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ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO POSITIVISMO DE AUGUSTO COMTE 1. O POSITIVISMO COMO NOVA RELIGIÃO

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Vicente Fideles de Ávila1

1. O POSITIVISMO COMO NOVA RELIGIÃO

Que quer dizer Positivismo, evidentemente o idealizado e configurado por Augusto Comte, como nova religião? -A resposta é de um dos primeiros brasileiros adeptos fervorosos do Apostolado Positivista, no Rio de Janeiro, chamado João do Rio, transcrita por Ivan LINS (1967 : p. 447):

“É uma religião que respeita as religiões passadas e substitui a revelação pela demonstração. Nasceu da ruptura do catolicismo e da evolução científica do século XVII para cá. De Maistre dizia que o catolicismo ia passar por muitas transformações para ligar a ciência à religião. Comte descobriu a lei dos três estados, a chave da sociologia, e quando já era o grande filósofo, Clotilde apareceu e ensinou que a inteligência é apenas o ministro do coração.

Agir por afeição Pensar para agir.

Comte proclamou que o homem e a mulher se completam sob tríplice aspecto: sentimento, inteligência e atividade. A religião divide-se em Culto, Dogma e Regime, o que vem a ser bem amar, bem conhecer e bem servir a humanidade, o Grande Ser, o conjunto de gerações passadas e futuras pela geração presente. A existência do Grande Ser está ligada à terra, o Grande Fetiche, e ao espaço, o Grande Meio (...)”.

No texto citado, que expressa o fervor de um discípulo religioso, alguns pontos se sobressaem para efeito da compreensão do Positivismo e de sua influência na educação republicana brasileira, como a substituição da revelação pela demonstração, “lei dos três estados” e outros, presentes em todos os itens que constituem a seqüência deste trabalho.

Entretanto, é universalmente sabido que o Positivismo não surgiu inicialmente como religião. Em verdade, despontou como corrente filosófico-científica voltada à solução dos graves problemas sociais, europeus e franceses –sobretudo os herdados das situações anterior e posterior à Revolução Francesa do final do século XVIII- que,

1 Doutor em Política e Programação do Desenvolvimento pela Université de Paris I/Panthéon-Sorbonne

(também licenciado em Filosofia e Pedagogia), aposentado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS e docente dos Programas de Mestrado em Educação e em Desenvolvimento Local da

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fundamentando-se inclusive nos estágios de evolução religiosa da humanidade, segundo a concepção de Augusto Comte, acabou se extrapolando para religião, com imaginário doutrinal de base formulado pelo mesmo, conforme a síntese expressa na citação anterior.

Ademais, a unidade entre a dimensão filosófico-científica e a do arquétipo de nova religião idealizada por Augusto Comte não eram assim tão indissociáveis no sistema positivista comteano como um todo. Prova disto é que, logo após a morte do “mestre” (Augusto Comte), dissensões entre seus discípulos mais apegados, no caso Laffitte e Litré, se encarregaram de desintegrar tal unidade: Laffitte ficou na linha ortodoxa da fiel aceitação de todos os ensinamentos de Comte, inclusive os concernentes ao aspecto proclamado como arquétipo de nova religião, mas Litré, considerado dissidente, se restringiu apenas a aceitar, defender e divulgar o lado filosófico-científico, lastreado na demonstração, que valeu a Augusto Comte a histórica menção de fundador da Sociologia, hoje pouco lembrada em virtude da repulsa ao Positivismo que se alastrou na intelectualidade de tendências esquerdistas desde as quatro últimas décadas do século passado.

2 - SÍNTESE BIOGRÁFICA DE AUGUSTO COMTE

Com base em TIMASCHEFF (1965), Augusto Comte nasceu em Montpelier no ano de 1798, tornando-se aluno da École Polytechinique de Paris quando jovem. Lá, seus professores eram sobretudo estudiosos de Matemática e Física, sem dar muita importância aos problemas sociais que corroíam as sociedades do tempo, sobretudo a francesa.

Comte, embora nascido depois, viveu todo o ambiente de Revolução Francesa, principalmente o de miséria, corrupção e desorganização. Por isso, e sem desviar-se do gosto pela matemática e física,

“(...) como muitos dos filósofos desse período, especialmente os filósofos sociais Z. G. Bonald e Joseph de Maistre, alarmou-se ele com os efeitos demolidores da Revolução Francesa, a desordem criada pela destruição violenta dos grupos sociais intermediários entre a família e o Estado. Assim o aprimoramento da sociedade logo se tornou a preocupação principal de Comte, o verdadeiro objetivo de sua vida. Mas ele entendia que, para aprimorar a sociedade, fazia-se necessária uma ciência teórica

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da sociedade”.

De 1817 a 1823 trabalhou como secretário do socialista utópico Henri de Saint-Simon e, em colaboração, escreveram Plano das Operações Científicas Necessárias para a Reorganização da Sociedade, delineando aí o programa fundamental da Sociologia nascente. Depois, passou a dar alguns cursos de Filosofia Positiva, a pedido de pequenos grupos, cujas notas deram origem ao Cours de Philosophie Positive, publicado entre 1830 e 1824. Daí em diante, preferiu usar o princípio da higiene mental: deixou de ler, para não sofrer influências. Nesse período (entre 1851 e 1854), surgiu o Système de Politique Positive, em 4 volumes. Morreu em 1857.

3- PRINCIPAIS ASPECTOS DO SISTEMA FILOSÓFICO-CIENTÍFICO POSITIVISTA COMTEANO

3.1- FLUXO ESQUEMÁTICO DE CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

Continuando a aproveitar a base informativa de TIMASHEFF (1965), a pretensão fundamental deste item é muito singela, pois se restringe à tentativa de simplificação da compreensão a respeito da classificação comteana das ciências através do fluxo esquemático que se segue, este de nossa iniciativa e responsabilidade:

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6.. Sociologia 5..Biologia/Fisiologia_ 4... Química ... 3... Física ... 2... Mecânica/Astronomia ... 1... M a t e m á t i c a ...

Como se nota, na hierarquia positivista das ciências teórico-abstratas, a base da pirâmide é constituída pela Matemática porque, segundo Comte, abrange os aspectos abstratos de todos os fenômenos e o cume pela Sociologia, entendida como “Ciência teórica abstrata dos fenômenos sociais”, em virtude de que as outras ciências lhe dão suporte de acordo com a ordem em que aí são elencadas.

3.2- LEI DOS TRÊS ESTADOS E SUAS CORRELAÇÕES

A compreensão da lei dos três estados, formulada por Augusto Comte, é simples. Todo o conhecimento humano se processa numa progressão com três escalões (PETERS e COOMAN : p. 104-105), espécie de grandes degraus ou estados, como preferia Comte: C I Ê N C I A S PRÁTICAS (aplicadas) TEÓRICAS DESCRITIVAS

Descobrem as leis que regem os fenômenos, determinando

sua consistência e sucessão

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- Estado teológico: representa o período em que todas as explicações e mesmo todo o conhecimento se fundamentam e se justificam através de razões religiosas, de qualquer natureza, pois o homem é muito imaturo para explicações mais aperfeiçoadas.

- Estado metafísico: trata-se de um passo avante em relação à fase anterior, dado que suas fundamentações não são mais de cunho religioso, ou seja, são mais racionais que as do estado anterior, mas ainda de natureza e consistência meramente metafísicas (ou além da física), porque não demonstráveis experimentalmente.

- Estado positivo: é o estado da perfeição do conhecimento, certificado pela evidência que provém da demonstração, como se verá à frente, sobretudo em relação ao método positivo.

Esses três estados se evoluem e correlacionam nas seguintes direções:

Fase Intelectual

Fase Material

Tipo de Unidade Social

Tipo de Ordem

Sentimento Predominante

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

Teológica Militar Família Doméstica Apego

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

Metafísica Legalista Estado Coletiva Veneração

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

↓↓↓↓

Positiva Industrial Raça

(humanidade)

Universal Benevolência

Essa é a marcha do conhecimento. Essa é, também, a marcha da humanidade. O próprio Comte considerava a lei dos três estados como a “grande descoberta do ano de 1822”, a qual, do ponto de vista da fundamentação, se tornou o ponto essencial do Positivismo, elevado por seu criador ao nível de superioridade histórica em relação a todas as espécies de filosofias científicas e religiosas -não só ao catolicismo- vigentes no séc. XIX, pois, para ele, todas as religiões e quase todas as filosofias existentes à época representavam os resquícios dos estados inferiores da humanidade, o teológico e o metafísico. Daí por que o Positivismo evoluiu de puro sistema filosófico a também pretenso arquétipo de nova religião, não no sentido das demais, mas como religião positiva, culto da humanidade (que caminha para o estado positivo de ordem e de progresso) e humanidade livre (dentro da rigorosa consciência de dever e “altruísmo”, termo cunhado por Augusto Comte).

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3.3- O MÉTODO CIENTÍFICO-POSITIVISTA

Comte não fez muitas explicações a respeito do método positivo, mas deixou a idéia que pode ser visualmente representada, a partir das informações de TIMASHEFF (1965),

no sentido de que A DEMONSTRAÇÃO CIENTÍFICA SE PROCESSA PELA SUBORDINAÇÃO DOS CONCEITOS AOS FATOS de acordo com a maneira gráfica que propomos a seguir:

Comte sabia que os fenômenos sociais apresentam mais variações que os CONCEITOS

Observação

Experimentação (observação controlada)

Comparação

sociedade humana e animal entre sociedades coexistentes

classes da mesma sociedade

Método histórico (observação da opinião púbica sobre a passagem pelos três estados).

SUBORDINAÇÃO DOS AOS

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tratados pelas outras ciências de sua pirâmide: “(...) de acordo com sua compreensão de hierarquia das ciências, admitia que o sistema formado pelas leis sociais era menos rígido do que o das leis biológicas e este, por sua vez, menos rígido do que o das leis físicas” (TIMASHEFF, 1965). No entanto, também entendia que há condições para estudo e descoberta das leis que o regem, por isso incluiu ciências tanto especificamente biológicas (encampadas pelas denominações Biologia/Fisiologia) quanto naturais de modo mais abrangente (Química, Física e Astronomia, por exemplo) como auxiliares indispensáveis ao estudo dos fenômenos sociais, que constituem o objeto próprio da Sociologia, mas cujo conhecimento só pode se elevar ao patamar da evidência se subsidiado pelas outras ciências que lhe dão suporte -de acordo com a pirâmide-, a começar pela Matemática.

3.4 – CONFIGURAÇÃO ESTRUTURAL DA SOCIOLOGIA

Ainda nos valendo de TIMASHEFF (1965), são apresentados graficamente, a seguir, os elementos essenciais dos componentes e desdobramentos estruturais da Sociologia concebida por Augusto Comte, apenas com o intuito da compreensão mais visualizada e simples possível:

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SOCIOLOGIA ESTÁTICA DINÂMICA Consenso Universal (solidariedade) Evolução e Progresso começa no reino vegetal Desenvolvimento Cultura Estrutura Social Indivíduo Família Combinações sociais Humanidade Fatores do Progresso: físico, moral (rumo a sentimentos mais nobres e generosos), intelectual

e político.

Comte entendia que a Estática se ocupa da teoria da Ordem, ou seja, estuda as condições de existência da sociedade, dado que a Ordem é constituída pelos elementos (consenso universal/solidariedade, estrutura social, indivíduo, família, etc.) que conferem identidade histórica, portanto no tempo e no espaço, à sociedade em constante processo de mutação, como no caso de cada pessoa que sofre incessantes alterações evolutivas, da concepção à morte, mas sem perder a própria identidade em todo o curso de sua dinamicamente mutante trajetória de vida. No contexto da Estática, a unidade social de base é a família, e não o indivíduo, porque a família é o primeiro elemento homogêneo da composição social.

Por outra, a Dinâmica visa o estudo do movimento contínuo (como as leis que regem a sucessão dos três estados, o desenvolvimento, a cultura, assim como o progresso físico, moral, intelectual e político). Ocupa-se, portanto, da teoria do Progresso porque este é seu objeto principal. No âmbito da Dinâmica, o fator ativador de Progresso mais importante é o intelectual, tendo em vista que tanto o tédio quanto o

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medo da morte o impulsionam, desafiando-o a inovações (daí os positivistas terem a morte sempre presente a tudo).

Quanto à Sociologia Dinâmica, THONNARD (1968: p. 719-742) resume em quatro as leis que regem o pensamento de Comte a seu respeito: 1ª. lei geral da evolução; 2ª. lei do progresso intelectual; 3ª. lei do progresso na atividade; 4ª. lei do progresso afetivo. É importante o comentário deste autor sobre o rigorismo moral de Comte, concernente à quarta lei, embora o mesmo não aceitasse a moral cristã:

“(...) esta quarta lei constitui o essencial da Moral de Comte; dela resulta que o positivismo deve trazer a supressão da idéia de direito, que é aliás, de origem teológica, pois supõe uma autoridade sobre-humana ou divina que nos domina; – e toda a moral se sintetizará na noção de dever que poderia definir-se: – A tendência natural a subordinar a satisfação dos seus apetites pessoais ao bem da espécie toda inteira, segundo a lei de predomínio dos sentimentos altruístas. Por isso, Comte dará por divisa à sua moral: Viver para outrem”.

Comte não separava a Estática da Dinâmica, visto que para ele ambas são peças que compõem a mesma ciência, a Sociologia. A sociedade é simultaneamente Estática (porque tem ordem, estrutura) e Dinâmica (porque se desenvolve, contínua e sucessivamente, no sentido do estado teológico para o positivo): se não houver Ordem ( ou certas constantes estruturais), também não poderá haver Progresso e vice-versa.

Só a partir das noções acima sobre o Positivismo, sobretudo como sistema filosófico-científico, nos sentimos de certo modo autorizados a falar um pouco mais à vontade sobre o Positivismo e a educação brasileira, principalmente nos primórdios de nossa história republicana.

Observação: todos os demais itens, deste 4 em diante, foram publicados com - com o título: Apontamentos sobre positivismo e realidade sócio-educacional brasileira a partir da Primeira República - (Revista) Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro : ABT (Associação Brasileira de Tecnologia Educacional), v. 30, n. 156.2002, p. 27-39).

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BIBLIOGRAFIA

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CRUZ, Costa.Contribuição à história das idéias no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1967.

FRANCA, Leonel. Noções de história da filosofia. 19.ed., Rio de Janeiro : Agir, 1967. LINS, Ivan. História do positivismo no Brasil. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1967.

LUZURIAGA Y MEDINA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1963.

MONROE, Paul. História da educação. 6.ed., São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1958.

PAIM, Antonio. História das idéias filosóficas no Brasil. São Paulo : Grijalbo, 1967. PALERMO, Alfredo. Estudo de problemas brasileiros. 2.ed., São Paulo : LISA, 1972. PEETERG, Francisca & COOMAN, Maria Augusta de. Pequena história da educação. 8.ed., São Paulo : Melhoramentos, s.d.

PEIXOTO, Afranio. Noções de história da educação. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1933.

SANTOS, Theobaldo Miranda. Noções de sociologia emocional. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1947.

THONNARD. F. J. Compêndio de história da filosofia. São Paulo : Herder, 1968. TIMASHEFF, Nicholas S. Teoria sociológica. Rio de Janeiro : Zahar, 1965.

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