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MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: (DES)SINCRONIAS ENTRE SISTEMAS DE METRÔ. A. P. B. G. Barros e V. A. S. Medeiros

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MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL: (DES)SINCRONIAS ENTRE SISTEMAS DE METRÔ

A. P. B. G. Barros e V. A. S. Medeiros

RESUMO

O estudo analisa as diferenças existentes entre os sistemas metroviários das cidades de Lisboa (Portugal) e Brasília (Brasil), verificando em que medida as correspondentes redes apresentam-se integradas, em termos espaciais, com as respectivas malhas viárias – o que promoveria uma melhor sicronia quanto à economicidade e à sustentabilidade. Para o desenvolvimento das interpretações, adotam-se os pressupostos teóricos, metodológicos e ferramentais da Teoria da Lógica Social do Espaço, por meio dos mapas axiais, investigando as relações interpartes da estrutura urbana entre os cheios (áreas construídas) e os vazios (espaços públicos). Dos achados, observam-se diferenças significativas entre as redes e a configuração dos espaços urbanos, produtos de matrizes específicas de desenho. Enquanto em Lisboa a mobilidade associada ao metrô parece estimulada pela integração do sistema com o potencial de movimento da malha viária (dinamizando as centralidades secundárias articuladas às estações), em Brasília, apesar de também existente tal articulação, há severas dificuldades de deslocamento, produto do papel preponderante dos vazios na cidade, enfraquecendo o potencial agregador dos espaços.

1 INTRODUÇÃO

O artigo, de natureza exploratória, analisa o processo de articulação entre aspectos espaciais e funcionais das redes metroviárias em sistemas urbanos. Parte-se da premissa que a modalidade metroviária, para contribuir no cenário da mobilidade urbana sustentável, deve ser associada às centralidades urbanas, dinamizando aquelas preexistentes e promovendo novos centros. Entende-se que é um pressuposto para o debate a busca por estratégias de identificação dos centros ativos urbanos, confrontando-os com os sistemas disponíveis. Investigam-se, para materializar o estudo, os casos de Lisboa (Portugal) e Brasília (Brasil), por compreenderem estruturas espaciais antagônicas e distintos panoramas de mobilidade.

Lisboa, maior aglomerado urbano português, enquadra-se no padrão da “cidade tradicional”, em que as ruas e os quarteirões claramente demarcados promovem o ethos urbano (o cheio predomina). O resultado é uma mancha predominantemente contínua, heterogênea em termos de uso e ocupação. Brasília, quarta maior cidade do Brasil, é produto de uma concepção baseada no vazio: a delimitação das quadras é tênue e o zoneamento modernista claro. Há grandes espaços abertos entre as cidades integrantes do sistema urbano, a promover uma impressão de fragmentação e descontinuidade.

Das oposições entre as duas cidades, emergem duas indagações, aqui conformadas em questões de pesquisa: (1) do ponto de vista global, de que maneira as características da

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malha viária articulam-se ao sistema metroviário implantado nos assentamentos?; e (2) do ponto de vista local, como acontece a relação entre as estações do metrô e as centralidades urbanas secundárias, fator basilar para a dinamização de trechos da cidade?

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS 2.1 Forma e Mobilidade Urbana

Estudos comprovam que o padrão da malha viária apresenta uma vasta gama de possibilidades, entre extremos de regularidade ou irregularidade, conforme sintetiza Medeiros (2006). Os padrões são dos mais distintos, seguindo da tradicional grelha ou tabuleiro em xadrez, ao extremo de irregularidade em assentamentos conformados segundo as características do relevo, como significativa parcela das cidades coloniais de origem portuguesa no Brasil.

Sabe-se que a composição e o arranjo de uma malha viária são definidores das concentrações e dispersões de usos ou atividades no espaço. Embora o aspecto socioeconômico seja um forte elemento estruturador da cidade, como diz Ojima (2006), não pode ser considerado como único, pois há outros elementos que influenciam o processo de circulação urbana. Nigriello (2006), a exemplo, afirma que onde há maior concentração de vias é comum encontrar os grandes centros ativos urbanos, devido à promoção de maiores possibilidades de rotas e acessos, ou seja, certos espaços são mais acessíveis ao conjunto urbano como um todo. É a própria lógica social do espaço, dependente da configuração espacial, conforme explicam Hillier e Hanson (1984), Hillier (1996) e Holanda (2002).

Assume-se, portanto, que a forma urbana influencia o modo de ir e vir das pessoas, de suas escolhas por caminhos (Hammer, 1999). Se a forma urbana influencia o ir e vir, decerto influenciará o deslocamento nas cidades, afetando diretamente a mobilidade.

2.2 A Lógica Social do Espaço

A Teoria da Lógica Social do Espaço ou Sintaxe Espacial estabelece a relação entre a configuração dos espaços (em edifícios ou em cidades) e diversos graus de vitalidade (movimento). Acredita-se, conforme argumentam Hillier e Hanson (1984), Hillier (1996), Holanda (2002) e Medeiros (2006) que a estrutura espacial é capaz de engendrar as relações sociais e interferir nos processos de deslocamento, o que contribui para as diferentes maneiras de apropriação dos lugares.

Das estratégias de representação que são recomendadas pela Sintaxe do Espaço, adota-se no estudo aquela que se denominada mapa axial (Figuras 2 e 4), que compreende a simplificação do sistema de deslocamentos no espaço urbano por meio de uma malha de linhas interconectadas representando todos os trajetos possíveis de serem percorridos em um sistema urbano. Quando as relações entre os eixos são processadas matematicamente, tendo por base o princípio topológico (Medeiros, 2006), são obtidos os chamados valores de integração, que representam o potencial de acessibilidade topológica de cada eixo em relação a todos os demais do sistema. Eixos mais integrados são aqueles mais facilmente alcançáveis a partir de qualquer outro eixo do sistema.

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Diversos estudos tem comprovado a estreita relação entre os valores de integração e os níveis reais de movimento veicular e de pedestres identificados em cidades (cf. Síntese em Barros, 2006). O fato articula-se àquilo que denomina Hillier (2001) de “movimento natural”, uma vez que assume que as características configuraionaiss da malha viária são, por si só, capazes de engendrar movimento a partir das estratégias humanas de deslocamento.

Os mapas axiais usualmente tem os valores de integração convertidos para uma escala cromática do vermelho ao azul, de modo que quanto mais quentes forem as cores, maiores os potenciais de integração. O contrário também é verdadeiro. A conversão em escala cromática facilita a leitura e permite uma apreensão visual rápida de áreas ou eixos que apresentam maior potencial de movimento. Ao conjunto de eixos mais integrados do sistema, por exemplo, dá-se o nome de “núcleo de integração” (ou “centro morfológico”) que tendem a coincidir com os centros ativos urbanos, aqueles para onde convergem, em quantidade e diversidade, fluxos e usos diversos.

2.3 Procedimentos de Pesquisa

A considerar o aparato conceitual apontado nos itens anteriores, a pesquisa se fundamenta na investigação comparativa das realidades urbanas associadas às redes metroviárias das cidades de Lisboa e Brasília. Estruturado de maneira exploratória, o estudo procura, por meio dos procedimentos estabelecidos, identificar aspectos que possam ser reveladores da organização espacial para as redes, e suas correspondentes implicações para o desempenho.

A escolha da amostra, inserida num âmbito comparado entre as capitais do Brasil e de Portugal, reflete a procura por disposições de sítio físico aparentemente antagônicas: enquanto no contexto português é protuberante a interferência do relevo na disposição irregular do assentamento, por outro o cenário brasileiro exprime a intenção em organização global do espaço em sítios nitidamente planos – o que promoveria algumas facilidades quanto a questões de infraestrutura.

Para o alcande dos resultados, são confrontados dados dos sistemas metroviários nas duas cidades (dimensão; quantidade, características e cobertura das linhas e estações; etc.) e da configuração do espaço ao longo dos eixos de circulação (mapas axiais). Para esta última análise adotam-se as técnicas da Sintaxe Espacial (Hillier e Hanson, 1984; Hillier, 1996), que fornecem valores do movimento potencial das vias, o que, a literatura comprova, ter forte relação com o fluxo real (Barros, 2006) e com as implicações funcionais na cidade (Holanda, 2002; Medeiros, 2006).

3 ANÁLISES E RESULTADOS 3.1 Caracterização Geral

Os sistemas metroviários de Lisboa e Brasília apresentam linhas que cobrem, respectivamente, 39,6km e 46,5km. A despeito da aproximação dos valores, as redes atendem a realidades urbanas expressivamente distintas: enquanto na capital do Brasil a área política alcança 5.787,78 km2 (correspondente ao Distrito Federal), em Lisboa aproxima-se dos 84 km2. A população oficialmente atendida, também com base nos limites

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políticos oficiais, é de 564.657 pessoas no cenário de Portugal é de 2.570.160 indivíduos no Brasil. Entretanto, cabe esclarecer que a Região de Lisboa (Grande Lisboa e Península de Setúbal), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística para o Censo 2011, alcança 2.815.851 habitantes, o que de alguma maneira se aproxima das informações para a RIDE – Região Metropolitana de Desenvolvimento Integrado de Brasília, com 3.717.728 pessoas, relativizando os dados para a população atendida (Tabela 01).

Os limites oficiais urbanos revelam uma densidade de 0,47 km de linha de sistema metroviáro por km2 em Lisboa, enquanto para Brasília os valores decrescem para 0,01, resultado do espraimento da estrutura urbana modernista, em oposição à densidade do assentamento diacronicamente consolidado, como em Lisboa. Relação semelhante pode ser observada para a quantidade de estações em operação (46 em Lisboa e 27 em Brasília), em que há uma densidade de 0,549 estações por km2 no contexto português e 0,005 para Brasília, de pouca expressividade. O último dado também se associa às distâncias médias excessivas no Distrito Federal e ao fato de a malha do sistema ser concentrada apenas em um trecho do território urbano, como se discutirá no tópico adiante.

Da relação entre o comprimento da rede e o número de estações, percebe-se que a distância média entre estações para Brasília (1,722km) é significativamente superior a de Lisboa (0,861km). O cenário é produto simutâneo de um sistema que apresenta várias estações previstas mais não ainda concluídas (especialmente na Asa Sul do Plano Piloto de Brasília) e do desenho urbano em que predominam os vazios, a resultar em baixa densidade populacional (quinze vezes inferior a de Lisboa).

Tabela 1 Caracterização geral do sistema metroviário em Brasília e Lisboa

DADOS* LISBOA BRASÍLIA

Número de habitantes 564.657 2.570.160

Número de Habitantes (Metrópole) 2.815.851 3.717.728

Área (km2) 83,84 5.787,78

Densidade populacional (hab/km2) 6734,94 444,07

Extensão do metrô (km) 39,6 46,5

Densidade de Linhas (km linhas/km2) 0,47 0,01

Número de estações de metrô em operação 46 27

Número de estações de metrô em construção 4 5

Densidade de Estações (Qtd./Km2) 0,549 0,005

Distância Média entre Estações 0,861 1,722

*Os dados sobre o sistema metroviário foram obtidos nos sítios oficiais dos respectivos órgãos gestores (Companhia do Metropolitano

do Distrito Federal – Metrô DF < http://www.metro.df.gov.br > e Carris < www.carris.pt >). Informações de natureza censitária resultam

das páginas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística < www.ibge.gov.br >) e INE (Instituto Nacional de

Estatística/Portugal < www.ine.pt >), e referem-se aos levantamentos censitários para o ano de 2011.

**Para o caso de Lisboa, a empresa pública que tem a concessão exclusiva para os transportes públicos no município denomina-se

Carris, responsável por linhas de ônibus (autocarros), bondes (elétricos), ascensores e elevador (< www.carris.pt >). As demais empresas

(T ranstejo, Vimeca e Lisboa T ransportes) atuam na Grande Lisboa com serviços pendulares de e para o município: é permitido o embarque/desembarque dos usuários somente em três estações multimodais da cidade: Gare do Oriente, Campo Grande e Roma-Areeiro.

3.2 A Perspectiva Global

Os sistemas metroviários de Lisboa e Brasília assumem conformações espaciais distintas, resultantes de processos antagônicos de ocupação do território. Se no contexto português o

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assentamento resulta de uma dinâmica local de crescimento da mancha urbana, promotora de acréscimos e distinções paulatinas ao tecido preexistente, por outro a intenção global de estabelecer uma nova capital ex-nihilo, como em Brasília, implicou uma rigidez peculiar no desenho, com a cidade pensada em sua inteireza – a partir dos preceitos do urbanismo modernista caracterizador do pensamento em meados do século XX.

Em Lisboa, o ethos urbano assenta-se na relação secular da cidade com o Rio Tejo. O núcleo urbano se abre alternadamente em pontos focais de robusto simbolismo, cujo ápice ocorre na Praça do Comércio (Terreiro do Paço), ícone da urbanística portuguesa. Se a matriz urbana historicamente se estrutura ao longo do rio, acomodando-se às colinas circundantes, é previsível que o sistema metroviário, em certa medida, expresse claramente a relação inerente entre o centro (beira-rio) e as periferias, articulando as partes ao centro ativo urbano (Figura 1). O cenário justifica o encontro das Linhas (de metrô) Verde e Azul na Baixa Pombalina, convergindo, respectivamente, para as estações do Cais do Sodré e Santa Apolônia, resultantes da chegada da linha férrea ao centro urbano consolidado até finais do século XIX (Gomes, 2011).

A partir do rio, a cidade cresce avançando em fundos de vale que posteriormente se converteriam nas atuais Avenidas Almirante Reis e da Liberdade, estabelecendo os dois eixos de articulação que distribuem os fluxos para o norte. Não é surpresa, portanto, que estas vias praticamente coincidam com aqueles das Linhas Verde e Azul, as mais antigas do sistema existente: “no projeto inicial, a rede do Metrô fazia-se a partir dos parâmetros definidos pelo Plano Diretor da cidade, desenhando-se um conjunto de radiais a partir dos eixos de penetração e de expansão” (Gomes, 2011).

Fig. 1 Mapa da rede de metrô da cidade de Lisboa. Fonte: Martínez (2010). De acordo com Gomes (2011), “a exploração iniciou-se a 29 de janeiro de 1959, com uma rede de 6,5 quilômetros e 11 estações. Numa primeira fase, o projeto da rede do Metrô continha duas linhas, com o comprimento de 19,5 quilômetros, cuja construção se previa num prazo de três anos. A construção desta rede visava a substituição dos transportes coletivos de superfície, em especial dos elétricos. A construção da rede prioritária acabou por sofrer atrasos, o que levou a que em 1972 só uma das linhas (com 12 quilômetros) se encontrasse construída”.

A consolidação futura das Linhas Amarela e Vermelha corresponde à progressiva migração das áreas mais integradas do sistema urbano, originalmente da Baixa Pombalina

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para a região de Saldanha, ao longo do eixo da Avenida da República. O centro ativo de Lisboa, a partir da expansão da malha viária notadamente ao longo do século XX, move-se em direção norte.

A malha resultante e hoje inserida nos limites políticos da cidade de Lisboa aproxima-se da estrutura radial em convergência para o centro antigo urbano, para a beira do rio. Se por um lado as margens do Tejo convertem-se em ponto de confluência, por outro a Linha Vermelha atua em raio que atravessa transversalmente as vias globais que convergem para a Praça do Comércio. A região do Parque de Monsanto, entretanto, age como uma barreira espacial à continuidade do sistema urbano e, dada sua dimensão, implica uma redução expressiva na densidade construtiva e populacional para aquela zona. De alguma maneira a característica e o processo de ocupação a partir de Alcântara em direção a Oeiras, promove uma redução na oferta de transportes públicos, e não há inclusive previsão de se expandir a linha de metrô para aquele sentido.

Por outro lado, as questões geográficas e de relevo também parecem interferir, especialmente devido à coroa de colinas da Alfama-Castelo de São Jorge em direção à Graça e à Penha de França: a conformação do sistema também não abarca tais zonas, inclusive porque regiões de relevo acentuado igualmente tendem a apresentar densidades mais reduzidas, uma vez que a acessibilidade é restrita.

É válido perceber, por outro lado, que a região atualmente concentradora da maior quantidade de linhas integradas no mapa axial da cidade – núcleo de integração urbano – também corresponde ao sítio do assentamente que apresenta um relevo menos acentuado, exatamente nas regiões entre Campo Grande e Campo Pequeno, assumindo uma malha tendente à regularidade, em composições do padrão de tabuleiro de xadrez (Figura 2). Sabe-se que sítios tentendes à planura usualmente recebem grelhas (Medeiros, 2006) e que a regularidade resultante coincide com sistemas de maior conectividade, isto é, quantidade de conexões (cruzamentos), o que, associada à posição da via quanto ao sistema, implica um maior potencial de uso em relação aos trajetos possíveis de serem percorridos numa cidade (o próprio conceito de integração).

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Portanto, em linhas gerais é possível perceber que a malha metroviária existente em Lisboa não apenas é compatível com o potencial de movimento identificado no sistema urbano por meio do mapa axial – a maior concentração de linhas acontece no núcleo de integração (Figura 2) – como seu processo de consolidação aparentemente acompanha o deslocamento do centro ativo urbano, originalmente nas margens do Rio Tejo, articulando o centro histórico ao centro morfológico contemporâneo. Além disso, a malha de alguma maneira radiocêntrica favorece uma cobertura maior do território urbano, embora certas característica do sítio físico impliquem redução na densidade, dificuldades de implantação de sistemas metroviários e, portanto, maior carência de linhas.

Brasília filia-se a um fundamento urbanístico peculiar e resulta de uma concepção global (cidade pensada como um todo), seguindo os preceitos da urbanística moderna desenvolvida na primeira metade do século XX, a partir de uma lógica vinculada à Era da Máquina. Inaugurada em 21 de abril de 1960, a capital brasileira expressa a interpretação da cidade segundo os princípios da Carta de Atenas, ao assumir que a qualidade urbana baseava-se em aspectos como zoneamento, regularidade e grandes corredores verdes contornando as ocupações humanas. Se por um lado o desenho moderno é uma resposta aos efeitos da Revolução Industrial sobre a cidade – quanto ao adensamento exagerado, pobreza e poluição, por exemplo – por outro o resultado é um desenho urbano que fragmenta as relações espaciais ao tornar o vazio de alguma maneira predominante.

Historicamente as cidades caracterizaram-se pela densidade do espaço construído em oposição ao vazio das ruas, praças e largos. Brasília, oriunda de uma série de experimentações prévias, inverte a premissa e converte-se na expressão máxima das noções de cidade-parque, cidade-jardim e cinturões verdes. Filiados diretamente a tais princípios, o Plano Piloto e as cidades adjacentes conformaram soluções espaciais apartadas por grandes vazios, desarticuladas umas das outras e significativamente distantes entre si (apesar do termo cidade para caracterizar os assentamentos de circulam o Plano Piloto, o conjunto funciona como um município único).

Se o discurso subjacente às questões patrimoniais contemporâneas é o de garantir a permanência do cinturão verde ao redor do Plano Piloto, os vazios existentes entre os núcleos urbanos dissemina-se por toda a Unidade da Federação, maximizando as distâncias médias, ampliando o preço do solo e criando um sistema urbano composto por fragmentos pouco articulados – a despeito de um relevo que, em tese, seria promotor de uma mancha urbana contínua, dada a planura resultante. É verdade, entretando, que a expansão de Brasília ao longo das últimas décadas (atualmente é a quarta maior cidade brasileira, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador) tem promovido o preenchimento dos interstícios, progressivamente alterando a leitura de descontinuidade.

O resultado de tais características é a existência de um sistema de transporte público deficitário, que não consegue atender à demanda de deslocamento da população e frequentemente é objeto de crítica por parte dos empresários detentores das concessões, uma vez que o índice de passageiro por quilômetro (IPK) é relativamente baixo comparativamente a outras cidades brasileiras (produto das distâncias excessivas e dos vazios urbanos a implicar baixa densidade populacional)1. No âmbito do sistema metroviário, cujos custos de implantação são reconhecidamente elevados, o conflito para o

1

Cabe ressaltar que nos horários de pico a densidade de passageiros por quilômetro é muito alta em Brasília, caindo exponencialmente, entretanto, nos entre picos.

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contexto de Brasília está exatamente no custo benefício de sua manutenção, pois a equação longas distâncas versus baixa densidade compromete o equilíbrio financeiro.

Do ponto de vista da forma, o sistema existente em Brasília é de natureza linear, com duas linhas que avançam do centro do Plano Piloto em direção àquelas cidades que apresentam as maiores densidades populacionais do Distrito Federal brasileio – o conjunto Ceilândia, Samambaia e Taguatinga. Em Águas Claras, área onde atualmente está o maior percentual de construções no DF, as duas linhas convergem2 e, dali em diante, prosseguem juntas até a Rodoviária do Plano Piloto, que compreende aquilo que seria o centro urbano da estrutura espacial da capital do Brasil (Zona Central de Brasília). A travessia ocorre ao longo da Asa Sul, alternando as estações entre as superquadras (algumas em funcionamento, outras não).

Analisado numa perspectiva geral, a despeito das implicações do desenho urbano, o sistema metroviário existente em Brasília procura alcançar aqueles trechos de maior densidade populacional, embora para tanto precise atravessar significativos vazios (Figuras 3 e 4). O resultado é a não coincidência entre o núcleo de integração e a predominância de estações naquela zona – o que, de alguma maneira, reforça a dificuldade de sistemas globais rígidos, como Brasília, se adequarem à lógica de maior economicidade dos espaços urbanos, o que teria melhor desempenho quanto à sustentabilidade. Cabe ponderar, entretanto, que existem estações em pontos nodais da dinâmica da capital, como a estação

Shopping, que permite acessos aos grandes empreendimentos comerciais e de serviços

distribuídos ao longo da via EPIA, a de maior integração do sistema urbano.

Fig. 3 Rede do metrô de Brasília. Fonte: < http://www.metro.df.gov.br/ >.

2 Salienta-se aqui que em horários de pico todos os carros (de ambas as linhas) chegam à Águas Claras com a

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Fig. 4 Mapa axial Rn de Brasília (escala não indicada), com a localização das estações de metro (direita). Fonte: DIMPU (2009).

Todavia, a maneira de organização espacial do assentamento, especialmente tendo em vista o aspecto de fragmentação espacial, resulta na existência de várias cidades não atendidas pelo sistema metroviário, tanto no sentido sul quanto norte. Neste caso, o implicador não são as características físicas dos sítios, e sim a densidade baixa e as grandes distâncias que precisariam ser percorridas para atenderem lugares como Sobradinho e Planaltina, revelando que soluções alternativas precisariam ser agregadas ao sistema metroviário para melhor desempenho da mobilidade urbana na capital brasileira.

3.3 A Perspectiva Local

Sabe-se que a localização das estações de metrô tende a funcionar como um poderoso elemento para a dinamização de áreas urbanas. Portanto, caso houvesse a convergência entre a localização das estações e os correspondentes potenciais de acessibilidade do sistema urbano, alcançaríamos o cenário de sinergia de esforços, em que o potencial da malha viária articulado à rede metropolitana seria compatível com a distribução de usos e atividades na cidade. É o estágio de maior economicidade e de mais positivo desempenho quanto à sustentabilidade, conforme argumenta Hillier (2009).

Para os procedimentos, a escala de integração obtida nos mapas axiais de Lisboa e Brasília foi convertida para os pólos entre 0 e 100, conforme sugerido por Medeiros (2002) e Medeiros (2006). Após isso, foi selecionada a medida de integração de cada via imediatamente próxima à saída da estação, o que permitu a feitura dos Figuras 5 e 6. Cabe o esclarecimento que estações servidas por duas ou mais linhas foram replicadas nos gráficos para que constassem em cada linha correspondente: as cores das barras derivam das cores das linhas para as duas cidades. Os valores “0,0" de estações em Lisboa dizem respeito àquelas que estão fora dos limites oficiais do município.

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Fig. 5 Distribuição dos valores de integração (Base 100) para as estações de metrô em Lisboa, de acordo com as cores das linhas.

Fig. 6 Distribuição dos valores de integração (Base 100) para as estações de metrô em Brasília, de acordo com as cores das linhas.

Para os dois contextos, os achados revelam uma natureza inerente aos sistemas metroviários: a relação entre centro e periferia. De acordo com os gráficos, identificados segundo as cores das linhas de metrô, o comportamento é semelhante a um arco: o começo da linha apresenta valores mais baixos, o centro os valores mais altos (incluindo o topo) e o final as medidas menores. O comportamento para Lisboa expõe um progressivo aumento do potencial de integração até o centro, seguido, posteriormente pelo declínio paulatino das medidas.

O cenário português expõe igualmente a discussão do processo de movimento do centro ativo em relação ao centro antigo. As primeiras estações que estabeleciam o acesso ao rio hoje assumem uma posição periférica no sistema do ponto de vista da integração, embora permaneçam atuando como robustos magnetos: as estações ferroviárias de Santa Apolônia

44,28 0,00 0,00 35,79 41,80 51,53 65 ,77 61,69 73,63 78,49 94,01 85,27 77,08 79,09 74,62 67,64 69,32 56,29 75,63 75 ,78 92, 39 96,37 93,08 90,53 78,20 73,67 35,03 35, 66 26,49 0,00 0,00 52 ,80 67,64 75,35 79,56 90,86 90,86 86,35 86,57 78,03 90,15 81, 61 73,67 49,54 94 ,01 98,60 88,63 51,46 48,49 39,85 38,69 42,50 39,46 0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 100,00 120,00 Mé d io Am ad o ra E st e Alf o rn e los Po n tin h a Carn id e Col é gio Mil ita r Al to d os Moi n h os La ra n jei ra s Ja rdim Z o o ló gic o Pra ça d e E sp an h a São Se b a stiã o 1 Pa rq u e Ma rq u ê s d e P o m b al Av e n id a Re sta u ra d o re s Baixa C h ia d o T e rre iro d o P aço San ta Ap o lôn ia Rat o Marq u ê s d e Po m b al Picoa s Sald an h a 1 Cam p o P e q u e n o E n tre Cam p o s Ci d ad e U n iv e rs it ár ia Ca m p o Gra n d e Qu in ta d as Co n ch as Lu m ia r Am e ixoe ira Se n h o r Rou b ad o Od iv e las Cais d o S o d ré Baixa -Chia d o Ros si o Ma rtim M o n iz In ten d e n te An jo s Arro ios Alam e d a 1 Are e iro Rom a Alv ala d e Cam p o Gran d e 2 T e lh e ira s São Se b a stião 2 Sald an h a 2 Alam e d a 2 Olaia s Be la Vis ta Che las Oliv ais Su l Cab o Ru iv o Orie n te 40,76 60,75 48,29 50,60 50,60 54,99 54,99 61, 40 61, 40 61, 40 61,09 99,91 28,89 43,59 42,58 39,65 59,42 79,26 59,98 49 ,33 47,13 52,37 47,13 38,22 60,75 48,29 50 ,60 50,60 54,99 54,99 61, 40 61, 40 61, 40 61 ,09 99,91 28,89 43,59 42,58 39,65 78,34 51 ,77 38,86 38,85 0,00 20,00 40,00 60,00 80,00 100,00 120,00 Mé d io Ce n tra l G aleria 10 2 Su l 10 4 Su l 10 6 Su l 10 8 Su l 11 0 Su l 11 2 Su l 11 4 Su l As a Su l Sh o p p in g Fe ira G u ar á Arn iq u eiras Águ as Clara s Con ce ss ion ár ias Pra ça d o Rel ó gio Ce n tro M etro p o lita n o C eil ân d ia Su l G u ar ir o b a Ce ilân d ia Ce n tro Ce ilân d ia N o rte Ce ilân d ia Ce n tra l G aleria 10 2 Sul 10 4 Su l 10 6 Su l 10 8 Su l 11 0 Su l 11 2 Su l 11 4 Su l As a Sul Sh o p p in g Fe ira G u ar á Arn iq u eiras Águ as Clara s Tagu ati n ga S u l Furn as Sam amb aia Su l Sa m amb aia

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e do Cais do Sodré, de onde partem as balsas para a travessia do rio, bem como as linhas de trem suburbanas.

Os valores para Brasília, entretanto, expõem um conflito: a despeito da tendência também ser verificada aqui para as duas linhas, há uma aparente ruptura na escala. A Estação

Shopping apresenta um valor extremamente elevado, próximo de 100, enquanto as estações

sequenciais tem um declínio abrupto de integração. Significa que o sistema atravessa aquele que é o centro morfológico do sistema Distrito Federal, mas posteriormente avança para áreas fragilmente conectadas do ponto de vista topológico – produto do processo de ocupação do espaço que legou ao Distrito Federal o predomínio de baixas densidades e o caráter labiríntico em diversos trechos. O arco é rompido e apenas passa a seguir a tendência após a Estação Praça do Relógio, em Taguatinga, onde prossegue para um paulatino declínio das medidas.

Pela derivação dos resultados, é possível perceber em Lisboa que os valores de integração médios de todas as estações (69,37) é significativamente superior àquele da média da cidade (44,28 ou 57%), o que revela um sistema metroviário coincidente com a malha de maior potencial de integração. Em Brasília, a situação não apresenta uma correspondência tão significativa: enquanto a média do sistema é de 40,76 (inferior àquela de Lisboa), a das estações alcança 54,31 (33% superior).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos achados, verificaram-se diferenças expressivas nos dois casos. A maioria das estações do sistema de metrô de Lisboa apresenta localização estratégica, uma vez que se situam senão nas vias de maior potencial de movimento, muito próximas a elas, em áreas de notória centralidade; por outro lado, em Brasília, as estações situam-se significativamente distantes dos eixos de maior potencial de movimento, pouco correspondendo às centralidades urbanas (há exceções). É possível depreender que os usuários dos sistemas de metrô de Lisboa tem mobilidade estimulada pela integração com a malha viária da cidade, bem como pelas menores distâncias entre estações e centralidade correspondente. Brasília, por sua vez, apresenta certa dificuldade nesse deslocamento, tendo em vista os grandes vazios presentes na malha e a ausência de centralidades dinâmicas que se beneficiem dos movimentos gerados.

Considera-se que quando o potencial da malha efetivamente corresponde aos padrões de usos do solo, conforma-se um cenário de sincronia, portanto mais sustentável (Hillier, 2009). Acontece que os deslocamentos médios seriam reduzidos, pois os usos que mais atraem movimento (dispostos nas centralidades urbanas) estariam situados nas vias mais fáceis de serem alcançadas a partir de qualquer parte do sistema urbano (potencial de movimento), portanto concentradores dos eixos de transporte público. Numa cidade “tradicional” a convergência é recorrente (Lisboa). Por outro lado, em experiências de rígida regulação (Brasília), o uso do solo e a não correspondência com estações de metrô acabam por gerar cenários de diacronia: além de aumentar os custos, promove-se um modo de transporte que não atua como potencializador das capacidades agregadoras da malha viária.

Agradecimentos: a primeira autora agradece à CAPES pelo apoio financeiro durante o estágio de doutorado realizado no IST-UTL (Lisboa/Portugal).

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