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Literatura infantil surgimento, a formação de leitores e a primeira biblioteca infantil pública do país

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

LITERATURA INFANTIL

SURGIMENTO, A FORMAÇÃO DE LEITORES E A PRIMEIRA BIBLIOTECA INFANTIL PÚBLICA DO PAÍS

Rebeca Martins Bolite

Rio de Janeiro 2007

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LITERATURA INFANTIL

SURGIMENTO, A FORMAÇÃO DE LEITORES E A PRIMEIRA BIBLIOTECA INFANTIL PÚBLICA DO PAÍS

Rebeca Martins Bolite

Orientadora: Professora Maria Helena Junqueira

Monografia submetida ao corpo docente da Escola

de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro

como parte dos requisitos necessários à obtenção

do grau de bacharel em Comunicação Social.

Rio de Janeiro 2007

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Literatura infantil: surgimento, a formação de leitores e a primeira biblioteca

infantil pública do país

Rebeca Martins Bolite

Monografia submetida ao corpo docente da Escola de Comunicação da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários

à obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social.

Banca Examinadora

__________________________________

Maria Helena Junqueira (orientadora)

___________________________________

Regina Célia Montenegro de Lima

___________________________________

Maura Sardinha

___________________________________

Paulo Cesar Castro

Aprovada em: __/__/__

Nota:___

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BOLITE, Rebeca Martins

Literatura infantil: surgimento, a formação de leitores e a primeira biblioteca infantil pública do país; Orientadora: Maria Helena Junqueira; Monografia (graduação em Produção Editorial); Rio de Janeiro: UFRJ / ECO, 2007.

49 f.

1.Literatura 2. Literatura infantil 3. Brasil – Produção Editorial. I. Maria Helena Junqueira (orientadora). II. ECO/UFRJ. III. Produção Editorial. IV. Título

(5)

Agradeço a todos aqueles que acreditaram em mim durante este processo e àqueles que de forma direta ou indireta me ajudaram a chegar ao fim dele.

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BOLITE, Rebeca Martins. Literatura infantil: o surgimento, a formação de leitores e a primeira biblioteca infantil pública do país; Orientadora: Maria Helena Junqueira; Monografia (graduação em Produção Editorial); Rio de Janeiro: UFRJ / ECO, 2007.

Resumo

O objetivo deste trabalho é estudar a literatura infantil, abordando os aspectos principais de sua produção durante o seu surgimento e a importância do empenho de Cecília Meireles ao fundar a primeira biblioteca infantil do país, no Rio de Janeiro, em 1934. Para compreender literatura infantil, define-se primeiramente a infância e as variações históricas do sentimento de infância na sociedade ocidental. Em seguida, o surgimento da literatura infantil atrelado ao nascimento da classe burguesa e dos Estados absolutistas, no final da Idade Média. Então, as questões relacionadas ao papel do adulto na produção do livro, desde sua concepção até a indicação de títulos por parte de professores, também vão ser analisadas. O trabalho visa a desenvolver o tema do surgimento da literatura infantil no Brasil e os esforços de alguns educadores, profissionais e políticos, tendo como principal líder Cecília Meireles, na década de 1930, para fundar uma biblioteca infantil pública, a primeira do país, no Rio de Janeiro. Metodologicamente pretende-se realizar uma pesquisa histórica, utilizando como material de análise o conjunto de textos que estuda a literatura infantil, tanto do ponto de vista histórico como do político e do social.

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BOLITE, Rebeca Martins. Children’s literature: the appearing, the readers development and the first public library in Brazil; Instructor: Maria Helena Junqueira; Final paper (graduation in Produção Editorial); Rio de Janeiro: UFRJ / ECO, 2007.

Abstract

The purpose of this work is to study children's literature, approaching the main aspects in its production during its sprouting and the importance of the Cecília Meireles’ effort when stablishing the first children's library in the country, in Rio de Janeiro, 1934. To understand children's literature, first is defined the childhood and the historical varitions of the childhood feeling in the western society. After that, the children's literature sprouting connected to the bourgeoisie class emergence and the absolutists states, by the end of the Middle Age. Then, the questions related to adult's participation on book production, since its conception until the titles indication made by teachers will also be analyzed. The work aim to develop the children's literature subject in Brazil and the efforts of some educators, professionals and politicians, having Cecília Meireles as main leader, during the 30’s, to stablish a public children's library, the first one in the country, in Rio de Janeiro. Methodologically, it intends to make a historical research, using as analysis material the set of texts that studies children's literature, by the historical, political and social perspectives.

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Sumário

1 Introdução

...9

2 Infância e escola

...14

3 Literatura infantil

...20

3.1 Literatura infantil no Brasil...26

4 Cecília Meireles e o Pavilhão Mourisco

...39

5 Considerações Finais

...46

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1 Introdução

O objeto de estudo deste trabalho é literatura infantil, que leva de imediato à reflexão acerca do que seja “infantil” enquanto qualificativo especificador dentro de uma categoria mais ampla e geral do fenômeno literário.

É necessário primeiramente destacar a importância do livro impresso como primeiro veículo de comunicação capaz de atingir um número bastante significativo de pessoas quando comparado aos meios de comunicação anteriores. A partir do século XVI, com a imprensa de Gutenberg, o livro permite que as questões polêmicas se transfiram do âmbito do bate-boca privado ao do domínio público com uma rapidez até então inédita, ao mesmo tempo em que garante a “autenticidade” do texto publicado por seu próprio autor, em resposta a outro; instrumento de propaganda e mesmo de panfletagem, o livro assume imediatamente o caráter de veículo de persuasão, capaz de atingir uma audiência muito maior do que qualquer outro meio de comunicação antes.

Os primeiros livros para crianças são produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII. Antes disso, não se escreve para as crianças, pois não existe “infância”. Esta faixa etária diferenciada, com interesses próprios e necessitando de formação específica só surge em meados da Idade Média, com a emergência de uma nova noção de família, centrada em núcleos unicelulares (pai-mãe-filhos), privacidade e estímulo de afeto entre seus membros. Antes da constituição deste conceito familiar burguês inexiste consideração especial para com a criança. Além da união familiar, meios de controle do desenvolvimento da criança e de manipulação das emoções infantis são criados. Literatura infantil e escola — inventada a primeira e reformada a segunda — são convocadas para esta missão.

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Sintoma disto é que os primeiros livros para crianças são produzidos por pedagogos com intuito educativo.

No Ocidente, falar à criança, então, é dirigir-se não a uma classe, pois as crianças não detêm poder algum, mas a uma minoria que, como outras, não tem voz, não dita seus valores, ao contrário, é conduzida pelos valores daqueles que têm autoridade para tal: os adultos. São esses que possuem saber e experiência suficientes para que a sociedade lhes outorgue a função de condutores dos que nada sabem: as crianças. Estabelece-se, assim, de forma inquestionável e extremamente natural, um vínculo entre dominador e dominado.

Segundo PALO e OLIVEIRA (2001, p.5),

corroborando esse quadro, vem a própria Psicologia da Aprendizagem, que, ao evidenciar as fases para a completa maturação das estruturas de pensamento e de todo o conjunto biopsíquico da criança, acaba por colaborar com a visão de “natural” domínio do adulto, na medida em que o pensamento infantil ainda não está apto para interferências, abstratas e generalizadoras, de uma mente logicamente controlada. É justamente essa carência da lógica racional, esteio para as estruturas do pensamento ocidental, que faz da criança um ser dependente para a nossa cultura.

É importante notar ainda que a essa não-competência para a esfera analítico conceitual adiciona-se o não domínio do código verbal, assentado na capacidade de simbolização para a qual o pensamento infantil ainda não tem a competência suficiente, pois lhe falta a posse das convenções e das regras gerais que lhe dão acesso a significação global.

Falar de arte literária neste contexto implica vê-la como uma atividade complexa e, por isso, não-natural ao universo da infância. Traduzi-la para esse nível, contudo, significa facilitá-la, criar estratégias para concretizar, ao nível da compreensão infantil, um alto repertorio, como o estético. Neste momento entram a Pedagogia, como meio de adequar às

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fases do raciocínio infantil, e o livro, como mais um produto que veicula os valores sociais, de modo a criar na mente da criança hábitos associativos que aproximam as situações imaginárias vividas na ficção a conceitos, comportamentos e crenças desejados na vida prática, com base na verossimilhança que os vincula. O literário reduz-se a simples meio para atingir uma finalidade educativa extrínseca ao texto propriamente dito.

Segundo PALO e OLIVEIRA (2001, p. 7), essa função utilitário-pedagógica é a grande dominante da produção literária destinada à infância, e isso desde as primeiras obras surgidas. Nada mais do que atender a uma exigência da própria estrutura da cultura ocidental em relação ao seu tradicional conceito de ser infantil.

Desde os primórdios, a literatura infantil surge como uma forma literária menor, atrelada à função utilitário-pedagógica que a faz ser mais pedagogia que literatura. Os “bastidores” da produção do livro infantil ficam ocultos e a linguagem é carregada de ideologia que permeia cada fala do narrador, cada diálogo das personagens. Nesta medida, a obra literária também reproduz o mundo adulto: seja pela atuação de um narrador que bloqueia ou censura a ação de suas personagens infantis; seja pela veiculação de conceitos e padrões comportamentais que estam em consonância com os valores sociais prediletos; seja pela utilização de uma norma lingüística ainda não atingida por seu leitor.

A associação da literatura infantil com a pedagogia é a razão para que o gênero careça de estatuto artístico, sendo-lhe negado o valor estético. A degradação da origem motivou a identificação apressada da literatura infantil com a cultura de massa, com a qual compartilha a exclusão do mundo das artes. O fato de Perrault se recusar a assinar seu primeiro livro infantil é sintomático do destino do gênero que se inaugura.

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O objetivo principal deste trabalho, então, é estudar a literatura infantil, tendo como objetivos específicos analisar os aspectos principais de sua produção durante o seu surgimento, a participação do adulto na produção do livro, e as conseqüências que isto tem para a apreensão do conteúdo pela criança, o nascimento e o estabelecimento da literatura infantil no Brasil e a importância do empenho de Cecília Meireles ao fundar a primeira biblioteca infantil pública do país no Rio de Janeiro, em 1934. A metodologia é a pesquisa histórica, utilizando como material de análise o conjunto de textos que estuda a literatura infantil, tanto do ponto de vista histórico como do político e do social.

Em primeiro lugar, define-se infância utilizando os conceitos de Philippe ARIÈS (1978). O investimento de atenção e cuidado sobre as crianças, a valorização do sentimento de infância e a divisão por faixas etárias são analisados como sendo processos estabelecidos no final da Idade Média, ligados diretamente à emergência da classe social burguesa e o estabelecimento dos Estados Absolutistas. A burguesia dissemina seus valores familistas, contrários aos antigos valores feudais. A criança, diferenciada agora por sua carência de força física e sua incapacidade intelectual, se torna beneficiária desta família burguesa unicelular. Produtos de consumo começam a ser produzidos para este novo público.

A literatura infantil surge como meio de controle e manipulação das crianças, servindo à escola (à pedagogia, no caso). Seu caráter utilitário-pedagógico, como já mencionado anteriormente, faz com que ela careça de status artístico e valor estético. Adiciona-se a isto o fato de que, embora produzida para e consumida por crianças, a reflexão sobre o produto é do adulto, que, de acordo com os seus interesses o analisa. O livro, então, deixa transparecer o modo como os adultos desejam que as crianças vejam o mundo. No entanto, não é um espelhamento literal da realidade, pois, a ficção para crianças

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dispõe de maior liberdade de imaginação, expondo, assim, um mundo idealizado e melhor. Desta forma, o escritor/adulto transmite para a criança um projeto de realidade histórica, buscando adesão afetiva e comprometimento intelectual daquele.

Em seguida, analisa-se a literatura infantil do ponto de vista histórico — os primeiros livros, as dificuldades de ordem comercial e de produção, os primeiros temas —, para então estudar a história da literatura infantil no Brasil. Os primórdios da literatura infantil no país, as relações desta com o ensino, as reformas da educação e do ensino no país, os movimentos culturais do início do século XX e as conseqüências de todas essas mudanças para a produção de literatura infantil no país.

Estuda-se com mais cuidado a década de 1930, em especial, as reformas do ensino implementadas por Anísio Teixera e a fundação para Biblioteca Infantil Pública “Pavilhão Mourisco” e a importância disto para a literatura infantil do país.

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2 Infância e escola

Para aprofundar o estudo do tema tenta-se definir infância, considerando, para tanto, as mudanças históricas e sociais que contribuem para o estabelecimento de um estatuto da infância tal como existe hoje. Para esta análise, a referência mais utilizada é o livro de Philippe Ariès, História social da criança e da família, originalmente publicado em 1973. O livro, fonte de pesquisa essencial para aqueles interessados na história infantil, é dividido em três partes: a primeira discute o próprio nascimento da concepção de infância (“sentimento da infância”), a segunda analisa as condições e mudanças da vida escolar (“vida escolástica”), e a terceira discute as diferentes configurações da família ocidental ao longo da história.

O estudo de Philippe ARIÈS (1914-1984) é um marco na história da educação, pedagogia, antropologia e todas as outras áreas de saber que estudam ou têm a infância como foco. O autor de História social da criança e da família e de outros livros memoráveis é uma figura intelectual marcante na França. Ele é um político reacionário e um acadêmico, um monarquista sectário que apoia o regime Vichy e desenvolve nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial uma nova história cultural, popularmente conhecida como l’Histoire des mentalités. Ariès contribui imensamente para a historiografia moderna francesa e de outros países.

Há inúmeros estudos que resgatam as concepções de infância na história da humanidade. De forma geral, esses estudos mostram que a atenção especial às crianças, ou seja, o “sentimento de infância”, conceito definido em História social da criança e da

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crianças e a regulação da infância e da família são idéias que surgem no final da Idade Média, com o colapso do feudalismo e o estabelecimento dos Estados absolutistas.

No fim da Idade Média, as pessoas vivem sob o regime feudalista, um sistema de organização econômica, social e política baseado nos vínculos de homem a homem, no qual uma classe de guerreiros especializados — os senhores —, subordinados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa campesina — vassalos — que explora a terra e lhes fornece com que viver. Existe um rei, que é o mais poderoso dos senhores, mas, efetivamente, sua autoridade se limitaria a seus feudos. Os poderes são distribuídos e ficam a cargo de cada senhor feudal indicado pelo rei para tomar conta de um pedaço de terra (os feudos, propriamente ditos). Por não existirem estruturas de âmbito nacional, em cada um dos feudos, severos deveres morais, militares e econômicos são impostos aos vassalos a critério do senhor feudal. Enfim, nesta sociedade, a única relação que predomina é a de dependência. Um indivíduo defini-se por estar inserido em solidariedades coletivas, feudais e comunitárias. A comunidade enquadra e limita o indivíduo, constituindo-se em um meio familiar, onde todos se conhecem e se vigiam.

Nesta sociedade da Idade Média, chamada por Ariès de sociedade tradicional, o sentimento de infância tal como é hoje não existia. O período denominado infância é então curto e compreende a fase em que o ser é extremamente débil e não tem condições de ajudar no trabalho. Assim que adquirisse uma ligeira independência física, a criança passa a conviver com os adultos, atuando imediatamente como mão-de-obra. Embora em períodos anteriores à Idade Média as divisões sociais por faixa etária existissem (como existem nos dias atuais), a sociedade tradicional abole estas distinções e principalmente o conceito de juventude. Ou seja, passado o período em que a criança é fisicamente frágil inicia-se outro

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em que é considerada já um jovem adulto e está apto a trabalhar, como afirma Philippe ÁRIES (1978, p. ix):

A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes de Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades evoluídas de hoje.

A criança participa da vida comunitária, dos costumes sociais, hábitos, linguagem, jogos, brincadeiras e festas e aparentemente não há, no período medieval, assuntos que a criança não possa conhecer. Os temas da vida adulta, as alegrias, a luta pela sobrevivência, as preocupações, a sexualidade, a morte, a transgressão das regras sociais, o imaginário, as crenças, as comemorações, as indignações e perplexidades são vivenciados por toda comunidade, independentemente de faixas etárias. Na verdade, a criança de mais de sete anos desempenha o papel de um jovem adulto, inexperiente e frágil, incapaz de realizar certas tarefas, mas já fundamental como mão-de-obra na família e na sociedade.

Segundo ARIÈS (1978), existe, entretanto, um sentimento superficial de infância, denominado por ele “paparicação”, no qual o ser que ainda não se bastava era tratado com um animalzinho engraçado que entretinha os adultos. “As pessoas se divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho impudico” (ARIÈS, 1978, p. x). Contudo, se morre, é de se esperar que não haja lamentos, pois logo outra criança a substitui. É comum, também que, tendo ultrapassado este período da paparicação, a criança viva em companhia de outra família, que é composta por um casal e diversas crianças.

Dessa forma, a socialização e a transmissão de valores não são asseguradas nem controladas pela família. A criança se afasta logo de seus pais e pode-se dizer que durante

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séculos a educação é garantida pela aprendizagem, por meio da convivência da criança ou do jovem com os adultos. A criança aprende vendo e repetindo o que os adultos fazem, ajudando os adultos a realizar as tarefas. Esta família para Ariès não tem função afetiva. “As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas portanto fora da família, num meio (...) composto de vizinhos, amigos (...). A família se diluía neste meio” (ARIÉS, 1978, p. x).

No entanto, a partir do fim do século XVII, como mostra Ariès, esta aprendizagem pela convivência foi substituída pela escola como meio de educação. Este período coincide com o colapso do sistema feudal e o surgimento dos Estados absolutistas.

Os Estados absolutistas se caracterizam pela centralização de todo o poder nas mãos do rei. Os grupos de parentesco, as comunidades feudais, vinculados às grandes propriedades e à aristocracia fundiária, começam a perder força. O sustentáculo deste Estado absolutista é a família nuclear, apoiada e defendida pela burguesia. Essa mudança acontece, então, devido a uma forte aliança entre o poder político centralizador e a camada burguesa e capitalista que se lança à expansão de sua ideologia familista, fundada no individualismo, na privacidade e na promoção do afeto.

(...) ao redor de 1750 que se assistiu ao término de um processo iniciado no final de Idade Média, com a decadência das linhagens e a desvalorização dos laços de parentesco e culminou com a conformação de uma modalidade familiar unicelular, amante da privacidade e voltada à preservação das ligações afetivas entre pais e filhos (ARIÉS, 1978, p. x).

As principais inovações do Estado absolutista, em relação à época feudal, são a criação de um exército permanente, de uma burocracia administrativa, de um sistema nacional de impostos e de uma diplomacia que regulamentava o relacionamento entre os países e o controle do comércio pelo Estado, por meio de práticas mercantilistas.

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O Estado absolutista, no processo de abolição do poder feudal, encontra na família nuclear seu sustentáculo maior, cabendo-lhe então reforçar e favorecer sua situação e estrutura, assim como sua universalidade. Vê-se, pois, que a mudança aponta para a aliança entre o poder político centralizador e a camada burguesa e capitalista.

A consolidação da burguesia como classe social mostra-se uma solução pacifista na maioria das vezes. De todo modo, sua violência, quando existe, é menos visível. Ela se dá por meio do incentivo a que certas instituições trabalhem a seu favor. A primeira destas instituições é a família, que passa a ser qualificada como ideal moderno, modelo a ser imitado por todos.

O processo de privatização da família e proteção da infância tem êxito, mas gera uma lacuna referente à socialização da criança. Ou seja, a configuração da família burguesa leva à valorização dos filhos e à diferenciação da infância enquanto faixa etária, mas há por causa disto um isolamento da criança, que é separada do mundo adulto e da realidade exterior. É preciso, então, criar um local para a socialização das crianças. E este local são as escolas. A escola se transforma no laço que une a criança e o mundo, recuperando o espaço de transmissão de valores que tinha se perdido. As escolas adquirem um novo significado, substituindo a comunidade em seu papel instrumentador e socializante. A esse fenômeno associa-se a ascensão da pedagogia e do ensino modernos.

Enfim, a nova valorização da infância gera maior união familiar, mas igualmente, com a escola, meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e manipulação da infância. A escola passa a ser acreditada como a instituição responsável por reproduzir os valores que são considerados importantes e a família delega agora à escola a função de perpetuar, de ensinar esses valores. Então, é na escola que a criança prepara-se para o

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futuro, para o mundo adulto, aprende as normas sociais vigentes e os valores da classe dominante.

A escola enquanto instituição permite também uma maior aproximação entre pais e filhos. A educação, que antes acontece pela aprendizagem (filhos enviados a outras famílias, às vezes geograficamente muito distantes da família de origem, como citado anteriormente), passa então a se dar na escola, e os filhos permanecem vivendo com seus pais. A casa assim adquire novas características, sendo o lugar privilegiado da intimidade da família. Se antes reina o sentimento da linhagem, onde não existe necessariamente coabitação, o sentimento de família agora existe em um espaço de privacidade e convivência de pais e filhos.

Nesse período, a infância passa a se caracterizar por sua longa duração. Essa infância passa também a ser idealizada e tratados de psicologia são escritos para assegurar sua singularidade. Assim, como nos mostra ZILBERMAN (2003, p.18), um fator de ordem fisiológica e transitório determina teorias sobre a dependência da criança que legitimam o vínculo estreito desta aos mais velhos e às escolas.

O estereótipo familiar é mantido por meio da divisão do trabalho: ao pai, chefe da família, cabe o sustento da família, à mãe, o gerenciamento da vida doméstica. O beneficiário maior desta estrutura é a criança. A preservação da criança torna-se, então, meta e valor de vida. A criança passa, também, a ter um papel na sociedade e são criados objetos culturais e de consumo para este público, assim como novos ramos de estudo.

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3 Literatura infantil

A literatura infantil, gênero literário dos mais recentes, surge nesta época em que as mudanças na estrutura da sociedade têm impacto no âmbito artístico. Segundo ZILBERMAN (2003, p.33), os gêneros clássicos, como a tragédia e a epopéia, entram em decadência e são substituídos por formas literárias que descrevem e manifestam o cotidiano dos burgueses, como o melodrama e o romance. Além disso, é também neste momento que algumas inovações tecnológicas chegam à arte literária, facilitando e otimizando a produção em série das obras.

Para definirmos literatura infantil é preciso levar em consideração alguns dados de ordem histórica, já que seu surgimento, segundo Zilberman, decorre de exigências próprias da época. A emergência deste gênero literário explica-se historicamente pela valorização do ambiente familiar doméstico e a caracterização da condição pueril dos indivíduos agora classificados como pertencentes à faixa etária “infância”. Há um vínculo estreito entre o surgimento da literatura infantil e a

emergência da família burguesa, a que se associam, em decorrência a formulação do conceito atual de infância, modificando o status da criança na sociedade e no âmbito doméstico, e o estabelecimento de aparelhos ideológicos que visarão preservar a unidade do lar e, especialmente, o lugar do jovem no meio social. As ascensões respectivas de uma instituição como a escola, de práticas políticas, como a obrigatoriedade do ensino e a filantropia, e de novos campos epistemológicos, como a pedagogia e a psicologia, não apenas inter-relacionadas, mas uma conseqüência do no posto que a família, e respectivamente a criança, adquire na sociedade. É no interior dessa moldura que eclode a literatura infantil (ZILBERMAN, 2003, p.34).

Conforme ZILBERMAN (2003, p. 34), a literatura infantil carece desde seu princípio de um caráter artístico, de um valor estético. Baumgärtner (apud ZILBERMAN, 2003) define que os textos escritos exclusivamente para crianças têm sua origem

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primariamente não em motivos literários, mas em pedagógicos, pois tornam-se um dos instrumentos pelos quais a pedagogia visa a alcançar seus objetivos.

Existe, no entanto, uma duplicidade no caráter da literatura infantil. Os livros infantis preenchem um espaço vazio no universo infantil: o espaço da experimentação. A criança, devido a sua condição existencial e a razões existenciais, “se vê privada ainda de um meio interior para experimentação do mundo” (ZILBERMAN, 2003, p. 45). Assim, ela necessita de um suporte fora de si para auxiliar nesta experimentação. Este espaço é a literatura, que trabalha, segundo Zilberman, com dois elementos para a compreensão do real: a história, que apresenta as relações presentes na realidade, das quais a criança foi afastada; e a linguagem, que é o mediador entre a criança e o mundo. Em vista dessas peculiaridades, a literatura rompe com o caráter pedagógico a que se pretende.

(...) de um lado, percebida da óptica do adulto, desvela-se sua participação no processo de dominação do jovem, assumindo um caráter pedagógico, por transmitir normas e envolver-se com sua formação moral; de outro, quando se compromete com o interesse da criança, transforma-se num meio de acesso ao real, na medida em que facilita a ordenação de experiências existenciais, pelo conhecimento de histórias, e a expansão de seu domínio lingüístico (ZILBERMAN, 2003, p.).

Essa duplicidade, no entanto, acaba por determinar a limitação do gênero literário infantil — a ausência de caráter artístico e o desprestígio perante o público adulto —, pois os adultos não admitem o legado doutrinário que o gênero transfere.

Mesmo com o descrédito, o compromisso com o ensino e com o processo de dominação da infância, a literatura infantil tem o que oferecer. Esta peculiaridade pode ainda ser entendida pelas características artísticas do gênero. O livro infantil desconhece tema, forma e estilo e ainda caminha por entre os mundos real e maravilhoso. Neste sentido, falar em “contos maravilhosos” ou “de encantamento” quando nos referimos às

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narrativas populares medievais pode ser considerado um equívoco. Não há neste contexto, principalmente levando-se em conta as concepções populares, uma separação nítida entre o “real” e o “fantástico”.

Outra consideração a se fazer a respeito da literatura infantil é que ela é, como denomina Lypp (apud ZILBERMAN, 2003), adultocêntrica. Embora produzida para e consumida por crianças, “a reflexão sobre o produto (...) provém do adulto, que a analisa (...) de acordo com os seus interesses e que, além disto, a descreve em comparação com o tipo de arte posta à disposição dele, qual seja, a literatura propriamente dita, sem adjetivos” (ZILBERMAN, 2003, p.63). Conforme nos mostra SERRA (1998, p.90)

falar do livro para crianças e jovens e sua função social é falar nos adultos que estão entre o livro e a criança. O modo de proceder do adulto criador é aquele que pensa e cria o texto e a ilustração. Há aquele que o produz e o divulga e há o educador, o mais próximo à sua vida. Para que o livro exerça sua função social é necessário que a criança se torne leitora. Isto se dá quando o mediador de leitura — o adulto — é um leitor e quando o livro oferecido a ela é uma criação artística e/ou científica e o editor trata esse objeto com cuidado, sabendo o seu valor para as gerações em formação.

O livro, então, deixa transparecer o modo como os adultos desejam que as crianças vejam o mundo. Ou seja, não é um espelhamento literal da realidade, pois, como a ficção para crianças dispõe de maior liberdade de imaginação e de recursos fantásticos na narrativa, ela rompe os limites do realismo, o que acaba por expor um mundo idealizado e melhor, embora nem sempre renovador ou emancipatório. Desta forma, o escritor/adulto transmite para a criança um projeto de realidade histórica, buscando adesão afetiva e comprometimento intelectual daquele.

A literatura infantil se vê classificada em analogia à tipificação da relação entre o adulto e a criança. Tal qualificação deriva do desconhecimento dos fatores de produção,

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vinculados todos ao adulto, responsável por um circuito que se estende da criação das histórias à edição, distribuição e circulação, culminando com o consumo, controlado, sobretudo, por pais e professores. É preciso reconhecer a unilateralidade do processo, tanto quando a superioridade e presença maciça do adulto. Em vista disso, a criança participa apenas colateralmente nesta seqüência, o que assinala a assimetria congênita aos livros a ela destinados. Assim, como nos mostra ZILBERMAN (2003, p.52),

(...) se o fatores de menoridade e inferioridade com que o gênero é aquilatado não são ocasionados pelos consumidores mirins, a tentativa de reproduzir a condição destes por parte do escritor, a fim de superar a assimetria mencionada, converte o text numa impostura, que repercute no enfraquecimento da forma artística, justifica a acusação de simulacro ou pseudoliteratura e legitima o descrédito.

A literatura infantil, assim, transformada num gênero menor, adquire também o caráter provisório da própria infância e torna-se uma “ainda não literatura” (Lypp apud ZILBERMAN, 2003). Mas, apesar do caráter provisório e de ser um tipo de produção considerada menor, espelhando a condição de seu leitor e beneficiário, o texto do livro infantil pode atuar sobre as crianças, refletindo neste caso a perspectiva do adulto, mesmo quando este tem em mente o interesse do recebedor. Neste sentido, sendo “adultocêntrica”, a teoria da literatura infantil evidencia a contradição que esta situação transmite: ao mesmo tempo que visa a manter os privilégios do adulto, a produção para crianças tem seu valor diminuído; mas, por esta mesma razão, tudo o que se espera dela é o que o adulto ali deposita, isto é, seus valores e hábitos sociais. E, este fato, somado a todos os outros, caracterizam a literatura como ameaçada por dois perigos: o escapismo e a doutrinação.

O surgimento da literatura infantil está muito atrelado às questões da doutrinação e por isso é importante neste ponto tentar reconstituir a história da literatura infantil. Com

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este objetivo, Denise Escarpit (apud AZEVEDO, 2007) aponta quais teriam sido os primeiros livros para crianças. Cita, como exemplo, a obra Orbis Sensualium Pictus (1658), de Comenius, criada com o objetivo de ensinar latim por meio de gravuras, o que chamaríamos hoje de livro didático ilustrado. Atividades expressivas e populares como as adivinhas, rimas infantis e certos jogos de palavras fazem parte do universo infantil, mas só ganham status de literatura infantil quando reaproveitadas pelos primeiros livros destinados especificamente ao público infantil. Tal adaptação, segundo Escarpit, note-se, significava, na verdade, a incorporação de aspectos francamente didáticos e utilitários, ligados à educação moral.

Um dos precursores da literatura infantil editada é Charles Perrault. A recusa de Perrault em assinar a primeira edição de seu livro Histórias ou narrativas do tempo

passado com moralidades (futuramente, Historias de Mamãe Gansa) é sintoma do caráter

que o gênero literário tem no âmbito cultural. Perrault não é somente responsável pelo surgimento da literatura infantil editada, ele também é pioneiro na preferência pelo conto de fadas, materializando o que até aquele momento tinha caráter popular e circulação primordialmente oral e dando a ele caráter infantil.

Do elenco de grandes obras no século XVII, poucas permanecem, porque é então flagrante o pacto com as instituições envolvidas com a educação da criança. Mas ao sucesso do conto de fadas de Perrault, soma-se às adaptações de aventuras, como os clássicos Robinson Crusoé (1719), de Daniel Defoe, e Viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift. Estes autores asseguram a regularidade da produção para crianças.

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O século XIX se caracteriza pela repetição dos projetos bem-sucedidos: os irmãos Grimm, em 1812, editam uma coleção de contos de fada para crianças, que tendo êxito, converte-se futuramente em sinônimo de literatura infantil.

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3.1 Literatura infantil brasileira

Enquanto na Europa do século XVI a criança começa a ganhar seu espaço, no Brasil, a literatura infantil surge quase no século XX, embora no século XIX uma ou outra obra destinada à criança seja publicada. Assim, quando se começa a produzir livros para crianças no Brasil, a literatura infantil na Europa já apresenta um acervo sólido que se multiplica pela repetição de características comuns.

Até fins do século XIX, segundo Sandroni (apud SERRA, 1998, p.11), a literatura destinada a crianças e a jovens que se encontra no mercado é toda importada, constituindo-se principalmente de traduções feitas de Portugal. Não há aqui editoras e os autores têm seus textos impressos na Europa.

A família real portuguesa chega ao Brasil em 1808, implementando diversas instituições, entre elas a Biblioteca Nacional. Implanta-se também a Imprensa Régia, que inicia um processo de impressão de livros até então inexistente no país devido a ordens dos reis portugueses. Por mais que este período seja importante e determinante em diversos aspectos da futura sociedade brasileira, os livros e o hábito de lê-los não têm início neste momento. As escolas ainda são raras e as que existem não fazem o uso de livros impressos no processo da alfabetização. A Bíblia costuma, então, ser o único impresso utilizado no sistema educacional.

No século XVII, período em que o Brasil ainda é colônia de Portugal, as pessoas são alfabetizadas por alguém não necessariamente treinado para instruir, mas só um pouco mais letrado, dentro mesmo das fazendas e engenhos. É comum que padres desempenhem esta função, mais do que só alfabetizando, disseminando um ensino religioso.

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As reformas de Pombal, em meados do século XVIII, criam as aulas régias, que são ministradas por professores pagos pelo governo e são destinadas a meninos livres (filhos de famílias com posses). Mulheres só aprendem o necessário à vida doméstica e aos escravos é proibido ler.

É com a implementação da Imprensa Régia que se inicia oficialmente a publicação de literatura para crianças com a tradução de As aventuras pasmosas do Barão de

Munkausen e, em 1818, a coletânea de José Saturnino da Costa Pereira, Leitura para meninos, contendo uma coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, cronologia, história de Portugal e história natural. Mas essas obras são esporádicas e não caracterizam uma reprodução regular do

gênero literário no Brasil.

Com a proclamação da independência, uma constituição é elaborada e outorgada em 1824. Nesta, a instrução primária é declarada como sendo “gratuita a todos”. Começam a ser estruturados colégios pelo país, tanto privados quanto públicos. É importante ressaltar que o ensino é destinado aos meninos. As meninas estudam entre os sete e quatorze anos, até que estejam preparadas para o casamento.

Uma série editada em 1868, de autoria de Abílio César Borges, tem o primeiro livro destinado ao ensino da leitura e da escrita, sendo posteriormente utilizado para este fim, substituindo as antigas cartilhas religiosas. A inovação deste livro se dá por conta do caráter mais instrutivo do que moral.

Com a proclamação da república no país e a rápida urbanização, a literatura infantil encontra terreno fértil para surgir e se reproduzir em quantidade. O desenvolvimento do mercado interno do Brasil é interessante aos países industrializados, como a Inglaterra, que

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passam a fazer grandes investimentos de capitais, patrocinando uma política favorecedora de camadas médias da sociedade, consumidoras de sua produção. Esses segmentos da sociedade, bastante diversificados, passam a compor a população das cidades, até então ocupadas pela rala administração e pelo comércio. A classe média brasileira está, então, pronta, por assim dizer, para o consumo de produtos culturais modernos e especificamente dirigidos a uma faixa de consumidores. Segundo ZILBERMAN e LAJOLO (2003, p.27)

(...) entre as décadas de 1890 e 1920, com o desenvolvimento das cidades, o aumento da população urbana, o fortalecimento das classes sociais intermediárias entre aristocracia rural e alta burguesia de um lado, escravos e trabalhadores rurais de outro, entra em cena um público virtual. Este é favorável, em princípio, ao contato com livros e literatura, na medida em que o consumo desses bens espelha o padrão de escolarização e cultura com que esses novos segmentos sociais desejam apresentar-se frente a outros grupos, com os quais buscam identificação (no caso da alta burguesia) ou a diferenciação (os núcleos humildes de onde provieram).

Nesse contexto conturbado de profundas mudanças sociais, urbanização e modernização das primeiras décadas republicanas começa a se estruturar uma literatura infantil brasileira apoiada por uma estruturação do ensino e por diversas campanhas pela alfabetização. Clássicos como os de Andersen, dos irmãos Grimm e de Perrault chegam e são traduzidas para o português.

Passa-se muito tempo desde a chegada de Dom João VI ao Brasil em 1808 e a implantação da Imprensa Régia e o efetivo assentamento de um sistema literário composto de tipografias, editoras, bibliotecas e livrarias. Finalmente, o novo modelo econômico instaurado com a república favorece o aparecimento de uma demanda por bens culturais e o conhecimento e o saber são valorizados neste contexto social que se impõe.

A ausência de material brasileiro de leitura fica patente e alertas e denúncias da intelectualidade não caem no vazio:

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Intelectuais, jornalistas e professoras (...) começaram a produzir livros infantis que tinham um endereço certo: o corpo discente das escolas igualmente reivindicadas como necessárias à consolidação do projeto de um Brasil moderno (LAJOLO; ZILBERMAN, 2003, p. 28).

Segundo Zilberman (2003, p. 29), escritores e intelectuais são muito bem relacionados com as esferas governamentais, o que facilita (financeiramente) a produção, distribuição e adoção nas escolas deste material brasileiro de leitura. As poucas editoras, atentas ao novo filão, começam a investir no setor infantil.

Em 1921, Monteiro Lobato publica sua célebre obra Narizinho Arrebitado, após durante anos ter mantido um discurso de preocupação com a literatura infantil, de necessidade de existirem histórias para crianças em linguagem que as interessasse.

Narizinho arrebitado, de Monteiro Lobato, chega para causar uma novidade no mundo do

leitor: o prazer da leitura. Sua obra é um salto qualitativo comparada às de outros autores que o precedem. Monteiro Lobato investe progressivamente neste setor, tanto como escritor quanto como empresário, fundando editoras nas quais publicava os próprios livros. Não cabe aqui entrar em detalhes a respeito de sua obra, já amplamente divulgada, mas que fique registrado que não é sem mérito que ele é considerado o pai da literatura infantil brasileira.

Este período se torna importante também devido aos movimentos culturais reformadores e aos políticos. Entre os movimentos culturais, tem-se como marco a Semana de Arte Moderna de 1922, que se desdobra em diversos episódios durante toda a década, ladeados pela difusão do novo ideário estético, pela promoção de novas exposições em São Paulo e em outros centros culturais, como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e pelo

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aparecimento de publicações como a Revista Antropofágica, só para citar uma das mais conhecidas.

Entre os movimentos políticos reformadores, pode-se citar o motim do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, que reúne militares, a maioria jovens tenentes, revoltados com o rumo conservador da política brasileira. A partir deste movimento, outros se seguem e se repetem com certa periodicidade até o final da década de 1920. Em 1923, no Rio Grande do Sul, explode uma revolução e em 1924, os tenentes, desta vez em São Paulo, provocam uma guerra civil. Do núcleo principal desta resistência nasce a Coluna Prestes.

A Coluna é dissolvida em 1926 e Washington Luís tome posse da presidência do país. O número de revoltas diminui, mas as aspirações à mudança não acabam. À crise da economia, acelerada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, soma-se a indicação do paulista Julio Prestes para presidente, o que faz renascer a insatisfação dos militares e novos políticos. Um golpe é melhor planejado e a Revolução de 30 é vitoriosa, colocando Getúlio Vargas à frente do Estado, com o apoio da população urbana e, principalmente, dos grupos econômicos e políticos que ambicionam o poder.

Outro movimento ocorre no campo da educação. Nos anos 1930 começa a tomar corpo uma revolução no ensino brasileiro. Em 1932, Anísio Teixeira e Cecília Meireles, entre outros nomes de grande importância na cultura nacional, assinam o Manifesto dos

Pioneiros da Educação Nova. Neste documento estão os fundamentos pedagógicos da

Escola Nova, proposta para um ensino de maior qualidade no país, tendo por base quatro pilares: o ensino prático (ensino por meio de jogos e aulas como marcenaria), a formação universitária dos professores, o respeito às fases psicológicas de desenvolvimento da criança e a integração entre a escola e as famílias dos alunos. Este movimento, como

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mostra ZILBERMAN (2003, p. 48), opõe-se a um ensino destinado tão-somente à formação da elite e visa à escolarização em massa. A luta pela escolarização em massa remonta aos primórdios da república no país, tendo se intensificado nesta época. Os fundadores deste movimento também discordavam da orientação ideológica em vigor.

Com a Revolução de 1930 e a criação do Ministério da Educação por Getúlio Vargas, são regulamentados no Brasil os ensinos primário e secundário. É na década de 1930 que realidade suplanta a fantasia, lavando os contos de fadas a serem rechaçados como meios de instruir as crianças. A disciplina de Português passa a servir de ponto de partida ao ensino, com o intuito de despertar nos alunos o gosto pela leitura e capacitá-los a se expressarem corretamente. Segundo ZILBERMAN e LAJOLO (2003, p.54) “(...) o nacionalismo, a exploração da tradição popular consolidada em lendas e histórias e a inclinação educativa (...) juntos ou separados sufocaram em muito a imaginação.” E é nesse contexto que Érico Veríssimo lança, em 1937, As aventuras de Tibicuera, livro que, ainda que narrado pelo índio, endossa a visão portuguesa a respeito dos habitantes primeiros de nossa terra.

O interesse dos intelectuais na modernização da sociedade é reconhecível já nos primeiros anos da República. Para eles, a saúde e a educação apresentam-se como metas importantes a serem alcançadas, a fim de remover os resíduos do atraso herdados das fases anteriores. Durante este primeiro esforço de modernização, a vida rural passa por uma revisão ideológica, sendo condenada pelo que contém de retrógrado e dependente.

O esforço seguinte de modernização não é herdeiro natural do movimento anterior, nem se reconhece sucessor dele. Estabelece, na verdade, conexões diretas com a França. No entanto, relaciona-se a seus precursores num ponto fundamental: o fato de almejar à

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modernização do Brasil e sua equiparação às chamadas nações civilizadas. Para os “primeiros modernistas”, o processo transcorre na sociedade, com a colaboração de uma literatura de combate; para os modernistas das décadas de 1920 e 1930, a modernização ocorre no interior da obra de arte.

Por essa razão, os modernistas da nova geração se preocupam em esclarecer, durante os primeiros dez anos do movimento, seus princípios de criação, por meio de manifestos, conferências, exposições e revistas. A primeira vitória se dá no âmbito da linguagem, que se faz experimental e renovadora.

Durante as décadas de 1930 e 1940 a rede escolar nacional é ampliada e o livro didático é, cada vez mais, tomado por valores nacionalistas e de cunho educador. Grandes autores, como Érico Veríssimo e Marques Rebelo, então se dedicam a obras de cunho didático. O predomínio das disciplinas científicas sobre os estudos sociais é patente, de modo que o escritor não foge ao espírito dominante dos novos teóricos da educação, reunidos no movimento da Escola Nova. Segundo estes, cabe valorizar o pensamento científico e a atitude reflexiva, que levam ao questionamento da tradição e à proposição de uma tecnologia inovadora para a sociedade que se modernizava.

A produção deste período demonstra a permanência do gênero na medida em que elementos antes consolidados vêm a se integrar ao espírito da época, quando a freqüência escolar se torna obrigatória, o Estado investe na educação e o regime autoritário e centralizador explora o veio patriótico e nacionalista. Segundo ZILBERMAN (2003, p.82),

(...) solidifica-se um universo mítico na literatura infantil, procedente da fixação de um espaço e de modelos predominantes de personagens, recorrentes ao longo do tempo e que se projetam nas fases subseqüentes. Foi onde a criatividade se mostrou mais forte, embora o sucesso obtido decretasse a

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necessidade e reinventar tudo de novo, para nã repetir as conquistas precedentes.

Enfim, entre as décadas de 1920 e meados da década de 1950, a produção de livros infantis cresce e conquista mais espaço, mostrando a existência de um grupo de consumo até então não explorado pelo mercado. Também nessa época algumas editoras se especializam em obras didáticas, que se revelam ― como são até hoje ― um investimento muito rentável. Tendo entrado no século XX com mais de 80% da população analfabeta, o país começa a estruturar diversas reformas no ensino, que passa, em geral, a ser seriado. Também os métodos de leitura passam a ser mais discutidos, e a leitura em voz baixa, íntima, a ser recomendada em detrimento às lições que eram tomadas por professores.

Segundo ZILBERMAN e LAJOLO (2003, p.46), entre estes dois pontos cronológicos (1920 e 1945), a produção literária para crianças aumenta: o número de obras, o volume das edições, o interesse das editoras. Monteiro Lobato dá início ao um gênero que se consagra e ganha a adesão de diversos escritores, a maioria originária no período modernista. Nestas décadas, romancistas participam do processo de forma diferenciada: alguns, como José Lins do Rego, recorrem ao folclore e às histórias populares, outros criam narrativas originais, como Graciliano Ramos em A terra dos meninos pelados. Alguns escritores só lançam um único título voltado para o público infantil, por exemplo Lúcio Cardoso e o já citado José Lins do Rego. Outros, no entanto, mantêm uma produção regular, como Érico Veríssimo e Cecília Meireles com seus livros didáticos. É importante salientar que a prosa predomina, sendo quase ausente a poesia.

O aumento produção para crianças e a atração que ela exerce sobre escritores comprometidos com a renovação da arte nacional demonstram que o bom momento do

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mercado editorial para livros infantis. Essa situação relaciona-se aos fatores sociais, como já dito anteriormente: a consolidação da classe média, em decorrência do avanço da industrialização e da modernização dos grupos urbanos e a nova posição da literatura e da arte após a revolução modernista. As editoras também ficam motivadas à revelação de novos nomes e títulos para esse público interessado.

Com a morte de Monteiro Lobato, em 1948, o Brasil passa um longo período sem representantes à sua altura na literatura infantil. É um período de muitos livros traduzidos e de forte difusão das histórias em quadrinhos.

A década de 1950 não é lucrativa para a o mercado literário no país, por dois fatores: enquanto crescem os outros meios de comunicação da época ― rádio, cinema e televisão ―, predomina na literatura a ficção histórica, dos “autores em série”, uma produção meramente comercial que sobrevive até a década de 1960.

Como resultado, tem-se um menor reconhecimento artístico do livro e uma maior marginalização da literatura infantil. O que de melhor acontece para a literatura nacional a partir da década de 1950 e que se estende até a de 1970 é o desenvolvimento dos métodos de ensino e o crescimento da rede pública de ensino. Aumentam os meios de acesso ao livros com a criação de novas bibliotecas populares (algumas mesmo ambulantes) e o crescimento no número de livrarias.

Os anos 1960 iniciam promissores, mas com o golpe militar de 1964 e a grande repressão parte das produções artísticas e culturais que se desenvolvem deixa de ser realizada. Assuntos inusitados, divertidos, reviravoltas na trama, esperteza são comuns nas narrativas. Caminha-se para uma literatura mais dinâmica, desafiadora do leitor. Outros autores surgem, mas não se firmam no cenário nacional. Algumas editoras tentam novos

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caminhos, mas não encontram incentivos. Ainda às vésperas da década de 1970 predomina a visão de que a leitura formaria a base do ensino e que, por ser obrigatória na escola, se torna, pelo hábito, prazerosa fora dela. Apesar de esforços isolados, o moralismo impera.

O governo Médici, dando continuidade ao Movimento Brasileiro pela Alfabetização (Mobral), iniciado por Costa e Silva, investe na alfabetização de adultos. Nesta época surgem também instituições como a Fundação do Livro Escolar, em 1966, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, 1968, o Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil, em 1973, entre outras. Ao longo da década de 1970, Instituto Nacional do Livro (fundado em 1937), co-edita um expressivo número de obras infantis e juvenis. O ensino básico passa a ser o foco, e o livro é privilegiado como elemento de incentivo intelectual e afirmação cultural. Este é um investimento bastante significativo que ocorre em função da preocupação das autoridades educacionais, professores e editores com o baixo índice de leitura registrado pelas escolas. Também nessa época o número de vagas nas universidades aumenta, inclusive com a abertura de várias instituições de ensino superior privadas.

Conforme ZILBERMAN e LAJOLO (2003, p.124), essa mobilização do Estado, apoiando e agilizando entidades envolvidas com livros e leitura, corresponde, no plano da iniciativa privada, ao investimento de grandes capitais em literatura infantil, quer inovando sua veiculação, quer aumentando número e o ritmo de lançamento de títulos novos. Muitos autores, inclusive os consagrados, não desprezam a oportunidade de inserir-se nesse promissor mercado de livros, trazendo para ao mundo dos livros infantis nomes como Mário Quintana, Cecília Meireles, Vinícius de Morais e Clarice Lispector.

Assim, é da década de 1970 o boom da literatura infantil em nosso país. A indústria editorial expande-se, confiante nos ganhos com a inflação da moeda e com o surgimento de

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um público cativo, o único efetivamente forçado a comprar, o das escolas, que se multiplicam em massa pelo país, oferecendo, evidentemente, uma educação também massificada. É quando, também, o tempo de uso de um livro pelas escolas passa a ser reduzido, pela necessidade de constante atualização de seu conteúdo e em decorrência das pesquisas em pedagogia. Os livros didáticos trazem, cada vez mais, orientações ao professor e cadernos de atividades. Nesse momento, definitivamente, livro de leitura e livro didático conquistam seu espaço na escola e os textos dogmáticos deixam espaço a novas obras, questionadoras, abertas à interpretação do leitor. Investe-se em ilustrações sedutoras. O livro infantil passa a fazer parte do fenômeno da comunicação de massa.

Os governos de Geisel e Figueiredo finalizam a transição do regime ditatorial para o democrático e entregam o país ao governo de Sarney, um velho aliado político, partidário das mesmas soluções. Há nos anos 1980 um país anistiado, com novos partidos disputando o poder, mas falido na esfera econômica, como os diversos planos futuramente vieram a mostrar. A industrialização do campo determina a migração dos camponeses para as cidades, onde a industrialização está estagnada e o desemprego aumenta.

Segundo Bordini (apud SERRA, 1998, p.34), a cultura da década de 1980 parece atingir a mais pessoas, com os projetos anteriores de escolarização em massa, mesmo debilitada em termos de qualidade, disseminada por veículos de comunicação de massa e por fundações de grandes empresas internacionais. A produção cultural da época, no entanto, pretendendo-se emancipatória, libertária, depende dos mecanismos do mercado e torna-se bem de consumo a ser propagado, para a sobrevivência da indústria e dos produtores culturais. E a literatura está inserida neste contexto se pensada como bem de consumo que depende tanto das macroestruturas econômicas quanto da criatividade dos

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seus cultores. A expansão da indústria editorial que acontece na década de 1970 se consolida então na década de 1980, a partir das facilidades de capital de giro oferecidas pela inflação.

Segundo Bordini (apud SERRA, 1998, p.40)

essa explosão orientada da literatura infantil nos anos 80 trouxe conseqüências que perduram até hoje. Suas motivações incidiram mais no plano ideológico, em que conservadores e progressistas viam o papel da arte literária — pragmaticamente — ou como civilizatório ou como emancipatório, do que no plano estético. Apesar disso, o gênero adquiriu uma identidade própria, renovou estilos e conteúdos, penetrou em regiões onde antes a palavra em estado de arte jamais alcançara e produziu efeitos benéficos: atraiu jovens para a leitura literária.

Nos anos 1990, há uma retração mo mercado brasileiro de livros infantis. O início da década é de pouca produção, retomando força quase na virada do século. Circulam juntas em nossas livrarias atualmente obras de naturezas diversas: livros de pano, livros de plástico, infláveis e de papel reciclado. Obras moralizantes, contos de fadas, tradições folclóricas, textos nonsense. O que cabe hoje a quem escolhe um livro para a criança ― isso quando não é ela mesma quem o faz ― é selecionar o que apresentar, e em que fase de suas vidas.

Uma tendência que começa a se manifestar é a desconstrução do conto de fadas. Já acontece nas escolas, tendo por base o conto conhecido, o desenvolvimento de novas versões pelos alunos. As crianças têm liberdade para alterar as características das personagens, o foco narrativo e até mesmo o enredo, mas sempre se chega a uma história que recende àquela inicial, com a atualidade que a criança de hoje procura. Também os professores das séries iniciais, de crianças que ainda não atingiram a fase em que conseguem concatenar idéias de forma a modelar uma história, têm trabalhado eles mesmos

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em adaptações, substituindo elementos estranhos à compreensão da criança e remodelando fatos de forma a fazê-los adequados às faixas etárias. Como escola e literatura infantil têm andado historicamente de mãos dadas, tomemos esta tendência como um marco para a produção literária infantil atual.

Entretanto é o momento entre as décadas de 1930 e 1940, no qual a escolarização, o aumento da capacidade de produzir livros e um contexto social que permite a população ter acesso a eles, é que analisaremos cuidadosamente, a partir do fato da criação da biblioteca de literatura infantil por Cecília Meireles situada na enseada de Botafogo, no Pavilhão Mourisco.

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4 Cecília Meireles e o Pavilhão Mourisco

Toda a obra de Cecília Meireles no cenário brasileiro é muito admirada, e isto se constata a partir do fato de que é lida e adotada em instituições de ensino há muitos anos. A trajetória de Cecília Meireles nos diversos campos, acadêmico, artístico, literário, jornalístico e político, é bastante conhecida. Cecília Meireles é educadora, escreve livros, assina o Manifesto dos Pioneiros, ao lado de Anísio Teixeira, Roquette Pinto, Armanda Álvaro Alberto, Fernando de Azevedo, Noemy da Silveira, Lourenço Filho, Edgar Sussekind de Mendonça, entre tantos outros, é professora da Universidade do Distrito Federal, conferencista sobre assuntos de literatura e educação e integra, então, a Comissão Nacional de Folclore; como jornalista, colabora em quase todos os jornais e revistas do Rio de Janeiro: tece comentários no Diário de Notícias a favor da Educação Nova, publica estudos sobre folclore infantil no jornal A Manhã e poemas nas revistas Árvore Nova, Terra

de Sol e Festa (nas suas duas fases), escreve para o jornal Observador Econômico e Financeiro e edita a revista Travel in Brazil, do Departamento de Imprensa e Propaganda

(DIP); como amante da literatura e dos livros, realiza uma pesquisa sobre leituras infantis, que serve de base para a fundação da primeira biblioteca pública infantil — a Biblioteca do Pavilhão Mourisco.

A antiga e recente história das bibliotecas é marcada por fatos de resistência. Elas sofrem ao longo dos anos a ação do tempo, das guerras, da censura, e mesmo assim conseguem sobreviver a todos os ataques. Na Idade Média, por exemplo, as bibliotecas quase são extintas, principalmente pela ação da censura da Igreja Católica. Mas, contraditoriamente, são as bibliotecas nos mosteiros, preservadas em esconderijos, que

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conseguem se salvar. Um bom exemplo desse tipo de operação medieval é resgatado no romance 0 nome da Rosa, de autoria de Umberto Eco. Toda a saga das bibliotecas antecede a própria história do livro e vai encontrar abrigo no momento em que a humanidade começa a dominar a escrita. As primeiras bibliotecas que se tem notícia são chamadas “minerais”, pois seus acervos eram constituídos de tábuas de argila. Depois surgem as bibliotecas “vegetais” e “animais”, constituídas de rolos de papiros e pergaminhos. Essas são as bibliotecas dos babilônios, assírios, egípcios, persas e chineses. Mais tarde, com o advento do papel, fabricado pelos árabes, criam-se as bibliotecas de “papel” e, mais tarde, as de livro propriamente dito. Até o momento, os historiadores acreditam que a biblioteca mais antiga seja a do rei Assurbanipal (século VII a.C.), cujo acervo é formado de placas de argila escritas em caracteres cuneiformes. Mas nenhuma é tão famosa como a biblioteca de Alexandria, no Egito, que tem entre 40 e 60 mil manuscritos em rolos de papiro, chegando a possuir 700 mil volumes. A sua fama é atribuída, além da grande quantidade de documentos, também aos três grandes incêndios de que é vítima.

A partir do século XVI é que as bibliotecas realmente se transformam, tendo como novas características a localização acessível, o caráter intelectual e civil, a democratização da informação e o fato de ser especializada em diferentes áreas do conhecimento. No Brasil, a primeira biblioteca oficial é a atual Biblioteca Nacional e Pública, do Rio de Janeiro, que se tornou do Estado em 1825. Essa biblioteca é constituída dos livros do rei de Portugal Dom José I e é trazida para o Brasil por Dom João VI, em 1807.

Segundo Pimenta, a experiência do Espaço Mourisco gera polêmica e controvérsias e tem grande impacto no universo educacional da década de 1930 e nos modelos até então seguidos pelos educadores brasileiros.

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Cecília edita o seu primeiro livro para crianças em 1923. Esse livro é adotado no ano seguinte pela Diretoria de Instrução Pública e aprovado pelo Conselho Superior de Ensino dos estados de Minas Gerais e Pernambuco. Nessa época, as idéias de educadores como John Dewey (apud ZILBERMAN, 2003) começam a ser trazidas por intelectuais brasileiros que estiveram no exterior, entre eles, Anísio Teixeira. Cecília Meireles se contamina com essas novas idéias. No início de década de 1930, Cecília Meireles já não está somente envolvida com poesia e educação. Nesse momento se abre uma nova frente de interesse — o jornalismo.

A Associação Brasileira de Educação (ABE), por meio de sua Seção de Cooperação da Família, criada em 1925, inicia uma campanha em prol da criação de bibliotecas escolares e infantis, já nos primeiros meses de funcionamento.

Bibliotecas para crianças são um tema caro à Cecília Meireles, mas, segundo Pimenta, ela não chega a escrever nada inteiramente dedicado ao assunto. A inauguração, organização e a insuficiência de bibliotecas no Distrito Federal (na época, o Rio de Janeiro) é tema de muitos dos artigos e reivindicação de muitos outros intelectuais da época.

Conforme Pimenta,

mesmo que fossem iniciativas isoladas empreendidas por diletantes, foram suficientes para criar um movimento que se fortaleceu, tanto assim que alguns educadores, como Anísio Teixeira, que pensou sua reforma de ensino, de modo investisse na criação e desenvolvimento de bibliotecas escolares e infantis. Anísio Teixeira assume em 1931 a Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal. Entre tantas outras iniciativas da sua gestão cabe enfatizar a criação de bibliotecas — a mais importante obra que a geração de educadores reformadores acreditava poder realizar. Em fevereiro de 1932 é criada a Biblioteca Central de Educação (BCE),

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subordinada ao Diretor Geral do Departamento de Educação, dispondo de uma seção de Filmoteca para incentivar o intercâmbio bibliográfico e cinematográfico e coordenar as atividades referentes às bibliotecas escolares e ao cinema escolar. A BCE, criada como órgão central de coordenação e orientação, tem como seu objetivo principal distribuir livros para os estudantes da rede pública, oferecer aos professores da rede pública melhores condições de aprimoramento profissional e cultural, além de funcionar como estimuladora das atividades das bibliotecas e cinematecas criadas nas unidades escolares. Essa biblioteca funciona de forma precária, sem jamais ter sede própria e conta, sobretudo, com a colaboração dos professores. Apesar da precariedade do seu funcionamento presta serviços relevantes à comunidade escolar, como cursos de línguas e de manejo de aparelhos cinematográficos.

O livro La Biblioteca em la Escuela de Manuel Barroso (apud PIMENTA, 2007), trata da importância que as bibliotecas escolares têm na Educação Nova e sugere que professores incentivem o trabalho pedagógico na biblioteca escolar: a criação de associações infantis; a inserção dos alunos na direção e administração da biblioteca; a criação de reuniões periódicas onde se desenvolvessem atividades lúdicas, cursos de leitura, conferências; a classificação dos livros por idade, a fim de incentivar o aluno a conhecer encontrar o livro que deseja; criação de uma revista infantil impressa ou manuscrita, mantida pela biblioteca e organizada pelos alunos; a organização de atividades como o Dia do Livro e promoção de campanhas de doação de livros junto à comunidade. O livro de Luzuriaga, Bibliotecas Escolares, de 1927 (apud PIMENTA, 2007), trata a biblioteca como uma das instituições fundamentais da escola, que deve contribuir para despertar o interesse

Referências

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