de sombras, está ligada à islamização de Java (séc. XIII e XIV). É um género que teve

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13 forte influência sobre a arte europeia, americana e australiana da marioneta no séc. XX. (Encyclopedie, 2009, p.72)

Em Myanmar (antiga Birmânia), a marioneta de fios é extremamente popular. Os bonecos, em madeira, são ricamente vestidos, as articulações são muito cuidadas e a arte da manipulação é muito bem conseguida, de modo que parecem ter movimentos naturais, imitando na perfeição os humanos. O valor e a qualidade destas marionetas reconhece-se no facto de terem os olhos em vidro e não pintados. Os marionetistas chegam a ser mais conceituados que os atores verdadeiros, embora, por mais competentes que sejam, não deixam de ser, isoladamente, figuras secundárias que, para terem êxito, necessitam de uma perfeita combinação da sua arte com a dos músicos e dos cantores.

O cavalo é uma das personagens indispensáveis, pois aparece sempre no início dos espectáculos. Ele simboliza a criação do mundo.

O Vietname foi o único país que conservou a tradição das marionetas de água, Mua Roi Nuoc, que tiveram a sua origem na China, e que acaba por ser uma especialidade própria do país e única no mundo.

Na Tailândia, o hun krabok, aparecido no séc. XIX, emprega marionetas cujo traje descai a partir do ombro cobrindo as mãos do boneco, sendo os braços animados por compridas varas de bambú. (Encyclopedie, 2009, p. 73)

Na China, segundo Borba Filho (1966, p.10), as marionetas sempre tiveram um lugar importante na vida social do país com as representações não só nos palácios dos imperadores mas também nos meios populares. Além do teatro de sombras, já referido, sabe-se que também lá existiam marionetas de fios e de luva. Entre as de luva, destaca-se um personagem típico, o Kvo, "muito parecido com o Vidouchaka hindu, zombando dos poderosos, muito ativo, distribuindo cacetadas. Esta é uma característica de todos os tipos principais das marionetes de luva do mundo inteiro".

(op. Cit., p.11)

Os marionetistas iam de casa em casa, promovendo espetáculos, especialmente para as crianças, por ocasião de aniversários e de festas.

As marionetas de vara também são utilizadas na China (onde medem entre 30 cm e metro e meio), assim como na Índia e na Indonésia, desde a mais alta antiguidade. (Encyclopedie, 2009, p. 73)

No Japão, os bonecos estiveram sempre intimamente relacionados com os atores humanos. Segundo Marjorie Batchelder (s.d., s.p.), ambas as manifestações de teatro popular nascem no séc. XVII e se copiam mutuamente, de tal modo que a rivalidade chega ao ponto de, no séc. XVIII, os atores estudarem nos bonecos a arte

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de representar, chegando mesmo um grande comediógrafo japonês a escrever peças para uns e outros.

A variedade de estilos que caracteriza a arte japonesa da marioneta é explicada, em parte, pelas múltiplas pesquisas e experiências realizadas pelos artistas nas épocas em que eram itinerantes. Contudo, o grande género teatral japonês é o Bunraku (Encyclopedie, 2009, p.72) que remonta ao século XVI e é uma forma de teatro que combina música, recitativos e marionetas. "As obras clássicas do repertório Bunraku escreveram-se até cerca de 1800, coincidindo com a época do chamado período Edo do Japão (1603-1867)". (Vieira, 2001, p.30)

Em 1871, Uemura Bunraken fundou o Teatro Bunraku de Osaka, que tem o seu nome, "e foi ali que a arte do ningyo joruri reviveu em nova glória. (…) Nos últimos cem anos, o nome Bunraku passou a fazer parte do vocabulário internacional, evocando em todos os lugares a arte rematada do teatro de marionetas japonês de Osaka". (Berthold, 2004, p. 90)

As marionetas do Bunraku, construídas em madeira e de grandes dimensões (geralmente têm entre 90 a 140 cm de altura e o seu peso pode chegar de 6 até 20 quilos) são animadas à vista do público. Um narrador e cantor, o Tayuh, recita o texto ou narrativa dramática (joruri), ao mesmo tempo que um músico o acompanha tocando um instrumento de cordas, o shamisen. As personagens principais são animadas por três manipuladores, em sincronia perfeita, controlando o mestre a cabeça (olhos, boca e sobrancelhas articuladas) e o braço direito, e dois assistentes, vestidos de negro e encapuçados, controlam o braço esquerdo e os membros inferiores. Os manipuladores não utilizam nem varas nem fios para dar vida às suas personagens, fazem-no à vista do público, pelo que a técnica implica o contacto direto das mãos do ator sobre o boneco, sendo conhecida por "manipulação direta", o que se torna único e diferente em relação a qualquer outro tipo de teatro de marionetas.

O Tayuh, cantor e narrador, tem a seu cargo as vozes de todas as marionetas e estuda desde os 10 anos de idade junto de um mestre, sendo capaz de passar da entoação sussurrada de uma canção a um arrepiante grito de dor. Representa todas as emoções e sentimentos que as marionetas exibem: choro, alegria, angústia, desespero, amor, etc. (Vieira, 2001, p. 30)

Também os atores iniciam a sua aprendizagem muito cedo: ainda crianças, aprendem a movimentar os pés do boneco. Anos mais tarde, passarão pela mão esquerda, até chegar à manipulação da cabeça; só nessa altura e passados vários anos serão considerados verdadeiros mestres.

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15 O Bunraku fascina os ocidentais, mas a sua complexidade técnica é tanta que poucos encenadores ousaram abordá-lo. (Houdart, 2007, pp.22-23)

África Negra

Existem em África numerosas máscaras e estátuas animadas, porém elas possuem um caráter puramente mágico. "Tais espécimes nada têm a ver com o verdadeiro jogo dramático das marionetas". (Ribeiro, 2011, p.258)

São escassos os registos de marionetas na África, mas a máscara é traço importante de quase todas as cerimónias mágicas africanas. Segundo Guingané (2008, p. 4), a marioneta não tem sido suficientemente explorada sendo, como forma autónoma de expressão artística, ainda relativamente desconhecida em África. Contudo a marioneta, através da construção e manipulação de bonecos, tem vindo a contribuir para o desenvolvimento da arte africana.

Ana Maria Amaral (2005, p.18) considera que, em África, se faz a distinção entre o boneco de teatro e a imagem votiva pois enquanto as imagens representam espíritos, ideias ou deuses, já os bonecos de teatro ou marionetas passam a ser possuídos pelos espíritos, a partir do momento em que recebem movimentos ou a partir da sua animação dramática. Cita Esther Dagan (1990), que diz que "as imagens estáticas inspiram a reflexão interior, o monólogo; e o povo vai a elas. Já, os bonecos ou marionetes provocam o diálogo, são dinâmicos; são eles que chamam o povo".

Segundo a Enciclopédia Mundial das Artes da Marioneta (Encyclopédie, 2009, pp.32-34), "a arte da marioneta já se praticava no continente antes da colonização europeia, contudo é quase impossível elaborar uma história da marioneta em África". São conhecidos relatos, do início do séc. XIX, como o de um inglês, que descreve um espantoso espetáculo de marionetas a que assiste na Nigéria; outro, de um francês, em 1853, referindo ter-se cruzado, no Sahara, com dois saltimbancos, do Níger ou da Nigéria, "com uma série de marionetas e instrumentos de música"; outras referências são conhecidas, ainda, em 1910 e na década de 1930, acerca da existência de marionetas africanas, no Senegal e no Mali.

Numa região de tradição oral como a África negra, as marionetas, consideradas muito antigas, não deixaram traços materiais ou escritos anteriores ao séc. XIX. O facto de não se conhecerem tais tradições, não significa que elas não tenham existido. Há uma grande diversidade de tipos de marionetas africanas, como as de fios, de luva e outras, classificadas em duas grandes categorias, segundo Esther Daghan: as marionetas e máscaras articuladas e as não articuladas, para além de um ou outro tipo

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16 de marionetas que não se enquadram nas categorias anteriores. Quanto à função, a mais importante sem dúvida é a função ritual, que faz viver todo o simbolismo do objeto, uma vez que ele "toca domínios tão diversos como a adivinhação, a iniciação, o sistema de justiça, o culto dos antepassados, a magia ou os ritos funerários". (op. Cit., p.33)

Na África negra, embora a marioneta guarde ainda hoje um aspeto sagrado e desempenhe muitas vezes um papel intermediário entre os deuses, os antepassados e os homens assolados pelas dificuldades da vida, muitas vezes tem servido como divertimento popular, vincando também o seu caráter profano, que desde sempre tem estado presente no teatro de marionetas africano. As peças, os temas e as personagens das marionetas são, muitas vezes, inspirados em acontecimentos históricos ou experiências sociais coletivas. Os conflitos internos ou interétnicos, assim como a experiência colonial, serviram de retrato a certos personagens como, no Mali, o "Tubabu Kun" que representava, originariamente, o administrador colonial. Dessa época são as personagens dos missionários, dos funcionários ou dos militares, que são por norma caricaturados. Também os poderes políticos não são lá muito bem vistos.

Atualmente, as marionetas africanas chegam a ser um elemento central da arte popular. E, na sua função de divertimento, o teatro de marionetas tornou-se uma ferramenta de cultura de massas muito solicitada. Contudo, sob a forma popular, profana, tem sofrido importantes transformações. Por toda a África, sem que o ritual ceda o seu lugar, os teatros de marionetas visam um público mais conhecedor e acentuam o seu conteúdo laico.

América do Norte

Antes da chegada do homem branco, os índios da América já utilizavam as marionetas nas suas cerimónias religiosas, havendo ainda hoje feiticeiros que realizam certos atos de magia tradicionais. As marionetas modernas chegaram ao México em 1524, com um titereiro que fazia parte do séquito de Hernán Cortés e, nos finais do séc. XVIII, havia cinco teatros permanentes de marionetas na cidade do México e um no Canadá (Cervera, s.d., s.p.).

A Encyclopedie (2009, p.49) também confirma que Cortés, ao deixar o México e ao dirigir-se para sul, em 1524, tinha um marionetista que seria o primeiro de uma série daqueles que haveriam de levar os diferentes tipos de marionetas para aquele continente, como por exemplo Juan de Samora que, em 1569, requere permissão para

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17 montar um espetáculo de Marionetas no México, o que atesta a existência das marionetas no Novo Mundo "antes que o nome de algum marionetista seja conhecido em França ou na Inglaterra e antes da aparição do Bunraku no Japão". De qualquer modo, a marioneta americana não deixa de ser considerada como sendo de origem europeia.

Os espanhóis, portugueses e franceses chegaram lá com as tradições do carnaval. O uso de máscaras e de trajes coloridos vai-se estender à marioneta, e o carnaval permite misturar as festas cristãs com os símbolos das celebrações ameríndias ou africanas.

Nos sécs. XVIII e XIX, diversos tipos de marionetas chegam à América do Norte, nomeadamente as sombras europeias e as marionetas de luva. Apesar da sua passagem pelos territórios americanos, as marionetas tradicionais francesas e espanholas não conseguem implantar-se na cultura popular. Os Punch e Judy britânicos causaram uma impressão mais durável nos Estados Unidos e no Canadá, mas em nenhum desses países chega a ser personagem nacional, como o Punch inglês ou o Guignol francês.

Nos princípios do séc. XX as comunidades de imigrantes que se instalam levam consigo as suas marionetas da Alemanha, Itália, Grécia ou China, dando a conhecer essas tradições diferentes em espetáculos que se desenrolam em pequenas comunidades nas grandes cidades, podendo os marionetistas ser vistos por toda a América do Norte e com grande sucesso a apresentar, nos pequenos teatros, pequenas peças divertidas para crianças e adultos; após a Segunda Guerra Mundial, algumas famosas companhias europeias, além do bunraku japonês, contribuem grandemente para enriquecer a visão dos artistas norte-americanos. Em sentido recíproco, também os artistas norte-americanos vão para o México e para o Canadá (caso das produções de Jim Henson).

Os frequentes contactos conduzem à mundialização, e mesmo em pleno período da "guerra fria", os livros, as fotos, revistas e outros contactos não deixam de se verificar, como a presença de representantes da América do Norte no primeiro Festival da Unima em Bucareste, em 1958. Também Petrouchka e Pedro e o Lobo se tornam clássicos do teatro de marionetas norte-americano, pouco depois da sua criação na União Soviética, com não menos rapidez com que o Jazz ou Walt Disney foram adotados na Europa.

À medida que a marioneta foi adquirindo estatuto enquanto arte e instrumento pedagógico, os governos, não só o norte-americano mas também do México, Cuba e

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18 Canadá foram subvencionando as artes da marioneta, mas a um nível muito inferior ao que se passava nos países da Europa de Leste da altura.

Depois dos anos cinquenta, quase todos os dias bastava ligar a tv para ter acesso à marioneta; contudo, as emissões infantis não conseguiram fazer entrar a marioneta na cultura popular: a sua arte pode ser um encanto, um mistério, mas o povo que vai ao teatro de marionetas ainda é mais limitado que o que vai assistir a um concerto de Jazz ou de música clássica. São raros os marionetistas norte-americanos que se conseguem destacar internacionalmente, pois o seu público é sobretudo regional ou local. Lá, a profissão de marionetista parece arriscada e pouco compensadora, e mesmo os que animam as marionetas na televisão ou nos filmes, como não se mostram, são praticamente desconhecidos do público. As companhias de marionetistas ambulantes são raras e compõem-se de duas a quatro pessoas, por vezes até de uma só.

América Latina

Na América, a notícia mais remota que se conhece é a da estatuária animada do Peru, encontrando-se também pequenos bonecos articulados no México. "A marioneta

mexicana tem uma origem religiosa (…)". (Borba Filho, 1966, p. 64)

Segundo a Encyclopedie (2009, p.52-54), a história das marionetas da América pré colombiana parece traduzir que a cultura desses povos era dominada por crenças fortemente animistas, em que os homens se ligavam aos deuses através de certos rituais onde a marioneta tinha, por vezes, um papel importante. Na verdade, diversas civilizações – ameríndia, azteca, maya, inca, amazónica, dos aborígenes das orlas do Pacífico e outras, assim como os ameríndios da América do Norte -, tinham as suas técnicas de construção e animação de marionetas. Numerosas figuras articuladas, cabeças providas de orifícios, marionetas de fio e de mão, confecionadas em argila, pedra, madeira e outros materiais, foram encontradas em diferentes locais e entre diversos povos. Ora essas figurinhas não traduziam senão a cultura dos diferentes povos, mostrando a sua função, ora profana, ora religiosa.

Com a chegada dos europeus à América Latina, as tradições culturais dos índios, dos negros e dos brancos misturam-se, mas muitos dos elementos das culturas indígenas foram destruídos, apesar de as populações autóctones terem tentado preservar muitas dessas tradições, escondendo-as dos colonizadores. Nessa altura, as marionetas contribuíram para a divulgação da fé católica, pois eram bem aceites pelos indígenas e consideradas um bom meio de evangelização. Apesar dos seus

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19 esforços, a Igreja nunca conseguiu erradicar os "desvios" resultantes da utilização profana e burlesca dos espetáculos de marionetas, com peças curtas e satíricas à figura dos conquistadores, que eram passadas nas tabernas e em praças públicas, muitas vezes com acompanhamento de guitarra. Essa tradição de crítica aos colonos espanhóis, por parte de marionetistas ambulantes, foi-se desenvolvendo no séc. XVII e por todo o século XVIII, particularmente na Argentina, Chile e Uruguai, mas a desconfiança das autoridades acabou por lhes vedar o acesso aos teatros.

Durante muito tempo, foram os artistas de origem estrangeira, principalmente espanhóis e italianos, que divulgaram a arte da marioneta no sub-continente.

A partir do séc. XIX e no decurso do séc. XX, foram fazendo a sua aparição as figuras nacionais muito populares. Assim, Don Folias, no México, em 1828, uma marioneta cujo nariz se alongava quando se encolerizava; Misericordia Campana (1840), no Uruguai, que se caracterizava pelos golpes de cabeça que aplicava no decurso de lutas com os adversários, e que se veio a tornar numa espécie de herói nacional; ou ainda Don Cristobito e Mamá Laucha, no Chile. Entre as personagens emblemáticas do teatro de marionetas, não pode deixar de ser referido o João Minhoca, no Brasil, em 1882, um pequeno negro astucioso.

Entre as grandes tradições populares de marionetas, o Brasil distingue-se de todos os outros países latino-americanos pelo mamulengo, "género ainda vivo, por vezes ameaçado, fundado sobre a improvisação e a interação constante entre os marionetistas e o público, caracterizado pelo papel que nele tem a música assim como a crítica social sempre presente nos seus diálogos". (Encyclopédie, 2009, p.53)

A marioneta de luva foi o tipo de marioneta mais privilegiado, tendo sido utilizado na educação, em sentido genérico. O caso mais visível foi o de Cuba, a partir da Revolução de 1958, com a criação de numerosas troupes estáveis, financiadas pelo estado. Outros países, nomeadamente o Brasil, Chile, Uruguai e Venezuela integram também a arte da marioneta em alguns cursos universitários.

Oceania

Ao falar na Oceania implicitamente estamos a referir-nos sobretudo à Austrália, não esquecendo, contudo, que a Nova Zelândia, cujos nativos são de etnia maori, apesar de ser muito menor em extensão, também apresenta similitudes com o seu grande vizinho, nomeadamente no que respeita ao passado colonial inglês.

Os povos aborígenes da Austrália, como muitos países do Pacífico, sempre evidenciaram uma profunda ligação ao ritual e têm uma larga tradição de narração

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20 oral, que vem já desde há imensos séculos, pois desde sempre usaram máscaras e outros objetos para abordarem temas profundos sobre a espiritualidade e a natureza humana.

"A arte da marioneta não faz parte do património cultural dos Aborígenes australianos que, contudo, utilizam figuras de animais, nomeadamente peixes, esculpidos na madeira, para certas danças (…)", conforme refere a Encyclopédie (2009, p.75 a 77).

É a partir dos anos de 1830, e levados pelos ingleses, por vezes via América, que começam a ter lugar os espetáculos de marionetas, seja de fio, seja de luva (Punch and Judy) ou teatros mecânicos. A Webbs Royal Marionettes foi formada por volta de 1875, com três dos membros de uma companhia americana que tinha ido lá apresentar espetáculos e, num período de cerca de dez anos, fez tournées pela Austrália, Nova Zelândia, Ásia Meridional e Europa. Nas décadas de 1940 e 1950 apareceram várias troupes de amadores e surgiram também associações de marionetistas, tendo uma delas fundado um teatro, o Clovelly Puppet Theatre, que realizou muitos espetáculos, sobretudo destinados a um público infantil, durante mais de vinte anos.

No que respeita aos primórdios da marioneta australiana, houve um acontecimento relevante, em 1956, em Sydney: um grande espetáculo de marionetas de fio, The Tintookies, criado pelo marionetista de Melbourne, Peter Scriven, que colocou em cena personagens australianos, com cenários e com diálogos e música pré-gravados, da responsabilidade de artistas de renome. Scriven dedicou parte significativa da sua fortuna pessoal a esse e a outros espetáculos que se lhe seguiram e esteve também na base da fundação do Marionette Theatre of Australia (1964-1988), que efetuou tournées por toda a Austrália e sudeste asiático. Esta e uma nova companhia beneficiaram de ajudas governamentais e promoveram a tradição de tournées de grandes espetáculos até à década de 1990, existindo atualmente um grande número de companhias de marionetas, um género que floresce na Austrália.

Os espetáculos com marionetas gigantes, para espetáculos no exterior, foram introduzidos na década de 1990 e, tal como a sociedade australiana no seu conjunto, também a marioneta australiana tende a ser multicultural, pois os seus praticantes são de diversas proveniências: Europa, Egito, Chile, entre outras. Num país (quase um continente) tão diverso e extenso como a Austrália, o interesse pela marioneta tem-se consolidado, interesse que se solidificou com a criação, em Melbourne, em 2004, de um curso superior destinado a marionetistas profissionais.

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Europa

Em Roma coexistiram dois tipos de teatro de bonecos, pois além da marioneta ligada à estatutária religiosa, havia a marioneta ligada ao teatro popular, particularmente as fabullae Atellanae ou simplesmente atelanas, que entrelaçavam os episódios cómicos com a pantomima. Nesses espetáculos, em que não podiam faltar o canto e a dança, já havia vários tipos de personagens característicos: o homem mau, o manhoso, o fanfarrão, propiciando situações humorísticas, irreverência e obscenidade, de onde viria mais tarde a surgir o Polichinelo.

"A marioneta, que quase desapareceu com o Império Romano, com o aparecimento do cristianismo, em que tudo o que podia ter forma humana era naturalmente rejeitado", volta a surgir na Idade Média, conforme refere Borba Filho (1966, p.22).

Solmer (1999, p.22) refere que, quando cai o império Romano, no séc . V, "há

uma tradição de manifestações teatrais e parateatrais, influenciadas também pelas farsas atelanas (como os mimos, jograis e bobos) que se mantém até ao drama religioso da Idade Média.

A marioneta medieval tinha um cunho essencialmente religioso, dado que a Igreja procurou servir-se dela para a doutrinação, para a divulgação dos mistérios da fé ao povo inculto. A partir do concílio Quincex, nos fins do séc. VII, a Igreja toma posição contra a representação simbólica, em que a figura de Cristo deverá ser representada não como um cordeiro, mas sob o aspeto humano. Conforme refere Barbosa Filho (op. Cit., p.22), "canalizava-se, assim, a força popular. E mais: tratava-se de animar, aos olhos do povo, a divindade. As imagens de Cristo, da Virgem e dos santos passaram a mover-se por meio de fios e vários outros mecanismos".

"É a época das marionetas no interior das igrejas, quase sempre figuras

religiosas animadas (são muito famosos por exemplo os anjos fazendo caprichosas coreografias aéreas na nave das igrejas) para melhor transmitir aos crentes os diversos episódios da vida de Cristo e os mistérios da fé. Este “estado de graça” terá durado vários séculos. Mas a irreverência dos bonecos, o seu espírito crítico e a sua natural tendência para a representação burlesca, o que provocaria, por certo, o riso no seio das multidões fervorosas, determinariam, mais tarde, a sua definitiva erradicação dos locais de culto, de acordo com o espírito da contra reforma".

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22 Se, por um lado, as representações dentro das igrejas vieram lembrar os antigos ritos animistas, não será também difícil admitir que, a fim de evitar a monotonia e a rotina, a "criatividade" dos marionetistas os tenha conduzido a certos desvios no sentido de enriquecer as representações dos mistérios. Segundo Seara Cardoso (2004, s.p.), "seria após o Concílio de Trento (1545) e particularmente do Sínodo de

Orihuela (1600), que reiterou a “proibição de representar as ações de Cristo, as da Virgem Maria e a vida dos santos por meio de figuras móveis‖, que as marionetas

iriam ser finalmente expulsas das igrejas, "da mesma forma que o novo espírito

humanista expulsa as trevas do interior dos homens para iluminar os novos tempos do Renascimento".

Proibidas as encenações dentro dos templos, os marionetistas passaram a atuar nas ruas e praças, nas feiras, aparecendo assim os teatros itinerantes que implicaram uma simplificação de meios, nomeadamente em termos de cenografia e da redução da dimensão dos bonecos, passando sobretudo pela utilização de marionetas de luva em vez das de fio ou outras, no sentido de poderem mais facilmente deslocar-se e fazer as suas representações, quer nas ruas quer em festas no interior dos palácios.

Passou-se então da marioneta religiosa para a marioneta profana, em que o objetivo é sobretudo divertir, satirizar.

No final do séc. XV aparece em Itália um novo género teatral, a Commedia dell'Arte, que teve a sua origem nos espetáculos populares levados a cabo pelos jograis, saltimbancos, malabaristas e outros artistas de rua e que, após a sua implantação na Itália, se desenvolveu posteriormente em França, tendo-se mantido popular até ao séc. XVIII. Foi uma forma de teatro popular em que os atores usavam máscaras cobrindo metade do rosto, os diálogos eram improvisados e havia forte interação com o público.

O teatro tradicional de marionetas, de cariz popular, que se vulgarizou na Europa, tem por base as personagens atrevidas e truculentas da Commedia

dell'Arte, de onde se destaca o Pulcinella, que só veio a tornar-se famoso quando

passou a ser apresentado como boneco. Veio para França pelas mãos de G. Briocchi (que lá mudou o nome para Jean Brioché), e se tornou ali um boneco de luva disforme, barrigudo e corcunda, esperto e impertinente, por vezes cruel, passando a ser conhecido por Polichinelle, tendo ambos como característica uma linguagem próxima do povo, uma linguagem desbragada, de crítica social e de ataque aos poderosos, incluindo mesmo os privilégios e a proteção de que gozavam

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23 os atores e os cantores dos teatros e das óperas oficiais; por tudo isso, gozava de grande aceitação popular.

Tal personagem cómica disseminou-se por toda a Europa a partir das companhias de atores italianos e, embora respeitando na sua essência o Pulcinella italiano, adquiriu características peculiares nos diversos países e culturas, tendo sido introduzido em Inglaterra por Pietro Gimondi, em 1662, e lá passou a ser conhecido por Punchinella, que derivou para Punch; em França, já após a Revolução Francesa, transformou-se em Guignol, na Alemanha foi Kasperl, na Rússia, foi Petrouchka, na Checoslováquia foi Kasparek, na Espanha Don Cristóbal e em Portugal Dom

Roberto.

Um caso particular: Punch & Judy

Glyn Edwards (2006, p.69) refere que, numa iniciativa cultural lançada pelo Governo inglês no ano de 2005, os bonecos Punch & Judy foram oficialmente incluídos entre os dez ―Ícones da Inglaterra‖, ao lado de Stonehenge, do Big Ben, do tradicional chá inglês, dos autocarros vermelhos londrinos, etc. Apesar de tal escolha ter sido considerada um absurdo por alguns críticos, foi entusiasticamente acolhida por outros como algo ―particularmente importante para a vida na Inglaterra e para o

povo que lá vive, sendo um representante verdadeiro da sua cultura, história e modo de vida‖.

Enquanto algumas forças politicamente corretas acusaram os "mestres" (como são conhecidos os que trabalham com o Punch and Judy) de favorecer o abuso infantil, a violência contra a mulher e outros tipos de maldades, exigindo que tal tipo de teatro devesse ser banido, assim como alguns praticantes do teatro de bonecos o consideram um teatro menor e que apenas serve para festas infantis, o facto é que tal distinção acabou por dar força moral aos "mestres" nas críticas e nos litígios em que se têm visto envolvidos.

Mas quem eram Punch and Judy? Edwards (2006) faz uma descrição muito interessante e pormenorizada, da qual retirarei apenas alguns elementos mais significativos.

"Punch não faz parte do establishment cultural, ele é uma figura da cultura popular – é verdadeiramente do povo – e foi o povo quem o manteve vivo através dos séculos". Na verdade, assim como a cultura inglesa, assim como a sua população, "Punch nada mais é que o napolitano Pulcinella, que atravessou a Europa muitos séculos atrás. Ele faz parte da mesma família de bonecos

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"velhacos" (bonecos traiçoeiros, enganadores, que têm um comportamento

questionável, mas que são amados apesar disso, pois não são de todo “maus”),

que inclui Petrushka, Polichinelle e Kasperl. Diz ainda que seus parentes mais distantes são o espanhol Don Cristóbal e o português Dom Roberto, e que o próprio mamulengo brasileiro faz parte da mesma tradição de bonecos travessos, endiabrados, que gritam e lutam em público". Edwards (pp.70-83)

A estrutura dramática básica de Punch & Judy consiste no corcunda rouco, de nariz vermelho, beijando ou dançando com Judy, a sua mulher briguenta, que o encarrega de cuidar do bebé. Entretanto o bebé chora, Punch tenta acalmá-lo sem sucesso e logo o atira pela janela para ter um pouco de paz. Judy volta com um pau e bate em Punch, os dois lutam e ele bate-lhe com força. Chega o polícia para prender Punch, que se esconde e, após uma perseguição, o Punch também sova o polícia. Depois aparecem um palhaço, um fantasma, um médico e até um crocodilo atraído pelo cheiro de salsichas inseridas em cena pelo palhaço, o que provoca imensas cenas cómicas, entre as quais aquela em que Punch conta os corpos estendidos no chão!

Edwards refere (op. Cit., p.73) que Punch é normalmente "um boneco grande,

feito de madeira, diferentemente das pequenas figuras de Pulcinella, Dom Roberto e do mamulengo". Explica ainda que, apesar de Punch ter surgido na Inglaterra em

1662, tornou-se um boneco de luva por volta do final do século XVIII, mas não há consenso quanto aos motivos:

"uma versão seria o declínio dos circuitos de feiras, que tornou impossível o

sustento de companhias de bonecos com muitos integrantes; outra seria o dramático crescimento das cidades modernas, que, de uma hora para a outra, passou a gerar oportunidades para um novo tipo de espetáculo de rua, mais reduzido". (op. Cit., p.75)

No século XVIII "as marionetes estavam em seu apogeu na França e essa voga

estendia-se até a Itália. Todos os palácios venezianos possuíam seu teatrinho de bonecos". (Borba Filho, 1966, p.48)

Também no séc. XVIII as marionetas atingiram o seu apogeu nos países de língua germânica, representando obras de Shakespeare, além de outras, e em Viena representavam as óperas, tendo-se Bale tornado o centro das marionetas, "até que

em princípios do século XVIII os teatros moveram uma guerra contra os comediantes de madeira". (op. Cit., p.52)

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25 Em França, já no séc. XVIII, as marionetas chegaram a ter tanta importância que disputavam o público aos atores humanos, pelo que os empresários de teatro e os atores e cantores de ópera exigiram ao Estado, em 1719, que fosse aplicado aos marionetistas não só um imposto muito elevado mas que lhes fosse vedado exercerem a sua atividade em teatros, o que fez com que tivessem de ir novamente para as feiras.

A partir do final desse século, devido à crise da sociedade aristocrática, e durante todo o séc. XIX, o teatro de rua torna-se então cada vez mais contestatário, tornando-se veículo de crítica social e de sátira política, pelo que os marionetistas começam a ser perseguidos pelas forças da ordem.

No séc. XX, começa a manifestar-se um interesse experimental por parte dos intelectuais e dos artistas das vanguardas.

Segundo Newton Cunha, citado por Braga (2008, p.35), as representações do teatro de animação com marionetas, sejam de fio, de luva ou de vara, nunca foram dedicadas ao público infanto-juvenil, mas a todas as faixas etárias. Efetivamente, a ligação do teatro de bonecos como um espetáculo dedicado às crianças é um fenómeno cultural relativamente recente, conforme refere:

"As três últimas décadas do século 19 (…) mostraram uma acentuada decadência do teatro de animação na Europa. A urbanização crescente, o deslocamento das populações, as novidades técnicas e artísticas agora difundidas pelos meios de comunicação, como o cinema, enfraqueceram sensivelmente a arte popular dos bonecos. A retomada, de um modo geral, só ocorreria após a Primeira Grande Guerra, e em novas bases de produção social. Ou seja, por intermédio de grupos fixos e profissionalizados, mantidos com recursos públicos ou patrocinados por fundações e organizações privadas, assim como pelo aproveitamento didático ou pedagógico que muitas instituições educacionais encontraram no teatro de bonecos”.

No mesmo sentido, uma opinião da responsabilidade da Cia Stromboli – Teatro de Bonecos, do Brasil que, muito pragmaticamente, estabelece que no que se refere aos Títeres no Mundo Contemporâneo:

"No mundo de hoje o teatro de bonecos enfrenta grandes dificuldades, ao lado de grandes oportunidades. As plateias dos espetáculos folclóricos tradicionais praticamente desapareceram. (…) Os teatros fechados, que antes atraíam plateias mais humildes, hoje sobrevivem com dificuldade, geralmente contando com o apoio de um conselho municipal ou museu local.

Referências

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