• Nenhum resultado encontrado

Limitações metodológicas e operacionais para a construção de linhas de pobreza absolutas no Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Limitações metodológicas e operacionais para a construção de linhas de pobreza absolutas no Brasil"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

Limitações metodológicas e operacionais para a construção de

linhas de pobreza absolutas no Brasil

Mauricio Teixeira Leite de VasconcellosAndré Wallace Nery da Costa♦ Palavras-chave:

Resumo

Existem dois caminhos mais usados para a elaboração de linhas de pobreza. O primeiro estabelece linhas de pobreza relativas e tem como objetivo subsidiar políticas de redução das desigualdades de renda. O segundo procura estabelecer um patamar mínimo de renda para garantir a satisfação das necessidades básicas de sobrevivência do ser humano e é conhecido como linha de pobreza absoluta. Na aproximação pelas necessidades básicas, inicia-se pela identificação do patamar mínimo de renda para satisfação dos requerimentos nutricionais para definir a linha de indigência. Em seguida, por falta de parâmetros de necessidade mínima para os itens de consumo não-alimentar, critérios baseados em coeficientes orçamentários de Engel são usados para definir o valor da linha de pobreza. Não resta dúvida de que este segundo percurso é mais complexo do que o primeiro, visto ter que enfrentar um grande número de questões metodológicas e demandar um conjunto de dados mais pormenorizado, sendo justificado pela maior isenção dos resultados obtidos, o que lhe confere um caráter mais científico. A pergunta que precisa ser respondida é quanto a violação de alguns dos pressupostos das linhas absolutas interfere em seus resultados? Este trabalho discute os pressupostos e, com os poucos dados disponíveis, exemplifica o efeito de decisões operacionais sobre os seus resultados. Do ponto de vista conceitual, há dúvidas de que atender aos requerimentos humanos de energia implica atender a todos os requerimentos nutricionais. Do ponto de vista operacional, quatro pontos são discutidos: (1) em que condições as compras e obtenções de alimentos refletem a ingestão alimentar? (2) qual a influência das tabelas de composição dos alimentos sobre a ingestão energética? (3) como definir o conceito de requerimento energético? Qual valor de massa corporal utilizar? Que nível de atividade física é necessário garantir para a saúde em longo prazo da população? e (4) a taxa de adequação energética é um bom indicador do estado nutricional de pessoas e famílias?

Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG –

Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006.

Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE / IBGE).

(2)

Limitações metodológicas e operacionais para a construção de

linhas de pobreza absolutas no Brasil

Mauricio Teixeira Leite de VasconcellosAndré Wallace Nery da Costa

Introdução

A preocupação com a pobreza não começou nos países pobres. No limiar do século passado, Rowntree (1901) fez um estudo sobre pobreza em York, England e estabeleceu um valor baseado em preço e quantidade de bens, definindo as primeiras linhas de pobreza estabelecidas de acordo com o tamanho e a estrutura da família. Nos anos 50 do século passado, novos valores, decorrentes das novas necessidades devidas à melhora do bem-estar, ao desenvolvimento e à modernização da sociedade, foram estabelecidos (Rowntree & Lavers, 1951).

Ainda em 1957, o conceito de Josué de Castro sobre desenvolvimento torna-se claro quando afirma que havia necessidade de uma nova teoria científica de desenvolvimento: “Deverá

esta nova teoria integrar a economia aos fatores humanos, de forma a fazer do desenvolvimento econômico o meio de proporcionar a todos não só os bens de necessidade que lhes fazem falta, mas também os bens de dignidade que suas consciências reclamam.” (Castro, 1957:60). Em

1972, durante o Colóquio sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, este conceito é explicitado ainda mais: “...falso é o conceito de desenvolvimento avaliado unicamente à base da expansão da

riqueza material do crescimento econômico. O desenvolvimento implica mudanças sociais sucessivas e profundas, que acompanham inevitavelmente as transformações tecnológicas do contorno natural. O conceito de desenvolvimento não é meramente quantitativo, mas compreende os aspectos qualitativos dos grupos a que concerne. Crescer é uma coisa; desenvolver outra. Crescer é, em linhas gerais, fácil. Desenvolver equilibradamente, difícil. Tão difícil que nenhum país do mundo conseguiu ainda. Desta perspectiva, o mundo todo continua mais ou menos subdesenvolvido.” (Castro, 1984:102). Mas foi nos anos 1970 que as

agências técnicas das Nações Unidas e o Banco Mundial passaram a concordar que o crescimento econômico sozinho não seria capaz de reduzir a desigualdade, sendo necessário estabelecer uma política de distribuição de renda.

Apesar do conceito de desenvolvimento já estabelecido, Townsend (1962) definiu pobreza e subsistência como conceitos relativos aos recursos materiais disponíveis em uma dada

Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú- MG –

Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006.

Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE / IBGE).

(3)

sociedade, em um certo momento. Seu conceito de pobreza estava diretamente relacionado à redução das desigualdades de meios entre os indivíduos em consonância com o modo de vida de cada sociedade, sendo a base do que hoje chama-se de linhas de pobreza relativas (LPR). No entanto, Szal (1977) alertou que em regiões uniformemente pobres podia não haver desigualdade, assim como em regiões de alta desigualdade poderia ocorrer privação absoluta.

O conceito atual das linhas de pobreza absolutas (LPA) deriva da idéia de satisfação de necessidades básicas (basic needs), que inclui a satisfação dos requerimentos nutricionais, usando como proxy a satisfação dos requerimentos energéticos. Em termos operacionais, as LPA partem do conceito de linha de indigência, que corresponde ao valor de renda necessário para a compra de alimentos em quantidade que atenda aos requerimentos nutricionais. Em seguida, por falta de definições do que sejam as necessidades não-alimentares, trabalha-se com coeficientes de Engel para arbitrar uma parcela de renda para satisfação dos gastos não-alimentares, definindo-se, assim, o valor da LPA. Não resta dúvida de que a construção de LPA enfrenta um grande número de questões metodológicas e demanda um conjunto de dados muito mais amplo e pormenorizado do que para a construção das LPR, sendo justificado pela maior isenção dos resultados obtidos, o que lhe confere um caráter mais científico.

Neste sentido, o conceito de pobreza implícito na construção das LPA parte de alguns pressupostos: (1) a pobreza é definida pela não-satisfação das necessidades básicas; (2) quaisquer que sejam as necessidades, elas devem ser baseadas no consumo observado (Rocha, 1977); (3) a renda é usada como critério para medir pobreza; e (4) uma vez que o balanço energético é atingido, todos os requerimentos nutricionais são satisfeitos.

O objetivo deste trabalho é discutir as diversas concessões que têm que ser feitas durante a elaboração das LPA e o quanto a violação de alguns dos seus pressupostos interfere em seus resultados. Considerando o volume de informação técnica utilizada nessa discussão, optou-se por apresentar a fonte de dados usada e segmentar este trabalho por assunto, subordinando a descrição de métodos, resultados e discussão a uma divisão do texto em quatro assuntos distintos,: (1) o que é consumo alimentar? quantidades obtidas na semana ou quantidades ingeridas na semana?; (2) como o consumo é expresso em energia e quais as diferentes estratégias de construção das tabelas de composição dos alimentos?; (3) qual conceito de requerimento energético usar e como calculá-lo?; e (4) as limitações da taxa de adequação em energia como indicador do estado nutricional.

Fonte dos dados

Por ser a única pesquisa nacional que levantou simultaneamente dados de consumo alimentar e de orçamentos familiares, o Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF) constitui-se na fonte de dados privilegiada para este trabalho. O ENDEF foi uma pesquisa domiciliar conduzida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com coleta de dados realizada em cerca de 55 mil famílias entre agosto de 1974 e agosto de 1975. A pesquisa em cada domicílio teve duração de sete dias consecutivos, nos quais foram pesados, antes de cada refeição, os alimentos a serem consumidos na refeição, e após a refeição (ou antes da seguinte) foram pesados os resíduos não-comestíveis (cascas, ossos, caroços, etc.), os desperdícios de alimentos preparados (alimentos dados a animais, doados a outras famílias, jogados no lixo ou guardados para consumo fora da semana de pesquisa). Também foram

(4)

pesados todos os alimentos obtidos por compra, troca, doação, produção própria e retirados de negócio gerido por membro da família; foi registrada a presença dos membros da família, de hóspedes e de convidados às refeições da semana de pesquisa; e foram medidas a massa corporal e a estatura de todos as pessoas presentes a alguma refeição na semana de pesquisa.

Durante as visitas às famílias, foram registrados todos os gastos monetários (compras a vista ou a prazo) e não-monetários (produção própria, doação, troca, pagamentos em bens e produtos retirados de negócio gerido por membro da família) em alimentos para o estoque familiar (complementando a informação dos pesos dos alimentos obtidos); em alimentação fora de casa; e em todas despesas não-alimentares, incluindo um levantamento dos fluxos da conta de variação patrimonial (aumento e diminuição do ativo físico e financeiro, além do aumento e diminuição do passivo familiar). Para fechar a parte de orçamentos familiares, foram coletados dados sobre ocupação econômica, horas trabalhadas por semana, rendimento, etc. Outras informações, não descritas aqui por não serem relevantes aos objetivos deste trabalho, foram coletadas.

Com as informações sobre a presença das pessoas às refeições e sobre a quantidade de cada alimento consumido em cada refeição, foi possível elaborar uma escala de importância calórica das refeições em cada ritmo alimentar. Vasconcellos e Anjos (2001) descrevem este procedimento e mostram que para os dois ritmos alimentares mais freqüentes foram obtidas as seguintes ponderações: café da manhã, almoço e jantar, respectivamente, 0,18, 0,49, e 0,33; e café da manhã, almoço, lanche e jantar, respectivamente, 0,16, 0,43, 0,11, e 0,30. Com esta escala e com as presenças de cada comensal a cada refeição da família, foi possível identificar seu ritmo alimentar e atribuir-lhe a soma dos escores das refeições que efetivamente fez na família (ou seja, em casa ou com alimentos retirados do estoque familiar). A soma dos escores de uma pessoa ao longo da semana de pesquisa foi definida como o índice de presença da pessoa às refeições e a soma dos índices de presença, de todas as pessoas que fizeram pelo menos uma refeição na família durante a semana de pesquisa, foi chamada de total semanal de comensais da família. Este total é usado como denominador no cálculo da ingestão per capita por dia, denominada ingestão por comensal-dia.

Os pesos dos alimentos foram transformados em pesos de sua parte comestível (ou seja, foi subtraído o peso de seu resíduo) e, por meio da Tabela de Composição dos Alimentos elaborada para a pesquisa (IBGE, 1977), foram transformados em energia (kcal), proteínas, vitaminas, sais minerais e ácidos aminados. De forma semelhante, os desperdícios de alimentos foram também transformados em energia e nutrientes. O total de energia (ou nutriente) consumido na semana, subtraído do total de energia (ou nutriente) desperdiçado na semana, corresponde à ingestão semanal da família em energia (ou nutriente).

Os dados demográficos e antropométricos foram usados para calcular, além dos requerimentos em proteínas, vitaminas e sais minerais, diferentes tipos de requerimentos em energia (Vasconcellos e Anjos, 2001; Vasconcellos, 2001) baseados nas recomendações internacionais dos anos 1970 (FAO/WHO, 1973) e dos anos 1980 (FAO/WHO/UNU, 1985; James & Schofield, 1990). Para obter um requerimento diretamente comparável à ingestão familiar, os requerimentos semanais de cada pessoa foram multiplicados pelo seu índice de presença às refeições da família. A soma dos requerimentos ajustados pela presença às refeições, para todas as pessoas que fizeram pelo menos uma refeição durante a semana de pesquisa na

(5)

família, corresponde ao requerimento semanal da família em energia (ou nutriente). A taxa de adequação em energia (ou nutriente) é definida como a razão entre a ingestão semanal da família em energia ou nutriente e o correspondente requerimento semanal da família. De acordo com a definição clássica deste indicador, são consideradas subnutridas as pessoas cuja ingestão é menor do que o seu requerimento, ou seja, os casos em que a taxa de adequação é menor do que 1.

Os pesos corporais, estaturas e requerimentos medianos, por sexo e grupo etário, permitiram definir uma escala de adulto equivalente, que teve por unidade o homem adulto de 20 a 29 anos, com 63,9 kg de massa corporal e 1,69 m de estatura, exercendo uma atividade física moderada e requerendo 2.939 kcal por dia, segundo as recomendações internacionais dos anos 70 do século XX (FAO/WHO, 1973). A soma, para todas as pessoas que fizeram refeição na família durante a semana de pesquisas, do produto do escore da pessoa nesta escala pelo seu índice de presença da pessoa às refeições, foi denominado por total de comensais adulto-dia da família. Este total é o divisor da ingestão para cálculo da ingestão por adulto-dia da família que fornece a medida per capita mais acurada que os métodos utilizados no ENDEF permitem.

O que é consumo alimentar?

Em termos econômicos, consumo alimentar costuma ser definido como o valor (ou quantidade) das compras ou, se os fluxos não-monetários forem considerados, o valor/quantidade dos alimentos obtidos. No entanto, quando os objetivos incluem avaliação nutricional, este conceito de consumo é restritivo, visto que os requerimentos nutricionais devem ser comparados com a ingestão nutricional, derivada da quantidade ingerida de alimentos no período de referência (PR) considerado.

Duas formas são usadas em pesquisas de consumo e orçamentos familiares para cálculo da ingestão alimentar das famílias. A primeira é através da pesagem direta dos alimentos durante o PR, como feito no ENDEF para a semana de pesquisa, enquanto a segunda baseia-se em uma equação semelhante à utilizada pela FAO nas folhas de balanço alimentar (FAO, 1987) para estimar a disponibilidade alimentar dos países. Neste segundo método, a ingestão familiar de um alimento (IA), no período de referência, é estimada como IA = EAA + CA + ONMA – EDA – DA, onde: EAA é a quantidade do alimento observada no estoque familiar antes do PR (ou no início dele); CA é a quantidade comprada do alimento; ONMA é a quantidade do alimento obtida por fluxos não-monetários; EDA é a quantidade do alimento observada no estoque familiar depois (ou ao final) do PR; e DA é a quantidade desperdiçada do alimento no PR.

No entanto, as pesquisas de orçamento familiar (POF) do IBGE só levantaram as compras de alimentos e, na POF 2002-2003, foi incluída, também, a coleta das obtenções não-monetárias. Assim, o uso dos dados de consumo alimentar da POF 2002-2003, para fins de avaliação nutricional pressupõe, que: (1) EAA – EDA – DA = 0, que é uma hipótese muito forte; (2) as compras e obtenções não-monetárias observadas no PR (semana de pesquisa) são destinadas à ingestão feita na semana de pesquisa; e (3) apenas os membros das famílias participam da ingestão dos alimentos comprados/obtidos, visto que não há levantamento da presença de não-moradores às refeições da família nem da ausência dos não-moradores a essas refeições.

Para exemplificar as diferenças entre os dois conceitos de consumo, foram reproduzidos, com os dados do ENDEF, os cálculos que poderiam ser feitos com os dados de uma POF, para

(6)

obter uma estimativa da obtenção de energia. Assim, os dados dos pesos dos alimentos comprados e obtidos foram transformados nos pesos de sua parte comestível, considerando a proporção estimada de resíduo de cada alimento (que representa as práticas culinárias da população brasileira à época do ENDEF, mas que talvez não sejam mais aplicáveis à população atual). Os pesos de parte comestível foram transformados em energia, usando a tabela de composição do ENDEF, e o total de energia obtida (comprada ou não) foi calculado por família. Convertendo o número de moradores em total de moradores adultos, por meios dos escores destes na escala de adulto equivalente multiplicados pelo número de dias de pesquisa na família, foi calculada a obtenção por adulto-dia da família, apresentada na Figura 1, ao lado da ingestão por adulto-dia da família, calculada com os métodos do ENDEF. Esta Figura, na qual os histogramas correspondem a classes de 200 kcal, com o ponto médio de uma a cada duas classes indicado, mostra que o estimador de obtenção tem uma distribuição concentrada até 3 000 kcal/adulto/dia (85% das famílias), mas com freqüências não ignoráveis acima de 7 000 kcal/adulto/dia e uma forma que lembra mais uma distribuição Log-normal do que a forma gaussiana da distribuição de ingestão por adulto-dia, que concentra cerca de 70% das famílias entre 1 800 e 3 400 kcal/adulto/dia

Figura 1

Histogramas de freqüências populacionais da ingestão e da obtenção de energia por adulto-dia

(1 000 (1 000

famílias) famílias)

Ingestão de energia por adulto-dia (100 kcal)

97 93 89 85 81 77 73 69 65 61 57 53 49 45 41 37 33 29 25 21 17 13 9 5 1 2.200 2.000 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 800 600 400 200 0

Obtenção de energia por adulto-dia (100 kcal)

97 93 89 85 81 77 73 69 65 61 57 53 49 45 41 37 33 29 25 21 17 13 9 5 1 2.200 2.000 1.800 1.600 1.400 1.200 1.000 800 600 400 200 0

A Tabela 1 apresenta as estimativas da média, do coeficiente de variação (CV) e do máximo de ingestão e obtenção de energia dos alimentos por adulto-dia. Indica que, para a particular amostra do ENDEF, os cálculos que podem ser feitos com dados de uma POF subestimariam o total de energia e, portanto, aumentariam os valores da linha de indigência e das LPA, isto porque o pressuposto de que EAA – EDA – DA = 0 não se aplicava à época do ENDEF e, muito provavelmente, não se aplica hoje porque é muito pouco plausível que as famílias não mantenham estoque de alimentos (óleos, farináceos, açúcar, etc.). Além disto, como a POF não inclui informações sobre presença às refeições, o divisor para o cálculo da medida per capita e por dia não é tão acurado quanto o usado na ingestão por adulto-dia, pois não considera a ausência de moradores às refeições feitas em casa (muito mais importante, desde o ENDEF, do que a presença de convidados às refeições da família).

(7)

Tabela 1

Características das distribuições dos estimadores de ingestão, e obtenção

Estimador de energia dos alimentos Média (kcal)

Coeficiente de variação

(%)

Máximo (kcal)

Ingestão de energia por adulto-dia (ENDEF) 2 667,70 34,39 7 195

Energia obtida total por adulto-dia (POF) 1 988,75 100,80 56 393

Diferença ENDEF – POF (EAA – EDA – DA) 678,95

Além disto, o valor máximo do estimador de obtenção de energia (56.393 kcal) não é implausível, é impossível. Na realidade, cerca de 10% dos valores deste estimador são muito altos e correspondem a famílias que fizeram compras de alimentos para reposição do estoque familiar e não para consumo na semana de pesquisa. O máximo foi obtido em uma família de cinco pessoas que teve 300 convidados para um jantar de casamento, realizado na semana de pesquisa: o total de energia obtida foi dividido por um valor semanal de adulto-dia inferior a 35, gerando o valor máximo da Tabela 1. Mesmo com o método do ENDEF, esta família ficou com uma ingestão por adulto-dia muito elevada (7.195 kcal) apesar de os dados de todos os convidados serem considerados. Este valor é devido à inadequação da escala de presença às refeições que estabelece um peso para o jantar bem inferior ao aporte energético deste jantar de casamento (com muitas bebidas alcoólicas e muitos doces, dos quais uma parte foi levada para casa pelos convidados, sem que pudesse ser pesada).

Em resumo, na particular amostra do ENDEF, o estimador de obtenção de energia dos alimentos subestimou a ingestão familiar, por captar uso do estoque de alimentos maior do que sua reposição. É fato que nada assegura que o inverso não possa acontecer, pois tudo depende do sinal da parcela não-observada (EAA – EDA – DA). Em situação real, os dados da POF 2002-2003 não permitem corrigir ausência de moradores nem a presença de convidados às refeições feitas na família (o que pôde ser feito pois os dados do ENDEF permitiam). Também não permitem um tratamento adequado dos pesos da parte comestível dos alimentos, visto que este deve ser feito com base nas proporções de resíduo existentes em tabelas de composição (que refletem práticas laboratoriais e não as práticas culinárias das famílias, com exceção da tabela do ENDEF).

Como o consumo é expresso em energia?

A energia dos alimentos não é obtida diretamente na análise bromatológica do alimento. Ela deriva do conteúdo dos macro-componentes dos alimentos: proteínas, lipídios (gorduras), carboidratos e álcool. No entanto, existem diferentes conceitos de energia (energia ingerida, digestível, metabolizável e metabolizável líquida) e a cada conceito de energia corresponde a um conjunto de fatores de conversão em energia. A energia ingerida corresponde ao total de energia dos alimentos ingeridos. Ao subtrair-se, da energia ingerida, a energia fecal e o GaE (gás combustível derivado da fermentação microbial), chega-se ao conceito de energia digestível. A energia metabolizável corresponde à energia digestível menos a energia expelida pela urina e pelo suor superficial, que subtraída do calor da fermentação microbial e da termogênese obrigatória (excesso de calor relativo a glicose durante a síntese ATP) conduz à energia metabolizável líquida.

(8)

No entanto, existem diferentes formas de expressar a quantidade de proteínas e de carboidratos dos alimentos. Assim, a escolha da tabela de composição deve ser precedida por uma avaliação destes aspectos, visto que a ingestão de energia deve ser expressa no mesmo conceito dos requerimentos energéticos, para que a taxa de adequação em energia tenha sentido e não seja uma razão entre laranjas e bananas.

O conteúdo protéico dos alimentos é expresso de três formas distintas nas tabelas de composição: (1) proteína = nitrogênio × 6,25, a forma antiga que foi abandonada após a proposta de Jones (1941); (2) D.B. Jones (1941) propôs um conjunto de fatores específicos de conversão do nitrogênio em proteína, denominados fator N do alimento, que variam entre 5,18 (nozes, sementes) a 6,38 (leite), segundo o alimento, resultando em proteína = nitrogênio × fator N; e (3) a forma preferida atualmente, onde a quantidade de proteína de um alimento é igual ao seu total de aminoácidos.

No século XIX, Rubner propôs que os carboidratos fossem expressos por diferença, definindo o total de carboidratos por diferença como: 100 – (proteína + gordura + cinzas + álcool + umidade). Esta proposta foi popularizada por Atwater (1900). Posteriormente, foi definido o conceito de carboidratos disponíveis por diferença, que corresponde ao total de carboidratos por diferença menos a quantidade de fibras do alimento. Desta forma, tanto o total quanto os carboidratos disponíveis, ambos obtidos por diferença, variam segundo a forma de expressão do conteúdo de proteína dos alimentos. Além disso, os valores de carboidratos por diferença incluem os erros de medida dos outros componentes e erros aleatórios de estimação dos demais componentes. Em reunião de especialistas realizada em 1997 (FAO, 1998), os carboidratos foram divididos em três grupos (açúcares, oligossacarídeos e polissacarídeos) e sete subgrupos. Por fim, algumas tabelas de composição consideram que as fibras fornecem energia, enquanto outras consideram as fibras como não digeríveis e não fornecem energia ao organismo.

Assim, o conceito de energia, a forma com estão expressos os carboidratos e a proteína, e o fato das fibras serem provedoras ou não de energia definem o método de determinação do conteúdo de energia dos alimentos e, em decorrência, o sistema de coeficientes de conversão em energia, apresentados na Tabela 2 (Vasconcellos, no prelo).

De posse destes coeficientes, e usando a tabela de composição de alimentos do ENDEF, Vasconcellos (no prelo) criou novas variáveis que fornecem o conteúdo de proteína baseado no fator N igual a 6,25 e baseado no total de aminoácidos (o baseado nos fatores de Jones já existia no Banco ENDEF) e, em decorrência, diferentes variáveis de conteúdo de carboidratos disponíveis foram criadas considerando as três formas como o conteúdo de proteína poderia ser determinado. Usando os pesos da parte comestível dos alimentos consumidos e desperdiçados, existentes no Banco ENDEF, foram criadas variáveis de ingestão energética com os diferentes conceitos de energia, cujos códigos constam da Tabela 2 (antes da descrição do conceito de energia). Essas ingestões foram, então, relacionadas ao requerimento energético de manutenção (1,4 ×TMB, como será definido na próxima seção) para estimar a prevalência de subnutrição energética, apresentada na Tabela 3. Na Tabela 3 constam, também, duas outras variáveis de ingestão energética: (1) a variável disponível no Banco ENDEF, que foi baseada nos coeficientes de conversão específicos para cada alimento e propostos por Merril & Watt (1973); e (2) a variável criada usando os coeficientes gerais propostos por Atwater (1900), que são os usados no

(9)

kcal/g do macro-componente do alimento, permitindo a determinação da energia do alimento por meio da seguinte equação: energia(kcal) = 4 × proteína(g) + 4 × total de carboidratos por diferença(g) + 9 × lipídios(g) + 7 × álcool(g).

Tabela 2

Fatores de conversão em energia, segundo o sistema adotado e o conceito de energia

Sistemas de fatores de conversão e conceitos de energia

Carboidratos disponíveis por

diferença (g)

Fibras

(g) Proteínas (g) Lipídios (g) Álcool (g)

Sistema 1 – sem considerar a energia das fibras

Sistema 1A – conteúdo de proteína baseado nos fatores N propostos por Jones (1941)

IE1: Energia ingerida 4,0 0 5,6 9,4 7,0

DE1: Energia digestível 4,0 0 5,1 8,9 7,0

ME1: Energia metabolizável 4,0 0 4,0 8,9 6,8

NME1: Energia metabolizável líquida 4,0 0 3,2 8,7 6,3

Sistema 1B – conteúdo de proteína baseado em um fator N constante e igual a 6,25

ME1_625: Energia metabolizável 4,0 0 4,0 8,9 6,8

NME1_625: Energia metabolizável líquida 4,0 0 3,2 8,7 6,3

Sistema 1C – conteúdo de proteína baseado no conteúdo total de aminoácidos

ME1_AA: Energia metabolizável 4,0 0 4,0 8,9 6,8

NME1_AA: Energia metabolizável líquida 4,0 0 3,2 8,7 6,3

Sistema 2 – considerando a energia das fibras

Sistema 2A – conteúdo de proteína baseado nos fatores N propostos por Jones (1941)

IE2: Energia ingerida 4,0 4,0 5,6 9,4 7,0

DE2: Energia digestível 4,0 1,9 5,1 8,9 7,0

ME2: Energia metabolizável 4,0 1,9 4,0 8,9 6,8

NME2: Energia metabolizável líquida 4,0 1,5 3,2 8,7 6,3

Sistema 2B – conteúdo de proteína baseado em um fator N constante e igual a 6,25

ME2_625: Energia metabolizável 4,0 1,9 4,0 8,9 6,8

NME2_625: Energia metabolizável líquida 4,0 1,5 3,2 8,7 6,3

Sistema 2C – conteúdo de proteína baseado no conteúdo total de aminoácidos

ME2_AA: Energia metabolizável 4,0 1,9 4,0 8,9 6,8

NME2_AA: Energia metabolizável líquida 4,0 1,5 3,2 8,7 6,3

Fonte: Vasconcellos, no prelo.

A Tabela 3 mostra uma variação de 10,3% entre a menor e a maior ingestão de energia por adulto-dia e uma diferença de 12,5 % na prevalência de subnutrição.

Para verificar se o método de determinação do conteúdo de energia dos alimentos sofre influência do tipo de dieta observada nos diferentes níveis de renda, Vasconcellos (no prelo) preparou resultados que mostram o valor da prevalência de subnutrição estimados pelos diferentes métodos e por décimos da despesa corrente per capita (Figura 2).

(10)

Tabela 3

Ingestão de energia por adulto-dia e prevalência de subnutrição, segundo os métodos de determinação do conteúdo energético dos alimentos

Método de determinação do conteúdo de energia dos alimentos

Descrição do cálculo Ingestão de energia por adulto-dia subnutrição energéticaPrevalência de Código da variável Proteína

baseada em

Carboidratos por diferença

Energia

das fibras (kcal) % * % Diferença *

IE2 Jones Disponível Incluída 2 895,6 107,0 23,7 -8,4

IE1 Jones Disponível Ignorada 2 860,7 105,7 25,2 -7,0

DE2 Jones Disponível Incluída 2 804,1 103,6 27,4 -4,7

DE1 Jones Disponível Ignorada 2 787,5 103,0 28,1 -4,0

Atwater Jones Total *** 2 739,2 101,2 30,4 -1,8

ME2 Jones Disponível Incluída 2 714,2 100,3 31,5 -0,6

Merrill e Watt Jones Total *** 2 706,1 100,0 32,2 0,0

ME1 Jones Disponível Ignorada 2 697,6 99,7 32,3 0,2

NME2_AA Total AA Disponível Incluída 2 634,3 97,3 35,5 3,3

NME2 Jones Disponível Incluída 2 632,1 97,3 35,6 3,4

NME2_625 6,25 Disponível Incluída 2 630,9 97,2 35,7 3,5

NME1_AA Total AA Disponível Ignorada 2 621,2 96,9 36,3 4,1

NME1 Jones Disponível Ignorada 2 619,0 96,8 36,1 4,0

NME1_625 6,25 Disponível Ignorada 2 617,8 96,7 36,3 4,1

Fonte: Vasconcellos, no prelo. * Em relação a Merrill e Watt. *** Conteúdo de fibras incluído nos carboidratos. Na Figura 2, observa-se que os métodos apresentam comportamento semelhante e que as curvas por décimo de despesa mostram as mesmas relações observadas para o total na Tabela 3.

Os resultados apresentados nesta seção mostram que a escolha da tabela de composição tem uma influência não-desprezível sobre a prevalência de subnutrição, que pode chegar a cerca de 12,5%, e, portanto, nos valores das linhas de indigência e das LPA.

De todo modo, como os requerimentos são estabelecidos em termos de energia metabolizável, o método de conversão dos macro-componentes dos alimentos em energia deve ser baseado nos coeficientes específicos por alimento estabelecidos por Annabel Merril e Bernice Watt (Merril & Watt, 1973).

(11)

Figura 2

Prevalência de subnutrição estimada por diferentes métodos, segundo o décimo de despesa corrente per capita

5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 Merrill & Watt

Atwater EI1 EI2 DE1 DE2 ME1 ME2 NME1 NME1_625 NME1_AA NME2 NME2_625 NME2_AA

Métodos para determinação do conteúdo energético dos alimento

% de indivíduos

10% mais pobre >10 a 20% >20 a 30% >30 a 40% >40 to 50% >50 a 60% >60 a 70% >70 a 80% Richest 20%

Qual conceito de requerimento energético usar e como calculá-lo?

Existem vários conceitos de requerimento, todos estabelecidos em energia metabolizável e com base no gasto energético para as funções vitais do organismo e para o exercício de atividades físicas, sendo as principais diferenças decorrentes das atividades físicas consideradas no cálculo do requerimento. Neste sentido, o cálculo das LPA deve ser precedido por respostas a diversas perguntas, dentre as quais destacamos duas: (1) o requerimento deve prover energia para atividades laborais?; e (2) o requerimento deve considerar que atividades físicas regulares, que visem ao condicionamento cardiovascular e que são necessárias para a saúde a longo prazo?

O gasto energético para as funções vitais do organismo é expresso pela taxa metabólica basal (TMB) e corresponde à energia necessária para manter vivo um organismo em repouso, em jejum, e em temperatura que não ative os mecanismos regulatórios da temperatura corporal. O cálculo da TMB é feito por equações de predição estabelecidas em função do sexo, grupo etário e valor da massa corporal em kg (James & Schofield, 1990). Os acréscimos ao valor da TMB,

(12)

devido às atividades físicas, são expressos em múltiplos da TMB e denominados por nível de atividade física (NAF)1. O relatório FAO/WHO/UNU de 1985 define diversos conceitos de requerimentos energéticos, apresentados na Figura 3 para um homem e uma mulher hipotéticos: (1) requerimentos de sobrevivência, para viver permanentemente na cama e correspondentes a um gasto energético equivalente 1,20 vezes a TMB; (2) requerimentos de inatividade, que permitem sair da cama, vestir-se e comer, mas pressupõem que outras pessoas comprem e preparem os alimentos, como ocorre com pessoas sem autonomia plena, tendo um gasto energético estimado em 1,27 TMB; (3) requerimentos de manutenção, que permitem vestir-se, lavar-se e realizar três horas de atividade em pé, mas não incluem as atividades socialmente desejáveis ou as ocupacionais, com um gasto energético correspondente a 1,40 TMB; e (4) requerimentos com atividade, que incluem as atividades socialmente desejáveis e as ocupacionais, com gasto energético estimado a partir dos coeficientes de NAF recomendados no relatório de 1985.

Figura 3

Conceitos de requerimentos energéticos e coeficientes de NAF associados

Adaptado de James & Schofield (1990)

Para cálculo do requerimento energético, duas aproximações são sugeridas por James & Schofield (1990): o método simplificado e o método fatorial. No método simplificado, o valor da

1 NAF é definido como a razão entre o gasto energético de um dia, considerando todas as atividades físicas

(13)

TMB é multiplicado pelos coeficientes de NAF recomendados no relatório de 1985, em função da atividade física associada à ocupação econômica exercida pela pessoa. No método fatorial, o dia é dividido em suas diversas atividades físicas e o requerimento é obtido por soma do produto entre o índice energético integrado (IEI2) da atividade e o valor da TMB para a duração de cada atividade considerada, como exemplificado na Tabela 4.

Tabela 4

Exemplos de requerimentos energéticos calculados pelo método fatorial

Duração Recomendação Atividades ocupacionais e recomendadas

(horas) 1 (IEI x TMBh) 2

Exemplo para homens com NAFO 3 leve

Sono 8 1,0 ´ TMBh

Atividades socialmente desejáveis 2 3,0 ´ TMBh

Exercício cardiovascular 4 1/3 6,0 ´ TMBh

Trabalho HTS / 7 1,7 ´ TMBh

Outras atividades 14-HTS / 7 - 1/3 1,4 ´ TMBh

Exemplo para mulheres com NAFO moderado

Sono 8 1,0 ´ TMBh

Atividades socialmente desejáveis 2 3,0 ´ TMBh

Exercício cardiovascular (não é recomendado para o NAFO)

Trabalho HTS / 7 2,2 ´ TMBh

Outras atividades 14-HTS / 7 - 1/3 1,4 ´ TMBh

Adaptado de FAO/WHO/UNU (1985): Tabelas 8 a 14.

1

HTS é o número de horas trabalhadas na semana e HTS / 7 é média diária de horas trabalhadas por semana.

2

IEI x taxa metabólica basal para uma hora (TMBh = TMB / 24).

3 NAFO é o nível de atividade física ocupacional, estabelecido pelo gasto energético da ocupação exercida.

4 O relatório de 1985 recomenda 20 minutos de atividade física intensa para condicionamento cardiovascular, para

pessoas com NAFO leve, sendo desnecessário para pessoas com NAFO moderado ou pesado.

Para situações específicas, como gestação, lactação e crescimento das crianças, o relatório de 1985 propõe acréscimos ao requerimento energético que, apesar de não terem sido descritos neste trabalho, foram considerados no cálculo das variáveis de requerimentos energéticos usadas nos resultados apresentados.

Existem várias críticas e problemas no cálculo dos requerimentos energéticos. Em relação às equações de predição da TMB, Warlich e Anjos (2001) indicam que 10, dentre 16 estudos feitos por calorimetria indireta, apontam para a tendência de superestimação das equações de predição da FAO. Pesquisa com 50 universitárias de Niterói (19 a 27 anos) indicou que equações da FAO superestimam em 12,5% a TMB medida por calorimetria indireta (Cruz, Silva & Anjos, 1999). Pesquisa com 60 mulheres de Porto Alegre (20 a 40 anos) indicou que equações da FAO superestimam em 13,5% a TMB medida por calorimetria indireta (Wahrlich & Anjos, 2001).

Outro problema apontado é relativo à adequação dos coeficientes de NAF recomendados (NAFR) pelo relatório FAO/WHO/UNU, de 1985, para a população brasileira. Vasconcellos &

2 O IEI é calculado pela a razão entre o dispêndio energético de uma atividade (tarefa), em um certo período de

(14)

Anjos (2003) definiram um método simplificado para cálculo de coeficientes de NAF tendo por base a comparação entre os requerimentos obtidos pelos métodos simplificado e fatorial. De acordo com os autores, o método simplificado indica que o requerimento é igual a TMB x coeficiente de NAFR, enquanto o requerimento pelo método fatorial é obtido por Σi ti IEIi TMBh = (TMB/24) Σi ti IEIi, onde ti é o tempo de duração da i-ésima atividade exercida no dia. Igualando-se as duas expressões tem-se que TMB x coeficiente de NAFR = (TMB/24) Σi ti IEIi e, portanto, que o coeficiente estimado de NAF é igual a (1/24) Σi ti IEIi.

No artigo referido, os autores mostram a inadequação dos coeficientes de NAFR em relação aos estimados (NAFE) pelo método que descreveram, como indica a Figura 4. Nesta Figura, observa-se que, para os homens, os coeficientes de NAFR subestimariam os requerimentos para pessoas entre 10 e 17 anos e para maiores de 60, porque não considerarem provisão para atividades ocupacionais nestes grupos etários. Na faixa de 18 a 60 anos, o NAFR subestimaria o requerimento em áreas rurais, está aproximado para o total da população masculina, mas superestima os requerimentos para homens residentes em áreas urbanas e rurais. Entre as mulheres, o NAFR subestimaria o requerimento entre 10 e 17 anos e superestimaria para todas as outras faixas etárias.

Outro ponto a considerar diz respeito ao valor de massa corporal (MC) a utilizar na estimação da TMB. A MC observada serve para a determinação da demanda de energia da população quando não se considera (ou não se pode considerar) a melhoria do estado nutricional (abastecimento urbano), visto que seu uso implica calcular requerimentos para manter a desnutrição ou a obesidade observadas, o que não é adequado para fins nutricionais. Por outro lado, a MC de referência serve para determinar requerimentos que assegurem tamanho e composição corporais compatíveis com a boa saúde a longo prazo e um nível de atividade física socialmente desejável e economicamente necessário, mas seus valores precisam ser definidos por sexo, idade e estatura, para uma população supostamente sadia. Os dois conceitos de MC podem ser usados no ENDEF, mas a inadequação do uso dos dados de consumo da POF para avaliação nutricional dificulta a definição da subpopulação suposta sadia.

Em resumo, as recomendações internacionais de 1985, apesar do avanço nos métodos de determinação os requerimentos energéticos, ainda têm deficiências importantes. As equações de predição recomendadas para uso internacional não foram suficientemente testadas para a população brasileira e há evidências de que superestimem a taxa metabólica basal. Os valores de NAF estimados mostraram que os recomendados por sexo e idade para países menos desenvolvidos não são adequados a estratos da população brasileira, apesar de não implicarem um grande erro no requerimento médio nacional. Além disso e para evitar os erros fisiológicos apontados, os requerimentos devem ser calculados com valores de NAF estimados para o grupo em estudo. No entanto, os dados das POFs não permitem o cálculo de requerimentos energéticos acurados, uma vez que falta um padrão antropométrico (foi usada MC média) e não se dispõe do total de horas trabalhadas (foi usada média ENDEF).

É fato que as novas recomendações (FAO/WHO/UNU, 2005) evitam as principais críticas feitas às de 1985, mas não dão subsídios para estimar requerimentos mais acurados para os adultos e mantêm os mesmos defeitos das equações de predição da TMB.

(15)

Figura 4

Diferença entre os NAF recomendados e estimados Homens -0 ,2 5 -0 ,2 0 -0 ,1 5 -0 ,1 0 -0 ,0 5 0 ,0 0 0 ,0 5 0 ,1 0 0 ,1 5 0 ,2 0 0 ,2 5 0 ,3 0 0 ,3 5 0 ,4 0 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4 1 5 1 6 1 7 1 8 1 9 2 0 -2 4 2 5 -2 9 3 0 -3 4 3 5 -3 9 4 0 -4 4 4 5 -4 9 5 0 -5 4 5 5 -5 9 6 0 -6 4 6 5 -6 9 7 0 -7 4 7 5 -7 9 8 0 + C la s s e s d e id a d e

Diferença (estimado - recomendado)

R e c o m e n d a d o T o ta l M e tro p o lita n o U rb a n o R u ra l Mulheres -0,20 -0,18 -0,16 -0,14 -0,12 -0,10 -0,08 -0,06 -0,04 -0,02 0,00 0,02 0,04 0,06 0,08 0,10 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80+ Classes de idade D ife re a (e s tim a do - r e c o m e nda do)

(16)

Limitações da taxa de adequação em energia como indicador de estado

nutricional

A taxa de adequação em energia, definida como a razão entre a ingestão e o requerimento energéticos, ambos referidos a um mesmo período de tempo, combina os erros cometidos no cál-culo dos requerimentos e da ingestão, o que afeta a estimativa da taxa de adequação (Tabela 5).

Tabela 5

Porcentagens de famílias com taxa de adequação em energia menor do que 1, para alguns décimos

de despesa corrente per capita, segundo o estimador usado no cálculo da taxa de adequação e o conceito de requerimento

Décimos da despesa corrente per capita Estimadores usados no cálculo da taxa de adequação e

conceito de requerimento 1o 2o 3o 8o 9o 10o

Ingestão de energia

Manutenção, MC de referência 61,2 37,6 29,6 16,3 13,8 14,0

NAF estimado, MC de referência 77,1 59,3 50,7 30,6 27,4 24,5

Obtenção de energia

Manutenção, MC média por sexo e idade 92,8 84,3 77,0 62,5 57,1 45,6

NAF estimado, MC média por sexo e idade 95,9 89,5 83,6 68,9 63,1 52,5

Na Tabela 5, observa-se o aumento da prevalência de subnutrição em decorrência do aumento do requerimento de energia, ou seja, quanto maior a provisão de energia para atividade físicas (sejam as ocupacionais, sejam as que visam à saúde a longo prazo), maior será o valor da LPA. Outro ponto marcante é que a subestimação da ingestão energética, derivada do uso do estimador de obtenção, conduziu a prevalências de subnutrição muito mais elevadas quando foram aplicados os métodos possíveis com dados de uma POF para particular amostra do ENDEF. Cabe ressaltar que o método de pesagem direta, usado no ENDEF, apresentou problemas no último décimo de renda em decorrência do número reduzido de refeições feitas na família, que acarretou uma avaliação nutricional baseada em poucas refeições e com preponderância do café da manhã.

Além disto, a taxa de adequação é um indicador baseado em um critério de entrada (ingestão alimentar) para medir uma condição definida por um resultado (nutrição). Como subnutrição refere-se, por convenção, às manifestações físicas decorrentes de uma inadequação nutricional que desvia as medidas antropométricas para valores inferiores aos de referência (FAO, 1987), este indicador tem limitações. Há pelo menos duas razões pelas quais esse conceito de entrada não produz medidas precisas da subnutrição física: 1) a taxa de adequação baixa (ou a ingestão alimentar inadequada) não necessariamente conduz à subnutrição física devido aos mecanismos de adaptação; e 2) a subnutrição física pode ocorrer mesmo quando a ingestão de energia é superior ao nível requerido (taxa de adequação > 1) devido a condições não-alimentares inadequadas.

Na figura 5, está representado, teoricamente, um conjunto de pessoas com um mesmo requerimento de energia, representado por Rm, (o requerimento de manutenção calculado sem considerar as condições não-alimentares), que têm distintos níveis de ingestão de energia (representados no eixo das abscissas) e que vivem em condições não-alimentares distintas

(17)

(representadas no eixo das ordenadas). O valor F0 corresponderia ao mínimo aceitável das condições não-alimentares, abaixo do qual não há quantidade adicional de alimentos que permita alcançar um equilíbrio energético. A curva I, cuja forma e posição são arbitrárias, corresponde ao contorno de isonutrição, onde todos os pontos da curva representam o mesmo nível de gasto energético de manutenção, ou seja, qualquer ponto abaixo da curva representa a existência de um problema nutricional (em sentido amplo). Assim, cada ponto na curva I corresponde a uma combinação de ingestão e condições não-alimentares, adequada para cobrir o gasto energético de manutenção. A interpretação tradicional da taxa de adequação em energia, consta da Figura 5.

Figura 5

Relação entre ingestão, condições não-alimentares e requerimento de manutenção

De fato, as pessoas que estão na área A podem atingir um nível adequado de nutrição apenas com o aumento de sua ingestão, enquanto as pertencentes à área B necessitam da melhora de suas condições não-alimentares, além do aumento de sua ingestão. As localizadas na área C necessitam, para atingir o equilíbrio entre sua ingestão e seu gasto energético, do aumento em sua ingestão ou da melhora em suas condições não-alimentares. Por fim, para as pessoas classificadas na área D, a única forma de assegurar uma nutrição adequada é através da melhora de suas condições não-alimentares. A proporção de pessoas nas áreas C e D fornece uma indicação do grau de subestimação da taxa de adequação, quando os requerimentos são calculados sem levar em conta as condições não-alimentares. O raciocínio feito aplica-se mutatis mutandis à taxa de adequação familiar, o que permite concluir que, apesar dessas limitações, a taxa de adequação de energia (que não leva em conta as condições não-alimentares) de fato estima de forma precisa o

(18)

contingente de famílias com problemas de restrição alimentar, isto é, com ingestão menor que o requerimento.

Essa interpretação indica que a linha de indigência somente retrata o valor necessário para eliminar a restrição alimentar energética e, se não forem feitas provisões para a melhora das condições não-alimentares, as LPA não satisfazem seus pressupostos de satisfação das necessidades básicas.

Por fim, a pesquisa ENDEF mostrou, com todas as limitações apontadas do indicador usado, que uma vez satisfeitos os requerimentos energéticos, todos os demais requerimentos estavam satisfeitos. No entanto, não existem dados para comprovar, para os dias de hoje, o que o ENDEF mostrou para os hábitos alimentares dos anos 1970. A atual epidemia de obesidade, associada à oferta grande de alimentos de calorias vazias (sem os demais macronutrientes, exceto lipídios) são indicadores de que as mudanças nos hábitos alimentares podem ter invalidado este pressuposto básico das linhas de indigência e das LPA.

Referências

ATWATER, W.O. & BRYANT, A.P. 12th Annual Report (1899) of the Storrs, CT, Agricultural

Experimental Station. Storrs, CT: Storrs Experimental Station, p. 73-110, 1900.

CASTRO, J. O Livro Negro da Fome. São Paulo: Brasiliense, 1957.

CASTRO, J. Subdesenvolvimento: causa primeira de poluição. In: Castro, A. M. (org.) Fome: Tema

Proibido. Últimos Escritos de Josué de Castro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984, p. 101-108.

CRUZ, C. M., SILVA, A. F. & ANJOS, L. A. A taxa metabólica basal é superestimada pelas equações preditivas em universitárias do Rio de Janeiro. Archivos Latinoamericanos de Nutrición, n. 49, p. 232-237, 1999.

FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). The Fifth World Food Survey. Rome: FAO, 1987.

FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). Carbohydrates in human nutrition.

Report of a Joint FAO/WHO Expert Consultation. FAO Food and Nutrition Paper No. 66. Rome:

FAO, 1998

FAO/WHO (Food and Agriculture Organization of the United Nations / World Health Organization).

Energy and Protein Requirements. Report of a Joint FAO/WHO ad hoc Expert Consultation. FAO

Nutrition Meeting Report Series, 52. Rome: FAO, 1973..

FAO/WHO/UNU (Food and Agriculture Organization of the United Nations / World Health Organization / University of the United Nations). Energy and Protein Requirements: Report of a Joint

FAO/WHO/UNU ad hoc Expert Consultation. WHO Technical Report Series, 724. Geneva: WHO,

1985.

FAO/WHO/UNU (Food and Agriculture Organization of the United Nations / World Health Organization / University of the United Nations). Energy and Protein Requirements: Report of a Joint

FAO/WHO/UNU ad hoc Expert Consultation – Rome, 17-24 October 2001. Food and Nutrition

Technical Report Series, 1. Rome:FAO, 2005.

IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Estudo Nacional da Despesa

Familiar - ENDEF: Tabelas de Composição dos Alimentos. ENDEF, v.3 (Publicações especiais), t.1. Rio de Janeiro: IBGE, 1977.

(19)

JAMES, W.P.T. & SCHOFIELD, E.C. Human Energy Requirements: a Manual for Planners and

Nutritionists. New York: FAO / Oxford University Press, 1990.

JONES, D.B. (1941). Factors for converting percentage of Nitrogen in foods and feeds into

percentage of protein. Circular 183. Washington: US Department of Agriculture, 1941.

MERRILL, A.L. & WATT, B.K. Energy Value of Foods: Basis and Derivation. Agriculture Handbook, 74. Washington: US Agriculture Research Service, 1973.

ROCHA, S. Do consumo observado à linha de pobreza. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 27, n. 2, p. 313-352, 1977.

ROWNTREE, B.S. Poverty: a study of town life. London: Macmillan, 1901.

ROWNTREE, B.S. & LAVERS, G.R. Poverty and the welfare state: a third social survey of York

dealing with economic questions. London: Longman, 1951.

SZAL, R.J. Poverty: measurement and analysis. World Development Programme Research Working Paper, 60. Geneva: International Labour Office (ILO) , 1977.

TOWNNSEND, P. The meaning of poverty. The British Journal of Sociology, v. 13, n. 3, p. 210-227, 1962.

VASCONCELLOS, M.T.L. Análise crítica dos métodos de avaliação nutricional de populações, a

partir de dados de consumo familiar de energia. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Escola Nacional de

Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2001.

VASCONCELLOS, M.T.L. The impact of different methods to determine energy contents of food on the prevalence of under-nutrition: A case study in a Brazilian food consumption survey. Journal of Food

Composition and Analysis, in press.

VASCONCELLOS, M.T.L. & ANJOS, L.A. Taxa de adequação (ingestão/requerimento) de energia como indicador do estado nutricional das famílias: uma análise crítica dos métodos aplicados em pesquisas de consumo de alimentos. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, n. 3, p. 581-593, 2001.

VASCONCELLOS, M.T.L. & ANJOS, L.A. A simplified method for assessing physical activity level values for a country or study population. European Journal of Clinical Nutrition, v. 57, n. 8, p. 1025– 1033, 2003.

WAHRLICH, V. & ANJOS, L.A. Aspectos históricos e metodológicos da medição e estimativa da taxa metabólica basal: uma revisão da literatura. Cadernos de Saúde Pública, v. 17, n. 4, p. 801-817, 2001.

Referências

Documentos relacionados

O termo extrusão do núcleo pulposo aguda e não compressiva (Enpanc) é usado aqui, pois descreve as principais características da doença e ajuda a

As pontas de contato retas e retificadas em paralelo ajustam o micrômetro mais rápida e precisamente do que as pontas de contato esféricas encontradas em micrômetros disponíveis

Código Descrição Atributo Saldo Anterior D/C Débito Crédito Saldo Final D/C. Este demonstrativo apresenta os dados consolidados da(s)

O primeiro passo para introduzir o MTT como procedimento para mudança do comportamento alimentar consiste no profissional psicoeducar o paciente a todo o processo,

Para esse fim, analisou, além do EVTEA, os Termos de Referência (TR) do EVTEA e do EIA da Ferrogrão, o manual para elaboração de EVTEA da empresa pública Valec –

Requiring a realignment of the EVTEA with its ToR, fine-tuning it to include the most relevant socio-environmental components and robust methodologies for assessing Ferrogrão’s impact

Mas existe grande incerteza sobre quem detém esses direitos em certas áreas do Brasil rural.. Esta é a posição do Brasil em relação à segurança de direitos de propriedade de

A anotação que se faz sobre tais normas é que, da forma como estão sendo elaboradas, privilegiam muito mais a manutenção de um sistema de visitação turística que é elitista e