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A colaboração premiada e a lei do crime organizado no Brasil: limites e efeitos para a decisão penal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

LUCIANO KORB CASSIMIRO

A COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL: LIMITES E EFEITOS PARA A DECISÃO PENAL

Ijuí (RS) 2017

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

LUCIANO KORB CASSIMIRO

A COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL: LIMITES E EFEITOS PARA A DECISÃO PENAL

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2017

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Mãe natureza, pela vida, saúde, sabedoria e força durante esse período, permitindo que eu alcançasse com êxito meus objetivos.

A minha esposa Denise, por ser minha fiel companheira e minha melhor amiga e estar do meu lado em todos os momentos, compreendendo o período perturbado de minha vida, transmitindo a tranquilidade necessária, permitindo que eu compartilhasse minhas alegrias e dificuldades neste momento importante, iluminando os meus dias com muito amor e carinho.

Aos meus filhos Leonardo e Lorenzo, razão maior de toda minha dedicação.

A minha orientadora pela paciência, apoio e compreensão, por me fazer acreditar que tudo pode dar certo. Agradeço pelo conhecimento e sabedoria repassados, o tempo e confiança depositados em mim, durante todo esse período.

Agradeço também a todos meus amigos e a todos que colaboraram de alguma maneira durante essa trajetória, acrescentando e permanecendo ao meu lado neste momento importante.

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RESUMO

A pesquisa buscou, num primeiro momento, estudar a problemática suscitada com o advento da Lei nº 12.850/2013, enfatizando suas peculiaridades, mas, principalmente as divergências existentes no campo doutrinário, com a proposta de analisar os limites e efeitos impostos à decisão judicial em que a persecução penal aplicada ao crime organizado esteja fundamentada pelo instituto da colaboração premiada. Na segunda parte, o estudo buscou analisar, com base na doutrina e no ordenamento jurídico como um todo, a seguinte perspectiva: como a delação/colaboração premiada, em especial nos termos previstos na Lei do Crime Organizado, poderia ser admitida em um Estado Democrático de Direito, haja vista sua aplicação atentar contra direitos fundamentais individuais protegidos constitucionalmente? E, se o pragmatismo jurídico, amparado pelo discurso da celeridade e economia processual, teria legitimidade democrática para transferir ao imputado criminalmente os custos da efetividade da persecução e da decisão penal? Nesse sentido, utilizando uma técnica do tipo exploratória, com a coleta de dados a partir de fontes bibliográficas, disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, seguindo uma abordagem metodológica hipotético-dedutiva, capaz de sustentar minimamente uma construção reflexiva e coerente sobre o tema, é que foi elaborada a presente pesquisa.

Palavras-chave: Crime organizado no Brasil. Delação premiada. Processo Penal. Direito Penal.

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ABSTRACT

This research has aimed to study the issues that have come to be with the approval of the Law 12.850/2013, emphasizing its particularities, but specially the doctrinal deviations, introducing an analysis proposition of the effects and boundaries imposed to the legal decision (ruling) in which the criminal prosecution applied to organized crime is underlain by the institution of the plea bargain. On the second part of this study we tried to analyze the following perspective, based on the doctrine and the legal order, as a whole: how the plea bargain, especially in terms of the organized crime law, could be allowed in a democratic State, considering that its application violate basic individual rights constitutionally protected? Moreover, would the legal pragmatism, backed by the procedural promptness and efficacy principles, have democratic legitimacy to transfer to the criminally charged the costs of the prosecution and criminal judging effectiveness? On that note, this research has been drawn up using the exploratory search methodology, gathering data from printed and digital bibliographic sources, with an hypothetic and deductive approach, and being able to sustain a thoughtful consideration of the matter.

Keywords: Organized crime in Brazil. Award winning treatment. Criminal proceedings. Criminal Law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 06

1 A COLABORAÇÃO/DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA... 09

1.1 Conceito de delação/colaboração premiada... 09

1.2 A Evolução legislativa da colaboração premiada no Brasil... 11

1.3 Âmbito de aplicação do benefício... 15

1.4 Pressupostos para admissibilidade do acordo de colaboração premiada ... 18

1.4.1Voluntariedade ... 18

1.4.2 Da colaboração eficaz... 20

1.4.3 Condições objetivas e subjetivas favoráveis ao colaborador... 21

1.5 Momento e procedimento ... 21

2 A COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DO CRIME ORGANIZADO: EFICIENTISMO/UTILITARISMO ANTIGARANTISTA... 24

2.1 Distinções entre crime organizado e organização criminosa: uma definição necessária em face à criminalidade associativa ... 24

2.2 A colaboração premiada e a lei do crime organizado: consequências de sua (in) compatibilização constitucional e de sua antieticidade... 28

2.3 A efetividade da colaboração premiada e a decisão penal: eficiência processual x garantismo... 32

2.3.1 Garantismo Constitucional e Constituição Penal: Breves Considerações ... 33

2.3.2 A eficiência como critério-base da decisão penal... 35

2.4 O enfrentamento da criminalidade de colarinho branco no Brasil ... 37

CONCLUSÃO... 43

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INTRODUÇAO

O Instituto da Colaboração/Delação Premiada representa, atualmente, um dos temas mais debatidos e controvertidos no Processo Penal brasileiro. Inserido à quase três décadas no ordenamento jurídico pátrio, tem sua origem vinculada ao Direito Premial, e está presente nas principais ações penais que envolvem desvios de verbas públicas, bem como nos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico internacional de drogas, armas, entre outros. Ou seja, é um instrumento de exceção, pois sua aplicabilidade se dá nos casos em que se configura a prática de crimes em associação.

Ao contrário do crime clássico, em que a estrutura da ação caracteriza-se pela individualidade do agente, nos delitos contemporâneos constata-se o fenômeno da criminalidade associativa. Diferentemente dos crimes comuns, os crimes em associação imprimem ao Estado uma série de dificuldades, mormente no tocante à produção de provas, dada à alta complexidade e sofisticação em que são executados. Ademais, possuem uma bem montada estrutura operacional, com tarefas específicas para cada membro, o que caracteriza uma autêntica ação empresarial. Nesse contexto, diante da enorme dificuldade probatória dos tradicionais meios de investigação frente aos chamados delitos sofisticados, o legislador brasileiro incorpora ao texto legal pátrio a Lei nº 12.850/2013, também conhecida como Lei do Crime Organizado.

Por essa razão, a colaboração premiada, estampada no artigo 4º, da referida lei, serve, enquanto instrumento legal, como meio de prova com vistas a assegurar uma maior efetividade à persecução penal numa relação direta entre custo e benefício. Logo, é preciso assimilar melhor as especificidades desse instituto, a partir do que determina o seu texto legal. É necessário, portanto, entender como se aplica esse instrumento investigativo; quem pode propor o acordo de delação; em que fase do processo o acordo pode ser oferecido; qual a

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possível extensão que esse benefício alcança, bem como os limites e consequências de sua aplicação para a decisão penal. Destarte, sua aplicabilidade tem gerado, ao longo dos anos, fortes críticas, advindas principalmente da doutrina, sobretudo em razão do ataque a direitos e garantias constitucionais fundamentais que este mecanismo provoca.

Na seara dogmática, objetivamente, é que se acentuam as criticas. Doutrina e jurisprudência historicamente travam intensos debates. Para os opositores a colaboração processual carece de princípios éticos e morais capazes de lhe dar legitimidade. A acusam também, de atentar contra a supremacia dos princípios constitucionais como a não autoincriminação, a razoabilidade, a proporcionalidade, a adequação, a culpabilidade, a isonomia (em face dos delatados), introduzindo um conteúdo altamente inquisitorial ao processo penal acusatório, contrariando a razão de ser deste que é a de proteger o acusado dos abusos do poder estatal.

Inobstante, tanto o Ministério Público quanto a jurisprudência afirmam, com base nas situações fáticas e nos resultados obtidos, que a colaboração processual pressupõe um acordo voluntário em que se exige o cumprimento irrestrito de todos os requisitos formais de procedimento; que a delação pura e simples não tem o condão de condenar ninguém; que o seu procedimento não retira prerrogativas do acusado/imputado criminalmente; que o eventual sacrifício de garantias individuais é um ônus que deve ser suportado pelo indivíduo em favor da coletividade e que a economia processual é dever do Estado, portanto justas as razões e a finalidade para a qual a colaboração processual foi inserida.

Posto dessa forma, extremamente necessário, portanto, trazer à discussão o tema da delação/colaboração premiada, em especial nos moldes aplicados na legislação processual brasileira, a partir da Lei nº 12.850/2013, na tentativa de melhor compreender a intenção do legislador, haja vista sua justificação ética e constitucional ser uma questão considerada insuperável.

Para tanto, se utilizará de uma metodologia de pesquisa baseada em consulta bibliográfica de autores que tratam desse tema, como também de artigos publicados no meio virtual (internet). A divisão do presente trabalho se dará em dois capítulos. No primeiro se fará uma abordagem histórica da origem e conceito do instituto da delação/colaboração premiada, assim como a sua evolução dentro do ordenamento jurídico pátrio até os moldes

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atuais; seu âmbito de aplicação; requisitos legais de admissibilidade; do procedimento exigido pela lei e o momento em que poderá ser aplicada a delação; a diferenciação entre crime organizado e organização criminosa e as consequências de sua aplicação no contexto politico/criminal brasileiro. Já no segundo capítulo a abordagem será concentrada na discussão dogmático/jurídica que envolve a delação/colaboração premiada, onde se buscará demonstrar as razões favoráveis e desfavoráveis de sua aplicação; a sua efetividade enquanto técnica investigativa frente ao crime associativo; o entrechoque no campo das garantias constitucionais individuais e a sua correlação com princípios economicistas aplicados no Direito Penal.

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1 COLABORAÇÃO/DELAÇÃO PREMIADA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A ação de cometer crimes, juridicamente compreendido como ato ilícito definido por lei, é característica inerente ao ser humano. Está ali, ocupando um espaço muitas vezes desconhecido do próprio homem, à espera de um impulso, como o desejo, a raiva, ou o instinto de defesa (ocasião que legalmente exclui a ilicitude do fato) para emergir e se concretizar.

A inteligência humana, enquanto processo evolutivo serve à criminalidade na mesma velocidade e proporção que serve à tecnologia. Dito de outra forma, a tecnologia destinada a gerar benefício ao indivíduo também pode ser utilizada em seu prejuízo. Nesse contexto, portanto, é que se enquadra a temática da Colaboração Premiada, a qual será debatida aqui segundo os moldes da lei nº 12.850/13 aplicada ao Crime Organizado.

No decorrer desse primeiro capítulo, a abordagem será direcionada ao conceito jurídico do instrumento da colaboração processual; sua gênese histórica no direito ocidental; aos requisitos para sua admissibilidade e ao momento de sua aplicação. Lembrando sempre que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema, mas buscar aprofundar o entendimento sobre o mesmo, o que já torna a realização da pesquisa um grande desafio, haja vista a complexidade que a temática representa para o mundo jurídico.

1.1 Conceito de delação/colaboração premiada

Embora a legislação brasileira tenha adotado, de forma acertada, a nomenclatura

colaboração premiada a natureza etimológica do termo está no latim delatione, ou delação,

que é o ato de denunciar, revelar um fato tipificado como crime, cuja finalidade visa identificar copartícipes em associação criminosa. Ainda em relação à terminologia, o direito comparado, mais precisamente o Direito italiano, utiliza o termo pentiti (BITTAR, 2011) como denominação de arrependido. Denomina-se pentiti o indivíduo que confessar seu crime e com base em suas informações permitir à autoridade policial reconstruir o fato, bem como individualizar os copartícipes do delito.

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Para o Conselho Europeu1 que trata sobre colaboradores com a justiça, o pentiti tanto será quem fornecer informações úteis ao processo persecutório, as quais irão garantir o conteúdo probatório relativo à composição, estrutura e atividade da organização criminosa, à possível ligação com grupos criminosos internacionais e suas atuações; como aquele que atuar para uma efetiva e concreta recuperação dos recursos obtidos ilicitamente pela organização criminosa (MUSCO apud BITTAR, 2011).

No Brasil, apesar da linguagem jurídica dispor de termos como “arrependido” ou “colaborador processual”, a expressão “delação premiada” foi a que se popularizou, trazendo de certa forma, uma conotação pejorativa para o instituto, na medida em que o termo “delator” não esteja ligado à ideia de arrependimento do imputado, mas de uma traição frente a terceiros (PEREIRA, 2014).

Na opinião de Bittar (2011, p. 5), enquanto conceituação jurídica, a delação premiada pode ser compreendida como:

[...] um instituto de Direito Penal que garante ao investigado, indiciado, acusado ou condenado, um prêmio, redução podendo chegar até a liberação da pena, pela confissão e ajuda nos procedimentos persecutórios, prestada de forma voluntária colaboração processual como meio de prova pode ocorrer em qualquer fase da persecução penal.

Isto posto se faz oportuno esclarecer de maneira apurada uma questão de suma importância para o processo penal, relativa ao conceito de colaboração premiada na medida em que esta se apresenta condicionada à “meio de prova”. Para tanto, há de se diferenciar o significado de “prova” e “meio de prova”, observando, por ora, somente o sentido jurídico do termo em relação ao processo investigativo/acusatório, deixando de lado seu conceito léxico.

No âmbito jurídico, a prova é:

Todo meio legal usado no processo capaz de demonstrar a verdade dos fatos alegados em juízo [...] (Pequeno Dicionário Jurídico, 2012, p. 284). Através – essencialmente – das provas, o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença [...] (LOPES JR, 2009, p. 516, grifo do autor).

1 O Conselho Europeu define as orientações e prioridades políticas gerais da UE. Não é uma das instituições

legislativas da União, pelo que não negoceia nem adota legislação desta. Em vez disso, define a agenda política da UE, tradicionalmente com a adoção de "conclusões" durante as reuniões do Conselho Europeu, em que se identificam as questões candentes e as medidas a tomar (CONSELHO EUROPEU, CONSELHO DA UNIÃO EUROPÉIA. 2017).

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Por sua vez, meios de prova, conforme Rangel (2012, p. 443):

São todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em Lei ou não. Em outras palavras, é o caminho utilizado pelo magistrado para formar a sua convicção acerca dos fatos ou coisas que as partes alegam.

Cumpre ressaltar que pela interpretação do conceito acima a utilização do instrumento da colaboração processual como meio de obtenção de prova poderá ocorrer em qualquer fase da persecução penal, o que será posteriormente delimitado em item próprio.

O art. 3º, da Lei nº 12.850/13, caput, inc. I define com clareza a condição de “meio de prova” a voluntariedade de corréu colaborador ao referir que: “Art. 3o. Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I - colaboração premiada; [...].” (BRASIL, 2013).

Em síntese, portanto, a conduta do delator configura-se, inicialmente, pela confissão da prática delituosa, seguida da concreta e efetiva prestação informacional à autoridade competente a qual deve resultar na identificação de coautores, bem como na recuperação do produto ou dos valores resultantes da ação criminosa. Sendo o prêmio relativo à colaboração proporcional ao alcance/resultado obtido em face da organização criminosa. No âmbito da persecução penal a delação constitui-se modalidade “meio de prova” devendo, imprescindivelmente, ser corroborada pelo conjunto probatório final, pois restará inválida em caso de ser a única prova.

1.2 A evolução legislativa da colaboração premiada no Brasil

Como a finalidade desse estudo está limitada à Lei nº 12.850/13 e sua relação com a criminalidade organizada, não serão aprofundados os apontamentos em que pese tratar-se das demais leis que versem sobre o instituto da colaboração premiada. Com o intuito de aclarar o entendimento quanto à gênese histórica do instituto, far-se-á apenas uma breve incursão nos principais diplomas legais que recentemente foram introduzidos na legislação pátria.

No Brasil a Lei nº 8.072/90 (lei dos crimes hediondos) inaugurou o uso e aplicação do instituto da delação premiada como instrumento de política criminal a ser utilizada nos crimes

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de extorsão mediante sequestro, quando acrescenta, nos termos do art.7º, o § 4º ao art. 159, do Código Penal, ficando assim disposto:

Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo:

Art. 159. [...] § 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (BRASIL, 1990).

Na sequência, ainda na lei supracitada, o § único do art. 8º, permite sua aplicação nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo, praticados por quadrilha ou bando. Em ambos os casos, a redução de pena prevista será de um a dois terços.

Para melhor compreender a amplitude de aplicação do beneplácito na fase sancionatória, ou seja, quando a lei define uma redução (prêmio) de um a dois terços, devemos lembrar que esse alcance será determinado pelo poder discricionário do juiz da causa, na medida em que a atuação do delator for efetiva para a resolução do crime.

Nesse sentido, é o que assevera Bittar (2011, p. 99):

[...] Vale lembrar que a prudência e a discricionariedade do magistrado, de acordo com o caso concreto, em especial quanto ao alcance das consequências geradas no inquérito ou na ação penal, decorrentes das informações prestadas pelo delator, são fatores decisivos para estabelecer o patamar justo para a redução da pena, o que não importa maiores dificuldades no caso concreto.

Já em 04 de maio de 1995 foi promulgada a Lei nº 9.034, também conhecida como a lei de combate ao crime organizado. Infelizmente, o propósito da referida lei ficou comprometido em razão de não trazer em seu texto uma definição concreta do quê seria crime organizado ou organização criminosa, cabendo à jurisprudência fazer a devida interpretação no caso concreto, preenchendo, assim a lacuna deixada pelo legislador. Frisa-se que a questão conceitual envolvendo a diferenciação entre crime organizado e organização criminosa não será levantada por hora, o que ocorrerá em item específico a ser desenvolvido na sequência deste trabalho.

Seguindo uma tendência interna, em seguida foi promulgada a Lei nº 9.080/95. Esta lei, além de impressionar pela rapidez com que foi promulgada, ou seja, sessenta e um dias após a introdução da Lei nº 9.034/95, marcou definitivamente a intenção legislativa de banalizar o instituto da delação premiada. Seu conteúdo limitou-se à concessão do prêmio ao

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incluir um parágrafo no art. 25 da Lei nº 7.492/86 (crimes do colarinho branco), bem como outro parágrafo ao art. 16 da Lei nº 8.137/90, esta destinada a combater os crimes contra a ordem tributária, econômica e das relações de consumo. Da mesma forma que nas edições anteriores o texto legal ficou assim definido:

Art. 1º Ao art. 25 da Lei nº 7.492/86, é acrescentado o seguinte parágrafo: Art. 25. [...]

§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.

Art. 2º Ao art. 16 da Lei nº 8.137/90, é acrescentado o seguinte parágrafo: Art. 16. [...]

Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (BRASIL, 1995).

Ainda quanto ao caráter banal lançado pelo legislador sobre o mecanismo da delação Bittar (2011, p. 109) salienta que:

Se, nas leis anteriores, o legislador deixava claro que a utilização do beneplácito só teria cabimento quando pertinentes à prática de crimes graves, ao optar por introduzir mais normas sobre delação premiada na legislação, sem fazer qualquer distinção quanto à gravidade do delito, a opção político-criminal de banalização e ampliação de concessões aos investigados e acusados em geral, restou pacificada no ordenamento jurídico pátrio.

Essa banalização do instituto criticada pela doutrina,ao ter sua aplicabilidade inserida nas relações de consumo evidencia a forte influência neoliberal sobre as políticas criminais pela via do direito penal econômico.

Diferentemente das leis precedentes, as quais traziam basicamente como prêmio a redução da pena entre um e dois terços, aqui o legislador optou por ampliar o rol premial, acentuando ainda mais o processo expansionista de aplicação do benefício.

Para corroborar esse entendimento, Brito (2016, p. 94-95) também assinala:

A grande inovação do instituto da delação premiada trazida pela Lei nº 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, foi a ampliação do “catálogo de prêmios” oferecidos ao delator. Assim, em sua redação original, além da redução da pena de um a dois terços, o § 5.º do artigo 1.º previu também a possibilidade de cumprimento inicial da pena em regime aberto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e, finalmente, a isenção de pena para o delator, em havendo colaboração espontânea do coautor ou partícipe prestando esclarecimentos que levassem à apuração de infrações penais e sua autoria ou à localização de bens, direitos ou valores objeto do crime.

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Já a Lei nº 9.807/99 trouxe à tona um problema recorrente na legislação pátria, em que pese à produção exacerbada de leis marcadas pelo alto grau de incompletude, o que resultou em inúmeras críticas relacionadas ao instrumento da delação premiada nos moldes estabelecidos desde sua primeira edição. Melhor dizendo, as críticas levantadas pela doutrina apontavam, objetivamente para a falta de proteção ao colaborador processual.

Como forma de superação às críticas introduziu-se, portanto, a Lei de Proteção a Vítimas e a Testemunhas, incorporando em seu texto a garantia de proteção para réu que, voluntariamente colaborar com a persecução penal, bem como trouxe, ainda a previsão de aplicação do beneplácito para crimes indeterminados.

A partir da promulgação da Lei nº 9.807/99, a qual previa, além da redução de pena (art. 14), do perdão judicial e da extinção da punibilidade para o colaborador processual (art. 13), também passou a permitir o uso incondicional da delação premiada nos mais diversos crimes. Desse momento em diante estabelecia-se o marco expansionista do instituto premial a justificar o eficientismo da persecução penal, em detrimento da instrumentalidade garantista (BRITO, 2016).

Considerada a mais significativa norma a disciplinar os delitos praticados por organização criminosa a Lei nº 12.850/13, a qual revogou a antiga Lei nº 9.034/95, finalmente preenche as lacunas de cunho conceitual e procedimentais ainda existentes, as quais eram alvo das críticas oriundas tanto da doutrina quanto da jurisprudência.

No art. 1º fica estabelecido o conceito de organização criminosa (§ 1º), bem como as disposições referentes à investigação criminal, aos meios de obtenção da prova, das infrações penais correlatas e do procedimento criminal a ser aplicado.

A delação premiada passa a ser denominada “colaboração premiada”, adequando o termo à sua natureza jurídica, sendo admitida, enquanto meio de prova, em qualquer fase da persecução penal, nos termos do art. 3º, inc. I. Em relação às questões procedimentais, as mesmas foram discriminadas nos artigos 4, 5, 6 e 7. Quanto aos benefícios, a nova redação legal manteve os já existentes (perdão judicial, redução de pena e substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos) contidos no art. 4º, criando a possibilidade de o Ministério Público desistir de oferecer a denúncia, conforme prescreve o § 4º: I- se o

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colaborador não for o líder da organização criminosa; II - se for o primeiro a prestar a efetiva colaboração (BRITO, 2016).

Como visto, a Lei nº 8.072/90 (lei dos crimes hediondos) inaugurou, no aspecto material, a possibilidade de concessão de um prêmio ao corréu colaborador. Ainda, que uma série de leis, subsequentes à lei supracitada, foram introduzidas ao ordenamento jurídico pátrio, as quais passaram a admitir o uso da colaboração premiada caracterizando, ao menos para o campo doutrinário, uma inegável banalização do referido instituto. Se por um lado a aprovação da nova lei do crime organizado supriu as lacunas de conceito e procedimento, no mesmo sentido intensificaram-se as críticas da doutrina na medida em que o uso desmedido da colaboração premiada não se coaduna com as diretrizes principiológicas de um Estado Democrático de Direito.

Para a doutrina pátria a crítica principal, a qual será objeto de aprofundamento no capítulo seguinte, gira em torno das questões ético-morais relacionadas ao instrumento da colaboração processual. Pela corrente majoritária, vozes como Bittar, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Edward Rocha de Carvalho e Roberto Soares Garcia, corroboram o entendimento de que a delação, como ferramenta político-criminal de combate ao crime organizado atenta diretamente contra os direitos individuais garantidos e protegidos pela carta constitucional.

Em contraponto, a título de ilustração, autores como Pereira e Vladimir Aras, Juiz Federal e membro do Ministério Público Federal respectivamente, defendem a utilização da colaboração processual como instrumento idôneo, desde que observadas às exigências legais para conformação do acordo.

1.3 Âmbito de aplicação do benefício

Assim como no item anterior, em que foi salientado quanto à observância deste estudo voltar-se especificamente à colaboração premiada a partir do advento da Lei nº 12.850/13, cabe aqui também chamar a atenção para a sequência do texto direcionar-se, em relação ao âmbito de aplicação da colaboração processual, exclusivamente no que se relaciona ao crime organizado praticado na esfera da administração pública, ou seja, um dos tipos de

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crimes de “colarinho branco2”, os quais integram ou estão sendo alvo de múltiplas ações penais na justiça brasileira.

Essa observação torna-se necessária, pois a Lei nº 12.850/13 trata de diferentes crimes praticados em organização criminosa (art. 1º, § 1º, § 2º, I e II) e que, apesar de serem todos relevantes para o Direito Penal, por ora não serão debatidos com maior profundidade. Há que se chamar a atenção também para a nova redação dada recentemente pela Lei nº 13.260/16, a qual disciplinou o crime de “terrorismo3” tipificado na lei do crime organizado, que até então não apresentava uma conceituação jurídica, o que resultava em mais uma lacuna de ordem normativa.

A Lei nº 12.850/13 é clara ao intitular o capítulo I como “DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”. Desse modo, antes de qualquer análise a respeito do âmbito de aplicação da colaboração processual é preciso definir o conceito de organização criminosa, como também fazer uma distinção entre esta e a “associação criminosa4” (art. 288, CP), a qual teve seu conceito alterado pela nova redação dada pelo art. 24, da Lei nº 12.850/13.

O § 1 º, do art. 1º, da Lei 12.850/2013 prevê e define que:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacionais.

(BRASIL, 2013).

Esse conceito estabelece que a organização criminosa apresente três requisitos essenciais: a) requisito estrutural - associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente-; b) finalístico - vantagem de qualquer natureza, desde que ilícita, mediante a prática de infrações penais cujas penas

2 Terminologia criada pelo sociólogo estadunidense Edwin H. Sutherland e que ganhou destaque após sua obra

White-collar crime. (BITTAR, 2011).

3 Art. 2o – “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões

de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.” (BRASIL, 2013).

4Art. 288 – “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente” (BRASIL, 2013).

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máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional-, e temporal - que haja permanência e estabilidade, sendo este último entendido como requisito implícito (MENDONÇA, 2013).

A antiga Lei nº 9.034/95, revogada a partir da promulgação da Lei nº 12.850/13, “foi omissa ao não ter explicitado o conceito autônomo de criminalidade organizada ou mesmo de organização criminosa” (BITTAR, 2011, p. 100), o que gerava inúmeras dificuldades de julgamento e adequação no caso concreto.

De outra parte, com a nova redação dada pelo art. 24, da Lei nº 12.850/13, para a configuração da associação criminosa é necessária a reunião de 3 (três) ou mais pessoas para o cometimento de crimes, assim como não são exigidos os critérios estrutural e finalístico. Quanto à condenação, será aplicada a penas máximas inferiores a 4 (quatro) anos; há aumento de pena até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. Comparando esses dados, percebe-se que para a associação criminosa os critérios são menos sofisticados. O que distingue, basicamente, a associação da organização criminosa é a forma de constituição do grupo criminoso.

Voltando ao âmbito de aplicação da colaboração premiada, nos moldes da Lei nº 12.850/13, o § 2º dispõe sobre aquilo que pode ser chamado de “organização criminosa por equiparação” (MENDONÇA, 2013, p. 5) quando prevê também sua aplicação para: I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos.

Ainda, segundo, Mendonça (2013, p. 5), “mesmo que não preenchidos os requisitos do conceito de organização criminosa propriamente dita (requisitos estrutural, finalístico e temporal), previstos no art. 1º, §1º, será possível a aplicação dos meios de obtenção de prova previstos na nova legislação.”

Em relação às infrações cometidas por organização terrorista, antes referida, quando da promulgação da Lei nº 12.850/13, não havia conceituação legal definindo esse tipo penal.

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Essa situação perdurou até março de 2016, com a entrada em vigor da Lei nº 13.260/2016, que finalmente definiu o conceito de terrorismo.

Nesse contexto, malgrado a grande demora em definir um conceito jurídico para “organização criminosa” e “terrorismo”, a Lei nº 12.850/13, em relação ao seu âmbito de aplicação destina-se àqueles crimes cercados por um alto grau de complexidade, em razão de serem caracterizados por uma estrutura interna de atuação individualizada, com funções pré-determinadas e distintas para cada integrante da organização.

1.4 Pressupostos para admissibilidade do acordo de colaboração premiada

Nesse item, dando continuidade ao estudo proposto, será feita uma abordagem com relação aos requisitos exigidos pela Lei nº 12.850/13 para que ocorra a admissibilidade da colaboração premiada. Cumpre ressaltar, que os pressupostos da delação (confissão e colaboração nas investigações) não se confundem com os requisitos de admissibilidade do acordo de colaboração premiada. Considerando o disposto no art. 4º, caput, da Lei nº 12.850/13, são estabelecidos como pressupostos de admissibilidade do acordo de delação à voluntariedade do corréu delator e a eficácia de suas declarações, somadas ainda, ao § 1º do art. supracitado, em que o magistrado deverá observar, para concessão do beneficio, as circunstancias objetivas e subjetivas do caso concreto, as quais devem ser favoráveis ao corréu delator, conformando assim um terceiro e último requisito. Por sua vez, os pressupostos de “existência5” da delação são a confissão e a colaboração com as investigações. Os requisitos referentes à admissibilidade do acordo, para serem melhor compreendidos, devem ser analisados em separado.

1.4.1 Voluntariedade

O requisito da voluntariedade colaborativa é caracterizado a partir de duas hipóteses: na primeira delas o corréu pode, espontaneamente, pleitear o benefício da delação junto ao órgão persecutório; na segunda, por orientação da autoridade policial, do Ministério Público ou de seu defensor pode vir a aceitar a proposta de acordo. Se a orientação partir do defensor

5 Pressupostos de existência são aquelas condutas que fazem com que o investigado ou o réu passe a ser

considerado colaborador, ou seja, condutas que permitam reconhecer, no caso concreto, que se está diante de uma delação ou colaboração premiada (BITTAR, 2011).

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do acusado, este deverá esclarecer minuciosamente todas as condições que serão impostas ao delator, como também os possíveis benefícios advindos da delação. Na observação de Mendonça (2013, p. 8) a voluntariedade “não pode ser fruto de coação, seja física ou psíquica, ou de promessas ou vantagens ilegais não previstas no acordo”. Por essa razão, conforme estabelece o § 15º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013, “em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor”, de modo a evitar qualquer forma de coerção ou constrangimento ao corréu delator, garantindo-se assim que a atuação estatal não ultrapasse os limites previstos em lei.

A delação, por ser uma técnica investigativa (capítulo II da Lei nº 12.850/13) prescinde da vontade do agente para inserir-se ao processo, o que faculta aos órgãos de repressão, sempre que julgar conveniente e necessário, assumir a iniciativa de propor o acordo de delação. Igualmente, a partir da exigência legal da voluntariedade do agente, cumpre ao juiz (§ 7º do art. 4º) fiscalizar essa voluntariedade antes da homologação do acordo. Ainda como reforço na busca e garantia da plena voluntariedade do agente, o § 13 do art. 4º prevê a gravação de todos os atos de colaboração (PEREIRA, 2014).

Finalizando o procedimento que assegura a observância da voluntariedade, o art. 6º determina que:

O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;

II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia; III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;

IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;

V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário (BRASIL, 2013).

Ou seja, a execução de qualquer ato processual que não respeitar as condicionantes legais de admissibilidade da colaboração premiada, resultará na sua anulação, sob pena de afrontar princípios constitucionais fundamentais. De outra parte o acordo de colaboração ofertado pelo órgão estatal subentende-se aqui como integrante da fase preliminar da investigação, em que apesar de estar materializada a culpa do agente imputado, ainda seja impossível penetrar no núcleo da organização criminosa, sem a sua eficaz colaboração. É nessa complexidade, por quanto os meios e as técnicas tradicionais de investigação não surtem efeito que se insere o instrumento da colaboração processual, onde a finalidade

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precípua será sempre atingir o máximo possível de integrantes que atuam em associação criminosa.

1.4.2 Da colaboração eficaz

O caráter de eficácia das declarações de corréu colaborador é, sem dúvida, uma condicionante inseparável dos possíveis benefícios previstos nos incisos I à V do art. 4º da Lei nº 12.850/13. Não há como se falar em prêmio sem a eficaz contribuição do colaborador para a efetiva obtenção dos resultados. Por outro lado, como lembra Pereira (2014, p. 132) “quanto aos resultados que precisam advir da colaboração, não há necessidade de que sejam cumulativos, basta a verificação da ocorrência de um deles”. Cumpre ressaltar, contudo, que a extensão dos benefícios é sempre proporcional ao resultado obtido durante a investigação e o processo criminal.

De forma sintética, o que a norma realmente impõe é que depois de assumido o compromisso pelo colaborador perante a autoridade policial, as informações prestadas sejam verossímeis, bem como esteja permanentemente à disposição da justiça pelo tempo que esta julgar necessário para o esclarecimento dos fatos. Percebe-se claramente, mesmo que de forma intrínseca, que a norma busca a eficiência da persecução penal ante o menor custo, ou seja, a eficiência, nesse caso, não se dá pelos méritos do aparelho repressivo do Estado, mas sim pela concordância do próprio réu.

Conforme assinala Mendonça (2013, p. 8-9):

Para que seja possível aplicar qualquer dos benefícios, o legislador impõe que a colaboração alcance um ou mais dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada (art. 4º, caput). A lei é clara ao estabelecer que se contenta com apenas um dos requisitos. Interessante anotar que o legislador indica uma escala crescente de importância da colaboração, do inciso I ao V, a apontar, ao menos em uma primeira análise, que o benefício concedido ao colaborador deve ser também crescente nessa direção. Da mesma forma, a obtenção de pluralidade de resultados deve ser considerada na análise do benefício a ser concedido.

Nesse contexto, para que ocorra a eficácia da colaboração premiada, além da boa vontade do agente colaborador, a colaboração deve gerar, acima de tudo, efeitos concretos,

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partindo-se de um prêmio mínimo em ordem crescente quanto à efetividade das informações prestadas em relação à extensão dos benefícios. Melhor dizendo, quanto mais informação, mais prêmio.

1.4.3 Condições objetivas e subjetivas favoráveis ao colaborador

Por derradeiro, cumpre analisar o previsto no § 1º do art. 4º, o qual completa a série de requisitos exigidos para a admissibilidade da colaboração premiada. Conforme dispõe o texto normativo, o juiz, em qualquer caso que permitir a concessão do benefício, levará em consideração a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a (já referida) eficácia da colaboração.

Fazendo um exercício hermenêutico, temos que a norma em questão exige que sejam analisadas as circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto para só então decidir pelo cabimento ou não da colaboração. Não se trata, portanto, de direito subjetivo do corréu delator firmar o acordo e receber os benefícios. A autoridade policial ou o representante do MP devem observar a adequação da colaboração ao caso concreto, à luz da estratégia investigativa e da persecução penal, sem olvidar a própria repercussão social do fato criminoso e sua gravidade. E não para por aí. As circunstâncias pessoais do agente também são relevantes. Por mais que a lei não considere as minorantes penais (primariedade do agente e bons antecedentes) o comportamento positivo do colaborador no sentido de não sonegar nenhuma informação ou fato de interesse da investigação é pressuposto da colaboração. Do contrário, caracterizado a omissão ou falsa alegação do colaborador, descabida será a colaboração ou, em caso extremo, ocorrerá sua rescisão (MENDONÇA, 2013).

1.5 Momento e procedimento

Encerrando a exposição proposta neste trabalho referente à estrutura de aplicação do instituto da colaboração premial nos moldes da Lei nº 12.850/2013 será por fim analisado, em conjunto, o procedimento exigido pela norma legal para a obtenção e assinatura do acordo de delação e o momento em que este encontra permissão para ser oferecido, seja pelo criminoso investigado/denunciado ou pela autoridade policial/judiciária.

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De forma sucinta, no que se refere ao momento para sua utilização, o texto legal, no art.3º, I, determina que a colaboração premiada será permitida em qualquer fase da persecução penal, podendo ocorrer antes ou durante a instauração do processo, bem como após a sentença condenatória, conforme dispõe o § 5º do art. 4º da lei, caso em que os benefícios oferecidos ao colaborador nessa fase serão reduzidos. Já o procedimento, por ter do ponto de vista dogmático maior relevância na medida em que sua evolução histórica o consagrou como princípio fundamental dentro do processo penal, merece um olhar mais apurado, pois é ele quem irá garantir, ao final, a proteção dos direitos fundamentais, tanto dos indivíduos atingidos pela persecução quanto dos afetados pela decisão penal.

Nesse sentido, como assevera Pereira (2014, p. 116):

Tem-se então o procedimento como uma entidade jurídica de formação sucessiva, cuja nota de distinção é a coordenação dos seus atos, figurando cada ato como sequencial do anterior e condicionante do seguinte, preestabelecidos legalmente e destinados ao mesmo fim.

Em que pese à imensa demora na criação de um texto definitivo e ideal que tratasse do uso e aplicação do instrumento da delação premiada, a Lei nº 12.850/2013 representa do ponto de vista procedimental, todo esforço do legislador para diminuir os efeitos da incompatibilização entre direitos fundamentais e eficiência persecutória. Não que as divergências entre doutrina e jurisprudência tenham sido eliminadas com a inserção da lei do “crime organizado”, como ficou conhecida, mas conforme aponta Mendonça (2013, p. 12):

[...] Ao estabelecer um procedimento claro, o legislador diminui a insegurança no tocante à colaboração, melhor disciplina os direitos e garantias dos envolvidos, inclusive daqueles atingidos pela colaboração, e, assim, melhor assegura os direitos fundamentais em jogo, dentro da ideia de conexão entre direitos fundamentais, organização o procedimento.

Dessa forma, o art. 4º, a partir do § 6º até o § 16 da Lei 12.850/13, enumera os itens que deverão ser rigorosamente respeitados para a finalização do acordo de colaboração, entendido aqui como acordo praticado antes do recebimento da denúncia.

O intuito das considerações expostas até o momento foi no sentido de cristalizar o entendimento em relação ao instituto da delação/colaboração premiada no ordenamento jurídico pátrio, perpassando desde a origem etimológica do termo até o seu incremento e consolidação enquanto norma legal. Em razão da atecnia legislativa, fenômeno que ainda

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permanece latente no Brasil, foi preciso duas décadas de aperfeiçoamento para que, finalmente, se instituísse um diploma legal capaz de atender às mínimas necessidades relativas ao aspecto material e processual.

Não obstante, segundo busca demonstrar a doutrina, a adequação procedimental do mecanismo da colaboração processual não retirou de si o peso de ser considerada uma técnica investigativa atentatória aos princípios de uma sociedade democrática alicerçada na garantia e proteção de direitos individuais. Entretanto, para a jurisprudência a colaboração processual se constitui como um eficiente meio a assegurar ao Estado, do ponto de vista econômico, uma resposta eficaz em relação aos interesses de uma sociedade capitalista.

Seguindo esse caminho no, capítulo seguinte será aprofundada a discussão teórica que envolve o instrumento da colaboração processual contrapondo os resultados práticos de sua utilização, especialmente os que dizem respeito ao atual momento político brasileiro, trazendo à tona um pouco das reflexões apontadas tanto por aqueles que admitem a sua validade enquanto norma legal quanto dos que a condenam.

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2 A COLABORAÇÃO PREMIADA E A LEI DO CRIME ORGANIZADO: EFICIENTISMO/UTILITARISMO ANTIGARANTISTA

Seguindo o trabalho aqui proposto, tentar-se-á nessa segunda parte trazer à discussão alguns pontos, considerados pela dogmática jurídica, como cruciais para termos uma melhor compreensão do que representa o instituto da delação/colaboração premiada, mormente aqueles relacionados com as questões ético/morais a partir do que afirmam os operados e estudiosos do Processo Penal. A pertinência e complexidade dessas questões exigem uma reflexão séria, sobretudo naquilo que se relaciona com o eixo principal a ser discutido nesse capítulo representado pelo paradigma eficientismo da persecução penal e seus reflexos frente às garantias constitucionais por ele afetadas. Desse modo, o espectro eficientista e antigarantista da colaboração processual se traduz no ponto nevrálgico para a dogmática jurídica. Em que pese o caráter de especialidade do instrumento da colaboração processual a integrar a lei em comento, ou seja, devendo ser utilizada excepcionalmente nos casos de alta complexidade investigativa, sua aplicabilidade desmedida desvirtua-se dos objetivos pelos quais foi inicialmente inserida no sistema legal.

Por fim, e não menos importante há que se cotejar os resultados práticos obtidos pela decisão penal no enfrentamento da criminalidade associativa/organizada, em especial contra “os crimes de colarinho branco”, objeto principal desse estudo, em relação à afetação de preceitos constitucionais acarretados pela aplicação da Lei nº 12.850/2013, no que tange ao uso do instrumento da delação/colaboração premiada.

2.1 Distinções entre crime organizado e organização criminosa: uma definição necessária em face à criminalidade associativa

No capítulo anterior (item 1.3), tratou-se da diferenciação do conceito legal entre organização (art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.850/13) e associação criminosa (art. 288, do CP). Importante destacar agora - sem a pretensão de exaurir o tema - que a Lei nº 12.850/2013 trata no Capítulo I “DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA”, o que pode ser considerado, num exercício hermenêutico, no mínimo incongruente em relação à finalidade da mesma, qual seja a de combater o “crime organizado”, na medida em que tais modalidades delituosas não se confundem.

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A problemática, portanto, não envolve o conteúdo formal ou material da lei em questão, o que se busca, na verdade, é compreender a intenção/opção do legislador por tal terminologia.

O conceito legal de “Organização Criminosa” antes abordado foi elaborado a partir das diretrizes apresentadas pela Convenção de Palermo, ratificada pelo Brasil através do Dec. nº 5.015, de 12 de Março de 2004, e encontra-se disposto no §1º, do art. 1º, da Lei nº 12.850/2013, a qual prevê que:

Art. 1º [...] § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou

mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (BRASIL, 2013).

O texto legal referido contempla de certa forma, as diretrizes formuladas pela Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional) posteriormente ratificada pelo Brasil através do Dec. nº 5.015/2004. Essas diretrizes, à época, se relacionavam com a necessidade de se enfrentar os crimes transnacionais e serviam como sugestão aos países-membros, não sendo, portanto uma imposição internacional, mas uma orientação nesse sentido. O referido diploma, no art. 2, assim define:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:

a) “Grupo criminoso organizado” - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; (BRASIL, 2004).

A opção brasileira pela ratificação da Convenção de Palermo causou, inicialmente, grande indisposição perante a jurisprudência dos tribunais superiores (STF e STJ), apesar da orientação, por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no sentido de que se adotasse tal definição pelo que se conclui da Resolução nº 3 de 2006, item 2.a:

Para os fins desta recomendação, sugere-se:

a) a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o ‘grupo criminoso organizado’ aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de

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cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. (BRASIL, 2006).

A partir da adoção do conceito proposto pela Convenção de Palermo, diversas críticas sobrevieram, visto que, em respeito ao princípio da reserva legal ou da estrita legalidade, não se pode imaginar a criminalização de conduta que não está devidamente prevista em lei, ou seja, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (nullum crimen

nulla poena sine lege). Permitir que um tratado internacional viesse estabelecer o conceito de

organização criminosa atinge frontalmente o referido princípio e a CRFB/1988 (artigo 5.º, XXXIX), além de fragilizar a soberania nacional, ao admitir que um organismo estrangeiro exerça a atividade legiferante legitimamente reservada a um representante do povo brasileiro

(FILIPPETTO; APOLINÁRIO, 2016).

Apesar do conflito interno, Filippetto e Apolinário (2016, p. 91), esclarecem que:

O que embasou a possibilidade de importação da definição de associação criminosa existente na Convenção de Palermo foi o fato de que o artigo 5º, §2º da Constituição Federal estabelece que o rol de garantias não se esgota nesse dispositivo, possibilitando o reconhecimento de outros previstos em consonância com os ditames da Constituição Federal ou consignados em tratados que o Brasil subscreveu. A ratificação do tratado por meio de decreto traz as disposições para o direito interno, emprestando-lhes valor cogente dentro da hierarquia das leis.

Inobstante a necessidade de se criar um conceito legal para os crimes associativos, a referência à terminologia “organização criminosa” não reflete o uso e aplicabilidade atual desse dispositivo.

Nesse sentido, o fenômeno da criminalidade associativa é objeto de estudo do Direito Penal Econômico, e que tem sua atuação diretamente voltada ao âmbito dos crimes financeiros. Segundo aponta Rigon (2017, s.p.), “[...] em sentido estrito – aceito de forma majoritária pela doutrina penal – [...] os crimes econômicos tutelam a ordem econômica regulada e controlada pelo Estado.”

Para a ciência jurídica, os termos “crime organizado” e “organização criminosa” possuem características distintas que devem ser cuidadosamente. O crime organizado pertence ao campo jurídico voltado ao estudo da macrocriminalidade e que, no Brasil, são representados, principalmente, pelos crimes praticados por agentes do “colarinho branco”,

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notadamente, grandes empresários e políticos. A macrocriminalidade no mais das vezes não é perceptível dado seu alto grau de sofisticação, ou seja, ela não atinge diretamente a esfera física do indivíduo ou à sua propriedade, mas as instâncias ou estruturas da administração pública e privada, ou ainda as duas em conjunto, tendo como finalidade, única e exclusivamente afetar a ordem econômico/financeira estatal ou privada. Dentre as principais ilicitudes cometidas por esses sujeitos destacam-se a corrupção (ativa e passiva), a sonegação fiscal, o tráfico em geral e a lavagem de dinheiro. São crimes que requerem, do ponto de vista investigativo, um forte aparato humano e tecnológico do aparelho estatal.

Como explica Minorelli (2014, p. 95):

A criminalidade de colarinho branco nos negócios manifesta-se com maior frequência na forma de deturpação de demonstrativos financeiros de corporações, manipulação na bolsa de valores, corrupção privada, corrupção direta ou indireta de servidores públicos a fim de obter contratos e leis favoráveis, vendas e publicidades enganosas, apropriação indébita e uso indevido de ativos, adulteração de pesos e medidas e falsificação de mercadorias, fraudes fiscais, uso impróprio de valores em recuperações judiciais e falências.

Conforme destaca Gomes (2017a, s.p.):

O crime organizado é camuflado, clandestino, pouco ou nada visível; as organizações criminosas são ostensivas, servis, fragmentos operativos dos interesses daquele. As organizações criminosas são poderosas e normalmente violentas, ou seja, precisam ser combatidas (não há dúvida sobre isso), mas é necessário ter consciência que esse combate está sendo feito ao varejo, não ao atacado (não à inteligência do grupo). Enquanto se ataca somente o grupo ostensivo, o crime organizado nunca termina. Atacar os criminosos do Paraisópolis (SP) não significa atingir o crime organizado, que não reside aí.

Como se denota, a organização criminosa possui um caráter paralelo, figurando para as ciências criminais como a base de atuação do crime organizado. Dito de outra forma é a divisão socioeconômica da criminalidade associativa, pois enquanto o crime organizado encontra-se representado pelas grandes elites, as associações criminosas atuam nas camadas economicamente inferiores da sociedade, geralmente a serviço do crime organizado.

Ainda, para Gomes (2017a, s.p.),

As organizações criminosas ficam sempre encarregadas do "serviço" sujo, sanguinário, arrecadatório (arriscado). Por trás de tudo está o crime organizado. Que age em função do lucro, logo, normalmente com astúcia. Mas que conta, ademais, com enorme poder de fogo (e de ameaça), suficiente para intimidar quem apareça em sua frente.

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As organizações criminosas representam, fundamentalmente, a microcriminalidade encarregada de praticar crimes comuns, como furto, roubo, tráfico de drogas, homicídio e outros tantos e que carrega o estigma de ser o grande mal social a ser combatido. Sua visibilidade é ampla, pois ocorre nas ruas e de forma corriqueira, gerando, com isso, a impressão de ser mais danosa à sociedade. O combate à microcriminalidade é realizado de forma ostensiva pelo Estado, prendendo e condenando a penas privativas de liberdade, invariavelmente delinquentes que não figuram como os grandes líderes ou mentores do crime.

Como se observa do exposto, o termo crime organizado não se encontra definido no texto legal, existindo, contudo, uma nítida diferença entre o que indica o comando

organização criminosa e o que este realmente representa na prática delituosa cotidiana,

segundo aponta a doutrina. Pode parecer irrelevante, mas a opção feita traduz uma vontade, que nesse caso foi a do legislador brasileiro. Essa vontade, entretanto, parece desvirtuar a realidade fática, induzindo os incautos a acreditarem que as mazelas sociais são consequências da microcriminalidade.

Combater a criminalidade no seu aspecto macro deveria ser a ordem, rompendo um paradigma, que, diga-se de passagem, parece estar mudando, mas que é precipitado aplaudir, dada a extensão e gravidade com que esta se coloca. Não por acaso, nesse momento se intensificam as críticas porquanto a acentuada aplicação da justiça premial que na

microcriminalidade não surte o mesmo efeito desejado do ponto de vista persecutório.

2.2 A colaboração premiada e a lei do crime organizado: consequências de sua (in) compatibilização constitucional e de sua antieticidade

O embate entre opositores (doutrina) e defensores (Ministério Público e Judiciário) do instituto da colaboração processual, acerca da sua eticidade e compatibilização constitucional, ao longo de quase três décadas de sua primeira inserção no ordenamento jurídico pátrio, está longe de ser superado, em que pese no momento, pareça ser uma discussão secundária. A urgência em se combater o crime organizado se sobrepõe à discussão dogmático-doutrinária. Entretanto, na atualidade, depara-se com a utilização desenfreada do instrumento da colaboração premiada nos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verbas públicas, configurando uma verdadeira contratualização penal entre criminosos de grande

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Constituição e Direito Penal compartilham de uma farta e inegável zona de interseção. O próprio texto constitucional nos dá exemplo desse compartilhamento, ao referir inúmeras vezes utilizando expressões diretamente relacionadas ao Direito Penal, podendo ser citadas como exemplo a atribuição de competências (legislativas e jurisdicionais) em matéria penal; a limitação à atuação dos Poderes e órgãos ligados ao tema, ou ainda, requerendo a criminalização de certas condutas. O que demonstra, de forma taxativa, que o direito Penal não é um campo autônomo em relação à Constituição, mas que é ela quem define os limites e fundamentos de sua estruturação (FELDENS, 2012).

A evolução social trouxe inúmeros avanços tecnológicos responsáveis por uma sensível melhora das condições humanas refletindo sobremaneira nas relações interpessoais. Na contramão, sobrevieram, proporcionalmente, dificuldades impostas ao Estado e ao próprio Direito Penal, relacionadas com o enfrentamento das novas modalidades delituosas e a sua adequação material aos preceitos de um Estado Democrático de Direito, sobretudo àquelas cometidas em associação.

Como analisa Pereira (2014, p. 102):

Em um primeiro momento, ou momento prévio, convive-se com a latente colisão entre os direitos de liberdade do individuo e os interesses estatais ou coletivos de eficácia na repressão de delitos em vista do interesse constitucionalmente protegido da segurança. Sinteticamente, reconhece-se que os direitos de liberdade deverão, em determinada medida, ceder para a satisfação do interesse público investigativo, sendo que essa restrição poderá ter maior intensidade quando o interesse da coletividade à proteção e segurança estiver mais ameaçado ou agredido pela natureza ou características da criminalidade que se pretende enfrentar.

O grande desafio imposto pela realidade pós-industrial6 no âmbito do Direito Penal brasileiro é justamente o de fazer a conjugação entre o apelo eficientista no combate à crescente criminalidade, destacadamente nos grandes centros urbanos, a partir de um direito penal mínimo (ultima ratio), e a necessária proteção dos direitos e garantias fundamentais como um todo, num contexto onde a Constituição deve figurar como limitadora material do próprio Direito Penal.

6O conceito de sociedade pós-industrial assenta na constatação de que se tornou predominante uma economia de

serviços, de que adquiriram preponderância as classes profissionais e técnicas, de que o crescimento se tornou a referência quase exclusiva das políticas da sociedade, de que o controle da inovação tecnológica é um dado estratégico e de que surge aquilo que se designa por nova Tecnologia Intelectual (SILVA, 1997).

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Nesse sentido, acrescenta ainda Pereira (2014, p. 106):

Atualmente convive-se em uma sociedade pós-industrial, de ampla produção econômica empresarial e financeira, com técnicas avançadas de comunicação e de informatização, que, de algum modo, trouxe também repercussão sobre os fenômenos delituosos, seu aperfeiçoamento e a forma de enfrentá-los. Aos avanços que decorrem do progresso e das transformações sociais e econômicas acompanham ônus, custos que se refletem no direito positivo e nos mecanismos estatais para lidar com os novos eventos, muitas vezes em detrimento de direitos individuais.

No que concerne à Lei nº 12.850/2013, as críticas relacionadas à sua inconstitucionalidade parecem superadas, restando apenas a opção pessoal por aceitá-la ou não. Lembra Gomes (2017b, s.p.), que “a colaboração premiada (da qual a delação é uma espécie), que constitui o eixo da Nova Justiça Criminal Negociada no Brasil (nova em razão da regulamentação dada pela Lei 12.850/13) [...], vem se consolidando na jurisprudência dos tribunais.”

No que segue o autor:

Por força da teoria do diálogo das fontes (Erik Jayme e Valério Mazzuoli), nada impede que o novo procedimento seja aplicado (fazendo os ajustes que devem ser feitos – mutatis mutandis) para todas as situações de colaboração premiada previstas em várias leis. Leis processuais podem ser aplicadas analogicamente. Discute-se se a colaboração premiada é um direito subjetivo do réu colaborador. Na Lei 12.850/13 não, porque esse texto legal fala em “acordo de colaboração premiada”. E acordo somente existe quando duas vontades (pelo menos) se somam. Se o Ministério Público não deseja fazer o acordo, nada será celebrado Mas isso impede o agente de colaborar com a Justiça? Não.

A saída para essa controvérsia reside na Lei 9.807/99 (Lei de Proteção de Vítima e Testemunhas), que permite a colaboração premiada unilateral, sem a concordância expressa do Ministério Público. Mais: todo réu que colabora, prestando informações úteis, caso tudo se confirme em juízo (com provas do devido processo legal), passa a ter “direito subjetivo” de atenuação (ou dispensa) da pena. Como se vê, o mundo da Justiça Negociada constitui um verdadeiro labirinto que deve ser impreterivelmente conhecido por todos os que militam na área criminal (particularmente os advogados, porque a eles compete a eventual decisão de levar ou não seu constituinte para o mundo da negociação). (GOMES, 2017b, s.p.).

Questionar a inconstitucionalidade da colaboração processual já não faz mais sentido, uma vez que a atual Lei nº 12.850/2013, reconhecidamente obedece na sua origem, tanto o aspecto formal quanto o material. . Ademais, vale (re) lembrar que a delação premiada, sozinha, não tem o condão de embasar uma condenação. As alegações trazidas por réu colaborador deverão, obrigatoriamente, no decorrer do processo, ser corroboradas por outras provas. A colaboração, como já dito aqui, limita-se a meio de prova a servir de elemento de convicção do julgador no conjunto probatório. Como se observa, o instrumento da colaboração processual exerce dupla função: a) atua como ferramenta investigativa a serviço

Referências

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