• Nenhum resultado encontrado

São Paulo, 2 de março de À Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON Av. Feijó, nº 689 Centro Araraquara - SP

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "São Paulo, 2 de março de À Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON Av. Feijó, nº 689 Centro Araraquara - SP"

Copied!
31
0
0

Texto

(1)

São Paulo, 2 de março de 2009

À

Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor - PROCON

Av. Feijó, nº 689 Centro

Araraquara - SP 14800-000

Ref.: Representação - Publicidade abusiva: comercial televisivo.

o Instituto Alana vem, por meio desta, oferecer Representação em face da publicidade do produto Super Surf Radical Show, veiculada em meio à programação de canal televisivo Disney Channel, promovida pela empresa Vipeplas Brinquedos e Utilidades Ltda. (“Vipeplas – Homeplay”), com o objetivo de incrementar as respectivas vendas.

I. Sobre o Instituto Alana.

O Instituto Alana é uma organização sem fins lucrativos que desenvolve atividades educacionais, culturais, de fomento à articulação social e de defesa dos direitos da criança e do adolescente no âmbito das relações de

consumo e perante o consumismo ao qual são expostos

(2)

Para divulgar e debater idéias sobre as questões relacionadas ao consumo de produtos e serviços por crianças e adolescentes, assim como para apontar meios de minimizar e prevenir os prejuízos decorrentes do marketing voltado ao público infanto-juvenil criou o Projeto Criança e Consumo [www.criancaeconsumo.org.br].

Por meio do Projeto Criança e Consumo, o Instituto Alana procura disponibilizar instrumentos de apoio e informações sobre os direitos do consumidor nas relações de consumo que envolvam crianças e adolescentes e acerca do impacto do consumismo na sua formação, fomentando a reflexão a respeito da força que a mídia e o marketing infanto-juvenil possuem na vida, nos hábitos e nos valores dessas pessoas ainda em formação.

As grandes preocupações do Projeto Criança e Consumo são com os resultados apontados como conseqüência do investimento maciço na mercantilização da infância e da juventude, a saber: o consumismo, a incidência alarmante de obesidade infantil; a violência na juventude; a sexualidade precoce e irresponsável; o materialismo excessivo e o desgaste das relações sociais; dentre outros.

II. A publicidade abusiva e enganosa do brinquedo ‘Super Surf Radical Show’.

O comercial veiculado em televisão

A Vipeplas - Homeplay, para promoção de seus produtos, recentemente utilizou-se de publicidade dirigida a crianças para incrementar a venda daqueles, inclusive apresentando crianças divertindo-se ao utilizar o produto anunciado.

De acordo com denúncia recebida pelo Projeto Criança e Consumo em seu site, a publicidade em questão (doc.1) foi vista em meio à programação televisiva direcionada ao público infantil do canal Disney Channel, em dezembro de 2008.

Sobre o direcionamento do filme publicitário aos pequenos não há dúvidas: o comercial foi visto em meio à programação infantil da aludida emissora televisiva e utiliza-se de crianças para demonstrar o brinquedo anunciado.

Além de se dirigir às crianças, o que já caracteriza o anúncio como abusivo, o filme publicitário é também enganoso, pois exibe o brinquedo em dimensões que não correspondem ao seu tamanho real.

O comercial desenvolve-se da seguinte forma: duas crianças, um menino e uma menina, aparecem andando em uma praia, carregando pranchas de surf, enquanto ao fundo ouve-se música que remete ao ambiente praiano. Assim que as crianças avistam o brinquedo no mar, Super Surf Radical

(3)

Show - que está sendo operado por um menino de mais ou menos a mesma faixa etária dos dois primeiros - suas feições mudam, expressando surpresa e interesse pelo brinquedo avistado. Neste momento, o locutor começa a falar sobre o produto:

“Conheça o mais novo campeão das ondas Super Surf Radical Show, o surfista de controle remoto da Homeplay.

É super maneiro, surfa de verdade!

Com o seu controle remoto dá pra fazer várias manobras radicais! É show! Pode surfar na praia, no lago na piscina.

O surfista de controle da Homeplay vai arrebentar nas ondas! Homeplay brincando com você!”

Enquanto o texto acima é proferido, são mostradas cenas demonstrando o desempenho do brinquedo, operado através de controle remoto, por uma criança. O “surfista” é exibido realizando diversas manobras, como se fosse uma pessoa real. Esta impressão se reforça em decorrência dos efeitos da filmagem, que transmitem a idéia de que o brinquedo é muito maior do que realmente é, podendo ser inclusive comparado ao tamanho de um ser humano.

Conforme será amplamente demonstrado, a publicidade ora denunciada é abusiva e enganosa. Esta abusividade – decorrente do seu direcionamento às crianças - somente se agrava ao verificar-se que o comercial é também enganoso. As imagens do produto ofertado, ao serem exibidas, transmitem a idéia de que o brinquedo é maior do que realmente é, como também se omite informação essencial sobre o produto referente à sua não indicação para crianças. O não oferecimento desta informação pode induzir o consumidor ao erro e colocá-lo em situações de risco, pois segundo o próprio manual de instruções, o produto não é indicado para os pequenos.

III. A publicidade de “Super Surf Radical Show”: omissão do perigo e enganosidade do produto

Produto direcionado inadequadamente à criança

A publicidade em questão tem o objetivo de promover um produto, que de acordo com o filme publicitário, é direcionado ao público infantil. Tal fato se verifica em razão da participação de protagonistas infantis, tanto como observadores quanto como o operador do brinquedo, assim como a linguagem e o tom de voz, usados pelo locutor, que transmitem a sensação de diversão, aventura e empolgação, supostamente causadas pelo manuseio do Super Surf Radical Show, características que chamam a atenção da criança. Reforçando a constatação de que se trata de bem anunciado para crianças, tem-se o fato de que o comercial foi veiculado em meio à programação infantil.

O produto anunciado é destinado ao uso aquático, conforme informações contidas no manual de instruções (doc.2). Na própria publicidade

(4)

anuncia-se que o Super Surf Radical Show pode ser usado “na praia, no lago e na piscina”1.

Consta do manual de utilização do produto que seu manuseio por crianças pode ser perigoso, contradizendo a mensagem expressa na publicidade. Uma hipótese de perigo para a criança que utiliza o Super Surf Radical Show pode ser o caso em que o brinquedo seja direcionado para uma região do mar ou lago mais profunda. Esta situação pode colocar a segurança da criança em risco, pois se ela for buscar o brinquedo e dirigir-se a região em que não consiga manter os pés tocando o fundo, de maneira segura, poderá ocorrer um acidente, inclusive com afogamento. Porém, as informações sobre tal periculosidade não são mostradas no filme publicitário.

Pesquisas indicam que acidentes envolvendo crianças e meios aquáticos são comuns:

“Entre as causas externas, em 2006, os acidentes de trânsito foram responsáveis por 29,3% das mortes de crianças, entre um e nove anos

de idade, seguidos de afogamento (21,1%).”2 (grifos inseridos)

Em vista de tal periculosidade a mensagem quanto ao perigo que o brinquedo pode representar deveria estar expressa na publicidade, prevenindo toda forma de engano por parte do consumidor, ou perda da noção de periculosidade quanto à utilização do produto.

Além do perigo representado pelo desejo que a criança que utiliza o brinquedo pode sentir de acompanhá-lo até locais em que a profundidade da água não é segura, existe ainda o problema de as peças do produto apresentarem-se como pequenas e pontiagudas. O manual de instruções que faz parte dos itens inclusos na caixa do brinquedo, diz expressamente, na seção “Utilizando seu produto de maneira segura”:

“Este produto contém partes pequenas e pontiagudas. Monte-o e

mantenha-o fora do alcance de crianças.” (grifos inseridos)

Ainda no mesmo manual, referente ao perigo potencial de o brinquedo ser manuseado por crianças, antes e depois de sua montagem, na seção que arrola as precauções de segurança antes da utilização do produto, encontra-se a seguinte disposição:

“Monte este kit em lugares fora do alcance de crianças.” (grifos inseridos)

1

Trecho do filme publicitário Representado.

2

Ministério da Saúde. Personagens infantis contra morte de crianças no trânsito. Disponível em:

<http://74.125.47.132/custom?q=cache:5Skpq0x43skJ:portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes /noticias/noticias_detalhe.cfm%3Fco_seq_noticia%3D54537+afogamentos+crian%3Fas+2008&hl =pt-BR&ct=clnk&cd=2&client=google-coop-np>. Acessado em: 9 Janeiro 2009, 16:29.

(5)

Ante tais informações, resta claro que o próprio fabricante está ciente do perigo que seu produto representa para crianças, mas ainda assim, direciona a publicidade daquele ao público infantil. Inobstante esta recomendação expressa no manual, na caixa encontra-se a indicação de que o brinquedo é destinado para crianças a partir de 8 anos!

Ainda a respeito do direcionamento do comercial aos pequenos, o locutor declama, conforme já indicado, um texto que tem a intenção de convidar a criança a brincar com o produto, mostrando-o como divertido, “radical”, para que a criança se sinta atraída a adquiri-lo, ou pedir a seus pais ou responsáveis que o façam, conforme se nota da transcrição da fala do locutor:

“Conheça o mais novo campeão das ondas Super Surf Radical Show, o surfista de controle remoto da Homeplay.

É super maneiro, surfa de verdade!

Com o seu controle remoto da pra fazer várias manobras radicais! É show! Pode surfar na praia, no lago na piscina.

O surfista de controle da Homeplay vai arrebentar nas ondas! Homeplay brincando com você!”

Com a utilização de tais recursos publicitários (como a exibição de crianças como protagonistas, animações, bonecos ou personagens com apelo ao público infantil), o poder de persuasão da mensagem perante os pequenos é significativo. Aliás, segundo exemplifica EDNA STRACÇALANO, citada em artigo da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação:

“Os textos publicitários têm por objetivo criar uma necessidade ou despertar uma necessidade latente e visam persuadir o consumidor a

adquirir determinado bem ou mudar de comportamento.”3 (grifos inseridos)

Pesquisas indicam que hoje as crianças interferem profundamente nas compras da família, situação que se agrava quando se trata da aquisição de produtos que são dirigidos maciçamente ao público infantil, como é o caso dos brinquedos. De acordo com a pesquisa Interscience (doc.3), de Outubro de 2003, as crianças influenciam em até 80% nas compras da família, mas quando o item comprado é um brinquedo, esta influência chega a 86%.

O ‘Super Surf Radical Show’ é exibido no filme publicitário como se fosse algo simples, um boneco em uma prancha e um controle remoto, não transmitindo a idéia do preço pelo qual é vendido. No entanto na internet, verificou-se que o produto pode ser encontrado à venda por R$299,004, o que representa um custo bastante elevado para um brinquedo.

3

STRACÇALANO, E. Análise de discurso publicitário: A propaganda. Revista do Instituto de Letras. V 16, nº 1 e 2, p 146 – 160. Dezembro, 1997.

4

Magazine Luiza. Disponível em:

<https://www.magazineluiza.com.br/produto/index_Produto.asp?Produto=1836948&linha=BR &Setor=CORE >. Acesso em: 11 Fevereiro 2009, 12:07.

(6)

Muitas vezes o preço é fator determinante para a compra ou não do produto. Ao incitar na criança, que assiste o comercial de um brinquedo caro o desejo de adquirir este produto, pode-se criar uma situação desconfortável entre ela e seus pais ou responsáveis, pois os pequenos insistem para que estes comprem o que pedem, enquanto os pais, muitas vezes e por diversas razões, têm de dizer não. Esta situação acaba gerando o chamado “estresse familiar”, conforme trecho da cartilha “Por que a publicidade faz mal para as crianças” (doc.4):

“Sempre muito mais permissiva e ‘boazinha’, a publicidade incita a

criança a suplicar pelos produtos, colocando os pais ou responsáveis na situação espinhosa de ter que lhes dizer ‘não’ inúmeras vezes.”5

(grifos inseridos)

Além desse efeito que a publicidade infantil produz nos relacionamentos familiares, outra possível conseqüência da incitação do desejo, na criança, de algo que ela talvez não possa ter, é a delinqüência. Este assunto é abordado em outra passagem da mesma cartilha:

“Seduzir uma criança a desejar um produto que não está ao alcance de suas possibilidades é o mesmo que lhe dizer, por exemplo: ‘Aqui está o tênis incrível que você não vai ter. ’ Esta impossibilidade recorrente

de possuir os produtos anunciados vai multiplicando a intolerância da criança às negativas que recebe. Então, transtornada pela frustração, ela pode decidir obter à força o objeto de seu desejo.

Nesse caso, a decisão de roubar é a chance torta, digamos assim, que o indivíduo dá a si mesmo de ouvir o tão sonhado ‘sim, você tem direito, leve o que quiser’, mesmo que seja à custa de uma arma apontada para o doador involuntário.”6 (grifos inseridos)

Em uma sociedade tão desigual, como a brasileira7, anunciar maciçamente, em canal infantil, um produto tão caro pode ser considerado um verdadeiro convite à delinqüência e à competição desigual, fundada em valores materialistas, entre as crianças.

5 Instituto Alana. Por que a publicidade faz mal para as crianças. P. 35. 6 Instituto Alana. Por que a publicidade faz mal para as crianças. P. 45.

7 O Brasil “é o oitavo país em desigualdade social, na frente apenas da latino-americana

Guatemala, e dos africanos Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia, segundo o coeficiente de Gini, parâmetro internacionalmente usado para medir a concentração de renda”7 e que “1% dos brasileiros mais ricos - 1,7 milhão de pessoas - detém uma renda equivalente a da parcela formada pelos 50% mais pobres (86,5 milhões de

pessoas)”. De acordo com: Folha de São Paulo:

(7)

O direcionamento da publicidade à criança

A prática de endereçar a comunicação mercadológica8 à criança tem se mostrado conduta cada vez mais comum. Segundo dados da já citada pesquisa “InterScience – Informação e Tecnologia Aplicada”, atualmente as crianças influenciam em até 80% das compras da casa (“38% influenciam fortemente” e “42% influenciam um pouco”). Ainda de acordo com este estudo, as mães levam seus filhos para fazer compras com elas, pois se sentem bem com isto, sentem “amor, alegria, companheirismo e prazer”. As estatísticas apontam que 88,5 %9 das crianças acompanham a pessoa responsável pela compra, sendo exatamente esta a oportunidade para pedirem os produtos que desejam, o que pode incluir desde alimentos até brinquedos.

Em razão da condição especial de desenvolvimento psicológico em que se encontra a criança – está em pleno curso da maturação mental –, encontra-se mais suscetível à publicidade, mas não pode praticar alguns atos da vida civil de que são capazes os adultos10, como por exemplo, os contratos de compra e venda. Inobstante tal restrição legal, o direcionamento da publicidade aos pequenos as coloca em uma posição como se adultos fossem, como se pudessem de fato decidir e escolher as compras a serem efetuadas, de fato, por seus pais ou responsáveis. Neste contexto, é notório como as empresas investem em pesquisas para saber qual a forma mais eficiente de incutir no público infantil o desejo pelo produto anunciado e ensiná-la a pedir insistentemente a seus pais ou responsáveis para que o comprem, uma vez que a própria criança não pode fazê-lo.

A psiquiatra norte-americana SUSAN LINN, em livro intitulado “Crianças do Consumo A infância Roubada”, discorre sobre uma pesquisa conduzida pela WESTERN MEDIA INTERNACIONAL, nos Estados Unidos, sobre o “Fator Amolação“ (The Nag Factor). Trata-se de um estudo desenvolvido para ensinar as crianças a “amolar” mais seus pais para conseguirem os produtos que querem. Um comunicado feito pela WESTERN MEDIA INTERNACIONAL com o título: The Fine Art of Wining: Why Naggin is a kid´s Best friend (em tradução livre: A arte de choramingar: porque a amolação é a melhor amiga da criança) agrupava os pais em diferentes tipos de categorias, de acordo com a propensão a ceder às amolações. A autora descreve o impacto causado por este estudo:

“Talvez por ter descoberto que ‘o impacto da amolação das crianças é

estimado como responsável por 46% das vendas em negócios-chave

8

O termo ‘comunicação mercadológica’ compreende toda e qualquer atividade de comunicação comercial para a divulgação de produtos e serviços independentemente do suporte ou do meio utilizado. Além de anúncios impressos, comerciais televisivos, spots de rádio e banners na internet, podem ser citados, como exemplos: embalagens, promoções, merchandising, disposição de produtos nos pontos de vendas, etc.

9

Pesquisa Nickelodeon Business Solution Research. 10 Segredos para Falar com as Crianças (Que você esqueceu porque cresceu), 2007.

10 Conforme o seguinte dispositivo do Código Civil:

“Artigo 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; (...)”.

(8)

direcionados à criança’, o estudo Fator Amolação atraiu muito a atenção no mundo publicitário, e diversas publicações descreveram detalhadamente o estudo e a forma como foi conduzido.”11 (grifos inseridos)”

A pesquisa feita pelo canal especializado em programação infantil Cartoon Network, “Kids Experts” (doc.5), aponta que 27% das crianças entrevistadas, para conseguir o produto que queriam, utilizavam o método de insistir com seus pais para que comprassem o bem de consumo desejado, até que eles acabassem cedendo.

Acerca do insistente e constante assédio do mercado publicitário às crianças, realizado, sobretudo por meio da mídia (como é exemplo o comercial ora denunciado), em sua tese de mestrado “A programação infantil na televisão brasileira sob a perspectiva da criança”, discorre a pesquisadora e economista MONICA MONTEIRO DA COSTA BORUCHOVITCH:

“A idéia da infância na Idade Mídia não pode ser separada da

infância na sociedade de consumo, pois a indústria do entretenimento, que é onde se localiza a mídia para crianças, busca consumidores. A mídia é parte fundamental da engrenagem que mantém a sociedade de consumo. É a mídia que nos faz conhecer coisas que nem sabíamos que existiam, necessidades que não sabíamos que possuíamos e valores e costumes de outras famílias, sociedades e continentes.

Hoje em dia, diferentemente da visão da década de 50, a criança é vista como consumidora. As crianças “precisam de coisas”: brinquedos, tênis, roupas de marca e mega-festas de aniversário que não precisavam há algumas décadas atrás. As crianças desejam possuir

estas e muitas outras mercadorias, a maior parte delas conhecidas através das ofertas constantes da mídia.

(...)São as grandes corporações de mídia, que incansavelmente nos

fazem ver as coisas que ainda não temos e que “precisamos” ter, que, muitas vezes, estão ao volante. A criança tornou-se público alvo, não só da programação infantil, mas dos anunciantes. A partir desta significativa mudança, indivíduos que precisavam ser resguardados se transformam em indivíduos que precisam ser primordialmente consumidores, e as crianças passaram a ter acesso a informações que antes eram reservadas aos adultos, ou que, pelo menos, precisavam do crivo dos adultos da família para alcançarem as crianças. Estas informações são hoje entregues diretamente pelas

grandes corporações às crianças.

11

LINN, S. Crianças do Consumo A infância Roubada. Tradução Cristina Tognelli. 1ª ed. São Paulo: Instituto Alana, 2006. p. 58.

(9)

A mídia precisa atingir diretamente a criança para que esta seja autônoma o suficiente para desempenhar o papel de exigir dos adultos brinquedos no Dia da Criança, por exemplo, pois, sem essa suposta autonomia infantil, o discurso da mídia ‘exija brinquedos no dia da criança’ ficaria enfraquecido.12” (grifos inseridos).

E ainda continua a pesquisadora, acerca do poder de influência das crianças na hora das compras:

“São crianças informadas. São consumidores. Apesar de não exercerem diretamente a compra têm grande poder de influenciar o que será

consumido pela família e são público alvo para milhões de dólares investidos mensalmente em publicidade. No entanto, ao mesmo

tempo, são crianças ainda frágeis diante das ilusões do mundo midiático. Crianças que ainda misturam realidade com a realidade televisionada e tem grande dificuldade em separar o que gostam do que não gostam na televisão nossa de todos os dias.13” (grifos inseridos) Resta claro, assim, que as crianças são hoje vistas pelas empresas e pelos publicitários como ativos consumidores, embora por determinação legal não possam sequer praticar alguns atos da vida civil de que são capazes os adultos, como já citado anteriormente. Em razão de seu estado de desenvolvimento mental e bio-psicológico ainda em curso, não possuem o discernimento necessário para compreenderem o caráter venal da publicidade, sendo por isso mais facilmente influenciados pela publicidade do que os adultos.

Não por outra razão, é direcionado a este público-alvo todo tipo de comunicação mercadológica, anunciando toda sorte de produtos. Esta situação se agrava quando se trata de produtos dirigidos às crianças, como no caso dos brinquedos, quando o assédio publicitário aos pequenos torna-se ainda mais intenso.

Direcionar publicidade às crianças, no entanto, é prática proibida pela legislação pátria, como será demonstrado ao longo desta Representação.

12

Dissertação de mestrado: Boruchovitch, Monica Monteiro da Costa. Tese de mestrado intitulado: A programação infantil na televisão brasileira sob a perspectiva da criança, apresentada ao DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA - Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Clínica/ PUC/RJ. Disponível em:<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/db2www/PRG_0651.D2W/SHOW?Mat=&Sys=&Nr=&Fun=&CdLinPrg=pt&Cont=4040:pt>. p. 30-31. Acesso em: 11 Dezembro 2008, 08:50.

13

Dissertação de mestrado: Boruchovitch, Monica Monteiro da Costa. Tese de mestrado intitulado: A programação infantil na televisão brasileira sob a perspectiva da criança, apresentada ao DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA - Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Clínica/ PUC/RJ. Disponível em:<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/db2www/PRG_0651.D2W/SHOW?Mat=&Sys=&Nr=&Fun=&CdLinPrg=pt&Cont=4040:pt>. p. 31. Acesso em: 11 Dezembro 2008, 08:50.

(10)

A Publicidade enganosa de Super Surf Radical Show

No comercial televisivo, a forma como é mostrado o boneco que surfa transmite a impressão de que o brinquedo é muito maior do que realmente é. Esta impressão pode induzir a criança ao erro, inclusive impulsionando-lhe um desejo de adquirir um bem que na realidade não existe da forma como lhe foi apresentado no filme publicitário.

Segundo sua embalagem as reais dimensões do produto são: “Dimensões aprox. do produto (L x A x P): 16 x 37 x 66 cm.”14

No comercial a demonstração do boneco é feita com um fundo azul, representando o mar do cenário em que se passa a publicidade. Este fundo leva à perda da noção de tamanho e profundidade, fazendo com que o boneco pareça maior do que é na realidade. Há cenas em que o produto é mostrado de perto e de determinado ângulo, fazendo com que se pareça realmente com uma pessoa (doc.6).

Tais recursos utilizados pela mídia para promover determinados produtos, algumas vezes demonstram-se exagerados, influenciando consumidores em suas escolhas. A respeito destas ferramentas utilizadas em publicidades de artigos para crianças, ALIANDRA CRISTINA MESOMO LIRA, afirma em artigo intitulado “Mídia: implicância na produção e divulgação de brinquedos” (doc.7), que:

“Usando estratégias bastante sofisticadas, o marketing, em especial

televisivo, lança mão de uma série de instrumentos destinados a produzir desejos e conquistar as crianças para adesão aos produtos.

Frente a tal dinâmica, não-isenta dos interesses lucrativos das grandes indústrias, torna-se necessário cada vez mais pensar sobre os empreendimentos do marketing e, também, seu papel na constituição dos sujeitos infantis, ao atuar sobre seus desejos e escolhas e, até certo ponto, orientar suas ações.”15 (grifos inseridos)

No âmbito internacional, o livro do Professor e Presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, MÁRIO FROTA, faz alusão à lei Irlandesa, quanto à publicidade de jogos e brinquedos, tratando da matéria no que diz respeito às dimensões do produto anunciado:

“No que tange aos jogos, brinquedos ou produtos similares, a

publicidade, para além de se fundar na veracidade dos elementos em

que se houver de basear, terá de obedecer aos demais requisitos, como segue:

14

Características do produto disponíveis no site do Magazine Luiza. Disponível em: http://www.magazineluiza.com.br/produto/index_Produto.asp?Produto=1836948&linha=BR& Setor=CORE#>. Acesso em: 10 Fevereiro 2009, 11:45.

(11)

- a verdadeira dimensão e escala do produto deverá se tornada fácil

de avaliar. Em qualquer demonstração deverá ficar bem explícito se o

brinquedo se desloca mecanicamente ou através de operações manuais;”16 (grifos inseridos)

Vale lembrar que em razão da potencial indução do consumidor ao erro pela publicidade enganosa, esta prática publicitária é vedada expressamente pela legislação Brasileira (Código de Defesa do Consumidor). Tal proibição decorre de diversos princípios, que resumidos podem ser indicados como sendo a proteção ao consumidor para que não seja induzido ao erro, partindo-se do princípio de que partindo-se estivespartindo-se mais bem informado a respeito de determinado produto, talvez não o adquirisse.

A enganosidade é decorrente tanto da não demonstração do produto, atentando para suas reais dimensões, como pela omissão de dado essencial com relação ao mesmo. Como afirma ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a enganosidade pode ser decorrente inclusive, do silêncio. A falta de uma informação pertinente pode prejudicar o consumidor, como é o caso da publicidade em questão, que omite o fato de o produto anunciado não ser indicado para crianças. Acerca deste tema, o autor explica:

“(...)

o silêncio – como ausência de informação positiva – pode ser enganoso.”17

E continua:

“Já na publicidade enganosa por omissão, o anunciante deixa de

afirmar algo relevante e que, por isso mesmo, induz o consumidor em erro, isto é, deixa de dizer algo que é.”18 (grifos inseridos)

Quanto à omissão de dado relevante notada na publicidade ora analisada, temos como principal dado omitido o referente à segurança, pois se os pais ou responsáveis tivessem acesso à informação de que o produto não é indicado para crianças, talvez não efetuassem a compra. E esta possibilidade, a potencialidade de erro, já é suficiente para caracterizar a publicidade como enganosa.

Ainda de acordo com ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN, a publicidade é enganosa por omissão quando não traz dado essencial referente ao produto. Entre estes dados essenciais estão os referentes à segurança:

16 FROTA, M. A publicidade infanto-juvenil: perversões e perspectivas. Curitiba: Juruá, 2006.

p. 53.

17

VASCONCELLOS E BENJAMIN, A. H. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 338.

18

VASCONCELLOS E BENJAMIN, A. H. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 339.

(12)

“É considerado essencial aquele dado que tem o poder de fazer com

que o consumidor não materialize o negócio de consumo, caso o conheça.

Três famílias principais de dados, sem exclusão de outras, estão

normalmente associadas com a publicidade enganosa por omissão: adequação (inexistência de vício de qualidade por inadequação), preço e segurança.” 19(grifos inseridos)

Vale notar que o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil vinculam ao fornecedor a responsabilidade pelo cumprimento do que é ofertado ao consumidor e por “assegurar informações corretas” ao consumidor por meio dos comerciais. Ainda segundo ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN:

“Para a proteção efetiva do consumidor não é suficiente o mero controle da enganosidade e abusividade da informação. Faz-se necessário que o fornecedor cumpra seu dever de informação positiva. Toda reforma do sistema jurídico nessa matéria, em especial no que se refere à publicidade, relaciona-se com o reconhecimento de que o

consumidor tem direito a uma informação completa e exata sobre os produtos e serviços que deseja adquirir.”20 (grifos inseridos)

No mesmo sentido, com relação ao dever de informar que vincula a empresa responsável pelo filme publicitário, o autor continua:

“E, recorde-se, qualquer referência ao produto ou serviço deve estar coberta pela correção, clareza, precisão e ostensividade.”21

Torna-se, portanto, essencial que se mencione na publicidade o perigo que o produto possa representar, ou indicações de uso e precaução, conduta que não é verificada no comercial do brinquedo Super Surf Radical Show.

Quanto à segurança de brinquedos, de acordo com artigo disponível no site da Prefeitura Municipal do Natal, o PROCON fez algumas recomendações aos pais, para que verifiquem se o brinquedo é adequado ou não para seus filhos:

“Portanto, os pais devem prestar atenção e tomar alguns cuidados:

EVITE BRINQUEDOS...

- Com partes pontiagudas, cantos afilados, quinas ou arestas

cortantes.

- Com cordões superiores a 30 cm.

19

VASCONCELLOS E BENJAMIN, A. H. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 348.

20

VASCONCELLOS E BENJAMIN, A. H. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 283 a 284.

21

VASCONCELLOS E BENJAMIN, A. H. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. p. 287.

(13)

- Com peças pequenas que as crianças possam engolir. - Com aberturas que possam prender os dedos.

- Cuja base seja de material inflamável. - Com voltagem superior a 36 Volts.

- Com materiais que incluam vidros ou que se quebrem facilmente. - Com materiais tóxicos ou que soltem tintas.

- Com cheiro e formas que imitem alimentos conhecidos.

- Com embalagem onde não esteja impresso o nome e endereço do fabricante.”22 (grifos inseridos)

Ante a tais informações, resta claro como a publicidade foi indevidamente direcionada à criança, posto que apresenta produto não indicado aos pequenos – porque perigosa sua manipulação por crianças – e porque explora a deficiência de julgamento da criança, conforme será aprofundado a seguir.

IV. A ilegalidade da publicidade dirigida a crianças.

A hipossuficiência presumida das crianças nas relações de consumo

A hipossuficiência, em uma relação jurídica, é determinada de acordo com critérios subjetivos, diferente da vulnerabilidade, que é aferida mediante critérios objetivos. Vulneráveis nas relações de consumo todos os consumidores são, hipossuficientes é classificação decorrente da vulnerabilidade exacerbada do consumidor, em determinada relação de consumo, seja por critérios físico-psíquicos, econômicos ou circunstanciais.

O consumidor considerado hipossuficiente recebe tratamento diferenciado, como explica ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN:

“A vulnerabilidade do consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código, como, por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII).”23

Sobre o assunto, porém com foco nas crianças, que são presumidas hipossuficientes nas relações de consumo em que se envolvem, o autor afirma:

“A hipossuficiência pode ser físico-psíquica, econômica ou meramente circunstancial. O Código, no seu esforço enumerativo, mencionou

22

Prefeitura Municipal do Natal. PROCON alerta para compra de brinquedos. Disponível em> <http://www.natal.rn.gov.br/internet_new/noticianaintegra/principal.php?codigo_da_news= 9791>. Acesso em: 13 Fevereiro 2009, 12:06.

23

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Editora Forense. p. 382.

(14)

expressamente a proteção especial que merece a criança contra os abusos publicitários.

O Código menciona, expressamente, a questão da publicidade que envolva a criança como uma daquelas a merecer atenção especial. É

em função do reconhecimento dessa vulnerabilidade exacerbada (hipossuficiência, então) que alguns parâmetros especiais devem ser traçados.”24 (grifos inseridos)

Como observado, as crianças são presumidamente hipossuficientes nas relações de consumo em que se envolvem e por isso devem receber proteção especial contra eventuais abusos contra elas praticados – no caso, abusos publicitários. Isto se justifica em decorrência de seu estado de desenvolvimento mental e psicológico ainda em curso. Por não ter condições de identificar a mensagem necessariamente parcial sobre a qual se constroem os anúncios publicitários, estes, quando direcionados a crianças, possuem invariavelmente enorme potencial abusivo.

Reforçando a idéia da maior vulnerabilidade das crianças ante os apelos publicitários, o emérito professor de psicologia da Universidade de São Paulo, YVES DE LA TAILLE , em parecer proferido sobre o tema ao Conselho Federal de Psicologia (doc.8), ressalta:

“As crianças não têm, os adolescentes não têm a mesma capacidade de resistência mental e de compreensão da realidade que um adulto e, portanto, não estão com condições de enfrentar com igualdade de

força a pressão exercida pela publicidade no que se refere à questão do consumo. A luta é totalmente desigual.

(...) é certo que certas propagandas podem enganar as crianças, vendendo-lhes gato por lebre, e isto sem mentir, mas apresentando discursos e imagens que não poderão ser passados pelo crivo da crítica.

Não tendo as crianças de até 12 anos construído ainda todas as ferramentas intelectuais que lhes permitirá compreender o real,

notadamente quando esse é apresentado através de representações simbólicas (fala, imagens), a publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro e à ilusão.”25 (grifos inseridos)

Assim também entende o próprio Conselho Federal de Psicologia, que, representado pelo psicólogo RICARDO MORETZOHN, por ocasião da audiência pública realizada na Câmara dos Deputados Federais, ocorrida em 30 de Agosto de 2007 (doc.9), manifestou-se no seguinte sentido:

24

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto. São Paulo: Editora Forense. p. 299-300.

25

Parecer sobre Projeto de Lei nº5921/2001 a pedido do Conselho Federal de Psicologia, ‘A Publicidade Dirigida ao Público Infantil – Considerações Psicológicas’.

(15)

“Autonomia intelectual e moral é construída paulatinamente. É preciso

esperar, em média, a idade dos 12 anos para que o indivíduo possua um repertório cognitivo capaz de liberá-lo, do ponto de vista tanto cognitivo quanto moral, da forte referência a fontes exteriores de prestígio e autoridade. Como as propagandas para o público infantil

costumam ser veiculadas pela mídia e a mídia costuma ser vista como instituição de prestígio, é certo que seu poder de influência pode ser grande sobre as crianças. Logo, existe a tendência de a criança julgar

que aquilo que mostram é realmente como é e que aquilo que dizem ser sensacional, necessário, de valor realmente tem essas qualidades.”26 (grifos inseridos)

Reforça-se, portanto, a percepção de que a criança é um ser ainda em processo de desenvolvimento bio-psicológico. Em razão desta característica ela não possui a mesma compreensão de mundo que um adulto. O mesmo se aplica à publicidade, a criança não entende o caráter parcial e persuasivo que a publicidade tem, diferente do adulto, que possui a capacidade de captar a mensagem persuasiva que o filme publicitário traz.

Isso torna os pequenos mais vulneráveis perante a comunicação mercadológica como um todo, que os influencia de maneira intensa. Identificada esta peculiar condição da criança, justifica-se o fato de ser ela titular de proteção integral. Tal doutrina, a da proteção integral, deriva da Constituição Federal e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil no ano de 1990.

A proteção integral diz respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes, que recebem status de prioridade absoluta e garantia de ampla implementação. De acordo com a advogada e professora de Direito de Família e de Direito da Criança e do Adolescente da PUC/RJ e UERJ, TÂNIA DA SILVA PEREIRA, a proteção integral se dá da seguinte forma:

“Como ‘pessoas em condição peculiar de desenvolvimento’, segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, ‘elas desfrutam de todos os direitos dos adultos e que sejam aplicáveis à sua idade e ainda têm direitos especiais decorrentes do fato de:

— Não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos;

— Não terem atingido condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los;

— Não contam com meios próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas;

— Não podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto, por se

26

Audiência Pública nº1388/07, realizada em 30 de Agosto de 2007, ‘Debate sobre publicidade infantil’.

(16)

tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e sociocultural.”27

Ainda sobre o assunto, SAMIR NICOLAU NASSRALLA, em tese com o título “A Defensoria Pública como Legitimada Universal para Defesa e Efetivação dos Direitos Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente” (doc.10), explica:

“A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente,

bem como a Convenção sobre os direitos da criança acolhem a doutrina da proteção da criança, atribuindo-lhe a posição de verdadeiro sujeito de direitos em desenvolvimento, abandonando-se

o vetusta doutrina da situação irregular, exigindo-se por parte do Estado, Sociedade, da Família e dos cidadãos o seu respeito e tratamento como indivíduo em situação peculiar e em desenvolvimento, exigindo-se absoluta prioridade e adotando-se a

doutrina da proteção integral”28 (grifos inseridos)

Assim, por conta da especial fase de desenvolvimento bio-psicológico das crianças, quando sua capacidade de posicionamento crítico frente ao mundo ainda não está plenamente desenvolvida, nas relações de consumo nas quais se envolvem serão sempre consideradas hipossuficientes. Por esta razão, as crianças não podem ser alvo de mensagem publicitária, sob pena de esta ser sempre considerada abusiva e portanto ilegal. São mais vulneráveis e por isso possuem garantias adicionais, visando sua maior proteção, cujo objetivo é evitar que sejam atingidas e exploradas por todo o tipo de comunicação mercadológica, como se fossem um verdadeiro “nicho de mercado”.

27 DA SILVA PEREIRA, T. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta interdisciplinar –

2a edição revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 25.

28

NASSRALLA, S. N. Tese. A Defensoria Pública como Legitimada Universal para Defesa e Efetivação dos Direitos Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente. p. 9.

(17)

Regulamentação Internacional da publicidade dirigida à criança

Destaca-se, dentre o ordenamento estrangeiro, o artigo 16 da Directiva 89/552/CCE, de 03 de Outubro de 1989, que prescreve:

“Aí se afirma que a publicidade deve se abster de:

- incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência

ou credulidade, a adquirir um determinado produto ou serviço;

- incitar directamente os menores a persuadirem os seus progenitores ou quem quer a adquirir os produtos ou serviços em foco;

- conter elementos susceptíveis de fazer perigar a sua integridade física ou moral e bem assim a sua segurança, nomeadamente através da exibição de cenas de pornografia ou do incitamento à violência;

- explorar a especial confiança que os menores depositam nos pais, tutores, curadores, professores, educadores, instrutores...”29 (grifos inseridos)

No livro “A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas”, MÁRIO FROTA faz um panorama das legislações internacionais, destacando as mais rigorosas quanto à veiculação de comunicação mercadológica direcionada à criança:

“Aí se afirma que as medidas mais restritivas são:

- as da Suécia, onde a publicidade e o patrocínio de programas destinados às crianças de idade inferior a 12 anos são proibidos;

- as da Grécia, onde a publicidade, na televisão, a brinquedos é proibida entre as 07.00h e as 22.00h;

- a proibição geral de publicidade para todos os brinquedos ou para certos tipos de brinquedos (na Alemanha e na Dinamarca) suscita especiais dificuldades.”30

A Convenção do Conselho da Europa define que “a publicidade destinada às crianças ou que delas se socorra deve ter em conta a sua sensibilidade específica e abster-se de causar prejuízo aos seus interesses.”31

Tudo isso visando à proteção integral da criança, para assegurar-lhes o direito de ter um desenvolvimento físico e mental satisfatório. Para tanto, a Directiva 89/552/CEE, da Convenção do Conselho da Europa traz determinação expressa de “que é necessário (...) prever normas para a proteção do desenvolvimento físico, mental e moral dos menores nos programas e na publicidade televisiva...”32

29

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 78.

30

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 21.

31

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 23.

32

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 24.

(18)

Neste contexto importa observar que o artigo 16 da mesma Directiva determina claramente:

“A publicidade televisiva não deve causar qualquer prejuízo moral ou físico aos menores, pelo que terá de respeitar os seguintes critérios para a proteção destes mesmos menores:

a) Não deve incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, à compra de um determinado produto ou serviço;

b) Não deve incitar directamente os menores a persuadir os seus pais ou terceiros a comprar os produtos ou serviços em questão;

c) Não deve explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, professores ou noutras pessoas;

d) Não deve, sem motivo, apresentar menores em situação de perigo.”33

Portugal e França baseiam a regulamentação de suas publicidades

dirigidas ao público infantil no exposto acima, o conteúdo da directiva.

Na Noruega é proibida a publicidade de produtos e serviços direcionados a crianças com menos de 12 anos, assim como é proibida a publicidade durante programas infantis. Na Suécia também é proibida a publicidade direcionada a crianças menores de 12 anos, mas em horário anterior às 21 h. Comerciais de produtos infantis ou adultos não podem ser exibidos durante, imediatamente antes ou depois de programas infantis, e estes comerciais não podem utilizar-se de pessoas ou personagens, principalmente se estes desempenham papel proeminente em programa infantil.

Na Alemanha, o Código Internacional de Práticas Leais enuncia que “a publicidade não deve explorar a credulidade natural das crianças ou a inexperiência dos adolescentes”34, assim como não pode apresentar conteúdo que possa causar-lhes danos mentais, morais ou físicos.

Na Áustria, a Rundfunkgesetz proíbe as mensagens publicitárias dirigidas a crianças, caso estas não se justifiquem “por razões de indispensabilidade de actuação cenográfica”35.

Na Bélgica os códigos de autodisciplina proíbem que as publicidades incitem nos pequenos o desejo de adquirir algo ou a persuadir seus pais ou terceiro a fazê-lo. Bem como não podem exibir crianças ou adolescentes em situação de perigo.

33

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 25.

34FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed.

Curitiba, 2006. p. 49.

35FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed.

(19)

Na Finlândia adotam-se diretrizes semelhantes às da Bélgica no que diz respeito a incitar na criança ou adolescente o desejo de adquirir algo, fazendo-o por meios próprios ou persuadindo terceiros. As crianças só poderão participar das publicidades se sua presença for imprescindível para a ilustração do produto.

Na Holanda, não é permitido às televisões públicas interromper com publicidade os programas dirigidos às crianças menores de 12 anos. A exibição de crianças nas publicidades somente é permitida quando esta presença for indispensável.

Na Irlanda as diretrizes baseiam-se no Código RTE e no Livro Vermelho da European Association os Advertising Agencies e, deste modo, são proibidas publicidades durante os programas infantis. As publicidades de produtos

direcionados ao público infantil devem se fundar na veracidade dos elementos, representar de forma fiel as dimensões e escala do produto,

demonstrar de forma fácil de interpretar se o brinquedo se desloca mecanicamente ou se depende de intervenção manual, o som produzido pelo brinquedo deve ser reproduzido fielmente, se o brinquedo envolver desenhos ou algum tipo de produção que venha da criança que o utiliza, os resultados mostrados devem ser de tal forma que realmente consigam se atingidos por uma criança, as demonstrações de montagem do brinquedo não devem exibir facilidade exagerada, a publicidade dos brinquedos deve incluir a indicação de seu preço de maneira clara.

Na Itália, é proibida publicidade de qualquer produto ou serviço durante desenhos animados. Neste país, o artigo 28 do Código de Auto-Regulação dispõe claramente sobre a publicidade de brinquedos:

“... a publicidade a jogos e brinquedos para crianças não poderá ser

enganosa quanto

- à natureza, performance e dimensões do produto;

- ao grau de habilidade necessário à utilização do produto;

- ao valor de compra sobretudo quando seja necessária a aquisição de acessórios e sobressalentes (complementos) para que o produto funcione deveras;

(...) E não deverá minimizar o preço do produto ou sugerir que a sua aquisição é normalmente compatível com o orçamento de qualquer família.”36 (grifos inseridos)

Nos EUA, impõem-se limites de tempo de duração das publicidades nos finais de semana, assim como se proíbe a publicidade de sites com objetivos comerciais na programação televisiva direcionada a crianças com idade inferior a 12 anos.

36

FROTA, M. A Publicidade Infanto-Juvenil – Perversões e Perspectivas. Ed. Juruá. 2ª ed. Curitiba, 2006. p. 55.

(20)

No Canadá não pode ser exibida a publicidade de um mesmo produto em menos de meia hora. Na província de Quebec é proibida toda publicidade de produtos voltados para crianças de até 13 anos, em qualquer mídia.

Na Inglaterra é proibido o uso de efeitos especiais que transmitam a idéia de que o produto pode fazer mais do que realmente faz.

Proibição legal ao direcionamento de publicidade às crianças no Brasil

No Brasil, pela interpretação sistemática da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código de Defesa do Consumidor, pode-se dizer que a publicidade dirigida ao público infantil é proibida, mesmo que na prática ainda sejam encontrados diversos anúncios voltados para esse público.

A Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII – Da Família, Da Criança, Do Adolescente e Do Idoso – artigo 227, caput, dispõe sobre a proteção integral das crianças:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Neste sentido, de acordo com o Professor da Faculdade de Direito PUC-SP e da Escola Superior do Ministério Público VIDAL SERRANO NUNES JUNIOR (doc.11), a publicidade dirigida à criança viola claramente o ordenamento jurídico brasileiro:

“Assim, toda e qualquer publicidade dirigida ao público infantil parece inelutavelmente maculada de ilegalidade, quando menos por violação de tal ditame legal.

(...)

Posto o caráter persuasivo da publicidade, a depender do estágio de desenvolvimento da criança, a impossibilidade de captar eventuais conteúdos informativos, quer nos parecer que a publicidade comercial dirigida ao público infantil esteja, ainda uma vez, fadada ao juízo de ilegalidade.

Com efeito, se não pode captar eventual conteúdo informativo e não tem defesas emocionais suficientemente formadas para perceber os

(21)

influxos de conteúdos persuasivos, praticamente em todas as situações, a publicidade comercial dirigida a crianças estará a se configurar como abusiva e, portanto, ilegal.”

Os direitos elencados no artigo constitucional são considerados fundamentais, ou seja, essenciais a todos os seres humanos, porém, as crianças têm prioridade no atendimento a esses direitos, no marco da já citada proteção integral.

A Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas, em 1989, e ratificada em 1990 pelo Brasil, em seu Preâmbulo, reforça a idéia de que a criança necessita de proteção especial, justificando esta necessidade:

“(...) Tendo em mente que, como indicado na Declaração sobre os Direitos da Criança, a criança, em razão da sua falta de maturidade

física e mental, necessita da proteção e cuidados especiais, incluindo

proteção judiciária apropriada antes e depois do nascimento.”37 (grifos inseridos)

A mesma Convenção atribui ao Estado o dever de respeitar e assegurar estes direitos à criança independente de discriminação de qualquer tipo. Reconhecendo o importante papel da mídia e sua grande influência, atribui ainda aos Estados-parte o papel de encorajar os meios de comunicação a difundir informações que sejam consideradas benéficas à sociedade e à criança e estabelecer limites a essa difusão quando as informações forem prejudiciais.

“Artigo 17 – Os Estados-partes reconhecem a importante função

exercida pelos meios de comunicação de massa e assegurarão que a

criança tenha acesso às informações e dados de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente os voltados à promoção de seu bem-estar social, espiritual e moral e saúde física e mental. Para este fim, os Estados-partes:

a) Encorajarão os meios de comunicação a difundir informações e dados de benefício social e cultural à criança e em conformidade com o espírito do ‘artigo 29.’

(...)e) Promoverão o desenvolvimento de diretrizes apropriadas à

proteção da criança contra informações e dados prejudiciais ao seu bem-estar, levando em conta as disposições no artigo 13 e 18.” (grifos

inseridos)

Tal trecho da Convenção ilustra a necessidade de se reprimir condutas nocivas ao público infantil para lhe assegurar um desenvolvimento pleno e saudável. Uma das ações necessárias para tanto é refrear o direcionamento de publicidade às crianças, publicidade esta, considerada abusiva e ilegal ante os marcos jurídicos nacionais e internacionais.

37

Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado. Ed. dpj. São Paulo, 2008. Capítulo 12 Convenção Sobre os Direitos da Criança (1989). Preâmbulo. p. 307.

(22)

Não bastasse a abusividade intrínseca do comercial ora denunciado, como agravante, tem-se a sua enganosidade decorrente da falta de informação essencial ao consumidor.

A publicidade ora denunciada reflete uma mudança significativa no caráter da comunicação mercadológica, que antes, tinha a função de informar o consumidor acerca do produto ofertado - estabelecendo uma relação de confiança entre produtor e consumidor - e, agora, seu caráter predominantemente persuasivo visando tão somente a venda, faz omitir informações essenciais em detrimento do lucro. Tal tema é tratado e utilizado como argumento para a defesa da maior regulamentação jurídica da publicidade na sociedade de consumo, pelo empresário e bacharel em direito DAVI SEVERINO DOS SANTOS, em artigo disponível no site do Jus Navigandi:

A Industrialização trouxe a massificação do consumo o que implica despersonalização do mercado, ou seja, compradores e vendedores tornaram-se desconhecidos. A publicidade perde o caráter individualista e passa a ser endereçada à coletividade. A relação de confiança não mais acompanha a relação de consumo como nos tempos pré-industrial. O consumidor, sujeito mais fraco na relação de consumo, não recebendo tutela necessária do Estado, carrega o ônus da publicidade que foge aos padrões éticos, a publicidade ilícita”38 (grifos inseridos)

A respeito desta despersonalização do mercado e conseqüente perda de confiança entre fornecedor e consumidor, VIDAL SERRANO NUNES JR. também afirma:

“Como apontado acima, o aprimoramento das técnicas publicitárias fez com que a publicidade abandonasse o seu caráter informativo e, gradualmente, assumisse um caráter persuasivo. Em outras palavras, deixou de ser um meio de aproximação entre fornecedores e consumidores (informação para a realização de um ato de consumo) e passou a ser um meio de impulsionamento do chamado consumismo.”39 (grifos inseridos)

Esta característica assumida pela publicidade pode ser exemplificada pelo filme publicitário ora denunciado. Hoje, a publicidade não traz informações suficientes sobre o produto que possibilitem uma compra consciente. Dessa forma torna-se necessário que sejam tomadas as medidas cabíveis para coibir tal prática abusiva e enganosa, visando a proteção dos consumidores e em especial do público infantil.

38

DOS SANTOS, D. S. A Regulação Jurídica da Publicidade na Sociedade de Consumo. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4004>. Acesso em: 11 Dezembro 2008, 13:50.

39

NUNES JR., V. S. Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. Coordenação IVES GANDRA MARTINS, FRANCISCO REZEK. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: CEU-Centro de Extensão Universitária, 2008. p. 845.

(23)

No mais, consoante a legislação pátria, a proteção que se deve dar à criança e ao adolescente não é mais dever exclusivo da família, configura hoje também um dever social. Sobre o assunto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é bastante claro quando expõe:

“Artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade corresponde:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”

“Artigo 5º: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade

e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” (grifos inseridos)

Reforce-se que a proteção às crianças (pessoas em especial condição de desenvolvimento bio-psicológico) deve ser oferecida com prioridade absoluta conforme o já citado dispositivo constitucional e o artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prescreve:

“Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”

Quanto à importância da posição que devem tomar as autoridades públicas, o artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz:

“Artigo 7º: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”

Assim, nota-se que o cuidado e respeito à infância deve ser partilhado por todos, inclusive pelas empresas anunciantes, agências publicitárias e emissoras televisivas, que não podem abusar da condição de hipossuficiência das crianças nas relações de consumo para incrementarem as vendas e, com isso, aumentarem os lucros.

(24)

Inobstante tal regulamentação legal, como já exposto anteriormente, as empresas e as publicidades tratam as crianças como verdadeiros consumidores. Dessa forma, torna-se importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, possui dispositivos que proíbem a conduta verificada pela empresa ‘Vipeplas – Homeplay’ quanto a publicidade do produto em questão. O artigo 36 do referido Código, define que:

“Artigo 36: A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o

consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.” (grifos

inseridos)

O citado artigo do Código de Defesa do Consumidor exige esta rápida identificação de um filme publicitário como tal, com o objetivo de proporcionar ao consumidor que assista ao comercial, a possibilidade de também se proteger dele, concretizando as escolhas de consumo que realmente deseja, não as que seja induzido a realizar. Considerando-se que a criança não consegue entender o caráter persuasivo da publicidade, pode-se dizer que ela não a identifica de forma fácil e imediata. Acerca deste tema, YVES DE LA TAILLE, citado anteriormente, se manifesta destacando a importância da criação de leis como o citado Projeto de Lei nº 5.92140, que regulem de maneira inequívoca a publicidade infantil:

“É louvável que se criem lei que protejam a criança de influências externas, as quais ela tem dificuldade de perceber, e às quais tem poucos recursos para resistir.”41

A respeito desta forma de proteção, no que tange a criança, VIDAL SERRANO NUNES JR., doutor e mestre em direito afirma:

“Tratando-se, no entanto, de publicidade dirigida ao público infantil, quer nos parecer que tal disposição seja irrealizável, já que, exatamente por se tratar de um ser em processo de formação, a

40 O Projeto de Lei nº 5.921 já foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da

Câmara dos Deputados, seu objetivo é definir o que é a comunicação mercadológica voltada ao público infantil e regulá-la de maneira eficiente. O artigo 3º determina claramente o que se considera publicidade infantil:

Artigo 3º Fica proibido qualquer tipo de publicidade e de comunicação mercadológica dirigida à criança, em qualquer horário e por meio de qualquer suporte ou mídia, seja de produtos ou serviços relacionados à infância ou relacionados ao público adolescente e adulto.

§ 1º A publicidade e a comunicação mercadológica dirigida à criança é aquela que se vale, dentre outros, de algum dos seguintes atributos:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação; VII – bonecos ou similares;

IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil;”

41

Parecer sobre Projeto de Lei nº5921/2001 a pedido do Conselho Federal de Psicologia, ‘A Publicidade Dirigida ao Público Infantil – Considerações Psicológicas’.

(25)

criança não possui os predicados sensoriais suficientemente formados para a plena intelecção do que seja a publicidade, de quais os seus objetivos e de como dela se proteger.”42

Adicionalmente e atentando para o fato de que a criança tem menor capacidade crítica perante o mundo, é importante notar que o Código de Defesa do Consumidor, no tocante ao público infantil, determina, no seu artigo 37, §2º, que a publicidade não pode se aproveitar da deficiência de julgamento e experiência da criança, sob pena de ser considerada abusiva e, portanto, ilegal. Nesse sentido, percebe-se que o Código de Defesa do Consumidor se coaduna e se harmoniza com a legislação (nacional e internacional) de proteção à infância, que garante a proteção da liberdade e da autodeterminação da criança.

“Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se

aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança,

desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.” (grifos inseridos)

Ao tratar do tema e especialmente do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, a edição n° 115 de outubro 2007 da Revista do IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor é contundente:

“O Artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) deixa claro que é proibida toda publicidade enganosa que (...) se aproveite da

deficiência de julgamento e experiência da criança. Antes dos 10

anos, poucas conseguem entender que a publicidade não faz parte do programa televisivo e tem como objetivo convencer o telespectador a consumir. Dessa forma, comerciais destinados a esse público são

naturalmente abusivos e deveriam ser proibidos de fato.” (grifos

inseridos)

Reforçando a idéia de que a utilização da publicidade dirigida às crianças para a promoção de produtos é abusiva, o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor define o que é vedado ao fornecedor:

“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo

em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para

impingir-lhe seus produtos ou serviços.” (grifos inseridos)

42

NUNES JR., V. S. Constituição Federal: avanços, contribuições e modificações no processo democrático brasileiro. Coordenação IVES GANDRA MARTINS, FRANCISCO REZEK. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: CEU-Centro de Extensão Universitária, 2008. p. 845.

Referências

Documentos relacionados

Tomando esta proposta como verdadeira, fica agora clara a diferença na representação de segmentos laríngeos e coronais: os segmentos coronais são os que têm o nó de Ponto

d) As consultas com o Estado de transmissão e a Comissão não tenham conduzido a um acerto amigável no prazo de 15 dias a contar da notificação prevista na alínea c), persistindo

Em outras palavras, a Resolução CNE/CEB n.º 01/2011 (BRASIL, 2011) na medida em que normatiza, interfere, substancialmente, no contexto de desenvolvimento social

5 — As regras a cumprir pelas edificações associadas aos usos e instalações referidas nos números anteriores, quando admissíveis, são as estabelecidas nas disposições

Diante deste controle o governo terá total conhecimento dos acontecimentos no processo produtivo e a movimentação completa de cada item do estoque, possibilitando

Determinantes do baixo peso ao nascer a partir do sistema de informação sobre nascidos vivos em Itaúna, Minas Gerais. Rev Bras Saude

34 Figura 12 - Regressão linear da mortalidade de larvas de instares intermediários de Rhynchophorus palmarum em função da dose do inseticida tiametoxam + fungicida

O acesso à Internet ou ao Mail através do programa são apenas opções para facilitar o trabalho, não são opções que afectem o bom funcionamento do programa...