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30º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS 24 A 28 DE OUTUBRO DE 2006

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30º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

24 A 28 DE OUTUBRO DE 2006

GT1: Cidades: Sociabilidades, cultura, participação e gestão.

TÍTULO DO TRABALHO: Movimento Social e Espaço Urbano: interesses e

conflitos na (re) produção da cidade na Amazônia.

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Movimento Social e Espaço Urbano: interesses e conflitos

na (re) produção da cidade na Amazônia

Sandra Lineia Gomes Damasceno1

RESUMO:

Resulta da pesquisa realizada a partir das experiências de organização dos moradores do Igarapé da Cachoeirinha e o Fórum do Orçamento Público. A tônica do texto é entender os processos que envolvem a produção da cidade e suas implicações na organização dos movimentos sociais urbanos, onde a cidade é mais que o reflexo da sociedade, ou um cenário desarticulado com seus sentidos múltiplos, onde a diversidade cultural e os conflitos se expressam. A cidade é um objeto vivo das relações sociais, pois a dominação social e ideológica se materializa, embora que não unicamente, no espaço urbano. As estatísticas oficiais e mídia divulgam problemas no espaço urbano de diferentes ordens tais como: violência contra os cidadãos civis, má qualidade dos serviços públicos prestados à população, crescimento desordenado das áreas periféricas  em grau maior que no passado, destruição da paisagem e do patrimônio arquitetônico  pela redução de áreas verdes e recursos hídricos, abandono de áreas públicas, ocupações irregulares, escassez de equipamentos culturais e desportivos etc. Este cenário é fruto e reflete a situação da questão social no Brasil: aumento da pobreza e da exclusão social, alto índice de desemprego, dificuldade de inserção no mercado de trabalho, principalmente entre jovens, queda do poder aquisitivo de todas as classes e camadas sociais, aumento da informalidade nas relações de trabalho e na economia. O embate estabelecido entre sociedade civil e Estado, no interior da cidade implica na superação, de uma lógica que, historicamente, excluiu os moradores da cidade no processo que define a vida e a cara da cidade. A luta dos moradores da cidade apresenta uma agenda própria focada em uma cidade de todos e de todas agindo, também, como campo de experimentação social.

Palavras-chave: cidade, urbanização, movimento social, espaço urbano.

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Introdução

Para compreendermos melhor, os processos de produção e (re) produção do urbano e de cidade, seria fundamental considerarmos que o espaço é história. Destarte, a cidade como hoje observamos é o resultado cumulativo de várias experiências anteriores de cidade, que se transformam através do tempo. Portanto, o espaço é produto das relações demasiadamente humanas.

O espaço de existência do homem traduz duas faces de um mesmo processo de formação: o abstrato expresso nos conceitos e o real que é a vida cotidiana. É nesse plano que autores como Ana Fani2 ancoram o “cotidiano” como fator de reprodução do mundo moderno na metrópole. A vida cotidiana carrega as relações conflitantes entre os novos modelos culturais e as persistências de antigos costumes que tencionam e aprofundam as relações centro-periferia à medida que as mudanças se imediatizam.

A lógica da ordem estabelecida segue a linha dada pelas ações do mercado imobiliário, assim como, a gestão política segue inspirada no sistema financeiro. As ações do Estado são visivelmente intervenções que aprofundam a hierarquização dos espaços, uma vez que suas estratégias são baseadas nas retiradas sistemáticas dos moradores, criando novas centralidades, deslocando a população de baixa renda paras as áreas mais distantes dos serviços públicos.

Dentro do sistema capitalista o espaço, além de ser fragmentado, homogêneo e hierarquizado ele vira mercadoria, ou seja, sua base de entendimento passa pelo processo de apropriação como prática sócio-espacial.

O espaço produzido está delineado pelo capital, dependendo assim das condições concretas dos meios de produção. A produção desse espaço tem influência direta de um processo que é desigual e combinado, ocorrendo em um contexto de uma abrangente visão de produção em que homens, enquanto seres sociais, produzem sua história, sua consciência e seu mundo para além da produção natural. Portanto, o espaço não pode ser entendido como uma exterioridade, pois se trata de um produto social, gerado pelo homem e para o homem, como elemento fundamental para sua condição de humanidade.

A estratégia do Estado funciona no sentido de favorecer as relações sociais que permitam a continuidade do processo de acumulação. Esse processo não se estabelece de

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maneira isolada, pois combina tanto os interesses do setor financeiro, mercado imobiliário, indústria da construção civil articulando de modo sistemático, o indivíduo, o habitante.

A urbanização ocorre a partir de um processo de universalização da divisão do trabalho e das trocas, através de estratégias contidas na formação econômica capitalista. O espaço mundial fragmenta-se, hierarquiza-se em um movimento que combina antagonismos e contradições, onde a metrópole, por uma questão estratégica, possui o poder de comando desse espaço, à medida que concentra o poder político e econômico.

Analiticamente, como todo modo de produção, o capitalismo produz um espaço. Segundo a análise de Lefebvre (1991) no capitalismo existe algo mais que uma simples produção do espaço, algo muito mais estratégico, uma coisa meio invisível, posto que não é uma produção qualquer.

Acrescenta-se algo decisivo, visto que é também a reprodução das relações de produção. Dessa maneira, a produção material manifesta-se com duas faces, pois a sociedade não constitui somente condições materiais de existência, mas também condições imateriais, como, por exemplo, suas relações sociais.

Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não são os resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre pessoas e grupos que compõem a sociedade (famílias, corpos organizados, profissões, corporações, etc.); ela não se reduz mais à organização dessas relações imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem às mudanças nessas relações. (LEFEBVRE, p. 46, 1991).

Para situarmos a discussão entre urbano, cidade e Movimento Social, se faz necessário compreendermos o que, no Brasil, significa urbanização, pois existe um recorrente discurso acerca do desenvolvimento territorial do Brasil, que segundo Veiga (2003), carrega uma concepção equivocada do pensamento brasileiro sobre a urbanização do país e suas possíveis implicações, principalmente nas políticas de intervenção adotadas pelo governo.

A invenção do urbano no Brasil

O entendimento do desenvolvimento territorial no Brasil tem suas raízes no critério pelo qual foi estabelecido. Este critério designa, por exemplo, como urbana as sedes de municípios (cidades) e de distritos (vilas). A questão central é atribuída a esse modo como a tipologia de centros urbanos regionais e sedes, se configuram, ou seja, com um baixo

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número de habitantes e condições adversas. A análise feita por Veiga (2003) coloca em xeque as informações do próprio censo que indica 81,2% de urbanização do Brasil.

Neste sentido a urbanização traduz-se pelo despovoamento do campo, pelo declínio das lavouras tradicionais, substituídas principalmente pela criação de rebanhos. Os fatores essenciais do avanço urbano são de natureza político-administrativo vinculados às condições favoráveis dos processos econômicos.

Existe uma linha intermediária de municípios que não pertencem ao Brasil urbano e nem ao Brasil denominando essencialmente rural, são os centros rurbanos, ou seja, são potencialmente centros urbanos. Veiga (2003) considera, também, que municípios de pequeno porte, com características rurais, sofreram evasão populacional, mas em um quarto deles o efeito foi contrário, o aumento chega a 31,3%, o que faz cair por terra a tese de que o Brasil rural é formado por municípios que estão se esvaziando. Lobato (1997).

A degradação ambiental pode ser fruto da aglomeração de uma determinada microrregião, daí que as microrregiões podem usar a qualidade ambiental como um trunfo de desenvolvimento. O patrimônio natural, ligado ao patrimônio histórico-cultural que antes era visto pelos governantes como oneroso passa a ter um sentido de consumo produtivo onde a própria comunidade é protagonista de sua valorização.

A valorização do patrimônio é favorecida pela concepção atual de patrimônio, que vai além dos recursos físicos, passa pelo corpo de tradições, ritos, sentimentos de pertencimento, algo que pode fornecer suporte a exploração econômica que não vai se restringir apenas às atividades turísticas, mas também sobre os possíveis investimentos da classe média podendo viabilizar projetos de desenvolvimento.

O investimento no aumento da taxa de empregabilidade terá reflexos contundentes na elevação de renda da população, assim como o acesso à educação e propriedade imobiliária. Ao desmistificar o par: “desigualdade e pobreza” é possível entender que a possibilidade de redução da pobreza no país, não implica na redução das desigualdades sociais. Podemos verificar isso nos incessantes programas com caráter paliativo de políticas compensatórias implementadas pelos governos.

Por isso, um plano estratégico é absolutamente necessário com políticas territoriais e não apenas setoriais que viabilizem a melhoria da qualidade de vida. Um instrumento institucional capaz de diagnosticar os principais problemas rurais, captar recurso e executá-los, uma ação de natureza contratual, que não pode se limitar à concessão de recursos, ou seja, um contrato territorial de desenvolvimento com ações de três tipos básicos: Aquisição de competências, programas de inovação rural e criação de rede. Um plano que responda aos

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princípios das atividades econômicas: busca do pleno emprego, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, função social da propriedade e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Para compreender processo de organização espacial da Amazônia é fundamental entender como a rede urbana foi construída. Lobato (1997) chama atenção para um questionamento, se realmente existe uma rede urbana na Amazônia.

Lobato utiliza-se das categorias marxianas como totalidade para fazer sua análise verificando que a totalidade social é constituída de dimensões igualmente importantes como a econômica, ideológica e jurídico-política. Segundo ele tal constatação torna possível uma periodização espacial considerando dimensões de organização global e específica.

Cada lugar possui uma realidade sócio-espacial que é resultante de uma combinação de elementos que possuem tempos espaciais próprios, evidenciando a elaboração de um caráter de organização espacial diferenciado.

Assim podemos dizer que a rede urbana na Amazônia expressa uma periodização como um importante elemento de variação do espaço-temporal, a rede urbana assim como as instâncias ideológicas, econômicas ou jurídico-politica, é a expressão das diversas matizes que formam a paisagem urbana, suas funções e todos os processo que a envolvem.

Existem na Amazônia as condições concretas para admitir a existência de uma rede urbana, como: economia de marcado, pontos fixos no território para os desenvolvimentos das ações da economia de mercado e inclusive outras atividades como as de controle político administrativo e ideológico e como conseqüência disso os núcleos de povoamento e, por fim, uma hierarquia entre os núcleos urbanos.

O fato é que existe uma rede urbana na Amazônia, mas não significa que exista dentro de padrões estabelecidos arbitrariamente, essa rede contém as características sociais e econômicas regionais, incorpora os diferentes tempos espaciais presentes nessa rede, por isso, precisa ser entendida levando em consideração suas relações complexas que articulam o local e o global, a região e a nação.

Cidades na Amazônia: uma urbanização pela metade

A Amazônia, produto de uma modernidade pela metade, possibilita o surgimento de cidades que carregam uma construção efêmera onde as técnicas possuem um destino fantasmagórico. As cidades, símbolos incontestáveis da expansão do capital, na Amazônia, apresentam uma modernidade caótica, e imperfeita possuindo algo de inacabado.

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Os grandes projetos de desenvolvimento para Amazônia traduzem a intervenção direta do Estado, no sentido de criar condições que favoreçam ao aparecimento de novas cidades. A Amazônia sempre vista como um espaço vazio, inexplorado de modo racional e potencialmente lucrativo, constitui-se como uma possibilidade concreta de desenvolvimento nacional e ampliação do capital internacional.

Para perceber a produção do espaço é necessário lançar o olhar para além da aparência e, compreendendo a essência, ou seja, a articulação existente entre os atores sociais, sendo eles tradicionais como povos indígenas e ribeirinhos, ou os emergentes, moradores de áreas de manejo ecológico ou os atingidos por barragens, torna-se condição imprescindível para compreender essa dinâmica.

Em seu livro Cidades na Selva (2000), José Aldemir de Oliveira traz essa preocupação com a atuação do Estado na produção do espaço e do tempo, assim também como na expansão do capital na Amazônia. Analisa o processo de construção do urbano, tomando como objeto de sua pesquisa o município de Presidente Figueiredo, localizado na BR 174 e duas vilas que funcionam como apoio aos projetos como o da Usina Hidrelétrica de Balbina3 e da Mineração Taboca4.

O espaço que se produz no interior da Amazônia, influenciado pela expansão do capital, ocorre num contexto de uma mais abrangente visão de produção em que homens enquanto seres sociais produzem sua história, sua consciência e seu mundo para além da produção natural (OLIVEIRA, 1999, p.21).

Na sociedade tudo é produzido, os locais são redesenhados e imbuídos por diversas intervenções sociais, significantes, insignificantes, distantes ou não, estas estão para além do que pode ser perceptível aos olhos. São elas quem compõe o corpo da organização do local.

Trata-se da restrição do direto de ir e vir à ordenação do espaço no sentido de hierarquizar econômica e socialmente os grupos apresentando-se como estratégias recorrentes na história. Os pobres ameaçam a ordem e a harmonia de qualquer espaço que se propõe moderno.

Dessa maneira a Amazônia será o lugar por excelência das lutas sociais. A resistência de vários atores sociais revela outras manifestações de espacialização e o

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Hidrelétrica construída dentro da perspectiva dos grandes projetos para o desenvolvimento da Amazônia. Sua construção revela de maneira inequívoca os resultados e os contrastes de um planejamento centralizado, autoritário e excludente pensado pelo Estado para a Amazônia.

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Empresa do grupo Paranapanema com concessão para lavra de cassiterita, zirconita, tantalita, ítrio, columbita, e reservas de nióbio e tântalo. Localizada na região da BR 174 que liga Manaus (AM) à Boa Vista (RR) Oliveira (2000).

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inconformismo com as novas relações que se impõe, a destruição das organizações espaciais existentes, a criação das resistências, as novas territorialidades traduzem o caráter desigual do espaço urbano na Amazônia.

Partindo do princípio de que a Amazônia sempre esteve presente nos discursos, quer com o tema do esquecimento pelo Estado-nação, ou dos impactos provocados pela sua ocupação. Silva (1999). É correto afirmar que é impossível observar uma parte constituinte de sua totalidade como seus atores sociais, os novos e os tradicionais, seu espaço de atuação, suas capilaridades, a cosmologia, as novas territorialidades, o processo de urbanização de suas cidades, enfim, as inúmeras peças que compõe este enorme mosaico.

A Amazônia não está fora dos processos sociais globais uma vez que: “[...] A Amazônia pode ser vista como uma formação econômico-social produzida pela dinâmica do capitalismo e, portanto, sujeita aos processos de expansão e crise do capital”. (SILVA, 1999, p.02).

Se considerarmos a urbanização como um aumento da população que vive nas cidades em relações à população total, ou seja, um considerável crescimento d a população urbana em relação à população rural, podemos afirmar que o capitalismo gerou um grande impulso à modernização. Com o aumento populacional das cidades vieram junto todos os problemas produzidos por esse “inchaço” populacional, problemas que implicariam na desestruturação da malha urbana existente, ocasionando sérias questões não resolvidas como a insalubridade causada pela poluição das fábricas, a inexistência de uma rede de esgoto, inadequada coleta de lixo e a presença de endemias constante.

Manaus assim como as outras cidades amazônicas, que tiveram seu processo de expansão urbana impulsionado por várias estratégias geopolíticas de fronteiras, tendo todo seu projeto específico de modernidade, produzido no interior de sucessivos eventos econômicos da região.

Tomemos o raro crescimento econômico de desenvolvimento urbano que ocorreu com a valorização do látex. Tal período foi fundamental no processo de urbanização de Manaus, o Amazonas experimenta uma expansão demográfica em função do fluxo migratório de populações vindas, sobretudo do Nordeste.

Desse modo, a cidade carecia de mudanças que atendessem a um padrão de civilidade, o moderno fazia-se presente nas intenções de seus dirigentes. A força do capital regulamenta uma nova concepção de cidade, antes “porto de lenha”, agora cidade moderna concebida dentro do padrão das urbes européias.

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Em função da precarização das relações comerciais, aqueles que tinham acumulado algum capital deslocaram-se para outros cenários. Os que insistiram em ficar, geralmente os despossuídos desse capital, migraram para cidade em buscando sobreviver nos alojamentos flutuantes. É a partir da década de 20 que, segundo o professor Salazar (1985) em seu estudo “Abrigo dos deserdados” que se inicia a favelização de Manaus, desenhando como porta de entrada da cidade a “cidade flutuante”, possuindo aproximadamente 750 casas ao longo do Rio Negro, ocorrendo também em diversos igarapés da cidade.

[...] De modo geral, os bairros mais pobres e modestos estão nas praias de estiagem, nos flancos internos dos igarapés e no reverso ondulado das barreiras fluviais, enquanto os mais ricos envolvem a porção central da cidade, formando um cinturão irregular nas colinas de altitude média, dotadas de maior continuidade e suavidade de formas topográficas. (AB’SABER In: BECHMAN, 2003 p.44).

A cidade flutuante, como ficou conhecida, era um conjunto de moradias de baixo padrão financeiro, as moradias flutuantes eram sustentadas sobre toras de madeiras que obedeciam ao regime da cheia/vazante do rio Negro. Residiam ali trabalhadores de baixo poder aquisitivos, estivadores, feirantes, sapateiros e outros que desenvolviam suas atividades no centro comercial de Manaus, é caracterizada como a primeira favela da cidade de Manaus.

A retirada da “cidade flutuante” e alocação dos moradores em conjuntos habitacionais como o da COAB, iniciam e marcam mais uma vez a paisagem da cidade, principalmente pelo impacto gerado, como bem acentua Salazar em seu estudo; “ao pé de cada conjunto habitacional surgia mais um aglomerado de pessoas” (SALAZAR, 1985).

O deslocamento da favela fluvial para a favela de terra firme, configurava a intenção de afastar a “pobreza” para bem distante dos olhares dos turistas que agora passariam a compor essa paisagem, afinal não poderiam esbarrar na miséria, correndo o risco de contaminação pelas doenças comuns aos mais pobres.

As áreas de caráter mais precário para habitação foram sendo ocupadas, o capital estabelece regras, que se manifestam nos espaços urbanos degradados do ponto de vista ambiental, ou seja, insalubres e completamente inadequados para moradia. Os deserdados espraiam-se pela malha urbana, os igarapés tornam-se abrigos em um lugar onde toda terra tem dono.

Com a criação do parque industrial de Manaus, verifica-se um crescimento sem precedentes da população, chegam à cidade de toda parte do país refugiados do “milagre econômico”, são homens e mulheres vindo, principalmente e maciçamente, do interior do Estado, expulsos pelas precárias condições de sobrevivência e ausência do Estado. “Seduzida

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pela profecia de que se instalara em Manaus um parque industrial com infindada oferta de empregos, e em cujo comércio a riqueza era feita do dia pra noite”. (SALAZAR, 1985, p.11).

Diferente da classe operária que vai se constituir no sudeste do país na década de 20 sobre a forte influência da imigração italiana, alemã e inglesa, países onde o processo industrial já estava consolidado e conseqüentemente a organização dos trabalhadores. Em Manaus o processo industrial chega 40 anos depois, constituindo-se em luta entre o empresariado do sul e sudeste e o caboclo recém chegado na cidade, estranho ao modo de viver urbano, sem tradição de luta, sem canal institucional de classe, uma classe operária constituída, principalmente, por mulheres e menores.

O avanço das favelas vai refletir esse adensamento urbano, diferente do sul e sudeste onde as ocupações desordenadas pela população de baixa renda vão se estabelecer nas encostas de morros e à beira de rodovias, na cidade de Manaus, a favelização tem seu processo iniciado pela ocupação das margens e dos leitos dos igarapés que cortam a cidade, pois são áreas de domínio público (SALAZAR, 1985).

Como esses lugares são áreas alagadiças sujeitas às inundações causadas pelo período do regime de “cheia” e pelo volume pluviométrico característico da região, essa habitação é denominada palafita, construção em madeira, coberta de palha, zinco ou amianto com base alongada que permite uma mobilidade no assoalho para fugir das inundações.

Para entender Manaus é preciso ir além do seu conjunto arquitetônico, é preciso considerar sim todo sítio urbano juntamente com as ações dos produtores do espaço urbano. Manaus precisa ser entendida como resultado das ações concretas promovidas por sujeitos reais.

Por isso, não apenas as grandes articulações e todas as questões ligadas à conjuntura local e internacional, mas também os elementos do cotidiano, o simples precisa ser observado, suas dimensões e resignificações, desde os vendedores de carvão na ponte do bairro dos Educandos até o que restou do Distrito Industrial, do São Sebastião ao Shopping Milenium5 (prova das benesses do poder público), da vida agitada e intensa da grande circular até os condomínios fechados orla da Ponta Negra, interpretar o que muda e o que permanece revela-se condição para o entendimento das disputas de poder nos interior da cidade.

A reflexão proposta aqui chama atenção para a compreensão de uma outra lógica, uma dimensão que compreende a vida das pessoas, as coisas simples. A proposta é um outro

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Shopping de arquitetura moderna recentemente construído a margem do igarapé do Mindú na rua Constantino Nery.

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olhar, mas agora não mais sob a ótica daquele que quer reproduzir a relação de dominação, mas na ótica do homem simples, do vencido.

Movimento social urbano: o devir social.

O acesso à moradia está ligado ao seu preço, que, por sua vez, depende do lugar onde a moradia está localizada. A valorização do espaço urbano segue uma lógica que é reservar para aqueles que não podem pagar as áreas mais degradadas do ponto de vista ambiental e social.

Os movimentos urbanos que emergem na década de 80 têm sua organização a partir da situação de moradia. De acordo com Kovarick (1985) as incessantes lutas por água, luz, transporte vai se constituir uma rede de organizações convertidas em movimentos de bairro.

A partir de 1990, os movimentos sociais deram origem a outras estratégias de organizações populares, mais institucionalizadas, como os fóruns nacionais de luta pela moradia popular. No caso da habitação e reforma urbana, por exemplo, o próprio Estatuto da Cidade, é resultado dessas lutas.

O Fórum da Participação Popular e tantos outros fóruns e experiências organizativas locais, regionais, nacionais e até internacionais, estabeleceram práticas, fizeram diagnósticos e criaram agendas, para si próprios, para a sociedade e para o poder público. O Orçamento Participativo, e vários programas surgem como resultado de um processo com intensa mobilização e enfrentamento.

A consciência que vai sendo construída de maneira coletiva apropria-se de inúmeros elementos, mas não é um processo que ocorre espontaneamente, apresenta-se conflituoso, um encadeamento de acontecimentos que não obedece a uma ordem lógica combinando avanços e recuos, onde esses sujeitos apropriam-se de informações e desenvolvem um conhecimento técnico acerca de determinados assuntos tidos como técnicos, pois a dinâmica do movimento acaba fornecendo informações dispersas sobre como funciona determinado órgão público, de que forma obter financiamentos, como proceder para gerenciar recursos, dialogar com o Estado e etc.

Excetuando-se a agregação de informações técnicas, o exercício da prática cotidiana dos movimentos sociais propicia um acúmulo de experiências. As situações pretéritas vividas como negação dos direitos, opressão, perseguição de alguma espécie, fazem

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parte de um imaginário coletivo que favorece uma leitura da conjuntura contemporânea, transformando-se em força social.

É no processo de mobilização e lutas que se aprende as razões dos limites e recuos enfrentados. Compreende-se, também, a importância da fala, das idéias, do registro, da mística, de se submeter às decisões. São criados, ainda, códigos, bandeiras, canções, palavras de ordem, cores, reelaborando-se discursos e práticas. Montam-se estratégias de enfrentamento para a disputa de espaço. Trata-se de um processo de superação do conformismo, do calar e acatar.

A consciência gerada na dinâmica dos Movimentos Sociais leva ao conhecimento e reconhecimento das condições de vida de camadas sociais no presente e no passado. Os processos de formação como: seminários, palestras, encontros, oportunizam uma troca de experiências que por meio de seus instrumentos didáticos ajudam na identificação da dimensão do espaço gerado e apropriado pelas classes sociais na luta.

A articulação entre o saber científico e o chamado saber popular, constitui um aprendizado diferenciado que mescla o imaginário popular, seus saberes tradicionais e o saber técnico, onde a mediação é feita pelo interesse de classe. A construção desse saber que emerge dessa relação resgata elementos da consciência fragmentada (senso comum) das classes populares. Alimenta-se de elementos novos, contribuindo na articulação, no sentido gramsciano da construção de pontos de resistência à hegemonia da camada dirigente, construindo lentamente a hegemonia popular (contrahegemonia). Gramsci, (1979).

O papel desses movimentos sociais, como diria Gramsci, em relação ao intelectual orgânico, é difundir criticamente verdades já descobertas, socializá-las, por assim dizer, transformá-las, portanto, em bases de ações vitais. Na observação de todo esse movimento político podemos afirmar que o materialismo histórico e dialético ainda se apresenta como uma das possibilidades vigorosas, no campo teórico-metodológico da investigação dos movimentos sociais. Trata-se da elevação das condições de massa de manobra para a categoria de povo organizado.

A organização e mobilização dos grupos populares constroem um dos pilares da construção de uma nova hegemonia (teses de Freire); a articulação com os movimentos sociais populares da América Latina e dos demais países, para criar redes de comunicação favorece um processo pedagógico popular no mundo, pode contornar os vieses essenciais destas ações. A supressão da opressão através da educação para a humanização, onde os

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oprimidos eduquem a si mesmos e aos opressores. Nos processos de lutas pela busca da liberdade, da utopia6 emancipatória como direcionadora da autonomia, do desenvolvimento cultural, ético, estético, político e pedagógico das pessoas.

À margem da cidade, no leito do rio.

A experiência de organização do Movimento pela Drenagem do Igarapé da Cachoeirinha produz a possibilidade real de refletir sobre a cidade a partir do seu lugar. É uma aprendizagem coletiva onde a formulação de juízo é antes de tudo o olhar para si, percebendo-se capaz de intervir no processo de construção da cidade, ou percebendo-seja, assumindo um papel de sujeito, disputando o espaço e o projeto de poder.

Durante sete anos os moradores lutavam pela drenagem do igarapé. Em maio de 2004, em função das fortes chuvas que caíram sobre a cidade de Manaus, a situação desses habitantes ficou ainda mais difícil. 20 casas desabaram. E como diz uma das moradoras:

Quando uma casa desaba, também desaba o sonho.

Diante das dificuldades enfrentadas pelos moradores como as alagações que destruíam os móveis, as casas, disseminavam doenças e acumulavam grandes quantidades de lixo, os moradores perceberam a necessidade da organização para buscar melhores condições de vida, característica das novas modalidades de movimentos sociais que emergem na década de 90. Esta organização não surge a partir de grande mobilização das massas, mas de processos que são pontuais. Kovarick (1994).

Sentindo a necessidade de interferir no processo de urbanização estabelecido, a organização foi o caminho que a Comunidade Nossa senhora do Perpétuo Socorro encontrou para discutir os problemas resultantes do descaso do Poder Público com a comunidade. Identificaram seus aliados e aglutinaram várias representações comunitárias do Igarapé da Cachoeirinha (Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, Comunidade São José, Igreja Evangélica Jesus da Galiléia, Grêmio Recreativo Unidos da Ponte, Associação de Moradores do Igarapé da Cachoeirinha e diversas lideranças). Liderado por donas de casa, biscateiros, agentes de pastoral, aposentados, professores e objetivando solucionar os

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Utopia é tomada neste texto no sentido marxiano, ou seja, como um projeto de construção de uma nova sociedade, porém, que é possível de ser construído. É um sentido diferente do utilizado por Tomas Morus, em Utopia e Tomasso Campanelle, em A cidade do Sol, onde o entendimento de utopia é o não-lugar, o imaginável, o impossível.

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problemas enfrentados pelos moradores constituíram, com outras entidades, o Fórum de Fiscalização do Orçamento Público Municipal.

Em 1994, aliado a um coletivo articulado em diversas comunidades da cidade de Manaus - a exemplo do que acontecia na cidade de Porto Alegre - onde as organizações sociais participavam ativamente nas proposituras e fiscalização do processo de elaboração do Orçamento Público Municipal. Em Manaus, o Fórum de Fiscalização do Orçamento Público constrói uma metodologia diferente daquela vivida pelas organizações sociais que constituem o processo do Orçamento Participativo de Porto Alegre, pois, na experiência de Porto Alegre a propositura da organização, assim como a abertura para a sociedade surge como uma ação do poder público municipal. O Orçamento Participativo de Porto Alegre só se constituiu efetivamente a partir da ação do Estado, pois este representa um canal institucional oficial de participação da sociedade civil na formulação e gestão do orçamento público. Mas em Manaus a proposta parte dos Movimentos Sociais organizados que tencionam a participação efetiva da sociedade nas prioridades do município.

Segundo Rousseau (2001) é necessária uma grande vigilância em relação ao executivo, pois este tem a tendência de agir contra a autoridade do povo, por isso, é correto afirmar que o Fórum do Orçamento rompe com a visão tradicional da política em que o cidadão encerra a sua participação política no ato de votar deixando os governantes eleitos livres para legislar por meio de políticas tecnocráticas, populistas, clientelistas e excludentes. Assim o Orçamento Participativo, nesse modelo, passa a ser um instrumento de luta onde o cidadão deixa de ser um simples colaborador da política tradicional para ser um agente ativo de destaque na gestão pública.

Em Manaus a experiência do Fórum do Orçamento emerge da necessidade sentida pelas organizações sociais de intervirem politicamente na construção do poder público. O FOP vai representar a possibilidade da governança democrática por meio da elaboração, votação, execução e fiscalização do Orçamento da Prefeitura de Manaus. A intenção é que, a exemplo de Porto Alegre, Manaus possa ter a experiência do Orçamento Participativo, que se constituiu histórica e democraticamente como uma das manifestações de Gestão Democrática do Poder Público, que compatibiliza, no interior de sua dinâmica, a democracia direta com a democracia representativa.

A maior parte da História de Manaus é de Orçamentos Municipais executados sem discussão, sem avaliação e sem a fiscalização dos moradores de Manaus. E hoje ainda continua assim, embora algum espaço democrático de participação das comunidades venha se registrando na Câmara Municipal a partir de 1993 e ganhou mais

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consistência com a fundação do Fórum do Orçamento Público em 1994. (Cartilha “Esse dinheiro é nosso” 7, 2005).

O Fórum do Orçamento vai encontrar apoio em apenas um dos 37 vereadores da Câmara Municipal de Manaus. O referido vereador torna-se um importante aliado, uma vez que este colocou seu mandato e a estrutura do gabinete parlamentar à disposição do Fórum de Fiscalização do Orçamento Público Municipal.

Com o objetivo de contribuir para a construção de uma Gestão Democrática de Poder Público no Amazonas o Fórum do Orçamento investe na formação de suas lideranças e consegue outro importante aliado que é a Ação pela Cidadania contra a Fome. A Cáritas-Manaus e as Pastorais Sociais, assim como o Corecon (Conselho Regional de Economia 13ª região), Sinteam (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas), compõem a base social do Fórum que se amplia na medida em que avançam as formações. Hoje esta base conta, ainda, com entidades de classe, partidárias, comunitárias, lideranças, parlamentares, profissionais liberais e pesquisadores.

As ações do governo podem e devem ser transparentes. O poder público (governo) e a comunidade (governados) podem, juntos, definir onde, como, quanto e quando devem ser aplicados os recursos financeiros arrecadados do povo. Para isso, pode-se construir uma esfera pública, não-estatal, através da qual a sociedade possa controlar o Estado, estabelecendo de maneira autônoma e por meio de um processo de democracia direta a forma de funcionamento do Orçamento Participativo, escolhendo suas prioridades temáticas, de obras e serviços e constituir um Conselho do Orçamento Participativo. (Cartilha “Esse dinheiro é nosso”, 2005).

A intenção de superar os obstáculos que iam desde a falta de recursos até a necessidade de formação política dos sujeitos envolvidos, fez com que o movimento priorizasse uma estratégia de formação que atua na perspectiva da transformação do modo de lidar com a coisa pública, por meio, do exercício prático e coletivo, com os diferentes grupos sociais, na elaboração e acompanhamento das votações das propostas de emendas à Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, à Lei Orçamentária Anual - LOA e ao Plano Plurianual – PPA. Desse modo, o Fórum do Orçamento Público investe em programas de formação para lideranças comunitárias e de outros grupos sociais, assim como nas equipes de coordenação e de apoio.

A iniciativa do Fórum do Orçamento Público será a grande novidade, pois em um momento que claramente é observado um refluxo nos movimentos sociais no Brasil e no

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“Esse dinheiro é nosso”: cartilha elaborada pela coordenação do Fórum para ser utilizado na formação de lideranças.

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mundo. Estamos em época neoliberal e vivendo sob o julgo de um governo que chega ao poder com uma proposta pautada nas exigências do Banco Mundial.

Um projeto ideológico e social compartilhado por uma elite conservadora que naquele momento é representado pela aliança PSDB-PFL, em torno de FHC, que passam a comandar a política na sociedade brasileira, inclusive “construindo” todo um dispositivo da possibilidade real da reeleição presidencial.

No Estado do Amazonas a direção política é mantida pelo mesmo grupo que se reveza no poder nos últimos 25 anos. O discurso é democrático, pois estamos em tempos de liberdade política, mas a prática, denuncia os velhos hábitos de uma elite fisiológica e oligárquica. Onde é comum o “aliciamento” do povo, por parte dos pretensos governantes, através da sacola de rancho, telhas, dentaduras, madeiras e toda uma infinidade de concessões com o objetivo de receber como gratidão o voto daqueles que foram contemplados com tamanha generosidade.

A imagem do super-herói, aquele que vai resolver todos os problemas para o povo, destitui o caráter de cidadão daquele que por meio da democracia representativa escolhe seus representantes. A prática clientelista deseduca na medida em que corrompe o sujeito político. Essa ação compromete a viabilidade de um poder verdadeiramente democrático. Em virtude dessa realidade o Fórum do Orçamento Participativo propõe:

[...] o futuro “problematizado”, como defende Paulo Freire, contrário à determinação, ao futuro pronto e acabado, posto pela ordem neoliberal que concebe a miséria como fatalidade, que não há o que fazer. Problematizado, o futuro, está aberto à intervenção dos sujeitos, homens e mulheres fazendo história, construindo o novo mundo, livre das indignidades. [...] não somos ingênuos. Na sociedade é majoritária a concepção do super-herói, que alcança agentes que se posicionam tanto à direita quanto à esquerda no espectro político, mas que têm a mesma conseqüência do “futuro determinado”, imobilizador da sociedade, que desconsidera o poder da organização coletiva. (Carta do Fórum do Orçamento Público 1994).

A função do Fórum do Orçamento além de articular os diversos sujeitos para assumir o papel de protagonista promove a formação dos envolvidos com um projeto coletivo, onde a ação de um grupo, classe ou segmento da sociedade se coloca como principal sujeito na dinâmica social, é a maneira de se afirmar como produtores da história e do devir social.

A concepção adotada pelos sujeitos que compunham o Fórum do Orçamento, ou seja, as comunidades, acerca do financiamento de suas ações era de auto-sustentação. Ações como passeatas, confecção de faixas, aluguel de ônibus para garantir a presença na prefeitura e na Câmara Municipal de Manaus no dia da votação do orçamento.

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Material informativo, registro fotográfico, camisetas, etc. Tudo deveria ser financiado pelo movimento, uma vez que a presença da comunidade na Câmara Municipal de Manaus era necessária para fazer pressão com o objetivo de aprovar as emendas de cunho popular e, ao mesmo tempo, forçar a Prefeitura Municipal de Manaus para que o prefeito cumprisse aquilo que estava aprovado no na proposta de orçamento inicialmente aprovada.

Na comunidade do Igarapé da Cachoeirinha os moradores assumiram uma postura, mesmo depois da aprovação da emenda no orçamento. Os moradores entenderam que só por meio da pressão social a Lei Orçamentária poderia ser cumprida, e ainda, que esse era um instrumento importante para exigir a distribuição de riquezas. Pois sanear ou não sanear um igarapé, construir moradias dignas, realizar ações que favoreçam a comunidade é distribuir riqueza, assim como construir uma obra imperfeita na comunidade, fornecer serviços de baixa qualidade também é divisão de riqueza.

A idéia de organização dos movimentos sociais urbanos precisa atuar na constituição dos sujeitos sem perder a perspectiva de totalidade. Um trabalho realizado por determinado coletivo precisa ser socializado com os demais, pois é o diálogo, a troca de experiências que de maneira solidária pode fornecer sustentação social para o outro, é a chamada base social.

Desde a década de 90, os movimentos sociais no Brasil têm assumido posição de destaque dentro de processos decisórios do governo, quer por imposição do próprio movimento quer por determinação governamental. A prática estabelecida pelo movimento social favorece o debate dos temas e problemas públicos construindo uma cultura política pública Gohn (2004).

A participação da sociedade civil é a “ordem do dia”, sobretudo durante o governo do presidente Lula. São inúmeras conferências realizadas por todo Brasil; conferência das mulheres, da saúde, educação, meio ambiente, cidades, etc. As audiências públicas e a formação dos Conselhos Municipais. Em nenhum momento da história política desse país o diálogo entre o governo e os movimentos esteve tão em voga.

Considerações Finais

É preciso entender que o problema da cidade não pode apenas ser refletido numa perspectiva dicotomizada, ou seja, entre o rural e o urbano, mas a partir dos novos agentes sociais. A (re) produção do espaço urbano no interior da Amazônia segue uma ordem que não

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é linear, sua realidade complexa e contraditória vai além da paisagem natural, habita na cultura e na sociodiversidade. Pensar o espaço urbano na Amazônia é entender as mediações processadas pelos novos e os tradicionais atores que articulam a sociedade dentro de uma dinâmica especifica, mas que não exclui a totalidade.

O espaço urbano articulado pelos movimentos sociais desenha uma fisionomia étnica tanto em uma grande cidade como Manaus quanto nas pequenas cidades do interior do Estado do Amazonas. As lutas travadas pelos diversos movimentos como: moradores de áreas alagadas, carvoeiros, e ainda, os “índios urbanos” que exigem saúde e educação diferenciada, assim como um espaço de uso coletivo para suas práticas religiosas impõem na agenda do gestor público a pluralidade dessa cidade. As ações governamentais referentes à melhoria de vida da população que vive na cidade precisa ser mais que a regulamentação territorial, que regularizar a favela. Transformar os espaços de moradia em mercadoria para o mercado imobiliário não é construir uma sociedade plural.

Compreender que a vida nas cidades amazônicas está ligada ao rio e á floresta, por isso, existe uma necessidade insuportável dos moradores dessas cidades dos banhos nos igarapés, da contemplação do rio. As transformações na paisagem urbana acabam por revelar a disputa entre a força do mercado imobiliário fortalecido pelas ações contraditórias do governo, e do capital internacional representado pelos investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e os Movimentos Sociais que resistem com a utopia de construir uma cidade menos excludente.

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