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30º Encontro Anual da ANPOCS/ 24 a 28 de outubro de 2006 GT10 Título - Autora - RESUMO EXPANDIDO

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30º Encontro Anual da ANPOCS/ 24 a 28 de outubro de 2006;

GT10 - Imagens e sentidos: a produção de conhecimento nas ciências sociais

Título - Técnica e estética: a construção da imagem na Cia. Cinematográfica Vera Cruz Autora - Maíra Zenun de Oliveira

RESUMO EXPANDIDO

Idealizada pela burguesia industrial paulista, a Cia. Cinematográfica Vera Cruz produziu um cinema clássico-industrial que procurou retratar um Brasil mais próximo do ideal desta elite do que da realidade sócio-econômica da forma como estava estruturada nas décadas de 1940 e 1950. A imagem criada pela companhia para retratar o país se contrapunha diretamente a estética e ao discurso assumido pelo Cinema Novo, projeto que, de certa forma, disputou com a Cia. Vera Cruz o monopólio do sentido de Brasil no campo cinematográfico e, consequentemente, no imaginário nacional da época. No intuito de perceber a forma como se deu o processo de construção e o entendimento sobre a imagem que havia do Brasil em relação a sua identidade sócio-cultural, busco compreender neste momento estético do cinema nacional, de feições empresariais, elementos que expliquem o modelo de produção adotado pela Cia. de Cinema Vera Cruz em prol da construção de uma imagem modernizadora para o Brasil e sobre o Brasil. A análise está estruturada a partir da questão sobre o porquê da imagem que chamo de civilizadora, de transformação sócio-cultural calcada na pujança industrial de São Paulo e de seu significado para a modernização do país, produzida pela Cia. Vera Cruz, não conseguiu se legitimar e se manter como referência de modelo produtivo.

A companhia teve uma sobrevida de menos de cinco anos, de sua criação em 1949 até 1954, quando os donos, Franco Zampari e Francisco Matarazzo, se viram forçados a decretar a falência da empresa. De fato, o cinema tem sido importante objeto para estudos interessados na problemática da elaboração de imagens enquanto elementos para se pensar o processo de construção das identidades sócio-culturais em sociedades modernas. A idéia neste trabalho, se define, portanto, em compreender este momento específico da modernidade nacional em que o cinema é eleito como elemento de construção da identidade sócio-cultural do país e, ao identificar este tipo de movimentação no cinema nacional, a intenção é propor uma discussão a respeito das especificidades

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simbólicas da Cia. Vera Cruz compreendendo que, além do discurso e do lugar que norteia suas propostas, também a linguagem técnica e as opções metodológicas podem nos esclarecer pelo menos um dos projetos de identidade que circulavam entre as elites nacionais da época. Por entender que o processo de construção das imagens nos fornece, de forma mais explícita, as divergências estéticas e discursivas entre projetos como a Cia. Vera Cruz e o Cinema Novo, proponho identificar elementos que justifiquem a falência do projeto ideológico da Cia. Vera Cruz em detrimento da imagem que passa a ser construída pelo Cinema Novo na década de 1960, quanto à estética dos filmes e o discurso embutido em suas imagens. Utilizo conceitos como poder simbólico, campo e hegemonia para discutir o fato de que, na disputa pelo melhor tratamento dado a cultura nacional, a imagem civilizatória apresentada pelos paulistas não dava conta de retratar o Brasil multiplural recém descoberto pelos intelectuais produtores, que procuravam formular novas imagens para as problemáticas de autonomia da nossa realidade subdesenvolvida sócio- economicamente. Desta forma, o trabalho está metodologicamente estruturado em um esquema que, inicialmente, procura apresentar um balanço sócio- histórico do período que circunscreve a criação da Cia. Vera Cruz, seguida de uma análise a respeito de suas especificidades imagéticas, fundamental para o entendimento sobre sua derrocada. A falência do modelo adotado pela Cia.

Cinematográfica Vera Cruz, em meados da década de 1950, alimenta o surgimento de novas propostas para a linguagem cinematográfica que, no início dos anos 1960, se consolidam enquanto Cinema Novo. O novo cinema vem comprovar a falência do modelo clássico-industrial da Cia. Vera Cruz e reforçar a necessidade de um cinema mais engajado politicamente para que haja o real fortalecimento da cultura nacional. Este processo de transição determinou a expressiva transformação da forma de construção e entendimento sobre a imagem que havia do Brasil em relação a sua identidade sócio-cultural, dentro e fora da sociedade brasileira. Existia, na época, uma preocupação intelectual e política quanto ao tipo de representação que deveria ser fortalecida para que o Brasil pudesse, definitivamente, suprimir o ranço arcaico e colonial que emperrava o processo de modernização no país, no qual a Cia. Vera Cruz caracterizou uma das propostas de industrialização e desenvolvimento da economia nacional. Acredito que a opção estética da Cia.

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Vera Cruz anuncia o caráter discursivo que costura suas obras cinematográfica, a intenção e a força do argumento. Esta análise parte de uma perspectiva social no intuito de repensar o que se pretendeu enquanto construção de identidade quando a Cia. Vera Cruz foi realizada.a um dos projetos nacional-desenvolvimentista da época que era especificamente defendido pela burguesia industrial paulista e pregava a adesão definitiva do Brasil ao processo civilizador que se processava nas grandes economias na metade do século passado.

INTRODUÇÃO

Interessada em somar a discussão sobre aspectos relacionados à construção narrativa da Cia. Cinematográfica Vera Cruz, um dos movimentos de maior relevância no processo industrial cinematográfico brasileiro deste último século, pretendo neste artigo compreender um momento que me parece crucial para a mudança de eixo estético do cinema nacional, que corresponde aos anos entre as décadas de 1950 e 1960.

Com a falência do modelo adotado pela Cia. Cinematográfica Vera Cruz, em meados da década de 1950, surgem propostas para uma nova linguagem cinematográfica que, no início dos anos 1960, se consolidam enquanto o Cinema Novo. Este processo de transição determinou a expressiva transformação da forma de construção e entendimento sobre a imagem que havia do Brasil em relação a sua identidade sócio-cultural. Existia na época uma preocupação intelectual e política quanto ao tipo de representação que deveria ser fortalecida para que o Brasil pudesse, definitivamente, suprimir o ranço arcaico e colonial que emperrava o processo de modernização no país.

Ao identificar este tipo de movimentação também no cinema nacional, a intenção neste trabalho é propor uma discussão a respeito das diferenças simbólicas e também estéticas entre a Cia. Vera Cruz e o Cinema Novo.

Compreendendo assim que, além do discurso e do lugar que norteia essas propostas, também a linguagem técnica e as opções metodológicas tanto da Cia. Vera Cruz como do Cinema Novo pode nos esclarecer pelo menos dois desses projetos de identidade que circulavam entre as elites nacionais de então.

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Apresento uma breve a análise a partir de dois importantes filmes para ambos os projetos cinematográficos: O cangaceiro, de 1952, e Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1963, por entender que nessas produções específicas podemos apreender de forma mais explícita as divergências estéticas e discursivas entre os projetos, devido à aproximação temática dessas produções.

O tema que dá substância aos filmes O Cangaceiro e Deus e o Diabo é, relevando as tramas circunscritas, o sertão nordestino. O que torna as diferenças absolutamente significativas entre as obras é o tipo de tratamento dado ao sertão enquanto espaço, cenário e contexto para o desenvolvimento dos roteiros. Partindo de opções estéticas e narrativas insociáveis, a Cia. Vera Cruz vai promover um cinema estritamente industrial e técnico, enquanto que o Cinema Novo nasce com a intenção de produzir arte, mais especificamente, arte política, interessada e envolvida com a realidade social do país.

Este contexto específico me fez atentar para uma antiga questão do cinema brasileiro: o porquê de o tema do sertão confirmar-se como assunto legítimo para o cinema e também para a construção de elementos que suprisse o anseio de consolidação de uma cultura genuína no Brasil dos anos 1950 e 1960. Sem a pretensão de responder ou concluir esta problemática, procuro acrescentar à discussão alguns fatores que me parecem importantes para a pesquisa teórica envolvendo os estudos sobre cinema e sociedade.

Desta forma, e guiada pela questão desta coincidência temática nos filmes citados, apesar de uma total discrepância quanto à estrutura estética e narrativa, procuro fazer um balanço sócio-histórico do período que circunscreve a criação da Cia. Vera Cruz, a derrocada do empreendimento e a aparição do Cinema Novo. Ao relatar alguns desses aspectos de formação, busco possíveis argumentos que ressaltem as especificidades determinantes para o discurso embutido e que define cada um dos filmes. Acredito que a opção estética anuncia o caráter discursivo que costura uma obra cinematográfica, a intenção e a força do argumento. Esta análise parte de uma perspectiva social no intuito de repensar o que se pretendeu quando essas duas escolas cinematográficas se realizaram.

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Cia. Vera Cruz: contextos e prerrogativas nos anos 1950

A periodização tem sido um dos métodos recorrentes na tentativa de se articular a história do cinema mundial. Este processo procura identificar na história social elementos correspondentes para se pensar os arranjos temporais do cinema, verificando-se inclusive certo paralelismo entre a história do cinema e importantes datas da história geral do século XX (Bernardet, 2004:

53). No Brasil, os estudos que abordam esta mesma temática de reconstituição da historiografia cinematográfica nacional, a periodização também está pautada, muitas vezes, no entendimento sobre os processos sociais que constituíram a sociedade brasileira. Esta organização histórica do cinema parece alimentar uma demanda antiga da nossa elite intelectual que, de forma até insistente, procura compreender a sociedade brasileira através de suas rearticulações sócio-culturais1.

Paulo Emilio Salles Gomes2, dentro desta perspectiva de organização metodológica, constitui-se como exceção. O tipo de sistematização proposta pelo autor em Panorama do Cinema Brasileiro: 1896-1966, por exemplo, rejeita a possibilidade de um vínculo exclusivista do cinema com a história brasileira e opta por uma estrutura de análise que compreende a evolução da produção nacional a partir de suas etapas relacionadas, primordialmente, às crises técnicas e de produção que constituem esta trajetória.

De fato, não se pode desconsiderar que há na matéria exclusiva do cinema elementos indispensáveis para a compreensão de seu desenvolvimento. Uma vinculação simples e imediata da história do cinema com qualquer ordenação prévia da historiografia social mundial ou nacional empobrece qualitativamente estudos sobre as singularidades deste processo com linguagem e dinâmicas próprias.

Mais interessante do que perceber as coincidências históricas entre a evolução do cinema e da sociedade, é tentar articular sem distanciamentos, como sugere Jean-Claude Bernardet (2004), a história cinematográfica e a

1 No Brasil, a recorrência deste tema nas ciências sociais é significativa. São muitos os autores que se relacionam diretamente com o que, em certa medida, pode ser entendido como uma resignificação da missão da intelligentsia preocupada em desvendar e se apropriar de uma imagem consolidada de identidade nacional. Esta tendência pode ser apontada desde Gilberto Freyre e Sergio Buarque, Octavio Ianni, até Renato Ortiz e Marcelo Ridenti.

2 Citado por Bernardet, Jean-Claude In Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro, 2004.

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história social. Desta forma é possível promover uma discussão a respeito das proximidades, inegáveis, entre cinema e sociedade. Sem a pretensão de alongar demais esta discussão, lembro apenas que esta problemática foi revista por Pier Paolo Pasolini (Amoroso, 2002) ao definir o cinema como um processo análogo à realidade, quando se utiliza de sua capacidade lingüística e narrativa na busca por relações e significados. Sobre o conceito de cinema- poesia elaborado por Pasolini, sua grande questão está na necessidade que o cineasta tem de pensar o cinema através de uma semiologia da realidade, uma vez que a realidade é um cinema em estado de natureza ou plano seqüência infinito (Pasolini, 1984; 182). Em seu artigo Semiologia Selvagem de Pasolini, Adalberto Müller (2004) ressalta a importância da noção de cinema enquanto um código para se pensar os significados mais complexos da realidade na semiologia pasoliniana. Esta definição de cinema como algo que não se afasta da realidade, que representa a realidade através da realidade vai se definir como uma língua escrita da realidade, na medida em que trata exatamente de sua reprodução.

Neste sentido, vale ressaltar que, o fato de Paulo Emílio (1996) propor uma análise a respeito da objetivação própria do cinema, distanciando suas interpretações de um encadeamento histórico prévio, não o faz negar que haja uma vinculação entre o que o cinema produz e a realidade social na qual se insere uma determinada produção áudio-visual. Pelo contrário, a relação entre cinema e realidade no sentido aprendido por Paulo Emílio (1996), reivindica a noção de que no Brasil é arriscado pensar a história do cinema nacional sem levar em conta o atrelamento indissociável que há entre os processos sócio- culturais e a herança subdesenvolvimentista que nos legou os mais de três séculos de colonização no nosso país.

Ao partir de um viés sociológico para a compreensão de movimentos culturais como a Cia. Vera Cruz e o Cinema Novo, é fundamental recorrer a uma análise quanto à perspectiva discursiva e ao lugar ocupado pelos responsáveis diretos na sua elaboração dentro da hierarquia social brasileira.

No caso do cinema dos anos 1950 e início dos 1960, que compreende, levando em conta que faço aqui um recorte proposital, a breve história da Cia. Vera Cruz e o surgimento do Cinema Novo, podemos dizer que a transição entre uma proposta e outra definem significativamente a mudança de perspectiva e

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de parâmetro para a produção cinematográfica brasileira e para a construção de uma identidade nacional própria.

A Cia. Vera Cruz esta sub-inscrita em um determinado contexto social bastante especifico. Criada em novembro de 1949, ela representa e consolida todo um projeto sócio-cultural idealizado por um grupo de elite que se valia de uma certa força discursiva dentro do campo de poder que se constitui no Brasil daquele momento, guardadas as devidas proporções. De acordo com Bourdieu (1994), é preciso entender que uma sociedade se define a partir das lutas simbólicas que ocorrem no interior dos seus diversos campos sociais. Segundo o autor, o que determina a posição em que estão inseridos espacialmente os atores sociais dentro do campo é a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo etc.), condicionado este posicionamento ao habitus que, na luta social, identifica-se com a classe social que o indivíduo faz parte.

Portanto, ao trabalhar com a idéia de que o controle de um determinado capital, seja ele cultural, social ou econômico, é essencial para a manutenção de legitimidade dentro de um campo, podemos dizer que os atores sociais responsáveis pelo caso da Cia. Vera Cruz faziam parte de uma das maiores elites urbano-industriais do país. Como já foi bem analisado por Maria Rita Galvão (1981), há na proposta da cia. uma total afinidade entre status e cultura, no caso burguesia e cinema. Sonho que se concretizou a partir de investimentos privados, a nossa grande indústria cinematográfica paulista só foi possível porque estava por trás do projeto uma das duplas mais importantes para o cenário histórico-cultural de São Paulo: os novos ricos, de descendência italiana, Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho.

A proposta de construir estúdios gigantescos e se cercar das mais sofisticadas tecnologias era entendida como fundamental para se criar no Brasil uma verdadeira indústria cinematográfica, capaz de cancelar no imaginário coletivo nacional e, principalmente, na comunidade internacional a imagem que se fazia do cinema brasileiro como uma produção precária e insignificante (Galvão, 1981). A situação sócio-econômica nacional correspondia a um contexto generalizado pós-Segunda Guerra Mundial, de remanejamento e ascensão de novos princípios.

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O aparecimento de novas linguagens da cultura moderna, indistintamente diferentes das linguagens culturais do Modernismo dos anos 20, coincide com o processo de crescente metropolização da cidade de São Paulo. De acordo Maria Arminda do Nascimento Arruda, em Modernidade e Cultura: São Paulo no meio do século XX, em meados dos anos 1940 se desenvolveu em São Paulo linguagens da cultura, como o teatro, o cinema e a ciência, fruto de um processo de urbanização específico. Ao articular este movimento de modernização e o desenvolvimento da cultura ou das linguagens modernas de vanguarda do meio do século XX em São Paulo, a autora entende tratar-se de um período vital para o crescimento e fortalecimento da elite industrial paulista. A idealização e consolidação de um projeto como a Cia.

Vera Cruz é fruto de um desejo de progresso e nesse sentido, apresenta um caráter histórico específico: uma cultura histórica como fruto do progresso, uma cultura da racionalidade (Arruda, 2005).

Anterior a este momento de euforia sócio-cultural, entre os anos 1930 e 1940, pouco havia do prestígio social que São Paulo exercera, sob a tutela da elite cafeeira, quando na década de 1920, São Paulo passara a disputar a condição de capital cultural com o Rio de Janeiro. Desde que São Paulo perdera a posição de controle hegemônico do país, que usufruíra durante a Primeira República, em virtude dos impactos sucessivos da crise de 29, do golpe varguista em 30 e, sobretudo do fracasso de 32, havia um incomodo absoluto por parte da elite quanto à condição de ostracismo cultural ao qual estava submetido o Estado de São Paulo no contexto nacional (Arruda, 2005).

Ocorre que, no final dos anos 1940, a economia paulista ancorava-se em condições extremamente favoráveis para seu desenvolvimento, ampliando poderosamente sua capacidade de acumulação por via da integração das atividades agro-industriais, da diversificação do comércio varejista, e, sobretudo, pela potencialidade revelada no setor industrial (Galvão, 1981;

Arruda, 2005). No período que corresponde de 1950 a 1958, houve uma intensificação dos investimentos, transformando qualitativamente a economia paulista e tornando esta década em um dos momentos cruciais para a industrialização de São Paulo, na medida em que muda o padrão de industrialização e, consequentemente, o próprio processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

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Este fenômeno, denominado por Arruda (2005) como renascimento paulista, corresponde como vem sido apontado ao longo do texto, ao conjunto de fatores que estão na base desse processo de mudanças significativas, seus desdobramentos e sua articulação com os reajustamentos periféricos da ordem capitalista após a Segunda Guerra Mundial.

A transformação econômica foi acompanhada também pela mudança na paisagem social da cidade. No campo simbólico dos grupos dominantes ocorre um revezamento das elites, como não poderia deixar de ser neste momento de crise e de acirradas disputas por hegemonia. Entram em cena grupos provenientes da imigração, como sugere Arruda (2005), substituindo ou interagindo com as antigas elites agrárias. Surgem oportunidades estratégicas para a promoção social das gerações dos filhos dos imigrantes, especialmente os italianos. Há uma adesão desses grupos ao campo intelectual, promovendo, diversificando e enriquecendo a produção artística e cultural a partir das novas demandas que se traduziria em uma infinidade de linguagens expressivas que se assinalavam na peculiar atmosfera cultural paulista (Arruda, 2005).

As palavras de ordem que guiaram as elites nacionais e, consideravelmente, a paulista, eram modernização, técnica, planejamento e estrutura (Arruda, 2005). O movimento que surge neste momento revela uma ruptura abrupta com o fim do período agrícola e o início de um período industrial. A burguesia paulista, inebriada com as novas possibilidades, toma como modelo comportamental a idéia de consolidação da sua segurança, poder e prestígio, promovendo uma verdadeira revolução cultural na década de 1950. De um modo ou de outro, como ressalta Galvão (1981), os movimentos de efervescência que estavam ocorrendo na metrópole acabaram repercutindo em economias dependentes e reorganizaram uma série de constelações de valores, que associavam os potenciais de crescimento da cidade com a propaganda da sociedade afluente do pós-guerra.

Importante lembrar que a criação da Cia. Vera Cruz, como principal tentativa de implantar uma indústria cinematográfica brasileira, faz parte de um complexo de realizações artístico-culturais, promovida por um grupo do qual também faziam parte Franco Zampari e Matarazzo Sobrinho. São Paulo viu surgir neste período o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), o Museu de Arte Moderna (MAM), o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a Escola de Arte

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Dramática, a Bienal de Artes Plásticas, a Cinemateca Brasileira, o Teatro de Arena, a Cia. Cinematográfica Vera Cruz, a sede do Instituto de Arquitetos, o Teatro de Cultura Artística da Universidade de São Paulo e a Pontifícia Universidade Católica (PUC).

A Cia. Vera Cruz, representou, no caso, a tentativa de consolidação da indústria cultural moderna do século XX, respondendo a todos os apelos e demandas de ascensão e cristalização da burguesia nacional. De acordo com Galvão (1981), a proposta, baseados em padrões hollywoodianos, supre, naquele momento, o desejo em ver o mundo apreciar tanto o profissionalismo quanto a qualidade técnica do cinema nacional, sendo que tal qualidade era comparada ao progresso e desenvolvimento para uma nação.

O que Galvão (1981) vai dizer a respeito dos investimentos da burguesia paulista no cinema nacional, assim como em outras manifestações culturais, é que foi a maneira que aquela elite encontrou para monopolizar a nova demanda da indústria cultural. Era como se aqueles mecenas da arte brasileira estivessem buscando convencer a eles próprios de seu vigor econômico e status social. Amparados pelo acumulo de capital graças à ascensão econômica vivida por São Paulo, fatores como o renascimento do cinema no pós-guerra e a novidade sociocultural representada pelos festivais internacionais, que estimulava os novos mercados produtores, contribuíram para que a burguesia apoiasse a criação da Cia. Cinematográfica Vera Cruz (Galvão, 1981).

A idéia de que o bom cinema se fazia apenas com a consolidação da indústria produtiva excluiu do processo elementos caros ao processo industrial que representa o cinema. Faltou à Cia. Vera Cruz uma política própria de distribuição e exibição, que dificultava a circulação do produto e representa uma fase decisiva nesta cadeia. Segundo Walter Benjamin (1989) o cinema atinge o auge da reprodutibilidade técnica exatamente por sua capacidade expansiva e reprodutiva, que tem verdadeiro alcance enquanto meio de comunicação nas sociedades de massa.

Convencidos de que lá fora os profissionais possuíam maior experiência e técnica, a companhia teve como prioridade de investimentos a contratação, majoritária, de estrangeiros para formar sua equipe técnica (Galvão, 1981). Esta absoluta desvinculação da Cia. Vera Cruz com a produção nacional corrente da

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época demonstra o tipo de relação que se estabeleceu no campo: os filmes tinham que ter a seriedade e o acabamento necessários para serem vendidos, pois o cinema não era visto apenas como forma de arte, mas principalmente, como uma indústria capitalista que visava o lucro imediato.

Esta tendência cinematográfica conseguiu, inicialmente, suprir bem as demandas da elite industrial paulista: a empresa investiu em tudo o que acreditava ser necessário para empreender uma produção cinematográfica brasileira e distribuía seus filmes através das filiais norte-americanas. Ocorre que com o passar do tempo, como sugere Galvão (1981), a não criação de uma cadeia distribuidora e exibidora e a política adotada frente aos produtores nacionais pesaram demais nas contas de Franco Zampari e Matarazzo Sobrinho, anunciando o prematuro fracasso a que estava fadada a companhia.

Na verdade, foi uma série de fatores que determinaram o fim da Cia.

Vera Cruz. A construção dos estúdios, de custo elevado e de custosa manutenção, teria sido realizada em um momento que já anunciava, mesmo nos Estados Unidos, o desaparecimento desse tipo de conjunto industrial campal e estático. Em Cinema Brasileiro: história e relação com o estado, Antonio Moreno (1994) ressalta que foi de definitiva relevância para a degeneração do projeto empresarial da companhia a freqüência de orçamentos feitos sem objetividade, a manutenção de um corpo de artistas e técnicos exclusivos que recebiam elevados ordenados e também a falta de apoio governamental na criação de barreiras à concorrência americana desleal.

Eram muitos os elementos de risco concentrados em um mesmo projeto artístico-cultural. A idéia de consagrar produções sérias e industriais a qualquer custo, ressalto, criando uma profunda cisão entre as produções cinematográficas da época e o que a nova companhia se propunha a fazer foi definitiva para o isolamento e falência do projeto de nossa Hollywood brasileira.

Independente deste processo de desconstrução do sonho do cinema industrial, devido às diversas dificuldades acarretadas pelos equívocos de concepção e administração, os anos 1950 correspondem no Brasil a um estilhaçamento das antigas formas de linguagem. Eram os sintomas dos impasses de um meio cultural aturdido com os múltiplos rumos e o ritmo intenso das mudanças em que se via mergulhado, quando passam a circular no campo artístico-intelectual um nexo surpreendente de fontes (Arruda, 2005).

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Este foi o cenário perfeito para o surgimento de uma proposta tão revolucionária como a que representou o Cinema Novo na estrutura cinematográfica nacional. Quando o cinema atingiu o que Bazin chamou de equilíbrio de um rio... (1958: 72) entre as décadas de 1940 e 1950, os movimentos sociais, assim como a força da água no leito do rio, passaram a influir no ritmo e na linguagem da sétima arte. Aquela produção que, anteriormente, se limitava ao expressionismo estético entra em choque direto com as novas propostas que passaram a circular no meio cinematográfico brasileiro.

Cinema Novo: uma nova proposta

Paralelo ao movimento protagonizado pela Cia. Vera Cruz, nos anos 1950, começa a se organizar um grupo de jovens instigados com a idéia de criar um cinema nacional autêntico, que interferisse na construção de uma nova identidade político-cultural para o povo brasileiro. Esta geração que antecipa o Cinema Novo, se articular a partir de um tipo de crítica sobre o cinema brasileiro que não fazia parte das demandas anteriores.

Como a realização de um cinema de estúdio, industrial e de alto nível, com linguagem universal e qualidade técnica impecável, havia mal-logrado no país, a classe cinematográfica passa a se organizar contra a invasão cultural norte-americana através de comissões nacionais de cinema e na produção menos mecanizada (Moreno, 1994). Instigados com a possibilidade de construção de um cinema livre dos ditames industriais, de padrões e linguagem muito distantes do contexto social, econômico e político no Brasil, cresce a produção dos filmes de autor, que vão debater de fato os problemas estruturais da sociedade.

Havia na sociedade brasileira uma espécie de euforia derivada da atmosfera de redemocratização e liberalismo triunfante. Como vimos, São Paulo recebe o status de locomotiva do Brasil, por ser a cidade que mais cresce na América Latina e que melhor assimila o know-how industrial moderno (Arruda, 2005). Não que no resto do país, o ideário nacional-desenvolvimentista também não estivesse presente, sobretudo na classe intelectual. Durante esse período, o Brasil sofre um intenso processo de industrialização com resultados

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sociais muito contraditórios. Os elementos que a caracterizavam o que era a cultura política compartilhada pelos intelectuais de esquerda brasileiros durante os anos 1950 e começo dos anos 1960 refletem uma mesma leitura sobre a realidade brasileira, entendida como de um país subdesenvolvido e culturalmente colonizado3.

Nessa conjuntura sócio-político e cultural, que vai da morte de Getúlio Vargas até o golpe militar de 1964, o Partido Comunista do Brasil (PCB) aparece como um importante ator no campo das decisões político-culturais do país, adquirindo atuante papel na estruturação do projeto nacional-desenvolvimentista (Pécaut, 1990). Simonard é um autor que chama a atenção para a influência desta linguagem marxista na formulação intelectual e cultural brasileira neste período, sentida em organismos como o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e, mais tarde, no Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Como a questão colonial era um dos grandes temas políticos das esquerdas mundiais, juntamente com as guerras nacionais anti-imperialistas, é interessante notar como a inserção das teses marxistas está diretamente ligada a uma nova postura do intelectual brasileiro diante da cultura nacional-popular.

Parte da comunidade artística e intelectual passa a se valer de elementos da cultura popular no intuito de resgatar o país da alienação e da dependência cultural, buscando também interagir mais com as demandas do povo brasileiro (Paulo Emilio, 1996). Definitivamente contrários ao modelo proposto pela Cia.

Vera Cruz, surge neste contexto uma classe de cineastas que questiona a dependência do mercado brasileiro frente aos filmes importados e também a submissão de um grupo de cineastas à linguagem do cinema produzido em Hollywood.

O foco da produção nacional muda e São Paulo deixa de ser o nosso pólo cinematográfico, legando ao Rio de Janeiro esta função. O surto industrial- cinematográfico provocado pela criação da Cia. Vera Cruz faz acirrar o debate sobre a produção nacional o que resulta em uma luta travada na tentativa de

3Pedro Simonard em seu artigo Origens do Cinema Novo: a cultura política dos anos 50 até 1964, faz uma interessante investigação sobre a cultura política brasileira sob a qual se formou a geração que participou do movimento político-cultural conhecido como Cinema Novo. No texto o autor discuti, especialmente, a relação entre as tendências ideológicas da intelligentsia e os movimentos culturais da época.

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que o cinema nacional se tornasse efetivamente uma das expressões da cultura brasileira (Paulo Emilio, 1996; Moreno, 1994). O papel que a produção cultural passa a desempenhar nesse processo de afirmação nacional é fundamental, daí a necessidade de se criar condições para que o artista brasileiro pudesse enfrentar as produções estrangeiras e firmar o seu produto no mercado interno. Essa batalha pela afirmação da cultura nacional determina muito o que foi a produção do Cinema Novo, que teve como um dos seus principais objetivos fazer cinema exatamente por se tratar de uma arte e de um veículo de comunicação de massa (Moreno, 1994).

Este movimento resolve mergulhar na realidade sócio-cultural brasileira, resultado visto nos filmes produzidos e que indicava, nitidamente, um caminho mais consciente e aflito quanto a situação do homem brasileiro comum e seus conflitos sociais4. Ele ganha força a partir do começo dos anos 1960 quando essas tendências se consolidam enquanto grupo, por perceberem que a situação do cinema nacional só mudaria caso houvesse a união do campo ante a massificação das culturas imperialistas nos mercados subdesenvolvidos (Paulo Emílio, 1996).

De acordo com Paulo Emílio (1996), o fato de o Brasil ser culturalmente colonizado e economicamente dependente, eram características marcantes com relação ao cinema nacional, e por esta razão era fundamental que os cinemanovistas adotassem uma mudança de atitude frente à complexa realidade do país. Enquanto o american way of life teimasse em moldar o imaginário da burguesia e das camadas médias da população brasileira, o cinema estaria fadado ao distanciamento e passividade diante da realidade brasileira. O Cinema Novo assume outra função dentro do contexto sócio-cultural exercido pela Cia.

Vera Cruz.

O Cinema Novo promoveu, sobretudo, uma revolução no discurso cinematográfico nacional, que antes se preocupava mais com a forma do produto, e passa a enfatizar o rico material sócio-cultural que circula na sociedade brasileira. Importante para o Cinema Novo era, muito mais, o que

4 Filmes que fazem parte dos antecedentes do Cinema Novo, como Agulha no Palheiro de Alex Viany e Rio 40º de Nelson pereira, ambos de 1953 e 1955, apontam para um caminho de contestação do meio social brasileiro. Moreno, Cinema Brasileiro: história e relações com o estado. Niterói: EDUFF, 1994.

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eles tinham a dizer sobre o Brasil e para o Brasil e o mundo, em detrimento da linguagem estética impecável predominante nas produções da Cia. Vera Cruz.

Além da libertação quanto às formas clássicas do cinema, o Cinema Novo teve como propósito desvendar um país de dimensões continentais, buscando reconhecer seus verdadeiros valores, suas manifestações culturais e deixa-las aflorar. Para tanto, contou com um time de idealizadores bastante antenados com os movimentos de vanguarda que estavam ocorrendo no mundo todo. Uma das principais influências na linguagem cinematográfica desenvolvida pelo Cinema Novo foi o Neo-realismo italiano.

Mariarosaria Fabris, sobre a recepção do neo-realismo no Brasil5, vai dizer que este foi um movimento apreendido com bastante entusiasmo pela sociedade cinematográfica brasileira. Suas influências foram sentidas nos debates e discussão a respeito do fazer cinema no Brasil antes mesmo que a estética neo-realista fosse incorporada à produção nacional. A discussão teórica em cima do neo-realismo instrumentalizou os cinemanovistas na tarefa de construir um cinema mais experimental e de vanguarda, incorporando um prisma ideológico a esta arte industrial.

Podemos dizer que o neo-realismo foi responsável por uma proposta bastante revolucionária dentro da história do cinema ao se propor a redescobrir a paisagem italiana pós-Segunda Guerra Mundial. Fabris ira dizer que:

“As temáticas que transformavam homem e paisagem em protagonistas se inspiravam diretamente na realidade e na necessidade de registrar o presente: a guerra e a luta de resistência antifascista, num primeiro momento, mas, logo depois, também a ‘questão meridional’ , a reforma agrária, a crise do desemprego e o subemprego nas áreas urbanas, a emigração, o abandono da infância e da velhice, a condição da mulher.” (1994: 26)

Independente do caráter nacional ser evidente no projeto cinematográfico neo-realista, não se poder negar que a proposta vai acarretar em uma revolução no estilo narrativo que imperava no cinema mundial. O que vai caracterizar o neo-realismo, além do fato de colocar em evidência a problemática nacional específica da Itália com muita propriedade, será a ruptura com o antigo modo de fazer cinema. Os cineastas neo-realistas vão deslocar o

5 Fabris, Mariarosaria. A questão neo-realista e sua recepção no Brasil In Nelson Pereira dos Santos: um olhar neo-realista?. São Paulo: EDUSP, 1994.

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aparato cinematográfico dos estúdios para as ruas, mudando de orientação o esquema de produção e rompendo com o espaço abstrato (Fabris, 1994).

Bazin (1958) vai descrever o neo-realismo como um momento do cinema em que se pretende impor uma revolução no nível dos temas mais do que no estilo. O desdobramento se dá no tipo de apresentação que se faz da realidade, que passa a ser registrada no espaço dramático do cinema de uma forma mais subversiva e impactante. Respeitadas as diferentes variações do neo-realismo, ocorre no cinema uma mudança de postura total que instaura um modelo de cinema com estética mais moderna que tenta descrever e também escrever, acompanhar a realidade e o ritmo das novas constelações sociais (Fabris, 1994).

Influenciado também pela nouvelle vague francesa, que tinham propostas vanguardista para a época dando ao cinema francês um fluxo contínuo de seqüências enormes com pequenas seqüências embutidas, o Cinema Novo passa a delinear uma nova proposta para a cultura cinematográfica brasileira (Moreno, 1994). Contudo, e apesar dessas influências que permitiram um impulso criativo no campo cinematográfico brasileiro, o Cinema Novo vai muito além, exatamente por ser novo na estrutura e autêntico no tema, fazendo uma junção mais ou menos sugerida por Epstein, nos idos dos anos 1920, que seria extrair através do cinema os significados mais recônditos das coisas do mundo que a existência prosaica retém (Müller, 2004).

Neste sentido, entre os mais influentes cineastas do Cinema Novo, Glauber Rocha cumpre o papel de potencializar o discurso do movimento de forma genial. Por acreditar que o intelectual era personagem central no processo de desmistificação da realidade brasileira, procurou no povo o suporte para a transformação e no cinema o caminho para a revolução. Ao se referir a Glauber Rocha, José Carlos Avellar exclama:

“Uma voz apaixonada que berra em defesa de um filme: uma imagem que ficou de Glauber.”(1995:22)

É desta forma que Glauber vai reagir à possível alienação do cinema brasileiro, como uma voz atuante e apaixonada, introduzindo um discurso

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político em seus filmes e transformando a relação espectador/filme em lapidação da obra que é oferecida em estado bruto ao público na intenção de que ele faça a seu polimento (Avellar, 1995). Ao defender para si o papel de construtor da realidade e manipulador da história enquanto intelectual e artista, Glauber procurou encontrar no cinema o caminho para uma revolução social tão urgente para a reconfiguração menos desigual da sociedade brasileira. Por esta razão que temas como política, poder e o papel do intelectual na sociedade eram recorrentes nas obras deste cinemanovista. Ismail Xavier, em Glauber Rocha: o desejo da história, é quem vai tratar bem desta constância nos filmes glauberianos.

“De ‘Barravento’ a ‘Idade da Terra’, o cinema de Glauber tem um movimento expansivo, articulando os temas da religião e da política, da luta de classes e do anticolonialismo: do sertão ao Brasil como um todo, e deste à América Latina e o Terceiro Mundo.Cada filme reitera o seu foco nas questões coletivas, sempre pensadas em grande escala, através de um teatro de ação e da consciência dos homens onde as personagens se colocam como condensações da experiência de grupo, classes, nações.” (2001: 128)

Os parâmetros de criação utilizados por Glauber Rocha representaram, de forma maximizada, as temáticas que mobilizavam a geração de intelectuais e artistas brasileiros naquele momento. Suas idéias para um cinema social e político enriqueceram as discussões do campo sobre a necessidade de uma resistência, seja ela estética, cultural, econômica ou política frente ao estilo importado dos EUA (Xavier, 2001).

Fato é que, desde o início, o Cinema Novo, liderado em certa medida por Glauber Rocha, vai se mostrar bastante disposto a produzir e fazer o cinema nacional andar. Verdadeiramente compromissados com a realidade cultural brasileira, esse grupo utilizou-se de ferramentas que o cinema vinha acumulando ao longo de sua evolução técnica e estética, abusando da utilização de imagens pouco canônicas dentro do campo e aderindo a uma perspectiva mais humanista e poética, no sentido atribuído por Pasolini ao cinema de arte (Müller, 2004).

Quanto ao caráter discursivo da linguagem cinematográfica desenvolvida pelo Cinema Novo, é indiscutível o afastamento da imagem distante da realidade que a Cia. Vera Cruz produziu. Talvez em alguns

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aspectos, faltasse ao Cinema Novo um pouco da linguagem plástica e estilizada que sobrava à sua concorrente. Mas não podemos nos furtar da informação de que esta nova forma estética era parte importante do projeto: se o que eles estavam dispostos era em penetrar nos códigos fragmentados da sociedade, o Cinema Novo distorcia ainda mais as imagens distorcidas que se podia ler da crua realidade brasileira, no sentido de cinema de vanguarda definido por Albert Laffay (1973).

Não cabia ao Cinema Novo o esmero de estilo e acabamento cenográfico da Cia. Vera Cruz porque, apesar de estarem tratando sobre um mesmo país, e nos caso específico de O Cangaceiro e Deus e o Diabo sobre a mesma região e sobre um mesmo grupo social, os recortes expostos eram incompatíveis. Nem por esta razão, de trabalhar a imagens através de um discurso-indireto-livre e da câmera subjetiva, que o Cinema Novo deixou de fazer um produto com ritmo, rebuscado e exigente.

O Cangaceiro e Deus e o Diabo: o sertão e os sertões

Talvez em uma primeira análise não fique clara qualquer concordância entre filmes tão díspares estéticamente como O Cangaceiro e Deus e o Diabo na Terra do Sol, além do fato de os dois apresentarem a temática do sertão. Se a questão está na forma do discurso sobre um mesmo objeto que se utiliza de linguagens distintas para falar do Brasil, a revisão sobre as discrepâncias talvez nos assinalem outras possibilidades de discussão quanto a sociedade brasileira e seus arranjos socio-culturais.

Enquanto no filme da Cia. Vera Cruz esta sendo retratado um único sertão, linear, compacto, voltado para a solução das relações afetivas e sem grandes desmembramentos na imagem, o sertão de Glauber Rocha oferece ao espectador fragmentos de vários sertões. A partir de uma narrativa não linear ou circular, Deus e o Diabo é impregnado de um caráter híbrido, de intermidialidade, ao unir elementos históricos como o cangaço e o messianismo à linguagem utilizada nos cordéis, no teatro, na literatura de Guimarães Rosa e Euclides da Cunha e no cinema de Rosselini e Epstein (Xavier, 1983).

A arte cinematográfica feita pela elite industrial paulista traduzida no filme O Cangaceiro consiste quase que exclusivamente em plástica e imagem,

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obedecendo ao modelo dos filmes americanos clássicos com uma montagem invisível, que mantém uma pseudo-neutralidade diante do expectador. Sem deixar de conduzi-lo através dos acontecimentos, segundo uma lógica matemática, André Bazin (1958) identifica que este método de montagem sujeita o público a uma imposição quase que natural das perspectivas sócio- culturais do realizador, justificada pelo deslocamento do interesse dramático.

Em O rural no cinema brasileiro, Célia Tolentino (2001) nos lembra que a idéia inicial de Lima Barreto era retratar um Brasil mais verdadeiro. Daí adivem a matéria primordial que impregnava o imaginário dos cineastas brasileiros. A autora vai dizer:

“Lima Barreto, antes de realizar ‘O Cangaceiro’, filme pelo qual lutou bravamente nos estúdios da Companhia Vera Cruz, dizia com convicção que iria fazer o verdadeiro retrato do Brasil, pois o que havia de ‘original e bonito’ estaria na Bahia para cima. O Sul, ao contrário, dizia, já se havia ‘contaminado’ de hábitos, ‘da mentalidade e feição humana alienígenas’ (apud Bernardet & Galvão, 1983, p. 116). Ou seja, no Nordeste estaria o autóctone, o original, e no Sul o que havia de estrangeiro, tanto na mentalidade quanto nos hábitos e costumes, além da constituição física. Essa leitura perpassa o filme de Lima Barreto do começo ao fim, a ponto de marcar a escolha dos atores pelos ‘physiques de rôle’ que mais representasse essa razão dualista: um cangaceiro ‘autêntico’ e bravo, porém bárbaro, é negro, caracterizando a tal raça mestiça; seu opositor, é branco como os ‘alienígenas’ do Sul.” (2001: 67)

Aliás, o enredo de O Cangaceiro gira em torno de uma concepção de oposições, dualista, entre o bem e o mal, que no caso esta caracterizado pelo elemento alienígena, segundo Tolentino (2001). Sinteticamente, a história do filme se desenvolve a partir da ação um bando de cangaceiros que semeia terror e violência pela caatinga nordestina. O conflito, que nada tem de social, se configura quando a professorinha da cidade, raptada pelo grupo de Capitão Galdino, se apaixona pelo cangaceiro loiro, o pacífico Teodoro.

Quanto a Deus e o Diabo, o filme é totalmente experimental e inovador.

O argumento faz uma síntese de fatos e personagens históricos concretos como o cangaço e o mandonismo local dos coronéis no Nordeste, o beatismo, a literatura de Cordel, Lampião e Corisco. O que no O Cangaceiro não passa de mero cenário para uma linda história de amor, apimentada com diversos elementos que fazem parte do imaginário nacional, em Deus e o Diabo, o sertão faz parte do discurso verbal, gestual e psicológico dos personagens,

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pois o que importa no filme é tratar exatamente das relações entre indivíduos, o meio e outros indivíduos, acentuando a realidade do homem sertanejo, esmagado pela paisagem e pelos outros homens. O conflito maior, social, se apresenta fragmentado em diferentes rachaduras do modelo sócio-econômico predominante no nordeste brasileiro.

Apesar do esforço implantado por Lima Barreto quanto a mostrar no cinema o verdadeiro Brasil, é gritante na narrativa o distanciamento construído entre o que esta sendo retratado e a sociedade moderna paulista que serve de origem para o discurso. Inspirada em uma discussão que já havia sido abordada por Ismail Xavier em Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome, Tolentino ressalta:

“O narrador se especifica e fala do Nordeste a partir de um projeto de um país que tem como São Paulo como modelo: eleger o cangaço como ancestralidade, uma tradição bravia de nossa gente, se faz interessante desde que distante na história .” (2001: 68)

Este distanciamento se reflete na produção da consagrada fita da Cia.

Vera Cruz, O Cangaceiro de 1953. Premiado em Cannes, o filme foi ovacionado pelo público nacional e internacional, elogiado por sua absoluta originalidade em relação ao conflito de dois cangaceiros, mas principalmente por sua alta qualidade técnica (Moreno, 1994). O que Tolentino (2001) e Ismail Xavier (1983) estão salientando em seus textos sobre a película de Lima Barreto é que, não passava de uma releitura dos western americano, uma mistura de faroeste com nordeste, embora filmado em São Paulo, com tom de melodrama épico (Moreno, 1994).

Alex Viany ao se referir sobre o diretor de O Cangaceiro, comenta:

“Quando ainda andava com seu primeiro roteiro de longa-metragem debaixo do braço, sem muita esperança de levá-lo à tela. Vitor Lima Barreto confessou-me, certa vez, que ‘ O cangaceiro’ tivera como principal inspiração o filme norte-americano ‘Viva Villa!’, contratação hollywoodiana da carreira do caudilho mexicano Pancho Villa.” (1999: 131)

Distanciamento, aliás, que foge completamente aos parâmetros estabelecidos por Glauber. Seu filme trata diretamente de um discurso carregado de imobilidade. Deus e o Diabo sugere uma nova forma de relação

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entre o público e o filme, como já foi dito, tornando visível a tensão do olhar do personagem como se a posição da câmera fosse ao mesmo tempo sentimento e razão, o olhar do que pensa a cena se contrapondo ao olhar de quem vive a cena (Avellar, 1995). È possível perceber a discrepância de olhar na cena de apresentação de Teodoro em O Cangaceiro e Corisco em Deus e o Diabo, que concentram para si a autoridade do tipo de cangaceiro que cada movimento pretendeu revelar.

Tolentino (2001) vai falar que a introdução de Teodoro no filme será feita através de uma reafirmação da dualidade mocinho e vilão já que este, ao contrário dos outros cangaceiros, teve uma justificativa para entrar na vida do cangaço. Sua primeira aparição se dá no momento em que Galdino seqüestra a professora, que jamais será reclamada pela cidade, e Teodoro surge em uma atitude de indignação diante de tal ação. O conflito que surge entre os dois naquele momento vai transformar o ritmo da história. Corisco entra em cena assumindo uma postura carregada de múltiplas significações, afinal é neste momento que o autor nos apresenta o diabo na terra do sol.

O que chama a atenção de Avellar (1995) para a cena é que Corisco é um homem de duas cabeças, ele representa o que Glauber deseja passar para o público a respeito de sua imagem. Ele é Corisco e lampião, a razão e o sentimento, uma singularidade plural, marcando fortemente que a narração é o narrador que narra para si próprio, como Corisco ao contar seu último diálogo com Lampião (Avellar, 1995: 16).

Algumas Considerações Relevantes

Bazin (1958), ao definir as tendências do cinema mundial entre os anos 1920 e 1940, nos fala sobre o cinema-imagem e o cinema-realidade. O autor argumenta que, a revolução da linguagem cinematográfica que ocorre no final dos anos 1920 representa a maior especialização do campo, no sentido de que se torna mais clara a distinção do processo cinematográfico, quanto à forma e quanto ao fundo.

O cinema clássico, que se desenvolve na busca pelo equilíbrio perfeito entre a forma, fotografia, decupagem e o fundo, compreende e fixa sua produção nos grandes gêneros melodramáticos (Bazin, 1958). A linguagem

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neste modelo está presa a uma forma de expressão ideal, sugerindo temas dramáticos e morais que se elevam a uma grandeza e eficácia artística, em oposição a uma unidade semântica e simbólica que entenda a imagem como um artifício que revela e não simplesmente copia a realidade (Bazin, 1958).

De fato, o que nos interessa neste debate a respeito da revolução estética pela qual passa o cinema em meados do século passado apresentado por Bazin (1958) vai além das diferenças estilísticas entre os métodos. O que desejo ressaltar é a força do cinema enquanto língua escrita da realidade (Pasolini, 1984) e constatar que, tanto pelo conteúdo plástico quanto pelos diversos recursos de montagem, que atribuem sentido e correlacionam as imagens, o cinema clássico dispõe de um poderoso arsenal diante do público, oferecendo ao expectador uma única interpretação sobre os fatos apresentados.

De fato, o que vai definir o perfil das produções da cia. paulista é a quantidade de investimentos feitos para se alcançar o nível do cinema clássico e a política de total desvinculação que ela assume diante do cinema que era feito anteriormente no país. Como a produção que vinha sendo realizada era considerada marginal e capenga, Zampari e companhia procuraram reproduzir a estrutura narrativa feita nos mercados internacionais através da contratação maciça de técnicos estrangeiros e incorporação absoluta do modelo industrial cinematográfico americano, o que exigiu de seus idealizadores a organização de toda uma infra-estrutura, inexistente, para a produção cinematográfica interna.

O lema da cia. era atingir um padrão internacional para a produção brasileira. Qualidade era sinônimo de técnica e acabamento estético, idéias diretamente relacionadas ao modelo cultural norte-americano. Muito diferentemente do Cinema Novo, que inova na linguagem e no discurso, a Cia.

Vera Cruz reproduz uma estrutura clássica no cinema, e ao reproduzir, reforça um ideal desenvolvimentista que, independente ou não de se inspirar nas discussões nacionais, promove um retrato da sociedade tecnicamente perfeito, e, no entanto, ideologicamente vazio. O grande sonho do cinema brasileiro industrial era conquistar o mercado exterior, civilizando a imagem de Brasil que se fazia lá fora, e, de acordo com Paulo Emílio (1996), o equivoco da empresa

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foi a prepotência em demonstrar total desinteresse pelo produto e pelo público interno.

Além da oposição apresentada por Bazin (1958) entre cinema-imagem e cinema-realidade, no caso da Cia. Vera Cruz e do Cinema Novo, podemos pensar que esta transição da qual estou me referindo se deu através do fortalecimento da proposta do cinema de arte em detrimento do cinema industrial. Ao recorrer às análises de Adalberto Müller em seu artigo sobre a semiologia da realidade de Pasolini6, percebemos como o Cinema Novo estava mais próximo da proposta de cinema de arte, ou cinema-poesia, do que do aspecto industrial e técnico da narrativa clássica do cinema industrial. A imobilidade estética das produções clássicas, presas sempre a um esquema de elenco e enredo melodramático, impossibilitava ao cinema nacional um espaço para uma reflexão crítica sobre a sociedade.

As produções da Cia. Vera Cruz foram, em certa medida, o parâmetro real e negativo com o qual o Cinema Novo pode se inspirar, servindo para demonstrar aquilo que deveria ser rejeitado na produção de um cinema nacional e popular.

Sua linguagem, considerada reacionária e burguesa, não retratava o homem brasileiro, sua cultura ou seus problemas. Soava como falsa a forma com que eles falavam e retratavam a paisagem do país. Na luta contra o subdesenvolvimento e a dependência cultural, as escolhas feitas pela Cia. Vera Cruz ajudavam a alienar o povo e reforçavam antigas estruturas sociais, eram tidas como inimigas pelos cinemanovistas.

Alex Viany (1999) reconheceu, entretanto, que houve aspectos positivos na realização da Cia. Vera Cruz. Ela acabou incentivando uma melhora técnica e artística dos filmes brasileiros graças aos técnicos estrangeiros que vieram para cá e que, de uma certa maneira, treinaram os brasileiros para desempenharem melhor suas funções. Ocorre que, a companhia tentou implantar um modelo que, entre outras coisas, exigia muitos capitais, pouco disponíveis para o cinema no Brasil, e os cinemanovistas privilegiaram produções mais baratas, rodadas em espaços abertos, com luz natural e câmera na mão. A Cia. Vera Cruz conseguiu retratar um tipo ideal de homem brasileiro no cinema que refletia mais o desejo a respeito do que gostaria que fosse, ao invés de retratar a realidade. Por esta

6 Artigo Semiologia Selvagem de Pasolini, por Adalberto Müller.

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razão, acabou fazendo um cinema pouco brasileiro, que mostrava a cultura do país de forma estilizada, exótica, pouco natural e, certas, vezes, negativa. O Cinema Novo, ao contrário, teve como base primordial o homem e a cultura do país despidos de fantasias, e sua eficácia já é atualmente tema bastante discutidos nos meios acadêmicos.

Bibliografia

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6. Bernardet, Jean-Claude. Trajetória crítica. São Paulo: Polis, 1978 [Cap. IV - Novas indagações sobre o cinema novo]

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Referências

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