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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP EDUARDO CANIZELLA JUNIOR

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

EDUARDO CANIZELLA JUNIOR

Princípios, limites da ponderação e argumentação jurídica na obra de Robert Alexy

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

EDUARDO CANIZELLA JUNIOR

Princípios, limites da ponderação e argumentação jurídica na obra de Robert Alexy

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Filosofia do Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Marcio Pugliesi.

SÃO PAULO

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Banca Examinadora

_____________________________________

_____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Sou grato àqueles cujo exemplo me incentivou a buscar novos passos. Aos amigos Jivago Petrucci, Henrique Martini Monteiro, Márcio Coimbra Massei, Fabrizio de Lima Pieroni e Denner Pereira, cujo convívio marcou indelevelmente meu caminho.

Agradeço à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, minha morada profissional, onde é possível a conciliação do pleno exercício da advocacia pública com o aperfeiçoamento intelectual e acadêmico.

Meu agradecimento ao Prof. Dr. Márcio Pugliesi, cuja ajuda e valorosa orientação pôde lançar luzes em meus estudos, tornando esse trabalho possível.

(6)

RESUMO

(7)

ABSTRACT

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E PRINCÍPIOS JURÍDICOS ... 13

1.1. Breves notas sobre o positivismo jurídico ... 14

1.2. Do surgimento do pós-positivismo ... 16

1.3. Das críticas ao positivismo jurídico ... 20

1.4. Positivismo, pós-positivismo e os princípios jurídicos ... 22

2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS ... 24

2.1. Princípios: tudo-ou-nada versus dimensão de peso ... 25

2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização ... 29

2.2.1. Conflito entre regras ... 30

2.2.2. Colisão entre princípios ... 31

2.2.3. Colisão entre regras e princípios ... 33

2.2.3.1. Do uso dos princípios em detrimento de regras ... 35

2.2.4. Ponderação de regras? ... 37

2.3. Da relação circular entre princípios e regras... 39

3. CONSTRUÇÕES TEÓRICAS PARA O CONTROLE DE ATOS RESTRITIVOS A DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 44

3.1. Razoabilidade ... 45

3.1.1. Razoabilidade como equidade ... 48

3.1.2. Razoabilidade como congruência... 50

3.1.3. Razoabilidade como equivalência ... 51

3.1.4. Robert Alexy e a fórmula de Radbruch: razoabilidade como pretensão de correção ... 52

3.2. Proporcionalidade ... 53

3.2.1. Princípio, máxima, standard, regra ou postulado normativo? ... 55

3.2.2. Adequação ... 57

3.2.3. Necessidade ... 58

3.2.4. Proporcionalidade em sentido estrito ... 59

4. PONDERAÇÃO E A COLISÃO DE PRINCÍPIOS ... 61

4.1. Variáveis envolvidas ... 62

4.2. A Fórmula do peso ... 64

(9)

5. ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA ... 71

5.1. Robert Alexy: influência da teoria do discurso jurídico de Jürgen Habermas ... 74

5.2. A teoria do discurso de Robert Alexy ... 77

5.2.1. As regras e formas do discurso prático geral ... 80

5.2.2. O discurso jurídico como caso especial do discurso prático geral ... 85

5.2.3. Limites do discurso jurídico ... 87

CONCLUSÃO ... 90

(10)

INTRODUÇÃO

A adoção de determinado conceito de direito, que subordine em maior ou menor medida o direito positivo a valores supralegais, tem repercussão direta sobre o funcionamento do Estado e sobre o modo de interação entre seus Poderes. Uma comunidade jurídica que privilegie o direito positivo em detrimento de pretensões de correção substancial dará grande importância à atuação do Poder Legislativo, mas a rigidez de suas normas enquanto arquétipos genéricos de conduta poderá tornar o direito inadequado às necessidades sociais e às sutilezas do caso concreto. Por outro lado, se determinada comunidade optar pela vinculação do direito positivo a valores, positivados ou não, o papel do Poder Judiciário será sobrepujante, vez que cada comando institucional legislativo poderá ser flexibilizado por uma norma considerada superior às positivadas. No entanto, em situações como essa, parece haver grande comprometimento da segurança jurídica, gerando-se a permanente incerteza sobre as decisões dos juízes, cuja liberdade pode facilmente desaguar em arbítrio. Essa tensão impõe um desafio: a construção de uma teoria jurídica capaz de promover a necessária segurança e estabilização de expectativas normativas, sem engessamento do ordenamento, e que permita a necessária adequação das normas jurídicas ao caso concreto quando necessário, mediante um procedimento racional que possibilite o controle da atuação dos juízes.

Sabe-se que são antiquíssimas as indagações filosóficas a respeito das relações entre direito e moral, e que as variadas concepções de influência da esfera moral na esfera jurídica dão origem aos mais diversos conceitos de direito. Na literatura grega, Sófocles (494-406 a. C.) já demonstrava a reflexão acerca da vinculação da ordem positiva à moral em sua obra Antígona, a terceira de suas peças tebanas. Polinice, morto em batalha e acusado de traição à pátria, teve seu sepultamento proibido por ordem do rei Creonte, seu tio. Antígona, irmã de Polinice, resiste à proibição e, surpreendida enterrando o corpo de seu irmão, brada ao tirano que suas ordens são contrárias às leis imutáveis dos deuses1.

Tal concepção jusnaturalista condiciona a validade das normas postas pelos homens, mediante sua ordem institucional, à normas morais superiores e decorrentes da natureza humana. A distinção conceitual entre direito natural e positivo já se encontra no pensamento

1

(11)

de Aristóteles, que se utilizava de uma analogia com o fogo: as chamas, tal qual as leis naturais, queimam invariavelmente e do mesmo modo na Grécia e na Pérsia, enquanto ideias humanas de justiça e outras convenções variam quanto ao tempo e o lugar2. Tal dicotomia está presente também no direito romano, no qual o jus gentium e o jus civile correspondem à distinção entre direito natural e direito positivo, onde o primeiro se refere à natureza e suas regras não se limitam a determinado povo, enquanto o segundo se refere às estatuições do populus e é posto por uma entidade social criada pelos homens. Na antiguidade, o direito natural era visto como “direito comum”, e o positivo como “direito particular” de determinada sociedade, prevalecendo o direito positivo em caso de conflito, em aplicação do princípio lex specialis derrogat generali3.

O jusnaturalismo permeou o pensamento filosófico do Ocidente por séculos, compondo também o espírito dos pensadores da cristandade medieval, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que “cristianizou” o pensamento de Aristóteles, e para quem a justiça é a vontade constante e duradoura de dar a cada um o que lhe é devido: o devido a cada um não pode ser determinado pelo direito positivo, mas pelas tendências naturais da natureza humana, de certas qualidades fixas. Uma lei deve operar em conformidade com a natureza, produto da razão divina, de tal modo que o direito positivo não pode impor obrigações que não sejam razoáveis e compatíveis com a razão de Deus. Na Idade Média, o direito natural é considerado superior ao positivo, visto que este é direito comum, e aquele decorre da vontade divina4.

Com o advento do Renascimento, perde-se esse caráter sagrado do Direito, que passa a ser visto como um instrumento para a fixação racional de regras de convivência. Embora não tenha desaparecido a noção de direito natural, este não mais tem fundamento na prudência aristotélica ou na razão divina, rejeitando-se a ideia de que qualquer ser transcendental fixe as bases do que é correto e do que é justo. O Leviatã, de Thomas Hobbes (1588-1679), obra fundamental da filosofia política, estabelece o “estado de natureza” hobbesiano, situação na qual os homens vivem livres de amarras normativas; existem normas de conduta naturais, mas que não são obrigatórias, de tal modo que o homem convive com o medo permanente da morte violenta. Tal situação hipotética passa a ser um padrão para compreender a civilização,

2

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. Tradução de Jefferson Luiz Camarg; revisão técnica de Gildo Sá Leitão Rios. – São Paulo : Martins Fontes, 2006, p. 58.

3

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito.Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 18.

4

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as regras sociais e a convivência ordenada, inspirando a criação do Estado mediante a renúncia de uma parcela de liberdade de todos os súditos. Com a formação do Estado moderno, concede-se força a uma única instituição, o soberano, que monopoliza o poder coercitivo e o normativo, impondo normas regulamentadoras de relações sociais que apenas são respeitadas graças à coação do Estado. Nesse momento, deixa de ter valor o direito natural, desrespeitado mesmo no estado de natureza, e o único direito que vale é o direito positivo5. Hobbes é uma espécie de jusnaturalista que tem por justo o direito estatal6.

A tensão entre o direito positivo e o direito natural, como é possível perceber, atravessa os séculos, permeia as investigações filosóficas. Referida tensão está nos alicerces do presente trabalho. A doutrina que mais alcança a prática do jurista e do teórico do direito contemporâneos é o positivismo jurídico7, corrente de pensamento segundo a qual não existe outro direito senão o positivo. O positivismo nasce do impulso histórico para a legislação8 e consiste em teoria do direito que privilegia o direito positivo em detrimento do direito natural, este último desprovido de valor metodológico para a compreensão do conceito de direito. No primeiro capítulo do presente trabalho, analisaremos os traços distintivos gerais do positivismo jurídico, com fundamento em seus teóricos mais proeminentes, como H. L. A. Hart, Hans Kelsen e Alf Ross, para os quais as normas postas pelas instituições competentes são jurídicas independentemente de sua congruência com arquétipos éticos ou morais.

Ainda no primeiro capítulo, serão expostos os principais pressupostos do pós-positivismo, teoria decorrente de uma reação histórica à separação intransigente entre as esferas do imposto e do correto, e da dificuldade teórica positivista para fornecer respostas ao controle de decisões judiciais não baseadas na mera subsunção de uma regra a um caso concreto. Para o pós-positivismo, que encontra em Ronald Dworkin e Robert Alexy os seus principais expoentes, o direito positivo está novamente vinculado à moral e a valores naturais, de tal modo que seu conceito de direito, compreende, em linhas gerais: a) validade formal; b) eficácia social; e c) correção substancial9. Conceitos de direito positivistas se limitam a combinações das letras a e b, enquanto o jusnaturalismo limita o conceito de direito à letra c; o pós-positivismo, por sua vez, busca superar essa dicotomia e as limitações que delas

5 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito.Comp. Nello Morra. Trad. Márcio

Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 35.

6 MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 167.

7

MASCARO, Alysson Leandro. Op. cit., p. 313.

8 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 119.

9 BUSTAMANTE, Thomas Rosa de. A razoabilidade na dogmática jurídica contemporânea: em busca de

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implicam. A exposição minuciosa do pós-positivismo deixará claro o porquê de sua preferência, neste trabalho, para o estudo dos princípios, essenciais a qualquer modelo que se proponha a explicar o direito moderno.

Em seguida, todo um capítulo será dedicado à distinção entre regras e princípios, sua distinção qualitativa e sua particular forma de aplicação ao caso concreto. Após, como preparação para traçar cada um dos passos dessa especial forma de aplicação dos princípios, a ponderação, foi preciso descortinar e distinguir os conceitos de razoabilidade e de proporcionalidade, noções recorrentes em decisões judiciais nas quais juízes se deparam com a necessidade de aplicação de princípios jurídicos. A posterior análise da ponderação evidenciará seus limites, vez que, nos casos em que a decisão judicial não decorre de uma lógica subsuntiva, o ônus argumentativo se potencializa, devendo o intérprete demonstrar, analiticamente, a construção do seu raciocínio. Por tais razões, nosso estudo se encerra com considerações acerca da teoria da argumentação jurídica.

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1. POSITIVISMO, PÓS-POSITIVISMO E PRINCÍPIOS JURÍDICOS

É incontestável a relevância e a repercussão prática da adoção desta ou daquela concepção jusfilosófica pelo intérprete, pelo magistrado ou pela Corte Constitucional. Na atual realidade jurídica brasileira, é digna de nota a profusão do ideário pós-positivista. Argumenta-se que apenas a adesão a tal corrente jusfilosófica é capaz de concretizar determinados direitos fundamentais, como forma de manter a coesão e a harmonia da sociedade brasileira10.

As premissas teóricas do neoconstitucionalismo, que permeiam todos os demais ramos da dogmática jurídica, são entabuladas a partir do argumento segundo o qual a Constituição Federal de 1988 é principiológica, à semelhança das Constituições do pós-guerra, consagrando mais princípios do que regras. Os princípios, ao exigir um método diferente de aplicação, a ponderação, em vez da subsunção, substituem a noção de justiça geral pela justiça individual, demandando maior participação do Poder Judiciário em relação aos Poderes Legislativo e Executivo. Em perfeita síntese, “a norma traria o método; o método, a justiça; a justiça, o Poder” 11.

No presente trabalho, analisamos o conceito de princípio jurídico como espécie de norma, seu especial modo de aplicação ao caso concreto (a ponderação), os limites desse modo de aplicação e as teorias da argumentação jurídica que desses limites decorrem. Cada um desses passos é traçado com base, em especial, na teoria desenvolvida por um dos principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy. Esse capítulo, preambular, se propõe a justificar tal escolha teórica, buscando descortinar os motivos de superação do positivismo jurídico e a especial compatibilidade da teoria pós-positivista para a explicação e aplicação do princípio enquanto norma jurídica.

10 AGRA, Walber de Moura. Neoconstitucionalismo e superação do positivismo. In: DIMOULIS, Dimitri;

DUARTE, Écio Oto (coord.). Teoria do direito neoconstitucional : superação ou reconstrução do positivismo

jurídico?. São Paulo : Método, 2008, p. 446.

11 ÁVILA, Humberto (2009b). “Neoconstitucionalismo” : entre a “ciência do direito” e o “direito da ciência”. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 17, janeiro/fevereiro/março, 2009, p. 3. No mencionado artigo, Ávila se propõe a analisar a dinâmica entre os Poderes Legislativo e Judiciário decorrente do raciocínio acima exposto, concluindo que, num ordenamento que privilegia a participação democrática, reserva-se ao Poder Legislativo o papel de encontrar a solução para conflitos que admitem várias soluções justas, de modo que não se afigura adequado sustentar que se

passou do Poder Legislativo para o Poder Judiciário, nem que se deve passar ou é necessariamente bom que se

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1.1. Breves notas sobre o positivismo jurídico

É certo que presenciamos uma época de profundas reformulações e transformações na compreensão do fenômeno jurídico, alicerçada no propalado “fracasso político do positivismo” 12. Argumenta-se que a realidade vivenciada pela sociedade atual se revela a cada dia mais complexa, de modo que, em substituição ao preto e branco, pode-se verificar que há uma infinidade de tons, colorações, opções e ambiguidades entre tais extremos. Essa nova realidade não poderia ser subestimada pelo direito, impondo-se assim a superação do estrito legalismo, retrógrado e incapaz de regular a contento tal sociedade em transformação13.

O surgimento do positivismo jurídico é associado ao esforço de estudar o direito como ciência, com as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. O campo científico somente se ocupa de juízos de fato, verificações da realidade, razão pela qual o direito deveria abandonar os chamados juízos de valor, imponderáveis no campo científico, caso pretenda-se ciência. Enquanto método, o positivismo exclui de seu estudo os juízos morais, metafísicos, em busca da supressão da subjetividade que lhes caracteriza. Em síntese, a validade de uma norma (sua existência no ordenamento jurídico) independe de seu valor (conformidade com o direito ideal ou natural). A distinção entre juízo de validade e juízo de valor veio a assumir a função de delimitação das fronteiras entre ciência e filosofia do direito14. Assim, a dimensão valorativa do direito estaria presente somente na compreensão, interpretação e aplicação das normas, assumindo maior ou menor importância de acordo com a teoria hermenêutica adotada15.

A identificação total do direito à norma exprime a ideia de que, ao positivismo, norma válida seria, necessariamente, norma justa16. Como assinalado por Norberto Bobbio, é possível compreender o positivismo jurídico como método, como teoria e como ideologia.

12

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 4.

13

TAVARES, André Ramos. Abertura Epistêmica do Direito Constitucional. In: NOVELINO, Marcelo (org.). Leituras Complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição Salvador: Juspodivm, 2009, p. 27.

14

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad. Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 137/138.

15 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos.São Paulo : Saraiva, 2010, p. 37. 16 Cf. MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 3. Ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 313/314, apenas o

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Considerado o positivismo enquanto ideologia, necessário ainda cindi-lo em dois: o positivismo “extremista” e o “moderado”. O primeiro é identificado pela teoria da obediência absoluta da lei enquanto tal, sintetizada pelo aforismo “lei é lei” – Gesetz ist Gesetz (comumente invocada pelos adversários teóricos para a desconstrução do positivismo). O segundo, em versão “moderada”, exprime a concepção de que o direito tem, sempre, um valor instrumental, vez que é sempre válido não por ser justo, mas porque é o meio necessário para a realização da ordem, instaurada pela lei (suum quique tribuere) e por esta mantida (neminem laedere)17. A validade do direito depende, ainda, de sua eficácia social: considerações sobre o direito justo ou injusto influem sobre o comportamento das pessoas, fazendo com que o direito seja ou não obedecido18. Dessa forma, o positivismo não tem nenhuma razão teórica para sustentar uma equiparação, de cunho político, entre validade do direito e dever de obediência19. Identificam-se entre os juspositivistas moderados expoentes como Kelsen, Calamandrei e Hart20.

Por opção teórica do positivismo jurídico, adotou-se a tese da separação conceitual entre direito e moral, ao considerar elemento essencial do direito a incorporação de ordens e ameaças, e não a congruência com princípios da moral e da justiça, embora todos os sistemas jurídicos reproduzam a substância de certas exigências morais fundamentais21. Isso porque, entre positivistas, não pode haver noções de universalidade ou possibilidade de consenso quanto a valores morais, de modo que sua análise depende de preferências subjetivas e, portanto, incompatíveis com a principal finalidade do ordenamento jurídico, a prescrição de normas de conduta e de sanções taxativas vinculantes22.

Mais do que isso: ao positivismo, a tese da separação entre direito e moral é preferível à tese da vinculação principalmente em razão das consequências jurídicas de ambas. O direito deflui da vontade dos detentores do poder político; sua relação com a moral é contingente, podendo até mesmo ocorrer, eventualmente, coincidência plena das normas válidas com os valores morais. Contudo, se determinada norma é injusta, é preferível descrever, criticar e

17 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad.

Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo : Ícone, 2006, p. 230/231.

18 BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 138.

19 DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 57.

20 MATOS, Anityas Soares de Moura Costa. Positivismo jurídico e autoritarismo político: a falácia da reductio ad hitlerum. In: DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (coord.). Teoria do direito

neoconstitucional : superação ou reconstrução do positivismo jurídico?. São Paulo : Método, 2008, p. 121.

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denunciar essa situação, e não ocultá-la mediante considerações pessoais23. Sustentar que direito injusto não é direito é tão equivocado quanto sustentar que a canção ruim, a comida insípida e a notícia falsa não são, respectivamente, música, alimento e informação.

1.2. Do surgimento do pós-positivismo

Na doutrina brasileira, as mais influentes teses pós-positivistas propugnam a superação do positivismo jurídico em razão da inadmissão da prevalência de abordagens que desconsideram a força normativa dos princípios e da Constituição, da limitação dos juízes à aplicação mecânica da lei e da legitimação incondicional do direito, em negação a qualquer influência moral ou valores supralegais.

Deve-se assinalar, ainda, que a alegada característica positivista de legitimação incondicional do direito é por muitos associada à criação das condições necessárias para o desenvolvimento e perpetração do nacional-socialismo, o mais bárbaro regime do século XX, vivenciado pela Itália e pela Alemanha ao longo da Segunda Grande Guerra. Argumenta-se, com frequência, que sua compreensão do fenômeno jurídico teria legitimado experiências sociais totalitárias, alheias ao respeito dos mais basilares direitos humanos. O positivismo jurídico é, assim, apresentado como a “teoria que traiu a causa do direito”, como garantia (ou pelo menos tentativa) de pacificação, justiça, solidariedade social, enganando os operadores jurídicos e oferecendo cobertura teórica a um regime criminoso. Tal tese traduz o espírito dos juristas alemães no período de desorientação política após a queda do regime nazista, período no qual todos estavam à procura de uma teoria do direito capaz de condenar a barbárie e evitar sua repetição. Mesmo os numerosos juristas que colaboraram com o regime queriam se distanciar do seu passado, atribuindo sua atuação em prol do nazismo a equívocos teóricos e desejando modificar seu posicionamento24.

Sustenta-se que os movimentos políticos e militares do nacional-socialismo ascenderam ao poder dentro do quadro de legalidade vigente, para, em nome da lei e sob seu amparo, perpetrar atrocidades sem precedentes. Reputa-se emblemático o fato de que os principais acusados de Nuremberg invocaram o estrito cumprimento da lei e a obediência a ordens emanadas da autoridade competente para a justificação de suas condutas. O cenário de

23

DIMOULIS, Dimitri. Op. cit., p. 208.

24

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devastação social e de menoscabo à condição humana impunha o abandono de todo o subjacente arcabouço teórico, de modo que, ao fim da Segunda Grande Guerra, “a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos e da lei como uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto, já não tinha aceitação no pensamento esclarecido” 25.

Assim surge o pós-positivismo. Inicialmente, como uma designação provisória e genérica de um ideário difuso, com propostas de nova hermenêutica constitucional, reconhecimento da força normativa dos preceitos constitucionais e de uma teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana26.

(...)(O pós-positivismo) esplende em riqueza e fecundidade inovadora, fazendo nascer da gestação de seus conceitos a Nova Hermenêutica, ao passo que o segundo (o positivismo jurídico) jaz embalsamado num formalismo álgido e refratário aos conteúdos velozes e dinâmicos daquele universo novo de direitos fundamentais em expansão; alheado da realidade, freqüenta unicamente as páginas do Direito Constitucional clássico, de inspiração liberal”. 27

Para Luís Roberto Barroso, o surgimento do novo direito constitucional foi motivado por mudanças de paradigma que mobilizaram a doutrina e a jurisprudência, que podem ser identificadas por três marcos fundamentais: o histórico, o teórico e o filosófico. O pós-positivismo constitui o marco filosófico do novo direito constitucional, identificado pela alcunha do neoconstitucionalismo28, assinalado como a superação dos antagonismos que caracterizam o jusnaturalismo e o positivismo jurídico; o primeiro, superado pela história, enquanto o segundo se demonstrara inapto ao abrigo da ética e de valores morais. Reputa-se como a principal referência histórica do novo direito constitucional a Lei Fundamental de Bonn, de 1949, e a subseqüente criação do Tribunal Constitucional Federal alemão, em 1951. Nesse contexto, também adquirem relevo a Constituição da Itália de 1947 e a redemocratização dos países ibéricos na década de 70 (Portugal, em 1976, e Espanha, em

25

BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito Brasileiro.In. A nova interpretação constitucional/ Luís Roberto Barroso (organizador). 3ª Ed. Revista – Rio de Janeiro : Renovar, 2008, p. 335/336.

26

BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 336.

27

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed., São Paulo : Malheiros, 2006, p. 591/592.

28

Cf. BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio

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1978). No Brasil, o marco histórico é também associado à “reconstitucionalização” do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. No plano teórico, o ideário do pós-positivismo culminou no reconhecimento da força normativa da Constituição, na expansão da jurisdição constitucional e no desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional29.

Sustenta-se que o positivismo jurídico, já inadequado e anacrônico, resume-se a uma teoria formalista cujo objetivo exclusivo é a justificação do direito positivo, em inadmissível abstração de quaisquer considerações sobre o conteúdo da norma posta e consequente insuficiência enquanto modelo de compreensão do direito.

Nos termos de sua própria tese, o positivismo não chega a enfrentar esses casos difíceis e enigmáticos que nos levam à procura de teorias do direito. (...) Sua representação do direito como um sistema de regras tem exercido um domínio tenaz sobre nossa imaginação, talvez graças a sua própria simplicidade. Se nos livrarmos desse modelo de regras, poderemos ser capazes de construir um modelo mais fiel à complexidade e sofisticação de nossas próprias práticas. 30

Uma visão panorâmica das correntes que se apartam do positivismo jurídico permite identificar duas tendências principais, de ordem sociológica e axiológica. Na vertente sociológica, destaca-se a matriz do “realismo jurídico”, de Karl Llewelyn e Jerome Frank, modelo dogmático que desloca a análise do direito para as decisões judiciais. Em oposição ao normativismo positivista, opera-se autêntica inversão de sentido, de modo que a fonte do direito por excelência passa a ser a jurisprudência. Para os realistas, é direito o que fazem os juízes em relação aos conflitos31. Sem negar a lei como fonte do direito, o realismo considera o relevo dos costumes e dos precedentes judiciários. No entanto, no que tange à relação entre os conceitos de direito e moral, rejeita-se a conexão do direito a “ideais superiores”, razão

29

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 5.

30

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p.72.

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pela qual há quem considere que o realismo está contido entre as escolas positivistas, ainda que distante da abordagem tradicional32.

Surgem, ainda, sofisticadas e influentes teorias de vertente axiológica que se apartam do positivismo, tentando recuperar, conquanto de modo restrito, o antigo postulado jusnaturalista de identificação entre direito e preceitos morais. Tomado como referência o antipositivismo ético que as une, essa alternativa teórica pode ser qualificada como “moralismo jurídico” 33. Nesse contexto, merecem especial referência as construções teóricas de Robert Alexy e Ronald Dworkin.

A teoria do direito e da Constituição, bem como a dogmática constitucional, foi tomada por um fascínio pela principiologia jurídica desenvolvida por Ronald Dworkin desde os anos 1960 e reconstruída por Robert Alexy a partir dos anos 197034.

Para Alexy, há necessária vinculação do direito aos preceitos morais, que permeiam a interpretação das normas e permitem sua adequação às exigências do direito justo (argumento dos princípios), ou, de forma ainda mais direta, subordinam a própria validade da norma jurídica à sua consonância com a moral (argumento da injustiça). A invalidade da norma injusta é adotada de forma relativa, pois sua admissão intransigente permitiria a qualquer pessoa ou autoridade deixar de aplicar e observar normas que entenda injustas ou imorais; cinge-se, assim, aos casos de extrema, intolerável ou proposital imoralidade, nos casos em que a injustiça atinja um grau insustentável. A expressão mais conhecida do moralismo da validade é a denominada Fórmula de Radbruch. Nesses casos, a lei não constitui somente direito injusto, “mas carece totalmente de natureza jurídica. Isto ocorre porque podemos definir o direito, incluído o direito positivo, somente como ordenamento e legiferação determinados pelo intuito de servir a justiça”35 Dworkin, por sua vez, compreende haver mais do que necessária conexão entre o direito e a moral; tais conceitos são, em seu sentir, indissociáveis. O direito é definido mediante a moral, não se limitando a receber sua influência para correções de interpretação ou invalidação pontual de normas jurídicas.

32

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 149/152.

33 RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial : parâmetros dogmáticos.São Paulo : Saraiva, 2010, p. 52. 34 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 51.

35 RADBRUCH, Gustav.

Gesetzliches Unrecht und übergezetziches Recht (1946). In: Rechtsphilosophie.

(21)

se ao direito autonomia conceitual, pois “em sistemas jurídicos complexos (...) nenhuma distinção definitiva pode ser feita entre padrões jurídicos e morais, como insiste o positivismo”36. O direito é compreendido como a tentativa de construir a melhor sociedade possível, impondo-se ao juiz decidir conforme as exigências morais da comunidade.

No entanto, Dworkin não objetiva com isso promover o arbítrio do Poder Judiciário: os juízes, “príncipes” do direito, não devem se portar como “profetas”, nem devem misturar seus “sonhos” sobre o melhor direito com a jurisdição. Preceitua o princípio da integridade na aplicação do direito que, aos juízes, impõe-se a tarefa de decidir de modo coerente com as interpretações anteriores, sempre à luz atualizadora das exigências morais da comunidade37. Em outras palavras, do juiz se exige “a” resposta certa, e não qualquer tipo de decisão judicial. O arquétipo de juiz, para Dworkin, é aquele de capacidade e paciência sobre-humanas, criterioso, metódico, impassível, que aceita e pratica o direito como integridade. Esse tipo ideal, que carrega o ônus de encontrar a resposta ao conflito, recebe o nome de Hércules, que evoca na mitologia grega um ser de força incomum, um semideus38.

1.3. Das críticas ao positivismo jurídico

São emblemáticas as máximas segundo as quais “o valor e o desvalor da lei determinam-se pelos critérios do direito”, e “lei sem direito não pode transformar o ilícito em direito.” Estas poderiam ser expressões da compreensão jurídica pós-positivista, acima exposta, críticas do positivismo jurídico nas experiências nazistas e fascistas. No entanto, são subscritas por Hans Frank em 1934, um dos conhecidos membros da Academia para o Direito alemão, identificado com o regime nacional-socialista39. Os registros legais e doutrinários do período evidenciam que os detentores do poder, em vez de positivar suas práticas, propunham aos magistrados que a lei não poderia ser rígida demais; ao juiz era permitido e orientado aplicar e interpretar a lei de acordo com a situação, flexibilizando o ordenamento jurídico.

36 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora

WMF Martins Fontes, 2010, p.73.

37 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo : Martins Fontes, 1999,

p. 486/488.

38 MENDES, Conrado Hübner. Controle de constitucionalidade e democracia. Rio de Janeiro : Campus, 2008,

p. 38.

(22)

Se revirmos os posicionamentos oficiais sobre a metodologia do sistema nazista, só podemos chegar à conclusão de que o judiciário foi sincronizado com o pensamento nazista não por meio da vinculação à lei, mas por meio da vinculação ao valor. A mesma instrumentária metodológica, com cujo auxílio o judiciário ampliara, antes de 1933, suas margens de ação contra o legislador, foi-lhe imposta após 1933 e empregada como meio de destruição de sua independência. Se, anteriormente a 1933, o judiciário usara de forma cada vez mais generosa as cláusulas gerais existentes no direito para, por meio delas, fazer prevalecer suas próprias concepções de valor, preponderantemente conservadoras, contra leis da República de Weimar, agora ela é instruída a aplicar essas e recém-criadas cláusulas gerais para fazer destas pontos de acesso de um sistema de valores política e previamente decidido. 40

Uma análise mais precisa da conjuntura social, política e jurídica das experiências nacional-socialistas poderia desmistificar tais acusações feitas ao positivismo, utilizadas para seu abandono e superação teórica. Mudanças políticas são impulsionadas por lutas e imposições de interesses de certos grupos sociais. Tais mudanças não se baseiam apenas em crenças teóricas, de modo que uma teoria sobre a validade do direito não teria o condão de permitir a imposição de um regime41.

Argumenta-se que, por vezes, o discurso antipositivista reduz a análise, ao sustentar que o positivismo permitiu a experiência do Estado totalitário na Alemanha, ou que, ao menos, em razão de sua natureza, omitiu-se na crítica do conteúdo de suas normas, legitimando o regime. Tal associação, da barbárie ao método, é identificada por positivistas como uma reductio ad hitlerum.

(...) quando se pretende rejeitar uma teoria ou visão política, afirma-se que ela foi adotada pelo regime nazista, ou, pelo menos correspondia à ideologia nazista. Isso permite rejeitar imediatamente essa teoria ou visão política, já que ninguém aceitaria, em nossos dias, defender o pensamento nazista. Temos um artifício retórico que objetiva desqualificar os adversários sem análise da substância. No nosso tema, alega-se que os positivistas aprovam a forma de agir de Hitler. E, já que Hitler encabeçou a pior ditadura do século XX, o positivismo jurídico que se identifica com o nazismo merece a mais firme condenação!”42

40

MAUS, Ingeborg. O Judiciário como Superego da Sociedade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 51.

41

DIMOULIS, Dimitri. Positivismo Jurídico : introdução a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurídico-político. Coleção Professor Gilmar Mendes, v. 2. São Paulo : Método, 2006, p. 260.

42

(23)

Dessa forma, é possível questionar se ao positivismo jurídico são atribuídas responsabilidades e culpas que dele não são. Nesse aspecto particular, deve-se considerar as condições sociais e políticas que conduziram às experiências nacional-socialistas. No caso alemão, deve-se recordar, por exemplo, que as potências vitoriosas ao fim da Primeira Grande Guerra (na prática, Grã-Bretanha, França e EUA) impuseram à Alemanha uma “paz punitiva”, estabelecida pelo Tratado de Versalhes de 1919, acordo que oficialmente encerrara os conflitos. Tal tratado afrontara profundamente o orgulho alemão; ao país, eliminado das relações internacionais, imputou-se a exclusiva responsabilidade pela guerra e suas consequências (a chamada cláusula da “culpa de guerra”), perdas territoriais, limitação militar e obrigações de reparação teoricamente infinitas às nações vitoriosas43. Em 1923, o país se encontrava na mais absoluta e profunda crise econômica, situada em uma “grande zona de derrota e convulsão”, impondo aos alemães o testemunho de um colapso monetário até então inédito: sua moeda valia um milionésimo de milhão do valor de 1913, de modo que, na prática, economias de toda uma vida de um alemão de classe média lhe permitiam somente tomar seu café favorito. Os traumas sociais, políticos e econômicos que defluem dessa conjuntura erigiram ao poder forças políticas do militarismo e da extrema direita, num deliberado intento de rompimento com o status quo pelo confronto, se necessário militar. Tais elementos prepararam a Europa central para o fascismo e o nazismo44.

Por tais razões, não há qualquer motivo para concluir que o positivismo jurídico tenha levado à estatolatria e ao totalitarismo político. Ao contrário, conforme demonstrado, a ideologia jurídica do nazismo era nitidamente contrária ao juspositivismo (decisão por exclusivo amparo na lei), sustentando que os magistrados deveriam decidir com base no interesse político do Estado, considerando, por exemplo, como delitos todos os atos contrários ao “são sentimento popular” – gesundesVolksempfinden – mesmo que não previstos em lei45.

1.4. Positivismo, pós-positivismo e os princípios jurídicos

43

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos : o breve século XX : 1914-1991. Tradução de Marcos Santarrita, revisão técnica de Maria Célia Paoli. São Paulo : Companhia das Letras, 1995, p. 41/43.

44 HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 93/95.

45 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico : lições de filosofia do direito. Comp. Nello Morra. Trad.

(24)

A opção pela adoção, no presente trabalho, do estudo minucioso da teoria de um dos principais expoentes do pós-positivismo, Robert Alexy, se deve à constatação de que a descrição positivista do direito parece incapaz de incorporar à sua análise os princípios jurídicos, cujo reconhecimento normativo e distinção qualitativa em relação às regras constituem símbolos do pós-positivismo46. O positivismo é visto como um modelo de e para um sistema de regras, normas aplicadas ao modo “tudo ou nada” (all-or-nothing), isto é, apenas nos exatos termos de suas prescrições47.

Os princípios são essenciais a qualquer modelo que se proponha a explicar o direito moderno, e uma teoria dos princípios, por claudicante que seja, é capaz de estruturar racionalmente grande parte das decisões jurídicas que não podem ser prolatadas mediante a subsunção de regras, de tal modo que “uma renúncia no plano dos princípios seria uma renúncia à racionalidade” 48.

A superação teórica do positivismo jurídico não pode ser justificada com base nos argumentos inaceitáveis expostos no item 1.3. O pós-positivismo é preferível, em especial, porque, sem enveredar por categorias metafísicas do jusnaturalismo, não descarta a importância das regras e da subsunção, e abre também espaço para os princípios e para a ponderação, tentando racionalizar o seu uso. Trata-se de concepção que, sem desprezar o papel das instâncias democráticas na definição do Direito, reconhece e valoriza o papel do Poder Judiciário na promoção dos direitos fundamentais e dos pressupostos da democracia49.

O positivismo jurídico é, portanto, respeitável corrente jusfilosófica, cuja superação não passa pela justificação da estatolatria política, mas da necessidade de explicação teórica do papel de princípios, políticas e outros tipos de padrões.

46 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito de Direito Público, n. 9, março/abril/maio, 2007, p. 10.

47

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 36.

48

ALEXY, Robert. Direito, razão, discurso: estudos para a filosofia do direito. Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 172.

49

(25)

2. DOS PRINCÍPIOS E DAS REGRAS

No afã de distinguir os princípios das regras, é preciso salientar que não há uma única definição de princípio jurídico, e a polissemia torna o tema mais tormentoso.Ao contrário dos objetos materiais (coisas), cujo consenso em torno de sua denominação é mais fácil pela referência que fazem a objetos sensorialmente perceptíveis, as categorias jurídicas, entre as quais se inserem os princípios, são instrumentos analíticos abstratos (linguisticamente formulados) 50. Por isso mesmo é mais difícil haver uma só definição de princípio. Chega-se mesmo a afirmar que haveria quase tantas definições de princípios quantos são os autores que sobre eles escrevem.

Deve-se considerar que, na prática jurídica brasileira, o termo "princípio" é normalmente utilizado quando se pretende conferir a importância devida a determinados conceitos. Segundo a doutrina jurídica tradicional no Brasil, princípio deve ser compreendido como

(...) mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico51.

Essa é a acepção mais corrente do termo "princípio" na linguagem jurídica pátria. As normas de direitos fundamentais são comumente caracterizadas como “princípios”, quando se busca frisar sua importância no ordenamento jurídico. Fala-se, contudo, que se tratam de regras, quando o objetivo é salientar a sua força normativa, ou quando se aponta para a possibilidade de fundamentação dedutiva também no âmbito dos direitos fundamentais52. Contudo, a distinção entre princípios e regras exige um contorno preciso para sua utilização sistemática.

A despeito da mencionada plurivocidade e do significado já consagrado pela doutrina tradicional, buscaremos, daqui em diante, traçar os contornos dos princípios jurídicos em oposição às regras jurídicas, com esteio nas teorias desenvolvidas por Ronald Dworkin e

50

ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, ano 1, volume 1. Salvador, 2001, p. 5.

51 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 747-748; No mesmo sentido, AFONSO DA SILVA, José. Curso de direito constitucional

positivo, p. 95.

52

(26)

Robert Alexy. Não se trata, como alertado por Virgílio Afonso da Silva, de debater se há classificações melhores ou piores, vez que qualquer classificação, desde que metodologicamente sólida, dificilmente pode ser julgada com base em um maniqueísmo bom/ruim; as distinções se devem aos diferentes objetivos daqueles que elaboram suas teorias, e a qualidade de sua classificação não pode ser avaliada de forma generalizante53. Os conceitos de princípio para Alexy e para Dworkin, embora próximos, se distanciam. Para Alexy, os princípios são mandamentos de otimização, enquanto na teoria de Dworkin o princípio conduz o juiz à única resposta correta para o caso. Enquanto Alexy se movimenta num nível de reflexão que é matemático-semântico, Dworkin coloca sua reflexão num horizonte hermenêutico-pragmático54.

Para Dworkin, os princípios diferem das regras porque somente contêm fundamentos, cuja dimensão de peso (dimensions of weight) permite que um princípio prevaleça sobre o outro sem que este perca sua validade55. Para Alexy, o que diferencia os princípios das regras é sua peculiar forma de instituir obrigações: enquanto as regras estabelecem obrigações absolutas, os princípios apenas o fazem prima facie, na medida em que outro princípio colidente pode declarar sua superação ante o caso concreto56. No conflito de regras, é preciso verificar se a regra está dentro de determinada ordem jurídica (problema do dentro ou fora), enquanto a colisão de princípios já se situa no interior da ordem jurídica, cuja ponderação e escolha do princípio preponderante não invalida o princípio superado.

Para evidenciar tais diferenças, elucidaremos, inicialmente, a concepção de princípio de Ronald Dworkin, contrastando-a em seguida com a noção elaborada por Robert Alexy.

2.1. Princípios: tudo-ou-nada versus dimensão de peso

Na formulação do conceito de princípio, a teoria dos princípios de Ronald Dworkin representa um marco, no âmbito jurídico, de uma transformação da teoria do direito e da filosofia política anglo-saxônica, negando-se o utilitarismo e a tese positivista de separação

53

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição. São Paulo : Malheiros, 2011, p. 44/45.

54

OLIVEIRA, RAFAEL TOMAZ DE. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 24.

55

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 26.

56

(27)

entre moral e direito57. No entanto, tal reorientação não se limitou ao mundo anglo-saxônico e teve repercussão nos sistemas jurídicos de tradição eurocontinental, destacando-se o envolvimento de Jurgen Habermas com a filosofia jurídica58 e o modelo princípiológico de Robert Alexy59, que, assim como a teoria de Dworkin, teve ampla recepção internacional.

Foi na tradição anglo-saxônica, portanto, que a definição de princípios recebeu decisiva contribuição. A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer um ataque geral ao positivismo (“general attack on positivism”), sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios (“principles”).

A teoria do direito de Dworkin pressupõe um diálogo com a teoria da justiça de John Rawls, e o ponto de partida de sua concepção de princípio é a crítica à noção hartiana da textura aberta do direito. Segundo tal noção, todas as situações que não fossem reguladas por normas sob a estrutura de regras ficariam no âmbito da discricionariedade do juiz.

Dworkin indica expressamente, em seu artigo O Modelo de Regras I, seu intento de examinar a solidez do positivismo jurídico, em especial a forma dada por H. L. A. Hart. Considera que, embora nem todo filósofo denominado como positivista subscreva todas as proposições a serem apresentadas, “o positivismo tem como esqueleto algumas poucas proposições centrais e organizadoras”, e “a carne é distribuída diferentemente por diferentes positivistas e alguns chegam mesmo a rearranjar os ossos”60. Os preceitos chaves do positivismo elencados por Dworkin são os seguintes: i) o direito de determinada comunidade constituído pelo conjunto de regras especiais, utilizadas direta ou indiretamente com o propósito de determinar as condutas a serem punidas, e tais regras são identificadas a partir do modo pelo qual foram formuladas (pedigree) e não por seu conteúdo; ii) caso não exista uma regra apropriada para regular determinada situação, ou caso a regra existente seja vaga por algum motivo, o julgador não aplicará “o direito”, mas decidirá a demanda exercendo seu discernimento pessoal, orientando-se pela criação de nova regra jurídica ou complementação de uma regra já existente; iii) uma regra jurídica que exige que alguém faça ou se abstenha de

57

NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 43.

58 Como HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. de Flávio Beno

Siebeneichler. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1997, que merece especial destaque, no âmbito jurídico.

59 Cuja obra mais proeminente, sem dúvida, é ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo:

Malheiros, 2008.

60 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora

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fazer algo impõe a esse sujeito uma “obrigação jurídica”, e a ausência de regra válida impõe a inexistência de tal obrigação61.

Dworkin opõe-se ao modo pelo qual o positivismo jurídico resolve os casos difíceis, isto é, quando um determinado caso concreto não pode ser submetido a uma regra de direito clara e de antemão estabelecida, momento no qual, aos positivistas, surge um “poder discricionário” do julgador para decidir, inexistindo mecanismos para a aferição da qualidade e acerto do conteúdo de sua decisão. Dworkin critica firmemente a concepção de Hart sobre a discricionariedade, construindo uma noção de princípio pertencente ao sistema jurídico, que vinculam o juiz quando as regras se mostram insuficientes para a solução do caso posto.

Para ele, a diferença entre os princípios jurídicos e as regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem62. As regras são aplicadas do modo “tudo ou nada” (“all-or-nothing”), no sentido de que se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita ou ela não é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser considerada inválida.

Para Dworkin, princípio é “um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” 63. Os princípios jurídicos seriam deduzidos de mandamentos morais universais, e se apoiam na moralidade de determinada comunidade política, devendo tal princípio originariamente moral passar pela prova da coerência para sua validade jurídico-constitucional64. Os princípios, dessa forma, têm origem na moralidade comunitária, e são incorporador na prática dos juízes e dos tribunais por um processo de descoberta e de controle da consistência constitucional, mediante a atividade do juiz Hércules, arquétipo de juiz de Dworkin, tipo ideal que carrega o ônus de encontrar a resposta ao conflito e que evoca na mitologia grega um ser de força incomum, um semideus, aquele de capacidade e paciência sobre-humanas, criterioso, metódico, impassível, que aceita e pratica o direito como integridade. O princípio da integridade na aplicação do direito que, aos juízes, impõe-se a tarefa de decidir de modo

61

DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 27/28.

62 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora

WMF Martins Fontes, 2010, p. 39.

63 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 36.

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coerente com as interpretações anteriores, sempre à luz atualizadora das exigências morais da comunidade65. No entanto, Dworkin reconhece que sua teoria não prevê um “procedimento mecânico” para demonstrar quais são os direitos das partes nos casos difíceis: ao contrário, afirma-se que juristas e juízes sensatos frequentemente divergirão sobre a resposta a ser dada ao caso concreto, de tal modo que não se pretende estabelecer um método garantidor de que todos os juízes possam dar as mesmas respostas a tais questões66.

No contexto da teoria de Dworkin, não cabe falar de fronteira clara entre moral e direito, pois a noção de princípios serve, a rigor, para enfraquecer ou mesmo diluir essa fronteira67. Dworkin compreende haver mais do que necessária conexão entre o direito e a moral; tais conceitos são, em seu sentir, indissociáveis. O direito é definido mediante a moral, não se limitando a receber sua influência para correções de interpretação ou invalidação pontual de normas jurídicas. Nega-se ao direito autonomia conceitual, pois, em sistemas jurídicos complexos, nenhuma distinção definitiva pode ser feita entre padrões jurídicos e morais. O direito é compreendido como a tentativa de construir a melhor sociedade possível, impondo-se ao juiz decidir conforme as exigências morais da comunidade. Os princípios traduzem tais exigências morais.

Os princípios, ao contrário das regras, não determinam vinculativamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios. Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso (“dimension of weight”), demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior sobrepõe-se ao outro, sem que este perca sua validade.

Deve-se observar, contudo, que a teoria jurídica de Dworkin sofre críticas em termos de “teoria geral do direito”, que se pressupõe geral a partir da análise e avaliação de uma determinada cultura jurídica concreta, no caso, o direito anglo-americano68. Nesse sentido, os conceitos de direito e moral são indistintos para Dworkin porque o próprio sistema jurídico estadunidense, objeto de seu estudo, é considerado a encarnação histórica dessa ordem de valores69.

65 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo : Martins Fontes, 1999,

p. 486/488.

66 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora

WMF Martins Fontes, 2010, p. 127/128.

67 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules : princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 55.

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2.2. Robert Alexy: dos princípios como mandamentos de otimização

Alexy, partindo das considerações de Dworkin, precisou ainda mais o conceito de princípio. Para Alexy, a distinção entre princípios e regras é a base para a teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais, bem como uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais, representando, em suma, uma das colunas-mestras do edifício de sua teoria70.

O primeiro ponto a salientar é o de que, para Alexy, regras e princípios são reunidos sob o conceito de norma. Ambos são normas, porque ambos dizem o que deve ser, e podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição71. A diferença entre tais espécies de normas não está em sua generalidade ou em seu conteúdo axiológico, embora os princípios sejam relativamente gerais, por ainda não estarem em contato com as possibilidades dos mundos fático e normativo, e sejam normas cujo conteúdo axiológico seja mais facilmente identificável72. A diferença essencial entre regra e princípio está em sua estrutura diversa, e tais normas se diferenciam qualitativamente73. Tal distinção qualitativa está na definição dos princípios como mandamentos de otimização.

Este o ponto decisivo da distinção entre regra e princípio. Segundo Alexy, em já clássica definição, “(...) princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”74, de tal modo que os princípios podem ser satisfeitos em variados graus, a depender das possibilidades fáticas e dos outros princípios e regras com estes colidentes. As regras, por sua vez, são mandamentos definitivos, que ordenam que algo seja feito na exata medida de suas prescrições. As regras, portanto, já contêm determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível, e são sempre totalmente satisfeitas ou não satisfeitas.

Para os princípios, contudo, não se pode falar em realização sempre total daquilo que a norma exige: ao contrário, essa realização é apenas parcial75, vez que os princípios não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie76. Isso porque os princípios

70 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85. 71 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 87.

72 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 108. 73 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 90. 74 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 90.

75 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição.

São Paulo : Malheiros, 2011, p. 45.

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apresentam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas, e não contêm a exata extensão de seu conteúdo. As regras, por sua vez, por exigir que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, têm exata determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas.

2.2.1. Conflito entre regras

Tais diferenças são evidenciadas quando expostas as colisões entre princípios e os conflitos de regras. Existem um conflito de regras quando duas ou mais destas são aplicáveis ao mesmo caso concreto, e, em tal caso, o conflito só pode ser solucionado se uma das regras foi declarada inválida, ou se for introduzida uma cláusula de exceção que elimine o conflito77. Por serem mandamentos definitivos, no conflito entre regras é preciso que se encontre uma solução que não relativize essa definitividade78. O exemplo trazido por Alexy para a cláusula de exceção trata do conflito entre as regras da proibição de deixar a sala de aula antes que o sinal toque, e o dever de deixa-la ao soar o alarme de incêndio. Nesse caso, não é possível que sejam válidos, simultaneamente, dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si, de tal modo que se faz necessária a inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção. Virgílio Afonso da Silva menciona uma conhecida exceção à regra que proíbe a retroação da lei penal, qual seja, a de que a lei deve retroagir quando beneficiar o réu79.

As exceções a uma regra devem ser tomadas como se fossem parte da própria regra excepcionada, de modo que todas as exceções podem ser arroladas e quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra80.

No entanto, se a inclusão de cláusulas de exceção não for possível, uma das regras deverá ser extirpada do ordenamento jurídico. No curso de sua secular atividade de interpretação das leis, a jurisprudência elaborou alguns critérios, comumente aceitos, para a solução da antinomias das regras, como o critério cronológico (lex posterior derrogat legi priori), o critério hierárquico (lex superior derrogar inferiori) e o critério da especialidade

77 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92.

78 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição.

São Paulo : Malheiros, 2011, p. 47.

79 art. 5º, XL, CRFB/1988.

80 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução de Nelson Boeira. – 3ª ed. – São Paulo : Editora

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(lex specialis derogat legi generali), que devem decisão sobre qual das regras envolvidas no conflito permanecerá válida81.

2.2.2. Colisão entre princípios

Em caso de colisão entre princípios, a solução passará por percurso diverso. Em razão de sua peculiar natureza, os princípios não são declarados inválidos, e não se introduzem quaisquer cláusulas de exceção para compatibilizá-los, de modo que, se dois princípios colidem, um deles terá que ceder, aplicando-se o princípio sobrepujante em maior medida. A colisão entre princípios ocorre porque dificilmente, no caso concreto, um princípio encontrará sua realização máxima: normalmente sua consagração passará por barreiras para a proteção de outro princípio ou de outros princípios82. O que ocorre é que um dos princípios terá precedência em face do outro sob determinadas condições. Em feliz síntese de Alexy, “conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão do peso” 83.

Para Alexy, portanto, a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada simplesmente no modo “tudo ou nada” de aplicação proposto por Dworkin, mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à colisão, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua realização normativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja colisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, já que não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios instituem obrigações prima-facie, na medida em que podem ser superadas ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.

A solução para a colisão de princípios consiste, assim, no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios envolvidos, com base nas circunstâncias do caso concreto, fixando-se as condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro. Sob outras condições, é possível que a questão de precedência

81 BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti ; revisão da trad. de Silvana

Cobucci Leite. – 3ª ed. – São Paulo : Martins Fontes, 2010, p. 249/254.

82 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais : conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª edição.

São Paulo : Malheiros, 2011, p. 46.

Referências

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