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ETIQUETAMENTO E CONTROLE SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DA CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA NO BRASIL

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ETIQUETAMENTO E CONTROLE SOCIAL: ANÁLISE CRÍTICA DA CRIMINALIZAÇÃO DA POBRE-ZA NO BRASIL

Nathalia de França Pinheiro1 Ulisses Pessôa2

RESUMO

O controle social é um mecanismo de coação que objetiva a padronização do comportamento. No Brasil, o controle formal é exercido pelo poder legal, de forma que a lei rege o funciona-mento da sociedade. Entretanto, tendo em vista que os agentes estatais, na maioria das vezes, representam apenas os próprios interesses, há uma constante utilização da criminalização de determinadas condutas para privilegiar a minoria que figura no poder e excluir aqueles que pertencem à classe baixa. Portanto, o presente estudo visa analisar de maneira crítica como a pobreza tem sido atrelada ao controle do sistema penal brasileiro, a partir de dados estatísti-cos e sociológiestatísti-cos.

Palavras-chave: Etiquetamento, Controle Social, Criminalização, Pobreza.

ABSTRACT

The social control is a coercion mechanism whose purpose is the standardization of behavior. In Brazil, the formal control is exercised by the rational-legal authority so that the law regulates the operation of society. However, in view of the state agents, in most of cases, only represent their own interests, there is a constant use of criminalisation of certain practices to favour a minority who is in power and to exclude those who belong to the lower class. Therefore, the 1 Pesquisadora vinculada ao grupo de pesquisa sociedade globalizada e sistema penal (SGSP); Advogada Criminalista. E-mail: nathalia.frannca@gmail.com

2 Doutorando em Direito pela UNESA/RJ (Bolsista integral pela CAPES); Mestre em Di-reito pela UNESA/RJ (Bolsista integral pela CAPES); Especialista em DiDi-reito Penal e Processo Penal; Professor de Direito Penal e Processo Penal das graduações da UNISUAM e Signorelli; Professor de Direito Penal e Processo Penal da pós-graduação da UERJ; Professor de Direito Penal e Processo Penal da FGV-LAW Program; Professor de Direito Penal e Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ); Advogado Criminalista; Coorde-nador do grupo de pesquisa Sociedade Globalizada e Sistema Penal (SGSP); Escritor. E-mail: ulissespessoadossantos@gmail.com

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present research aims to analyse in a critical way how poverty has been linked to the control of the Brazilian penal system, based on statistical and sociological data.

Keywords: Labeling, Social Control, Criminalisation, Poverty.

1. INTRODUÇÃO

Diariamente, a mídia noticia uma série de crimes. O medo tomou conta das grandes cidades e a criminalidade parece apenas aumentar. A solução que a maioria enxerga é o en-durecimento da repressão, a partir de normas elaboradas com base no “clamor das ruas”, frequentemente formado por ideologias manipuladoras da realidade.

Quando a desigualdade social atinge elevados patamares e a minoria que ocupa posi-ções de autoridade busca a satisfação de seus próprios interesses, a classe baixa aplaude a re-dução dos direitos e ser pobre torna-se motivo de punição. A criminalização da pobreza nada mais é do que o etiquetamento daquele que possui reduzido poder aquisitivo, é a igualação entre a imagem do criminoso e o retrato do desafortunado.

O presente artigo busca estabelecer uma crítica à seletividade penal no que tange à criminalização de determinadas condutas, bem como expor questões como a desigualdade e o controle social, o exercício do poder e a influência da estigmatização da pobreza como fator de influência na formação da identidade do indivíduo.

2. SOCIEDADE E CONTROLE SOCIAL

Controle social é a influência sobre o comportamento, exercida de forma individual ou coletiva, com o objetivo de uniformizar os padrões sociais. Isso pode ocorrer para orien-tar e/ou fiscalizar toda a sociedade (controle difuso) ou apenas grupos específicos (controle localizado). Ademais, pode ser organizado de modo formal (exercido, principalmente, pelas autoridades estatais) ou informal (realizado por pequenos grupos sociais, como a família e comunidades religiosas).

Acerca da finalidade do controle social, existem duas perspectivas importantes: a libe-ral-funcionalista e a da teoria do conflito. A primeira indica que o seu escopo é garantir a con-vivência pacífica entre as pessoas, impondo, para isso, regras comportamentais. Já a segunda

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argumenta que o intuito é beneficiar a minoria que detém a riqueza e o poder, condicionando as pessoas a aceitarem a desigualdade na distribuição de recursos. É sob esta ótica que se torna possível compreender como tem ocorrido a criminalização da pobreza no Brasil.

2.1. PODER E DOMÍNIO SOCIAL

Poder é a possibilidade de influenciar o modo com que outras pessoas irão se compor-tar, impor a própria vontade. Para isso, é gerada uma relação de desigualdade entre aquele que o detém e aquele que a ele se submete. Essa ideia de poder está diretamente ligada ao controle social.

O poder possui duas características fundamentais para o entendimento de seu exercí-cio: é plurifacetário, pois pode se manifestar de diversas formas, a exemplo do uso da força, da influência e da manipulação; e é pluridimensional, tendo em vista seus vários campos de atuação.

De acordo com a teoria de Georges Burdeau (1970), o Estado é a institu-cionalização do poder. Mais que isso, é poder, porém abstrato, uma vez que não é afetado por possíveis modificações em seus agentes. Outrossim, Norberto Bobbio (1987) afirma que o Estado é uma instituição jurídica que detém o monopólio da força, ou seja, do uso exclusivo do poder de coação, que é atribuído a suas normas. Nesse sentido, no Estado Democrático de Direito, o poder é exercido pelo povo, direta ou indiretamente. No entanto, isso não significa que aque-les que foram postos para exercê-lo como seus representantes e figuras estatais estejam com-partilhando dos mesmos interesses. Daí a relação entre o controle social e o favorecimento de certos grupos, conforme a teoria do conflito.

2.2. OS TIPOS DE PODER LEGÍTIMO, DE MAX WEBER

De acordo com Max Weber (1992), a legitimidade para o exercício do poder exige, além de pressupostos externos (aplicação e cumprimento efetivo das normas), justificação interna. Esse motivo interno forma os chamados tipos de poder/domínio legítimo. São eles: o poder tradicional; o poder carismático; e o poder legal.

O poder tradicional baseia-se nos costumes antigos, na crença que determinada tradi-ção é sagrada. Nesse caso, o superior não é escolhido pelos habitantes da comunidade, mas nomeado em virtude de um privilégio tradicional de soberania. Isso ocorre, por exemplo, no

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patriarcalismo e na gerontocracia.

Já o poder carismático é fundamentado na fé, por vezes fanática, em uma pessoa que aparenta ter poderes sobrenaturais e estar predestinado a uma grande missão. Seus exemplos mais frequentes envolvem profetas, demagogos e grandes guerreiros. A obediência dos discípulos se deve a circunstâncias de grande carga emocional e os limites de atuação do chefe são determinados por aquilo que supõe ser sua vocação.

O poder legal é pautado na validade de normas preestabelecidas, outorgadas ou fruto de processos legislativos. É, também, impessoal e a legitimidade para seu exercício obedece ao princípio da legalidade, ou seja, deve seguir leis estáveis. Em suma, não há sujeição a pes-soa determinada, mas a um sistema normativo dotado de poder, que acaba por ser o instru-mento de ação do Estado.

2.3. A LEI COMO INSTRUMENTO DE AÇÃO DO ESTADO

Como visto anteriormente, o Estado concentra o poder legítimo. Em sociedades com-plexas, o controle social é feito pelo direito, a partir de normas explícitas, interpretadas e apli-cadas por agentes sociais e protegidas por sanções (SABADELL, 2013), o que é o denominado poder legal.

No entanto, autores adeptos da teoria do conflito costumam tecer uma série de crí-ticas às funções reais desse controle exercido pelo direito. Dentre elas, pode-se destacar as seguintes:

a) Ilegitimidade do poder de punir: Tendo em vista que o controle social é usado pelos grupos de poder para assegurar seus interesses, há carência de legitimidade. Cabe a eles a definição dos comportamentos desviantes e o controle da aplicação das normas jurídicas e, por essa razão, o direito penal tende a proteger os interesses desses grupos, como se fossem interesses gerais.

b) Desigualdade na aplicação: Para ocorrer a aplicação de uma pena criminal, inú-meros são os filtros de escolha das pessoas a serem processadas e dos fatos conside-rados relevantes. Porém os alvos desse controle são, na maioria das vezes, aqueles que se adequam ao perfil de “bandido” construído pela sociedade – minorias, pobres e pessoas de baixa escolaridade.

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3. POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL

Atualmente, não é raro encontrar um caso em que o crime esteve atrelado a alguém que era pobre. Embora o art. 3º da Constituição Federal defenda como objetivos fundamen-tais do País a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, a realidade das grandes cidades brasileiras, como Rio de Ja-neiro e São Paulo, revela um sistema penal seletivo e discriminatório.

3.1. ORIGEM E FUNDAMENTO DA DESIGUALDADE SOCIAL

A desigualdade social tem sua origem na desproporcionalidade da distribuição dos fru-tos oriundos da natureza e do trabalho e encontra fundamentação na ideia de que esse fato é normal (FERREIRA, 2014). Da Antiguidade até a Idade Média, a desigualdade era entendida como uma condição natural, decorrente do nascimento daqueles que pertenciam às camadas mais baixas da pirâmide social. Contudo, a partir dos escritos dos primeiros pensadores bur-gueses, novas reflexões acerca desse tema surgiram no mundo moderno.

Dentre esses filósofos, deve-se destacar Thomas Hobbes, que inaugurou a questão, pautado na concepção de que todos os indivíduos eram iguais por natureza. Essa igualdade fazia com que todos estivessem em constante estado de violência e, para impedir o caos, de-veria ser firmado um acordo coletivo, chamado de contrato social, no qual cada um abrisse mão de sua liberdade e a delegasse a um monarca, que seria o seu gestor.

Outro teórico inglês da época foi John Locke. Ele defendia a necessidade da construção de uma sociedade política a partir da criação de um pacto social entre homens livres e iguais. Entretanto, eles só poderiam ser assim considerados se tivessem propriedades, caso contrário seriam considerados desiguais – basicamente, uma confirmação da desigualdade, porém com outro aspecto.

Jean-Jacques Rousseau continuou esses estudos, estabelecendo o princípio do bem co-mum, que acabou não enfrentando a necessidade de uma solução para a desigualdade social. Ele, assim como os demais pensadores do Estado burguês moderno que o sucederam, não ofereceu nenhum avanço para o fim das diferenças entre ricos e pobres, proprietários e não proprietários.

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3.2. O CONCEITO DE CLASSE SOCIAL EM MARX

A falsa ideia de igualdade defendida pelos filósofos liberais foi duramente criticada por Karl Marx. Para ele, os direitos considerados naturais sob a ótica do liberalismo não eram uma realidade para todos em função das desigualdades sociais provocadas pelas relações de produção.

Todas as sociedades, pretéritas ou atuais, apresentam um cenário de hierarquia social. A chamada estratificação social é exatamente a divisão da sociedade em castas, estamentos ou classes sociais. Cada estrato implica em um conjunto de pessoas que possuem a mesma posição social, o mesmo “status”, e a desigualdade ocorre justamente quando não há distribui-ção justa dos recursos para todos esses grupos.

Segundo Karl Marx, as classes expressam o modelo de produção da sociedade. Dessa forma, a relação de exploração dos proprietários (burguesia) e dos trabalhadores (proletaria-do) fazia com que o contexto social fosse marcado pelo constante conflito entre eles. De um lado, os burgueses, donos dos meios de produção, se apropriavam do produto do trabalho proletário para acumular riqueza e capital. Do outro, os proletários, isentos da legitimação da propriedade privada, vendiam sua força de trabalho para sobreviver.

De acordo com o pensamento marxista, a história humana é a história da luta de clas-ses. Infelizmente, nessa contínua oposição, a classe trabalhadora perde boa parte dos emba-tes, o que tem levado à manutenção da estigmatização da pobreza até o presente momento.

3.3. O ESTIGMA DA POBREZA

Estigmatizar é marcar alguém de forma negativa, recriminar por apresentar um com-portamento considerado inadequado. Quando se trata de estigma da pobreza, a intenção é fazer referência ao significado pejorativo com o qual essa condição passou a ser associada. Contudo, qual seria esse sentido?

Apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, o Brasil possui níveis alar-mantes de desigualdade social. De acordo com a última pesquisa realizada pelo IBGE3, 54,8

milhões de pessoas viviam abaixo da linha da pobreza em 2017, ou seja, 26,5% da população 3 RENAUX, P. Pobreza Aumenta e Atinge 54,8 Milhões de Pessoas em 2017. – In:

Por-tal de Notícias IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/ 2012-agencia-de-noticias/noticias/23299-pobreza-aumenta-e-atinge-54-8-milhoes-de-pes-soas-em-2017 em 04/04/2019.

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brasileira sobrevivia com menos de R$406,00 por mês. A PNAD Contínua4 divulgada em abril

de 2018 indicava que, da massa de renda per capita de 263,1 bilhões em 2017, 43,3% ficaram

concentrados nos 10% da população brasileira com os maiores rendimentos. Esses dados ape-nas retratam o que Vera da Silva Telles (1999) chama de enigma da pobreza, pois a socieda-de brasileira não consegue traduzir os direitos proclamados pela Constituição em ações mais igualitárias, o que inclui a divisão dos recursos.

De acordo com o Censo de 2010 do IBGE5, o Brasil tinha cerca de 11,4 milhões de

pes-soas morando em favelas, sendo que 12,2% delas (1,4 milhão) eram do Rio de Janeiro. Nesse sentido, praticamente um em cada cinco cariocas eram moradores de favelas (cerca de 22,2% da população).

A importância desses dados está na ideia corrente de que o comportamento dos intitu-lados “faveintitu-lados” é poluente e oferece perigo àqueles que não vivem em comunidades. Então surgem inúmeros rótulos, como “ladrão”, “delinquente”, “bandido” e “marginal”. Alessandra de Andrade Rinaldi (2004) afirma que ser morador da favela é carregar uma identidade social baseada na ideia de criminalidade e miséria. Por não seguir o padrão, a favela é vista como uma ameaça, um desvio.

4. MUDANÇA DE IDENTIDADE: UMA CONSEQUÊNCIA DO ETIQUETA-MENTO SOCIAL

4.1. IDENTIDADE E ATITUDE

Pensar a identidade é refletir acerca de quem cada pessoa é. Essa ideia representa o conjunto de sentimentos que o indivíduo tem a respeito de si mesmo e que se constrói a partir das relações sociais, com a reunião dos seus dados pessoais, de seus atributos e de sua história de vida (PEDRO, 2005). Dessa forma, o contexto social viabiliza as condições necessárias para os mais diversos modos de identidade, o que significa que ela não é inata, pois pode sofrer 4

BENEDICTO, M.; MARLI, M. 10% da População Concentram Quase Metade da Renda do País.

– In: Portal de Notícias IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia- -noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20844-10-da-populacao-concentram-quase-me-tade-da-ren

da-do-pais em 04/04/2019. 5

Mais de 900 Milhões de Pessoas Vivem em Favelas, Diz Relatório da ONU. – In: Portal O

Globo. Disponível em:

https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia--de-noticias/noticia

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mudanças a depender da influência dos acontecimentos da vida de cada pessoa.

Se a identidade se refere ao conceito de si mesmo, a atitude é o que determina o com-portamento de cada indivíduo. Para Aroldo Rodrigues (2013), atitude é uma organização de cognições em geral, que possui carga afetiva e preestabelece uma ação coerente. Ela consiste em uma predisposição de resposta a determinado objeto (WHELDALL, 1976) e se divide em: componente cognitivo, componente afetivo e componente comportamental.

O componente cognitivo equivale às percepções e crenças acerca do alvo da atitude, é a base necessária, o elemento indispensável para a formação de uma atitude. Por exemplo, se um vendedor de carros for questionado sobre sua atitude em relação à prática da craniecto-mia descompressiva para hipertensão intracraniana traumática, é muito provável que ele não tenha a resposta para este assunto, tendo em vista que o objeto não é conhecido por se tratar de um procedimento médico complexo.

Já o componente afetivo pode ser definido como um conjunto de sentimentos pró ou contra determinado objeto. Se uma pessoa acredita que certo grupo de indivíduos é vagabun-do, traiçoeiro e violento, existe uma enorme chance de desenvolver por ele raiva, desprezo e/ ou medo.

O último componente, o comportamental, é o comportamento não exteriorizado, mas preordenado. Assim, uma pessoa que conhece algum movimento favorável ao desenvolvi-mento sustentável e admira as ideias por ele desenvolvidas, tende a agir de maneira a preser-var o meio ambiente.

Tendo em vista todas essas concepções, que relação poderia existir entre o etiqueta-mento social e a formação da identidade e da atitude dos indivíduos? Ocorre que, uma vez que a atitude é formada, em primeiro lugar, pelo conhecimento a respeito de algo, quando uma pessoa é rotulada de forma pejorativa, a informação se traduz em um sentimento de rejeição por si mesma e desencadeia um comportamento negativo. Muito além de influenciar o com-portamento, um estereótipo depreciativo pode gerar uma identidade nova, o que em muitas situações tem levado ao reforço de preconceitos.

4.2. LABELING APPROACH: A TEORIA DO ETIQUETAMENTO SOCIAL

A Teoria do Etiquetamento Social (Labeling Approach Theory) é uma teoria criminológica

que aponta que a criminalização de condutas não segue um padrão lógico, mas um critério seletivo dos grupos que os dominantes do sistema punitivo desejam controlar. Com seu sur-gimento, apareceram também novos questionamentos na Criminologia, como o porquê de

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algumas pessoas serem tratadas como criminosas ao contrário de outras.

O contexto histórico que abriu caminho para a origem da Teoria do Etiquetamento foi marcado pelo crescimento de insatisfação que tomou os Estados Unidos no final dos anos 50 e início dos anos 60. Inúmeros grupos que faziam parte da minoria na sociedade norte-ame-ricana promoveram uma verdadeira luta contra os estereótipos dos conservadores. O famoso

american dream foi abalado pelos revolucionários que lutavam pelo direito de serem

diferen-tes.

O primeiro movimento que surgiu foi composto pelos negros, tendo como grandes precursores Martin Luther King e Malcom X. O estopim da revolta durante o período de se-gregação nos Estados Unidos ocorreu no estado do Alabama em 1955. Uma senhora negra chamada Rosa Parks estava sentada em um assento reservado para negros e, de acordo com as normas locais, se os lugares para os brancos estivessem ocupados, eles deveriam ceder os seus. Nessa ocasião, o ônibus estava lotado e o motorista exigiu que os negros da primeira fileira se levantassem. No entanto, Rosa Parks se recusou a acatar a ordem, foi presa e acusa-da de desobediência ao Código Civil de Montgomery. Os anos seguintes foram marcados por inúmeros protestos, como a Marcha sobre Washington.

Em seguida, foi inaugurado o movimento jovem, que era composto por vários grupos, dentre eles o dos hippies. A mobilização tinha como objetivo apresentar uma crítica aos

va-lores das famílias mais tradicionais do país e teve duas figuras muito importantes: Timothy Leary, um psicólogo e principal defensor do uso de drogas, como o LSD, para um sério ques-tionamento dos princípios políticos, sociais e culturais; e Jerry Rubin, fundador do Partido Internacional da Juventude.

O movimento feminista, liderado por Betty Friedan, também marcou essa época. Ela defendia o abandono do sonho americano para que as mulheres frequentassem universidades e lutassem por mais espaços no mercado de trabalho. Seu livro, intitulado A Mística Feminina,

acabou sendo o livro mais vendido nos Estados Unidos em 1966.

Segundo Sérgio Salomão Shecaira (2014), para conter essas condutas problemáticas e reprimir os movimentos sociais, pessoas comuns foram transformadas em criminosas, graças às leis penais que foram criadas. Nesse período, o processo de rotulagem ficou perfeitamente claro.

4.2.1. Base Sociológica

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de quatro sociólogos: Kai T. Erikson, Howard S. Becker, Edwin M. Lemert e Erving Goffman. De acordo com Kai T. Erikson, a sociedade separa e cataloga os detalhes das condutas das pessoas. Durante esse processo, mesmo adotando um comportamento igual, alguns indi-víduos serão rotulados de forma pejorativa, mas outros não. Um exemplo disso é que algumas pessoas bebem demais e são consideradas alcóolatras, enquanto outras não são vistas da mesma forma no contexto social.

A explicação para isso surgiu com Howard S. Becker. Para ele, a conduta desviante é originada pela sociedade e representa aquelas que dada comunidade rotula como fora dos pa-drões. Neste caso, o desviante é a pessoa que teve o rótulo de criminoso aplicado com sucesso e, com isso, não precisaria manter uma aparência de bom cidadão.

No entanto, a questão não se encerra aí e o assunto continuou sendo abordado por Edwin M. Lemert, que dividiu a desviação em primária e secundária. A primeira decorre de fatores psicológicos, sociais ou culturais, enquanto a segunda é consequência da incriminação, da estigmatização. A desviação secundária é gerada pelos efeitos psicológicos da rotulação, que tornam o indivíduo alguém marginalizado e excluído da sociedade.

Por fim, Erving Goffman trouxe uma grande contribuição para o desenvolvimento da teoria. Ele explorou a ideia de que nenhum ato humano é isolado, mas, pelo contrário, mani-festa a personalidade da pessoa diante de um contexto social. Para Goffman, quando o agente é rotulado, interage com o estigma e mergulha no papel desviado. Indo mais além, é possível afirmar que, com essa interação, o indivíduo entra em situação de conflito quanto à sua iden-tidade e sua atitude em relação a si mesmo, sofre com o aumento da identificação do rótulo por terceiros e acaba absorvendo a conduta desviante.

5. A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

A criminalização da pobreza é um fenômeno baseado no preconceito a que são

submetidos os integrantes da classe pobre da sociedade. A discriminação ocorre de diversas maneiras, como em políticas públicas para “varrer” mendigos das ruas, fiscalizações arbitrá-rias e julgamentos imparciais. No Brasil, cidades como o Rio de Janeiro são palco frequente das injustiças do governo, do sistema penal, da polícia e da mídia. Quanto mais esses rótulos são aplicados às pessoas de baixa renda, em especial moradoras das favelas, maior é a tendência ao aumento da criminalidade.

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5.1. O PERFIL DO CRIMINOSO NO BRASIL

De acordo com os dados do último INFOPEN6, realizado em junho de 2016, 64% da

po-pulação do sistema prisional eram compostos por negros. Cerca de 51% das pessoas privadas de liberdade no Brasil nem tinha concluído o ensino fundamental e grande parte dos crimes cometidos tinham sido contra o patrimônio ou eram de tráfico de drogas – entre as mulheres isso chegava a 62% dos casos.

Segundo o IBGE7, nesse mesmo ano, três em cada quatro pessoas que integravam o

grupo das mais pobres do país eram negras, enquanto oito em cada dez das mais ricas eram brancas. Além disso, em 2017, 63,7% dos desempregados eram negros ou pardos8.

Que relação os dados do IBGE podem ter com as informações do sistema penitenciá-rio? O ponto-chave está no fato de que as mesmas pessoas que ocupam a classe pobre da população ocupam também os cárceres e isso acontece porque há uma manipulação constan-te da realidade. Por exemplo, a falta de investimento em educação leva ao desemprego, que aumenta o número de crimes contra o patrimônio e leva muitas pessoas a entrarem para o mundo do tráfico de drogas.

Nesse caso, é importante destacar que a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), no art. 28, §2º, prevê que dois dos critérios a serem utilizados pelo juiz na aplicação da norma são as circuns-tâncias sociais e pessoais do agente. Coincidência ou não, quase sempre os mais pobres, geral-mente moradores de favelas, são condenados por tráfico, mesmo sendo clarageral-mente usuários, a julgar pela quantidade de entorpecente apreendida.

Entretando, essa estigmatização não ocorre apenas na aplicação da lei, mas na mídia, nos presídios, que estão em situação deplorável, e no tratamento que a polícia oferece aos acusados. Quando se é pobre, não existe presunção de inocência e o resultado acaba sendo as 6 SANTOS, T. (org.); ROSA, M. I. (et. al.) Levantamento Nacional de Informações Peni-tenciárias: INFOPEN Atualização – Junho de 2016. – Brasília: Ministério da Justiça e Segurança

Pública. Departamento Penitenciário Nacional, 2017. Disponível em: http://dados.mj.gov.br/ dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias&ved=2ahUKEwibha-fm7cTbAhWFIJAKHT1RA3

YQFjADegQIARAB&usg=AOvVaw0w2_Djg37bhgBPn2jEHmu3 em 04/04/2019.

7 VIEIRA, I. IBGE: Negros São 17% dos Mais Ricos e Três Quartos da População Mais Pobre. – In: Portal Agência Brasil. Disponível em:

http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noti-cia/2016-12/ibge-negros-sao-17-dos-mais-ricos-e-tres-quartos-da-populacao-mais-pobre em 04/04/2019.

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SILVEIRA, D. 63,7% dos Desempregados no Brasil São Pretos ou Pardos, Aponta IBGE. – In:

Portal G1. Disponível em:

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várias prisões ilegais que acontecem diariamente. Infelizmente, pobreza se tornou sinônimo de crime.

CONCLUSÃO

Toda vez que um grupo assume o poder tende a agir a favor de seus interesses. O ser humano jamais poderá ser completamente imparcial, porém isso não justifica a contribuição que os agentes estatais têm dado para o aumento da desigualdade social no Brasil.

Em uma breve análise de alguns dados estatísticos, é possível perceber como a pobreza tem sido associada à criminalidade. Isso ocorre por fatores externos, como a própria legisla-ção, mas, também, por fatores internos, que caracterizam a desviação secundária, construída a partir do etiquetamento das pessoas.

A criminalização da pobreza é real e está presente no cotidiano brasileiro. Como anun-cia a Constituição Federal, o poder emana do povo, porém, ao invés de estar na posição de autoridade, tem sido alvo do egoísmo e do descaso de seus próprios representantes.

Em resumo, favela não é presídio.

REFERÊNCIAS

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Referências

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