• Nenhum resultado encontrado

Gabriela Regina Silva CORDEIRO 1 Marion Teodósio de QUADROS 2

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Gabriela Regina Silva CORDEIRO 1 Marion Teodósio de QUADROS 2"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

Violência Doméstica contra as Mulheres: demandas e perspectivas de mulheres jovens a partir de um Centro de Referência da Mulher

Gabriela Regina Silva CORDEIRO1

Marion Teodósio de QUADROS 2

RESUMO: Este artigo pretende apresentar as discussões em torno da etnografia que está sendo realizada em um Centro de Referência da Mulher em Pernambuco. O principal objetivo do trabalho é de analisar os diferentes marcadores e os significados trazidas pelas mulheres jovens que se encontram em situação de violência e atendidas pelo Centro de Referência. A pesquisa está sendo realizada no Centro de Referência e Atendimento à Mulher Márcia Dangremon, localizado em Olinda – Pernambuco. A metodologia adotada está sendo etnografia, sendo realizadas entrevistas semi-estruturadas, diário de campo e observação participante. A proposta deste artigo é procurar realizar uma introdução e contextualização dos Centros de Referências e Atendimento a Mulher no Brasil, juntamente com uma discussão sobre violência contra as mulheres, e as relações com os marcadores sociais de gênero e geração.

Palavras-chave: violência contra a mulher, mulheres jovens , Centro de Referência e Atendimento a Mulher.

Introdução

Este artigo compreende alguns tópicos da pesquisa que está em andamento e que pretende se aproximar das percepções, relatos e perspectivas trazidas por mulheres jovens em situação de violência, que estão sendo atendidas e/ou acompanhadas por um Centro de Referência e Atendimento à Mulher (CRAM). O principal objetivo é o de analisar como as mulheres jovens significam suas experiências em relação a violência que vivenciam ou vivenciaram e as percepções referentes a rede de assistência, a partir do momento que são inseridas no Centro de Referência.

Com isso está sendo realizada uma etnografia no Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon (CRMMD), localizado em Bairro Novo, no município de Olinda. Os Centros de Referência da Mulher se integram à rede de assistência a mulheres em situação de violência, acompanhadas de outras instituições como a delegacia da mulher, maternidades e policlínicas, núcleos de atenção jurídica e unidades básica de saúde. Um motivo para serem escolhido um dos Centros de Referência da Mulher – como serviço integrante da rede - é devido ao fato de muitas mulheres se dirigirem primeiramente a estes centros por encaminhamento direto da Delegacia da

1 A autora atualmente cursa mestrado em antropologia na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco. Possui sua formação em Psicologia na mesma instituição. Integrante do Núcleo de Pesquisa Família, Gênero e Sexualidade.

2 A co-autora e orientadora do trabalho atualmente é professora adjunto da Universidade Federal de Pernambuco. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Família e Gênero, atuando principalmente nos seguintes temas: gênero, sexualidade, feminismo, saúde reprodutiva e educação.

(2)

Mulher ou encaminhadas por algum outro órgão integrante da rede, como também por uma demanda espontânea; sendo assim locais de recorrente acesso por mulheres em situação de violência.

As análises serão realizadas a partir de dois principais marcadores relacionados : um marcador de gênero e o de geração. Dessa forma, será discutida essas relações com um posicionamento que trata as 'fases da vida' e sua 'cronologização' como fato histórico decorrentes de mudanças socioculturais e políticas, bem como as relações de gênero, e as diferentes formas de violências. A proposta é compreender como se dá a dinâmica das relações e construções nessas situações a partir do momento em que as mulheres jovens chegam a este serviço, através dos olhares e relatos desses atores quanto as situações e tipos de violências vivenciadas , sobre a rede de assistência à mulher e a relação com o Centro de Referência.

Este artigo será subdividido em alguns tópicos. No primeiro, será realizada uma discussão sobre relações de gênero e os conceitos em relação a violência contra a mulher. No segundo, será realizada uma breve contextualização das implantações dos CRAMs, suas principais conquistas e limites. Logo após, serão apresentadas algumas pesquisas e alguns dos temas bastante pesquisados e discutidos sobre mulheres jovens, incluindo o tema da violência contra a mulher. No quarto é apontado alguns pontos de vista e argumentos problematizando os conceitos em torno das juventudes. E por último, um pouco da metodologia e do campo em um Centro de Referência e Atendimento à Mulher.

Violência contra a Mulher e seus Marcadores Sociais

Este trabalho realiza discussões que podem ser trabalhadas a partir de diferentes marcadores sociais. Uma das categorias de análise adotada é a de relações de gênero. Para isto será utilizado o conceito de gênero de Scott (1995) como base nas discussões e início dos debates em torno da questão da violência contra a mulher. Como para Joan Scott, o gênero se apresenta como forma primeira de significar as relações de poder, pode ser tomada como uma discussão inicial, em torno das relações de gênero, sendo possível incluir outros marcadores como geração ou raça. Para ela, gênero constitui as relações baseadas na existência e percepção das diferenças dos sexos. A sua definição foi elaborada e contextualizada como uma expressão que foi construída a partir de algumas mudanças de perspectivas ao longo da história.

(3)

O uso do termo 'gênero', ou de 'relações de gênero' não foram usados sempre com os mesmos sentidos, nem se apresenta com uma única perspectiva. A partir do movimento de mulheres, sobretudo movimento feminista, o inicio dos estudos considerando a integração das mulheres na história, ciências e também seus pontos de vista, iria acarretar uma mudança e reformulação crítica dos critérios de tudo que já tinha sido construído em relação ao conhecimento científico. Foi no final do século XIX que a expressão gênero foi utilizada como relações entre os sexos, assim se configurando como categoria de análise. (SCOTT, 1995) Essa autora também mencionou as três principais posições teóricas vigentes no século XX: uma, relacionada as origens do patriarcado, a segunda do marxismo e as críticas feministas e a terceira, a escola de psicanálise que explicava o processo de identidade de gênero do sujeito.

Já em relação a história e correntes sobre a violência contra as mulheres, Izumino e Santos (2005) relatam que a literatura passa a ser construída no início da década de 1980. As primeiras pesquisas apresentaram a característica de dar visibilidade e também caracterizar as violências sofridas pelas mulheres e combater com as diferentes intervenções propostas : intervenções psicológicas, sociais e jurídicas. Neste momento, a questão da violência era – como também continua sendo, atualmente – uma das maiores questões para o movimento feminista.

Foram três as principais perspectivas apresentadas por Izumino e Santos (2005), A primeira é a da dominação masculina – que a violência é encarada como expressão de dominação da mulher pelo homem. A segunda é a dominação patriarcal e a terceira, a de violência relacional. Na primeira corrente, o trabalho de Marilena Chauí “Participando do Debate sobre Mulher e Violência” foi o que apresentou a concepção da violência como ideologia reproduzida para a dominação do homem contra a mulher. Dessa forma, as mulheres seriam inferior aos homens e a partir do ato de violência, a mulher seria tratada como “objeto”, sendo anulada sua autonomia e liberdade.

A segunda corrente, elaborada por Heleieth Saffioti coloca que a violência contra a mulher ocorre pela socialização machista. Assim, os homens crescem e aprendem que podem ter mais poder do que as mulheres e agredi-las e machuca-las. Já as mulheres, naturalizam seu lugar de submissa aos desejos masculinos. Na terceira perspectiva , a posição de dominação masculina e vitimização são relativizadas, e o principal nome nesta perspectiva é o de Maria Filomena Gregori. Ela parte inicialmente da contraposição de violência contra a mulher da dicotomia homem- algoz e

(4)

mulher-vítima. Também afirma que percebe a violência como algo que faz parte da relação, como forma de comunicação entre o casal. ( IZUMINO; SANTOS, 2005)

Neste mesmo trabalho, as autoras apontam os aspectos positivos e negativos dessa corrente. Os positivos seriam pelo fato de colaborar com a não vitimização das mulheres e pelo fato de propor conhecer o contexto que se passa essa violência. Por outro lado, além de trabalhar com a ideia da mulher como cúmplice da violência, é bastante centrada na violência entre casais. Quando se considera um caso de violência contra uma mulher jovem, pode ser visto que dependendo do contexto e situação que ela esteja, essa violência pode ser praticada pelo pai, irmãos, mãe, outro parente ou estranho, e não necessariamente apenas por um namorado/companheiro, ou ex-namorado/companheiro. Já que as relações de poder podem ser perpassadas pelas relações de gênero, geração e também pelas hierarquias familiares.

Dessa forma, as características das violências irão variar de acordo com a história e contexto em que as mulheres se apresentam. Posteriormente, Debert e Gregori (2008) também continuam essa discussão adotando o conceito de violência relacional. Acrescentam que a ideia de violência contra a mulher foi definida em meio a práticas feministas onde as militantes trabalhavam com sensibilizações e conscientização com mulheres que se encontravam em situação de violência. Inicialmente era compartilhado no âmbito nacional, e a ideia foi elaborada a partir de uma compreensão particular sobre a opressão sofrida pelas mulheres no âmbito do patriarcalismo. Não era utilizada a expressão 'gênero' e a 'condição feminina' era pautada em pressupostos universalizantes. Nesta corrente, a opressão sofrida pelas mulheres era interpretada como sendo pelas condições do seu sexo. Antes essa discussão não era tão presente nos campos, muito menos nas práticas das leis judiciárias, mas com o tempo e as implantações das Delegacias da Mulher (DDM), o conceito de violência foi sendo problematizado, e a ideia de vitimização da mulher também foi sendo questionada .

Assim, pensar as complexidades da violência, que estão em uma relação dinâmica de conflito, é considerar a importância das relações de gênero nestas questões, mas não apenas essas concepções. Na família ou entre casais, se misturam concepções de sexualidade, de educação, bem como a relação entre diferentes marcadores, como os de classe e raça. Pensar em termos relacionais, não retira a importância de se considerar gênero como análise das relações que acontecem a violência contra a mulher, mas afirma a importância de se considerar a análise de outros marcadores

(5)

nessas relações. (DEBERT; GREGORI, 2008)

Uma breve contextualização dos CRAMs no Brasil

Em relação a contextualização dos CRMs no Brasil, cabe iniciar com a apresentação da história dos serviços de atendimento a mulher em situação de violência. No livro “Vinte e Cinco Anos de Resposta a Violência contra a Mulher no Brasil” um pouco dessa história é relatada e problematizada. É relatado alguns aspectos em torno das desigualdades, distribuições e reflexões dos serviços entre as diferentes regiões brasileiras. (SILVEIRA, 2006)

Ela pontua que dos anos 1980 até 2005 o crescimento dos serviços adotados foi na maior parte as delegacias da mulher, e que de 1998 para 2005 passou a ocorrer um aumento dos centros de referências e das casas-abrigo. Na apresentação dos CRAMS ela coloca que os centros de referência atuam como apoio importante no apoio psicológico e sociojurídico às mulheres atendidas. Também cita as casa-abrigo como locais para resguardar mulheres que apresentam risco de morte, mas que tanto o primeiro como o segundo, apresentam dificuldades para serem mantidos devido a falta de articulação das políticas públicas locais.

Ao citar qual seria o marco para a criação dos CRAMs, ela cita a fundação do primeiro SOS Mulher, no início dos anos 1980. Ao apontar os problemas apresentados durante o desenvolvimento do SOS Mulher, relaciona esses limites aos futuros serviços implementados à rede de enfrentamento a violência contra a mulher. Com isso pretendendo demonstrar que algumas dificuldades permaneceram. Como exemplo, cita a diferença do posicionamento em relação a violência e o tratamento ao agressor, entre as diferentes perspectivas das mulheres que trabalhavam nos SOS e das usuárias do serviço. (SILVEIRA, 2006)

Além da relação entre as dificuldades, também ressalta o início da elaboração de uma escuta à mulher de forma qualificada a partir do SOS Mulher. Como o CRAMs passaram a ser construídos no final da década de 1980, esse tipo de proposta de escuta pôde ser adotada, como também passou a ser um local de escuta multidisciplinar e de encaminhamentos necessários a serem realizados. Como um dos primeiros CRAMs está a Casa Eliane de Grammont. Ela foi inaugurada em 1990 e foi o primeiro local a adotar a expressão “mulher envolvida em situação de violência”. Com a adoção dessa expressão e metodologia do Centro foi pretendido problematizar o modelo de atenção

(6)

e reflexão em tono do processo de vitimização da mulher. A ideia proposta era a de colocar a mulher como sujeito na história da violência, não significando a mulher como cúmplice nessa situação.

Atualmente os CRAMs são definidos como espaços de acolhimento e atendimento psicossocial e também local de atendimento ou encaminhamento jurídico, visando fortalecer a mulher e o resgate de sua cidadania. Estes centros apresentam o papel de articular diferentes instituições que façam parte da rede de atendimento, em caso de qualquer tipo de violência sofrido, e quando essa violência ocorrer devido a condição de ser mulher. Em relação ao número de profissionais integrantes à equipe, é preciso que seja estabelecido de acordo com a população demográfica do município ou da região em que está inserido e com os dados quantitativos de violência contra a mulher do local. Mas é colocado por norma que a equipe apresente no mínimo: 1 coordenador /a, 2 secretário/as, 2 assistentes sociais, 2 psicólogos/as, 2 educadores/as sociais, 1 advogado/a, 1 ajudante-geral e 1 segurança. (BRASIL, 2006)

Algumas Pesquisas Relacionadas às Mulheres Jovens

Em relação a pesquisas realizadas com mulheres adolescentes ou jovens no Brasil, podemos encontrar diferentes trabalhos que se pautam em diversas questões, mais que podem ser organizadas a partir de uma maior predominância quanto aos temas trabalhados. Algumas das pesquisas podem tratar as experiências ou situações como típicas dessa fase de vida, outras como experiências heterogêneas de grupos específicos de juventude; e outras ainda, como questões problemáticas da juventude. Também é preciso considerar as diferenças de temáticas abordadas ao se trabalhar com grupos de homens jovens e grupos de mulheres jovens. Nas questões que podem ser encontradas mais relacionadas as mulheres jovens estão: temas sobre identidade, gravidez, sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos , como também temas associados a saúde e educação.

No trabalho de Pilleco, Knauth e Vigo (2011) é realizado discussões focando a saúde da mulher, analisando categorias de coerção sexual ao aborto provocado. Eles utilizam o conceito de vulnerabilidade que abrange os aspectos e planos individuais como também o plano social e o plano programático. Este estudo foi realizado a partir de um outro estudo já existente, o GRAVAD, em uma perspectiva de caracterizar e quantificar os dados apresentados.

(7)

construções sócio históricas se apresentam como um obstáculo para a negociação ao uso de preservativo. Assim, foi adotado a idade jovem entre 10 a 24 anos de idade. A partir de entrevistas às mulheres, foi percebido que essas negociações tornam-se difíceis pelas crenças mantidas que podem levar a ideia de vulnerabilidade por características pessoais, sociais e programáticas. Como resultado, foi encontrado que a partir de discussões entre adolescentes e intervenções junto as famílias, essas redes de relações afetivo-sexuais podem ser problematizadas e assim ser apresentado uma maior eficácia na diminuição do risco de infecções de DSTs.

Em Sanches (1999), é discutida a relação entre a AIDS e as mulheres jovens . A partir da ideia de vulnerabilidade individual, é discutido que não faltava conhecimento a respeito das formas de transmissão e prevenção a DSTs e Aids às mulheres universitárias participantes da pesquisa. O que dificultava a prevenção eram os valores atribuídos as relações heterossexuais monogâmicas, ou seja, a proteção se tornava difícil de ser discutida quando o sexo era praticado com um único parceiro. Como uma das alternativas para solucionar essas questões é proposto que se aplique intervenções que possam fortalecer a autoestima dessas mulheres.

Muitas das pesquisas que tratam de temáticas relacionando a mulheres jovens também visam avaliar ou buscar possibilidades de mudanças e elaborações de políticas públicas para as mulheres. No atual PNPM (Plano Nacional de Políticas para Mulheres) está colocado que todas as políticas públicas devem apresentar um olhar para a realidade das mulheres jovens (como também das mulheres idosas e deficientes). Também enfatizam que as mulheres jovens se encontram em momento de transição à vida adulta, e que estão passando por diferentes processos, inclusive de busca de sua autonomia.

Ser mulher jovem está associado a diversos aspectos, pressupostos, expectativas, temores e idealizações, que, historicamente, podem implicar em desigualdades sociais marcadas pelas diferenças de classe, raça, cor, etnia, orientação sexual, presença de deficiência, falta de acesso e controle a serviços de educação e saúde – em especial a garantias a direitos sexuais e reprodutivos – exposição à violência ou variadas formas de abuso/exploração sexual, inserção precarizada ao mercado de trabalho, bem como o acúmulo de jornadas de trabalho, estudos e em muitos casos , atividades de cuidado. (BRASIL, 2013)

Dessa forma, é importante salientar que as políticas e formas de assistência as mulheres jovens precisam ser distintas e quando se trata dos marcadores identificados em situações de violência a relevância de se analisar também questões raciais, de classe e familiares, por exemplo,

(8)

pode ser fundamental para o devido apoio e encaminhamento dos casos.

Em Antoni e Koller (2000), o trabalho busca as visões de família entre as adolescentes que sofreram violência intrafamiliar. Também são apresentadas as expectativas de construção de suas próprias famílias no futuro. O trabalho foi realizado com adolescentes que estavam abrigadas por estarem em situação de violência intrafamiliar, e os resultados apontaram para uma idealização e boas expectativas em relação a família no futuro, sendo interpretado pelos autores como forma de proteção frente aos riscos e dificuldades vivenciadas no momento atual em suas próprias famílias.

Já Nascimento, Parente e Vieira (2009) trabalharam com mulheres em grupos focais, que se declaravam como mulheres vítimas de violência. Do grupo de nove mulheres entrevistadas, 4 se apresentavam entre seus 20 e 29 anos de idade. Entrevistaram mulheres que denunciaram e estavam enfrentando a violência de diferentes maneiras. Analisaram as entrevistas por categorias, sendo distribuídas nas categorias de suscetibilidade, severidade, benefícios, barreiras e ações ante a violência. Como resultado, encontraram a partir dos relatos que as mulheres experienciavam e buscavam soluções de formas diferentes, em momentos diferentes de suas vidas.

A partir de uma pesquisa de Galvão e Andrade (2004) de caráter quantitativo e descritivo, elas analisaram o perfil das mulheres atendidas em um sistema de saúde como também suas queixas principais, o lugar que sofrem violência e o vínculo que apresentavam com o agressor. Da popula-ção total de mulheres que participaram da pesquisa 35, 9% se encontravam na faixa etária entre 10- 19 e 20-29 anos de idade. E do percentual total de mulheres 97, 4% vivenciaram ou estavam viven-ciando situações de violência no ambiente doméstico.

Um pouco mais sobre juventudes

Ao discutirmos essas questões e intersecções entre diferentes marcadores, Rosemberg (1997) coloca que mesmo as reflexões teóricas que abarcam a intersecção entre diferentes categorias, como raça, classe social e gênero, costumam ignorar as subordinações de idade nos seus contextos. Ela apresenta alguns posicionamentos entre diferentes autores/as e destaca os/as que consideram as dinâmicas entre relações de gênero para outros campos da sociedade, além da família. Isso, pelo fato de que ao abranger outros espaços, as combinações entre gênero, poder e idade se configuram de forma bastante complexa.

(9)

A palavra ‘juventude’ não pode apenas ser interpretada como um fenômeno demográfico a ser modelado numa ‘classe de idade’, com um status e uma personalidade homogênea e universal, compondo uma ‘fase’ distinta de ‘preparação’, espera ou ‘moratória’ para o exercício maduro da vida ‘adulta’ responsável, séria, cidadã, produtiva e reprodutiva (isto seria, basicamente, uma extensão da adolescência). Ao contrário, emerge como movimentos de grupos ativos que questionam justamente a validade das grandes estruturas institucionais como a ‘cronologização do curso da vida’ e seus aparatos de socialização e controle. Surge, como efeito de uma correlação de forças e posições que constituíram, pelas práticas e relações que se estabeleciam ‘subgrupos de jovens’ ou ‘grupos de juventude’, aos quais se atribuiu culturas diversas – ‘subculturas e ‘contraculturas’ – sendo este o seu grande diferencial face às demais ‘fases’ do curso de vida (Nunes, 1968; Morin, 1996, apud Souza, 2011).

Ao nos propor a trabalhar relações de gênero e relações geracionais, um dos desafios seria a de um marco referencial que adote o aspecto entre essas duas categorias. Parte-se do pressuposto que quando se deseja escrever e pesquisar como esses momentos, fases da vida são construídos socialmente e historicamente, percebe-se que nessas construções e formas de se apreender, tanto as relações de gênero como a juventude ocorrem de formas diferentes entre mulheres jovens e homens jovens.

Um desses apontamentos podem ser levantados pelas formas de acesso à vida adulta, por não apresentarem o mesmo significado e nem a mesma dinâmica, para homens e mulheres. Nesse sentido, a transição juvenil, como geralmente descrita, torna-se um fenômeno de identificação com um determinado gênero. Em uma análise realizada por Franch (2008), ela relaciona o impacto que a segunda modernidade traz nas formas como lidamos e percebemos e nossa relação com o tempo. Nesse trabalho ela discute a percepção do tempo, em uma intersecção entre gênero e geração.

Ela inicia tratando a “crise da biografia normal”, que afeta de modo especial à juventude, já que eles (as) planejam seus projetos de vida em meio a contextos de crescente incerteza. Essa “crise” “levaria a individualização dos percursos de vida, questionando a tradicional divisão das idades e deixando às pessoas, individualmente, a difícil tarefa de “fazer sentido” (Franch, 2008). Esse processo levaria a uma menor visão do horizonte temporal, afetando na organização do cotidiano das novas gerações. Isso é atribuído, principalmente a grande mudança no papel das instituições, como a família e o trabalho.

(10)

Ao continuar a e descrição, Franch (2008) coloca que o tempo é um dos vetores que mais preocupam a sociedade quando relacionada as(os) jovens. Também aponta a diferença que isso é refletido referente às famílias de classe média e as de classe popular. Enquanto as de classe média tentam preencher ao máximo o tempo de seus filhos com algo a se refletir no futuro, que melhore os desempenhos deles, os da classe popular; o tempo, sendo ele vago, torna-se preocupação não apenas na esfera da família, mas também no social e político.

A ideia de que os jovens pobres têm muito tempo ocioso e que isso não é bom nem para eles nem para a sociedade impregna o senso comum, transparece na mídia e informa frequentemente ações e políticas voltadas para esse público. Ocupar o tempo, combater a ociosidade, canalizar a energia juvenil para atividades como o esporte ou a “cultura popular” faz parte da agenda explícita ou implícita de grande número de intervenções destinadas a esses jovens, em detrimento inclusive da lógica do direito que deveria nortear as mesmas. (Abramo, 1997; Franch, 2001; Zaluar, 1994 apud Franch, 2008).

Essa preocupação também é encarada de forma sexualmente diferenciada, sendo os jovens do sexo masculino relacionados mais a suscetibilidade à criminalidade e para as jovens, relacionadas a questões sexuais, em caso específico, a maternidade. Assim, sendo apontadas duas grandes problemáticas que se pretende solucionar atualmente: a violência e a gravidez na adolescência, apresentando assim um recorte de gênero e geração. (Franch, 2008)

Metodologia e o Trabalho de Campo no CRAM- Márcia Dangremond

A pesquisa está sendo realizada a partir de um Centro de Referência da Mulher e apresenta como principal objeto de investigação as mulheres jovens atendidas neste serviço. No Centro de Referência Márcia Dangremon , o atendimento é realizado a mulheres a partir de 18 anos de idade , então foi escolhido que poderão fazer parte da pesquisa mulheres que se encontrem entre os 18 e 24 anos de idade. A proposta é de adotar um dos conceitos de juventude que não precise significar apenas o recorte da faixa etária, mas que também considere as pluralidades e

(11)

heterogeneidades das experiências de cada mulher. Por outro lado, é optado realizar um recorte e a partir da idade para que haja uma discussão que perceba os “lugares” que são ocupados no momento, e os valores atribuídos as experiências, considerando que tanto a idade quanto a geração possa ser um marcador importante de análise na discussão da violência contra a mulher.

Dessa forma, está sendo realizada uma etnografia no Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon. Este Centro de Referência se localiza no município de Olinda, Pernambuco. Ele é integrante da rede de assistência a mulheres em situação de violência do município de Olinda e também da Região Metropolitana do Recife. Outros órgãos e instituições integram essa rede, como a Políclinica da Mulher, a Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e a Maternidade Brites de Alburquerque , todas localizados neste mesmo município. E essa rede também faz parte, a nível nacional, da implantação de aproximadamente 224 unidades de CRMs no Brasil. Praticamente todas as unidades contam com esse serviço, mas ainda de forma irregular.

A partir da etnografia, está sendo observado o cotidiano das equipes de atendimentos que podem ser compostas por equipes especializadas em acompanhamento psicossocial, pedagógico e jurídico na instituição. Ao ser adotada a observação participante como uma das técnicas, juntamente com o registros em diário de campo, deseja-se a aproximação a partir de visitas previamente acordadas por mim, pela coordenação e equipe do CRM, buscando ter oportunidades de estar presente nas atividades e no dia a dia dos atendimentos às usuárias , além da aproximação com as dinâmicas entre as equipes e profissionais da instituição.

Com essa inserção e permanência no campo, se pretende contatar também usuárias do serviço, as acompanhando preferencialmente a partir do seu primeiro atendimento no Centro de Referência, até a finalização ou interrupção do seu acompanhamento, podendo nesse momento serem entrevistadas dentro ou fora da instituição.

Inicialmente é planejado que as conversas e informações obtidas informalmente se apresentem como a primeira fonte de dados, e em seguida a realização de entrevistas semi estruturadas . As entrevistas serão realizadas às mulheres técnicas/profissionais do serviço, sendo abordadas questões relacionadas a instituição e rede de assistência a violência contra as mulheres. Já com as mulheres jovens e usuárias do serviço, as entrevistas também abordarão as dinâmicas em torno do acompanhamento por um serviço da rede, como se relacionam com as profissionais

(12)

responsáveis pelos atendimentos, e sobretudo, como elas experienciam e significam a violência contra a mulher e questões relacionadas.

O contato e inserção no campo se iniciou a partir do contato estabelecido inicialmente por telefone, seguido de agendamento para visita. Essa forma foi uma busca de entrar em contato primeiramente com profissionais da equipe , tendo a importância de serem eles um dos principais atores sociais a serem pesquisados. Os telefones e contatos foram conseguidos a partir da procura em sites da internet que disponibilizavam. A equipe e a coordenadora do Centro se disponibilizar a me receber, e a combinarmos o que eu pretendia realizar e qual tempo pretendido também.

Após dois encontros, foi estabelecido, a partir de conversas e de um plano de proposta escrito por mim qual seria o tempo de permanência da pesquisa e a garantia do sigilo durante o trabalho e na construção das análises na dissertação. Ficou acordado e colocado pela equipe do Centro de Referência que em cada momento que eu fosse me aproximar das dinâmicas da instituição sempre teria uma principal técnica que me “acompanharia”. Nesse caso, seria uma profissional de referência que precisaria está me acompanhando.

Nesse momento, estamos conhecendo o CRM a partir do setor educacional, com o trabalho das educadoras sociais e da pedagoga. Este setor é composto pelas profissionais que trabalham em regime de plantão, cada uma em um plantão de 12x36 horas. É o setor de porta de entrada para as usuárias, são responsáveis pelo acolhimento – que é o primeiro contato – por vários encaminhamentos e companhia e acompanhamento das mulheres que ficam abrigadas na instituição.

Considerações finais

A violência contra mulher vem sendo problematizada há algumas décadas bem como os movimentos em torno das lutas por direitos e políticas públicas para as mulheres. Com os enfrentamentos e discussões, os posicionamentos dos atores que problematizam estão sendo ampliados pelas diferentes experiências, a partir das implementações e transformações dos serviços de setores públicos e privados.

(13)

como somente feita por superações e rupturas. Mas também por permanências de dificuldades referentes ao processo de implementações, mas também pelo contexto local em que esses são inseridos. Persistem os problemas relacionados à políticas públicas, à infra-estrutura, à rede de assistência e a falta de articulação dessa, e à metodologia adotada pelos CRAMs.

Além das dificuldades encontradas comumente nos CRAMs, há também o desafio da inclusão das especificidades em relação à violência contra mulheres jovens, e para isso, precisa-se de uma mudança nas políticas públicas e nas perspectivas dos órgãos que são responsáveis pela rede de assistência e atendimento à mulheres em situação de violência.

Referências Bibliográficas

ANTONI, Clarissa de; KOLLER, Sílvia Helena. A visão de família entre as adolescentes que sofreram violência intrafamiliar. Estudos de Psicologia, v. 5, n. 2, p. 347-381, 2000.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério da Saúde; 1990.

BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, 2006.

BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasil, 2013.

DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero: novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 4, n. SE, p. 0-0, 2008

FRANCH, Mónica. Tempo e gênero entre mulheres jovens em união conjugal em grupos populares do Recife. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil set/out 2008.

GALVÃO, EF; ANDRADE, SM. Violência contra a mulher: análise de casos atendidos em serviço de atenção à mulher em município do sul do Brasil. Saude Soc.2004;13(2):89-99.

PILECCO, Flávia Bulegon; KNAUTH, Daniela Riva; VIGO, Álvaro. Aborto e coerção sexual: o contexto de vulnerabilidade entre mulheres jovens. Cad. saúde pública, v. 27, n. 3, p. 427-439, 2011.

RIBEIRO, Karla Carolina S.; SILVA, Josevânia da; SALDANHA, Ana Alayde W. Querer é poder? A ausência do uso de preservativo nos relatos de mulheres jovens. DST-Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissiveis, v. 23, n. 2, p. 84-89, 2011.

ROSEMBERG, Fúlvia. Teorias de gênero e subordinação de idade: um ensaio. Pro-posições, Campinas, v. 7, n. 3, p. 17-23, 1997.

(14)

SANTOS, C. M.; IZUMINO, W. P. Violência contra as mulheres e violência de gênero: notas sobre estudos feministas no Brasil. Tel Aviv. Estúdios Interdisciplinarios de América Latina y El Caribe, Tel Aviv, v. 16, n. 1, 2005

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife, SOS Corpo – Gênero e Cidadania, 1996.

SILVEIRA, Lenira P. Serviços de Atendimento a Mulheres Vítimas de Violência, in: DINIZ, Simone G; SILVEIRA, Lenira P. ; MIRIM, Liz A. Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher (1980-2005) Alcances e limites. São Paulo: Coletivo Feminista

Referências

Documentos relacionados

Vários são os produtos industriais importantes derivados do óleo, como: Nylon 11 - obtido a partir do metil ricinoleato (Rilsan ), óleo hidrogenado ou cera para borrachas

Para devolver quantidade óssea na região posterior de maxila desenvolveu-se a técnica de eleva- ção do assoalho do seio maxilar, este procedimento envolve a colocação de

i) Resposta concordante. Neste tipo de resposta importa verificar se a mesma está assinada e carimbada pela empresa e se de facto o saldo coincide. Sempre que obedecia

Um teste utilizando observa¸c˜ oes de fra¸c˜ ao de massa do g´ as de aglomerados de ga- l´ axias e SNe Ia foi proposto por Gon¸calves, Holanda e Alcaniz (2012)[ 41 ]. Eles

Percebemos a necessidade de questionar a teoria de Halbwachs, no tocante à reconstrução do passado pela memória através de processos coletivos, anteriores ao indivíduo e mais ainda

A dissertação se alicerça nas normas do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (anexo A), estruturada em

Considerando a importância dos tratores agrícolas e características dos seus rodados pneumáticos em desenvolver força de tração e flutuação no solo, o presente trabalho

A simple experimental arrangement consisting of a mechanical system of colliding balls and an electrical circuit containing a crystal oscillator and an electronic counter is used