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Business strategies in the context of poorly-delineated land property rights

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Academic year: 2021

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Revista Brasileira de Gestão e Negócios DOI: 10.7819/rbgn.v21i3.4005

506

Recebimento: 28/01/2018 Aprovação: 26/12/2018 Editor responsável: Prof. Dr. Ignacio Canales Avaliado pelo sistema:

Double Blind Review

Estratégias de negócio no contexto da falta

de definição do direito de posse de terras

Carolina Torres Graça¹

Decio Zylbersztajn¹

¹Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Administração de Empresas, São Paulo, Brasil

Resumo

Objetivo – Entender a interligação entre o ambiente institucional, os conflitos fundiários e a estratégia de negócio sob a ótica da teoria da Análise Econômica dos Direitos de Propriedade.

Metodologia – Análise qualitativa de publicações acadêmicas e relatórios de sustentabilidade

Resultados – Identificação de seis categorias de patologias associadas aos direitos fundiários de empresas florestais e quatro categorias de mecanismos estratégicos utilizados pelas mesmas organizações. Contribuições – Evidenciar, por meio de dados empíricos, a interligação entre o ambiente institucional, os conflitos fundiários e a estratégia de negócio para proteção dos direitos fundiários no Brasil.

Palavras-chave – Direito de posse; estratégia de negócio; direito sobre a terra; setor florestal; Brasil.

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1

Introdução: Falta de proteção

jurídica aos direitos sobre a terra

Boas instituições são normalmente associadas ao desenvolvimento econômico (Acemoglu, Johnson & Robinson, 2001; de Soto, 2000; North, 1990). Uma estrutura jurídica que permita a execução de contratos e a proteção aos direitos de posse também estimula o investimento e o uso sustentável dos recursos naturais (Deininger & Jin, 2007). Por outro lado, quando tais condições inexistem, os incentivos ao investimento são poucos e o desenvolvimento econômico é limitado (de Soto, 2000). Além do investimento e do desenvolvimento econômico, quais são as consequências de instituições frágeis para os agentes econômicos?

Segundo Dixit (2009), “se os governos não protegem o direito de posse, pelo menos não tanto quanto os proprietários demandam, surgem vários acordos particulares alternativos para atender às necessidades do proprietário”. Para Barzel (2002), quanto mais caro forem os contratos e sua execução tendo o Estado como executor, mais as pessoas utilizarão mecanismos de resolução de controvérsias que desempenhem o papel do Estado. O próprio Estado poderá criar essas operações substitutas.

Este artigo baseia-se no pressuposto de que a execução de acordos (ou direito de posse) é uma característica básica do Estado (Barzel, 2002). Quando zela pelos direitos sobre a terra, o Estado é capaz de manter registros de terras e resolver controvérsias a um custo menor do que o uso de depoimentos de membros da comunidade para

confirmar a propriedade (Barzel, 2002). Por esse motivo, é o administrador dos direitos fundiários. A qualidade das instituições, entretanto, pode enfraquecer a proteção jurídica. Nessa condição, alguns direitos de posse não estão claramente definidos, o que equivale à apropriação ao domínio público. Como consequência, os agentes gastam recursos para adquiri-los e, em resposta, os proprietários tomam medidas de proteção (Dixit, 2004).

A estrutura do artigo (Figura 1) segue o raciocínio teórico acima mencionado. O capítulo 2 explora os motivos para o enfraquecimento da proteção jurídica e suas consequências. O capítulo 3 explora as fragilidades institucionais em torno do direito fundiário no Brasil. O capítulo 4 detalha os procedimentos metodológicos. O capítulo 5 explora as disputas entre empresas florestais e alguns grupos de partes interessadas pelo direito sobre a terra, chamadas de patologias por serem recorrentes. Medidas de proteção implementadas por três empresas florestais são exploradas no capítulo 6, chamadas de resposta empresarial à insegurança do direito fundiário. O capítulo seguinte discute os resultados, seguida pela conclusão. O objetivo é responder a duas perguntas: quais são as patologias associadas à falta de proteção jurídica aos direitos sobre a terra no Brasil e quais são as estratégias implementadas pelas empresas florestais para lidar com as disputas fundiárias. A conclusão baseia-se na análise qualitativa de duas fontes de dados: publicações acadêmicas e relatórios de sustentabilidade de empresas.

Capítulo 2:

A administração do

direito de propriedade

pelo Estado

Capítulo 3:

Fragilidades

institu-cionais para proteção

do direito fundiário no

Brasil

Capítulo 4:

Disputas fundiárias

entre empresas

flo-restais e partes

inter-essadas

Capítulo 5:

Proteção do direito

fundiário pela

empre-sa florestal

Figura 1 – Estrutura do artigo

O setor de florestas plantadas foi escolhido por alguns motivos. Em primeiro lugar, os prejuízos acumulados por apenas cinco empresas

foram estimados em US$ 460 milhões até 2015 (Graça, Reydon, Postal, Bueno & Moreira, 2017). Em segundo lugar, é um setor relevante

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no Brasil em termos de área ocupada, cerca de 7,8 milhões de hectares e participação de 6,2% no PIB (Indústria Brasileira de Árvores, 2017). Em terceiro lugar, todas as informações sobre este setor estão disponíveis ao público.

2 Proteção ao direito de posse

O que acontece quando o direito de posse for mal definido e executado? Esta é a pergunta feita na Teoria da Análise Econômica dos Direitos de Propriedade desenvolvida por Barzel (1989, 1997, 2002). O autor dispensa a análise jurídica e se concentra no que ele chama de direito de propriedade econômica1. De acordo com sua teoria, o direito de propriedade econômica é aquele exercido pelos agentes econômicos em conformidade ou contrariedade aos direitos legais, ou mesmo além deles.

A definição incompleta do direito de propriedade é uma situação frequente por muitas razões. Em primeiro lugar, um bem é composto por muitos atributos, que podem ser de propriedade de pessoas distintas (Barzel, 1997). Os direitos estão vinculados aos atributos, formando um conjunto de direitos. Como vários proprietários compartilham a propriedade de um bem, a definição do direito de propriedade é fundamental para evitar disputas entre eles. Em segundo lugar, a definição abrangente de propriedade é uma atividade que consome recursos; portanto, atributos de maior valor tendem a ter direitos vinculados que são melhor definidos do que os atributos de menor valor (Barzel, 1997). Em terceiro lugar, a mensuração e a execução do direito de posse também são atividades onerosas (Barzel, 1997). Estas três razões explicam por que a definição do direito de posse não é exaustiva, levando à alocação do direito ao domínio público.

Direitos em domínio público são aqueles cujos direitos de posse são definidos vagamente e, consequentemente, mal protegidos, criando a possibilidade de captura de valor sem indenização ao verdadeiro proprietário (Barzel, 1997). Para este autor, a definição e a proteção dos direitos é uma questão de escolha. Os proprietários optam por exercer direitos cujos ganhos ultrapassam os

custos de delineação, mensuração e execução. Quando o saldo é (potencialmente) negativo, eles optam por deixá-los entrar em domínio público. Essa análise é dinâmica, o que significa que os direitos são recuperados ou colocados em domínio público conforme o valor percebido muda (Barzel, 1997).

Para a Teoria da Análise Econômica dos Direitos de Propriedade, transação significa troca de direito de propriedade e a apropriação de valor é precedida pela geração de valor e pelos esforços de captura. Portanto, Barzel (1997) define custo de transação como o custo associado à transferência, captura e proteção do direito de propriedade.

Considerando que os direitos de propriedade econômica não são inteiramente regulados por lei, que a propriedade de um bem é compartilhada entre vários proprietários e que alguns direitos são alocados ao domínio público, os agentes econômicos (inclusive as organizações) se esforçam para minimizar o custo da transação. Uma solução possível é selecionar uma estrutura eficiente de propriedade do bem e impor restrições aos proprietários que o compartilham (Barzel, 1997). Embora a análise jurídica não seja o foco da teoria desenvolvida por Barzel, ela não negligencia a relevância das instituições formais na redução da parcela de direitos em domínio público e no aumento da propriedade econômica sobre o bem. Na verdade, a execução de contratos é considerada uma característica básica do Estado (Barzel, 2002).

Dois tipos de economias de escala estão ligados à proteção jurídica do direito de posse, permitindo que o Estado seja o executor de vários contratos. Uma categoria inclui as economias de escala originadas da reunião do poder necessário para a proteção. A outra está associada ao uso da jurisprudência aplicada quando diferentes grupos de indivíduos fazem acordos semelhantes e as causas das disputas são semelhantes.

Quanto mais caro for firmar um contrato e executá-lo por meio do Estado, maior a probabilidade de as pessoas usarem mecanismos de resolução de disputas que substituam o primeiro. À medida que o Estado expande seu escopo de atuação, expande também sua burocracia,

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colocando-se em desvantagem ao fornecer métodos de resolução de disputas adicionais aos métodos de terceiros já existentes. Quanto maior for o número e o valor das atividades em que os mecanismos substitutos tenham custo-benefício, menor será a possibilidade de o Estado explorar as economias de escala para proteção e estabelecimento dos direitos legais. Alguns exemplos de mecanismos substitutos são os grupos muito unidos, empresas verticalmente integradas, organizações comerciais e criminosas (Barzel, 2002).

Para Dixit (2004, 2009), a falha do governo em proteger os direitos e, às vezes, a violação do direito de propriedade privada pelo governo ou seus agentes (por exemplo, a corrupção) são as principais causas do fraco desempenho econômico em muitos países, especialmente os menos desenvolvidos. Há também outras instituições sociais de governança econômica em quase todos os países. Funcionam especialmente em nichos onde o governo presta serviços precários ou nenhum serviço (Dixit, 2009). Instituições governamentais e privadas de governança coexistem. Portanto, é fundamental encontrar a combinação entre as duas que funcione bem em cada circunstância.

As instituições formais do Estado exercem poder por meio de seu aparato legal e usam seus poderes de coerção, se necessário, como último recurso, e as instituições sociais informais são autogovernadas por meio das estratégias

disponíveis aos próprios participantes na interação econômica. Para que uma lei estatutária vigore na prática, os cidadãos esperam que o Governo faça cumprir a lei. As instituições privadas e sociais informais incluem redes que facilitam a busca e a informação, as normas de comportamento e as sanções contra violações das normas (Dixit, 2009). Entre as instituições privadas de governança econômica exploradas por Dixit, (2004, 2009) estão a integração e a governança corporativa, a execução bilateral por iniciativa própria por uma dupla de agentes, execução multilateral por iniciativa própria em uma comunidade de comerciantes, execução externa por grupo privado e execução à sombra da lei formal, disponibilização de informações a serem usadas na execução da outra parte e execução para lucro de terceiros.

Zylbersztajn (2010), com base na teoria de Barzel, propõe que os direitos sejam protegidos pela interação entre os direitos legal e econômico. O primeiro é imposto pelo Estado (direito de posse formal - PRF) e o segundo é imposto por agentes econômicos por conta própria (direito de posse informal - PRI). A soma entre essas duas classes de proteção pode ser de 100%, no máximo, mas como a proteção integral é onerosa, essa combinação pode ficar abaixo do teto. O que fica desprotegido (PR0) é de domínio público e, portanto, suscetível a captura. A Figura 2 ilustra os componentes do índice do direito de posse (PRi).

Figura 2 – Componentes do índice de direito de propriedade (PRi) Em última instância, as transações só

ocorrem na presença de um limite mínimo de

proteção do direito de propriedade (PRi), o que significa uma pequena parcela de PR0. Nos casos

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em que PRi < PRF, as transações provavelmente ocorrerão através de mecanismos de mercado. Quando PRF < PRi < PRF + PRI, as transações dependem da combinação de mecanismos formais e informais para proteção do direito de posse. Uma mudança no ambiente de negócios pode afetar a distribuição dessas três parcelas, permitindo que PRF + PRI fique abaixo do limite (PRi), evitando assim transações e/ou alocação de direitos no domínio público. Nesse cenário, os agentes econômicos podem revisar os direitos protegidos por mecanismos formais e informais a fim de estabelecer um novo equilíbrio. De fato, quando as pessoas identificam uma oportunidade de lucro, elas se esforçam para criar condições que permitam a transação (Dixit, 2004).

Em síntese, alguns direitos de posse de um bem podem ser claramente delineados porque há custos envolvidos nessa atividade. Portanto, são alocados ao domínio público. Roubo e captura de riqueza podem ocorrer quando a delineação dos direitos está incompleta. A proteção dos direitos pode assumir várias formas. O estado protege o direito de posse utilizando mecanismos jurídicos apoiados por instituições formais; a proteção também pode advir de mecanismos privados apoiados por instituições sociais informais. Essas duas formas são complementares e coexistentes. Há circunstâncias em que o Estado arca com custos altos ou não é um protetor adequado, então o papel dos mecanismos privados torna-se preponderante.

Para a questão abordada neste artigo, a captura de riqueza é a motivação por trás da disputa por terras, e os mecanismos privados de proteção aos direitos fundiários são as estratégias implantadas pelas empresas florestais. Os capítulos cinco e seis exploram as disputas fundiárias no Brasil e as estratégias de negócio, respectivamente.

3 Razões para a insegurança do

direto de posse no Brasil

Há muitas razões para a insegurança do direito sobre a terra no Brasil (Alston, Harris & Mueller, 2009; Araujo, Bonjean, Combes, Combes Motel & Reis, 2009; B. P. Reydon, Fernandes & Telles, 2015). As duas mais procuradas na literatura são: tensão histórica entre os direitos fundiários de facto e de jure e a falta de

um sistema sólido de governança fundiária. Esses fatores resultam em capacidade limitada do Estado para definir e fazer valer o direito de posse.

A colonização do Brasil foi caracterizada por disputas entre posseiros ou proprietários de terras irregulares e o Estado. No Brasil colonial, quando a terra era abundante, a posse de terras desocupadas permitia que camponeses tivessem acesso à terra e que latifundiários aumentassem suas propriedades (Silva, 1997). A tradição de reivindicar terras persistiu ao longo dos anos, apesar de muitas tentativas do Estado de regularizar os proprietários de facto e limitar a posse de terras desocupadas ou públicas (Reydon et al., 2015; Reydon, 2011, 2014; World Bank, 2014). O direito de posse da terra é assegurado pela constituição atual (Brasil, 1988).

Durante a década de 1990, surgiram movimentos sociais que tinham como objetivo promover a reforma agrária (Reydon, 2014). Entre 1995 e 2009, o Brasil assentou mais de 1 milhão de famílias em cerca de 75 milhões de hectares (Reydon, 2014). Apesar disso, de 2009 a 2015, o número de conflitos, famílias e extensão de terra envolvidos aumentou dramaticamente (em 13%, 50% e 42%, respectivamente). (Comissão Pastoral da Terra, 2016). Este fato ilustra a tensão em torno das disputas por terras no país.

A constituição de 1988 reconheceu também os direitos fundiários dos povos indígenas e de grupos quilombolas (Brasil, 1988). Desde então, têm ocorrido demarcações de terras. Em muitos casos, foi necessária a expropriação de terras particulares para compor os territórios dos quilombolas.

O registro e cadastramento de terras apresentam várias deficiências, de acordo com o estudo encomendado pelo Banco Mundial em 2014. Entre elas estão: a falta de integração entre os cartórios (organizações privadas) e os órgãos públicos; falta de um cadastro integrado de terras privadas e públicas; ausência de um inventário completo de terras públicas; falta de exatidão dos registros de terra (shapefiles georreferenciados não eram exigidos para os registros de terra até 2001), o que permitiu a emissão de registros em nome de proprietários diferentes para um único terreno e a regularização de proprietários com base em títulos de posse fraudulentos; registros de

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terra desatualizados, uma vez que o registro não é obrigatório por lei; e, por fim, os impostos sobre a transmissão do direito de propriedade fazem com que os proprietários não registrem oficialmente transações envolvendo um bem (World Bank, 2014). Todas essas deficiências enfraquecem a proteção do direito sobre a terra pelo Estado.

As operações florestais estão inseridas nesse ambiente institucional. Apesar das vantagens competitivas associadas ao clima ameno, à extensão das terras e ao desenvolvimento tecnológico nos últimos 50 anos (Indústria Brasileira de Árvores, 2017), a insegurança do direito fundiário impõe custos (de transação) à produção de toras no Brasil (Graça et al., 2017).

4 Procedimentos metodológicos

O objetivo deste artigo é responder a duas perguntas: quais são as principais patologias associadas à falta de proteção ao direito fundiário no setor florestal brasileiro e quais são as estratégias implementadas pelas empresas florestais para proteger seu direito à terra. A terminologia “patologia” é utilizada no sentido de disputas recorrentes relatadas pela literatura. As disputas fundiárias são aquelas associadas ao direito de posse da terra, apesar de haver outros problemas em torno da silvicultura no país, como os ambientais e sociais.

Este estudo utilizou uma análise qualitativa de publicações acadêmicas e relatórios de sustentabilidade devido à necessidade de uma compreensão mais aprofundada do problema (Yin, 2010). A primeira fonte de informação permitiu a identificação de patologias e a segunda, de estratégias de negócio para a proteção do direito sobre a terra.

4.1 Análise de publicações acadêmicas

Esta fase foi conduzida entre janeiro de 2017 e abril de 2018. Ela consistiu da triagem de artigos publicados entre 2007 e 2018, utilizando combinações de palavras como “land conflict”, “land tenure”, “land rights”, “forest companies”, “forest sector”, “paper industry” e “Brazil” (inserindo “e” entre as palavras) no banco de dados de publicações Web of Knowledge. Foram

encontrados 85 artigos. Durante a análise dos resumos, foram identificados artigos contendo as palavras “eucalyptus” (eucalipto) ou “pine” (pinheiro) (para a seleção de artigos sobre o setor de plantio florestal), utilizando as palavras “land” (terra) e “conflict” (conflito) semanticamente conectadas entre si (em alguns casos, ambas as palavras foram usadas no artigo, mas desconectadas uma da outra). Após a segunda fase de triagem, quinze artigos foram selecionados. Na terceira fase, seis artigos foram eliminados por estarem duplicados. Dois artigos foram eliminados porque seus textos completos não estavam disponíveis. No final, sete artigos foram selecionados para análise completa do texto. Os autores também pesquisaram as mesmas palavras em português, mas nenhuma publicação foi encontrada no banco de dados da Web of Science.

Foi observado que o mesmo autor escreveu cinco desses sete artigos; portanto, para contrabalançar seu trabalho, cinco outros artigos, uma tese de doutorado e uma dissertação de mestrado foram incluídos na análise da literatura. Essas publicações foram encontradas durante a fase de análise da literatura no banco de dados Sibi (Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de São Paulo). Em todas elas, foi possível encontrar a mesma combinação das palavras em inglês listadas acima ou as mesmas palavras em português (“conflito fundiário”, “direito de posse”, “direito sobre a terra”, “empresas florestais”, “setor florestal”, “indústria de papel” e “Brasil”). É importante ressaltar, no entanto, que a seleção das publicações no Sibi não foi uma busca exaustiva. As publicações foram selecionadas de acordo com sua aderência ao objeto do estudo.

No total, doze artigos e duas teses foram as fontes de informação para a análise da literatura.

Os dados foram sistematizados em duas tabelas: (1) número de artigos em que os nomes das empresas florestais foram mencionados e (2) disputas de terra mencionadas no artigo. As disputas fundiárias foram sistematizadas em oito categorias: disputas fundiárias com comunidades indígenas, regularização do registro de posse e aquisição de terras facilitada, disputas fundiárias com grupos quilombolas, disputas fundiárias com a comunidade local, terras reivindicadas pelo

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movimento sem-terra, posse de terras públicas e sobreposição de registros de terras. Os autores usaram as escrituras e classificações utilizadas pelos artigos analisados para propor essas oito categorias.

4.2

Análise documental de relatórios de

sustentabilidade

A análise documental procura por informações explícitas no documento em análise (Dellagnelo & Silva, 2005). As informações foram obtidas nos relatórios de sustentabilidade das três maiores empresas brasileiras mais citadas pela análise da literatura, disponíveis em suas páginas na Internet. Foram analisados os relatórios para os anos de 2015, 2016 e 2017, com exceção da Veracel, cujo relatório de 2017 não foi disponibilizado antes de maio de 2018. Foram utilizadas as palavras-chave “stakeholders”, “community”, “communitarian”, “land”, “soil”, “conflict” e “disputes” (em português: “partes interessadas”, “comunidade”, “comunitário”, “terra”, “solo”, “fundiário”, “conflito” e “disputa”) para localizar as partes do relatório com informações relevantes. Sempre que essas palavras-chave eram localizadas, o contexto e o significado eram analisados a fim de identificar estratégias para proteger o direito sobre a terra.

De a c o rd o c o m Ba r ze l ( 1 9 9 7 ) , considerando que alguns direitos de posse não estão completamente definidos, há um espaço para tentativas de captura por um agente sem o pagamento da devida compensação ao criador ou proprietário desse direito. Com base nessa proposição, os autores deste artigo implementaram quatro soluções possíveis para esclarecer direitos

de posse confusos: (a) esclarecimento, defesa ou definição do direito entre as partes, (b) realocação do direito entre as partes, (c) recorrer a terceiros para definir e fazer valer o direito de posse e (d) combinação das estratégias a, b e c. A categoria “d” foi criada porque algumas iniciativas servem para vários propósitos simultaneamente. Os resultados foram resumidos em uma tabela, bem como o ano do relatório do qual as informações foram obtidas.

5

Principais patologias relacionadas

à insegurança do direito fundiário

no Brasil

Como a qualidade das instituições no Brasil enfraquece a proteção jurídica do direito fundiário, conforme descrito no capítulo 3, surgem algumas patologias. O problema atinge proprietários de terra em todo o país, entre eles, o setor florestal, devido à sua necessidade de possuir grandes extensões de floresta para abastecer as fábricas de celulose.

De acordo com a análise das publicações acadêmicas, as disputas por terra mais frequentes associadas às empresas florestais no Brasil são: disputas com comunidades locais (citadas por 8 publicações), disputas com comunidades indígenas (citadas por 7 publicações), críticas à regularização do registro de terras e aquisição de terras facilitada pelo Governo (citadas por 7 publicações), disputas com o movimento sem-terra (citadas por 6 artigos), disputas fundiárias com grupos quilombolas (citadas por 4 publicações), posse de terras públicas desocupadas (citada por 4 publicações) e sobreposição de registros de terras (citado por 1 artigo) (Tabela 1).

Tabela 1

Disputas fundiárias associadas a empresas florestais do Brasil e número de publicações em que foram mencionadas

Disputas fundiárias Nº de publicações

Disputas fundiárias com a comunidade local (motivadas pela ocupação de terras anteriormente cultivadas por

membros da comunidade) 8

Disputas fundiárias com a comunidade indígena 7 Regularização do registro de terras e facilitação da aquisição de terras 7 Disputas fundiárias com o movimento sem-terra 6 Disputas fundiárias com grupos quilombolas 4

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As disputas fundiárias com as comunidades locais estão relacionadas à prática de posse de terras. No Brasil, o cultivo de terra independentemente de se possuir a escritura é uma prática comum prevista em lei. A ocupação de terras privadas e públicas desocupadas é frequente. Vários autores (Fig, 2007; Gerber, 2011; Graça et al., 2017; Kröger, 2012, 2013, 2014; Kröger & Nylund, 2012; Malina, 2013) sugerem que os posseiros foram expulsos das fazendas pelos proprietários rurais antes da aquisição das terras por empresas florestais.

As disputas fundiárias com a comunidade indígena têm suas raízes na história política dos direitos dos povos indígenas. Antes da demarcação, grupos indígenas disputaram as terras com agricultores e empresas (Fig, 2007; Gerber, 2011; Malina, 2013). Em alguns casos, a demarcação de territórios indígenas foi um processo longo e difícil (Fig, 2007; Graça et al., 2017). Há relatos de que moradores indígenas foram enganados por negociantes de terras e persuadidos a se mudar para outras regiões (Malina, 2013).

De acordo com a análise da literatura, entre as décadas de 1930 e 1990, o desenvolvimento do setor florestal foi incentivado pelo Governo (Kröger, 2012; Kröger & Nylund, 2012; Malina, 2013) como uma estratégia para reduzir a dependência da importação de papel e celulose e gerar excedente para exportação (Malina, 2013). Entre os incentivos oferecidos pelo Governo estava a facilitação de aquisição de terras (Graça et al., 2017; Malina, 2013) e de sua regularização por empresas florestais (Claro, 2007; Graça et al., 2017; Malina, 2013), especialmente por empresas estatais como a Vale do Rio Doce (Kröger, 2012). A disputa com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é motivada por três fatores: (a) aquisição de terras consideradas improdutivas, portanto elegíveis a desapropriação para a reforma agrária (Graça et al., 2017; Kröger, 2011, 2012; Kröger & Nylund, 2012; Malina, 2013); (b) valorização do preço da terra, com consequente retardamento da reforma agrária nas regiões produtoras de madeira pelas fábricas de celulose (Kröger & Nylund, 2012); e (c) aquisição de terras com títulos de posse, consideradas terras públicas desocupadas pelo movimento, uma vez

que a fazenda não foi oficialmente separada do bem público (Kröger, 2012; Kröger & Nylund, 2012; Malina, 2013). A análise da literatura também menciona investigações ou ações tomadas pelas autoridades para impedir a posse de terras públicas desocupadas por empresas privadas (Claro, 2007; Malina, 2013)

As disputas com grupos quilombolas têm suas raízes também na falta do reconhecimento jurídico do direito de comunidades tradicionais à terra. Historicamente, a ausência de um registro de propriedade tornou o grupo vulnerável ao despejo e a uma proteção deficiente do direito de posse (Graça et al., 2017; Malina, 2013).

Por fim, a sobreposição de registros de propriedade está associada a uma empresa da região nordeste do país, onde a governança fundiária é ainda mais frágil (Graça et al., 2017).

Com base no mesmo grupo de publicações, a empresa associada a conflitos fundiários com maior número de citações foi a Aracruz e/ou Fibria2 (citada por 9 publicações), seguida por Suzano e Veracel (citadas por 8 publicações cada), e Jari (citada por 4 publicações), Stora Enso (citada por 3 publicações), International Paper e Cenibra (citadas por 2 publicações cada) (Tabela 2). As empresas estão espalhadas por todo o Brasil, do Norte (Jari) ao Sul (Stora Enso), mas três delas possuem operações na região Sul da Bahia (unidade Fibria Aracruz, unidade Suzano Mucuri e Veracel).

Tabela 2

Empresas florestais do Brasil associadas a disputas fundiárias de acordo com a análise da literatura e número de publicações em que foram mencionadas

Nome da empresa Nº de publicações

Aracruz ou Fibria 9 Suzano 8 Veracel 8 Jari 4 Stora Enso 3 Cenibra 2 International Paper 2

Como a Fibria, Suzano e Veracel foram as organizações mais citadas, presume-se que sejam

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as mais expostas às patologias aqui identificadas. Consequentemente, espera-se que implementem medidas de proteção. O capítulo a seguir explora as estratégias dessas empresas para proteger seus direitos à terra.

6 Re s p o s t a d a s e m p re s a s à

insegurança do direito fundiário

no Brasil

As empresas responsáveis se esforçam para equilibrar os resultados sociais, ambientais e econômicos de suas atividades, visando atender aos interesses de suas partes interessadas (Elkington, 1994). Nesse espírito, é desejável que as empresas favoreçam a negociação de um acordo antes de recorrer a mecanismos legais para a proteção de seus direitos. Para atingir esse objetivo, empresas florestais desenvolveram estratégias pontuais para enfrentar e solucionar disputas de terra.

Por meio da análise dos relatórios de sustentabilidade de 2015, 2016 e 2017 da Fibria, Suzano e Veracel, é possível notar a importância

das disputas por terras nos planos das empresas. O assunto é explicitamente mencionado em pelo menos uma das cartas do presidente ou do conselho de administração da Fibria e da Veracel no início dos relatórios. No relatório de 2015 da Fibria, Marcello Castelli, o diretor presidente, afirmou: “A questão fundiária do país é muito ampla e complexa”. Os direitos fundiários e de posse estão incluídos na matriz de materialidade da Suzano e da Veracel e são considerados um tópico relevante para os públicos interno e externo.

Nos relatórios, são exploradas estratégias para esclarecer, defender e proteger o direito fundiário. Os autores identificaram e classificaram essas estratégias em quatro categorias: (a) esclarecimento, defesa ou delimitação do direito entre as partes, (b) realocação do direito entre as partes, (c) recorrer a terceiros para definir e fazer valer o direito de posse e (d) combinação das estratégias a, b e c. O resultado foi resumido na Tabela 3.

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Tabela 3

Estratégia das empresas para esclarecer, defender e proteger o direito de posse

Categorias de

estratégia/Empresa Fibria Suzano Veracel

(a) esclarecimento, defesa ou delimitação do direito entre as partes

Capacitação de interlocutores para manter diálogos com as partes interessadas (2015)

Diálogo transparente e engajamento com as comunidades afetadas (2015, 2016, 2017)

Conversas com o movimento dos trabalhadores sem-terra sobre invasões de terras no estado do Espírito Santo (2016, 2017) Apoio a grupos indígenas (2015, 2016, 2017)

Apoio à agricultura familiar (2015, 2016, 2017)

Apoio a grupos quilombolas (2017) Programa de produtores florestais (2015, 2016, 2017)

Diálogo ativo com partes interessadas (2015, 2016, 2017) Apoio à agricultura familiar (2015, 2016, 2017)

Apoio ao grupo tradicional de quebradeiras de coco babaçu (2015, 2016, 2017)

Diálogo transparente e engajamento com as comunidades afetadas (2015, 2016, 2017)

Diálogo com movimentos sociais (2015)

Programa de produtores florestais como estratégia para incluir os agricultores na cadeia de suprimento florestal e evitar novas aquisições de terras (2015, 2016)

Apoio a comunidades tradicionais (2015, 2016)

Apoio à agricultura familiar (2015, 2016)

(b) realocação do

direito entre as partes Programa de aquisição de terras pelas comunidades (2015) Meta de longo prazo: redução em 1/3 na extensão de terras para produção de celulose (2015, 2016, 2017)

Arrendamento de terras para agricultores familiares (2015, 2016)

(c) recorrer a terceiros para definir e fazer valer o direito de posse

Uso de mecanismo legal (ordem de reintegração de posse) para recuperar a posse de terras invadidas por movimentos sociais além do acordado entre as partes (2015) (d) combinação das

estratégias a, b e c Estabelecimento de assentamentos da reforma agrária em fazendas que eram da empresa conforme acordo firmado com os movimentos sociais e vários órgãos governamentais (2015, 2016, 2017)

Oficinas com gestores e líderes comunitários para avaliar o desempenho do engajamento social e revisão de estratégias (2017) Engajamento com a Confederação Nacional Quilombola para discutir os direitos fundiários dos quilombolas (2017)

Criação de Conselhos Comunitários (2015, 2016, 2017), o que permite a participação da comunidade em alguns processos de tomada de decisão, reduzindo ocorrências como invasões de terras (2017)

Estabelecimento de assentamentos da reforma agrária em fazendas que eram da empresa conforme acordo firmado com os movimentos sociais e vários órgãos governamentais (2015, 2016, 2017)

Criação de um fórum de discussão (Sala de Situação) sobre conflitos fundiários no sul da Bahia e políticas públicas de agricultura familiar em assentamentos de reforma agrária com a participação de vários órgãos públicos, movimentos sociais e a Veracel (2016)

Engajamento com diversas organizações da sociedade civil para esclarecer o papel e a responsabilidade da empresa no desenvolvimento local (2015, 2016)

O esclarecimento, a defesa e a delimitação de direitos por meio do diálogo e do engajamento com as partes interessadas é uma prática comum entre as três empresas (Fibria, 2016, 2017, 2018, Suzano, 2016, 2017, 2018, Veracel, 2016, 2017).

A Fibria, em particular, ofereceu capacitação aos seus interlocutores para manter diálogos com as partes interessadas (Fibria, 2017). Todos destacam a importância das reuniões presenciais com as comunidades antes de executar operações

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florestais. Nessas sessões, são discutidos os impactos e os procedimentos da empresa para minimizá-los. Do ponto de vista teórico, essas reuniões servem, entre outras finalidades, para esclarecer/informar e para reconhecer os direitos de posse de ambos os lados: empresa e partes interessadas. Outra prática comum é o apoio à agricultura familiar (Fibria, 2016, 2017, 2018, Suzano, 2016, 2017, 2018, Veracel, 2016, 2017) e a grupos comunitários tradicionais (comunidades indígenas, grupos quilombolas, quebradeiras de coco babaçu e/ou comunidades pesqueiras), que serve para defender os direitos das comunidades. O programa de produtores florestais mencionado pela Fibria e Veracel (Fibria, 2016, 2017, 2018, Veracel, 2016, 2017) serve também para defender os direitos fundiários dos agricultores, inclui-los na cadeia de abastecimento das fábricas e evitar novas aquisições de terras pela empresa. As mesmas empresas mencionaram o envolvimento contínuo com os movimentos sociais sem-terra para chegar a um acordo (Fibria, 2017, 2018; Veracel, 2016).

Estratégias de realocação de direitos foram mencionadas pela Fibria e pela Veracel. Em seu relatório anual de 2015, a Fibria (Fibria, 2016) mencionou a apresentação de uma proposta de projeto piloto para aquisição de terras pela comunidade com o apoio do programa de subsídios federais. A terra seria adquirida da Fibria e de outros proprietários rurais. A redução em 1/3 na extensão de terras necessárias para o fornecimento de madeira às fábricas de celulose (Fibria, 2017, 2018) seria obtida através do melhoramento genético e do aumento no volume de produção de polpa por hectare. Essa meta poderia reduzir a concentração de terras e torná-las disponíveis para outros usos. Nos relatórios anuais de 2015 e 2016, a Veracel mencionou o seu programa de arrendamento de terra para agricultores familiares (Veracel, 2016, 2017): “Voltado à produção de alimentos para o consumo da própria comunidade... Promovemos esta iniciativa por meio da cessão de terras em comodato, a partir de um acordo estabelecido com o Fórum Florestal Bahia de compartilhar as áreas de recuo do plantio de eucalipto próximas à comunidade” (Veracel, 2017, p. 20).

Apenas uma empresa mencionou o uso da ordem de reintegração de posse para recuperar a posse de terras (Veracel, 2016). É bem provável que as outras empresas façam uso da mesma disposição legal, mas não mencionaram esse fato.

Por fim, as três empresas utilizam plataformas voltadas a várias partes interessadas a fim de esclarecer, defender, negociar e proteger o direito à terra. Como não é possível saber a estratégia preferencial empregada pelas plataformas através apenas da análise documental, as estratégias incluídas na categoria “d” podem atender a qualquer uma das estratégias anteriores (a, b e c). Duas empresas mencionaram em seus relatórios o programa de implantação de assentamentos de reforma agrária em suas fazendas. As plataformas incluem diversos órgãos governamentais, movimentos sociais sem-terra e empresas florestais (Fibria, 2016, 2017, 2018, Veracel, 2016, 2017): “…mantivemos o ritmo de trabalho e de diálogo que alcançamos em 2015 com os seis movimentos sociais que fazem parte do acordo com o Incra e o Governo do Estado” (Veracel, 2017, p. 5). Um grupo semelhante de partes interessadas participa também de outro fórum que tem por objetivo discutir conflitos fundiários no sul da Bahia e políticas públicas de apoio à agricultura familiar em assentamentos rurais (Veracel, 2017). A Veracel também mencionou o envolvimento de várias organizações da sociedade civil para discutir as contribuições da empresa na solução de conflitos fundiários no sul da Bahia (Veracel, 2016, 2017). A Fibria citou duas plataformas adicionais para várias partes interessadas para lidar com conflitos fundiários: a oficina com gestores e líderes comunitários para avaliar o desempenho social da empresa e rever seus fluxos estratégicos: “foram realizados quatro grandes workshops com a participação de todas as áreas estratégicas da companhia. Cada workshop teve um assunto diferente (indígenas, quilombolas, MST e empregos) e contou com representantes de cada uma dessas comunidades” (Fibria, 2018, p. 26); e engajamento com a Confederação Nacional Quilombola (CONAQ) (Fibria, 2018). Para a Suzano, os Conselhos Comunitários constituem a plataforma voltada a várias partes interessadas utilizada para discutir

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diversos problemas locais. (Suzano, 2016, 2017, 2018). Através da plataforma, a comunidade participa de vários processos de tomada de decisão, resultando na redução de invasões de terras, entre outras conquistas: “A maior interação entre comunidades e empresa possibilitou reflexões e tomadas de decisões conjuntas... Os resultados hoje já são visíveis, tanto no que tange à… quanto em termos de redução de ocorrências (como furto de madeira, incêndios florestais, invasões etc.)” (Suzano, 2018, p. 41).

7 Análise de resultados

De acordo com a estrutura teórica descrita no capítulo 2, mecanismos de proteção são utilizados por agentes econômicos para impedir a captura de direitos devido ao direito de propriedade mal definido (Barzel, 1997; Dixit, 2004). Em um ambiente institucional fraco, a eficácia da proteção jurídica é menor, resultando em maior relevância dos mecanismos privados.

O capítulo 3 explorou as várias vulnerabilidades no ambiente institucional brasileiro para a proteção do direito fundiário. A capacidade limitada do Estado para definir e fazer valer os direitos de posse cria condições propícias para conflitos.

No capítulo 4, a análise da literatura esclarece as disputas recorrentes por terras no país entre vários grupos de partes interessadas (comunidade, grupos indígenas, movimento sem-terra, grupos quilombolas e até mesmo o Estado) e empresas florestais. Esses conflitos foram denominados patologias e refletem a disputa por direitos alocados ao domínio público. Além disso, a análise da literatura evidenciou o nome das empresas florestais mais frequentemente associadas ao direito fundiário no Brasil.

Uma ampla gama de estratégias de três empresas para lidar com conflitos fundiários foi identificada nos relatórios de sustentabilidade (capítulo 5). Apenas uma delas declarou fazer uso de terceiros para definir e fazer valer o direito de posse (categoria c), sendo esse terceiro o Estado. Todas as outras estratégias listadas nos relatórios de sustentabilidade são mecanismos privados para definir, defender e proteger o direito fundiário.

A lista mais extensa de estratégias era a da categoria (a) esclarecimento, defesa ou delimitação do direito entre as partes. De acordo com Barzel (1997) as pessoas usam os métodos de menor custo disponíveis nas circunstâncias para recuperar o valor que as normas colocam em domínio público. Os outros dois caminhos para lidar com disputas de terras por meio de mecanismos privados eram: (b) realocação do direito entre as partes e (d) combinação das estratégias a, b e c. Embora não tenha sido mencionado nos relatórios, espera-se encontrar uma gradação da complexidade (tomada de decisão em um grande grupo de participantes) e do custo entre as estratégias a, b e c. Somente casos complexos são levados aos mecanismos incluídos na categoria d. As estratégias incluídas nas categorias (a) e (b) contam com a execução bilateral por iniciativa própria por uma dupla de agentes; e a categoria (d) conta com a execução multilateral por iniciativa própria em uma comunidade de agentes que coexistem em um mesmo cenário, de acordo com as instituições privadas de governança econômica estudadas por Dixit, (2004, 2009).

Em suma, os resultados empíricos são aderentes ao racional proposto pela Teoria da Análise Econômica dos Direitos de Propriedade. A contribuição deste artigo foi compreender como as tentativas de captura ocorrem e quais são os mecanismos privados utilizados pelas empresas do setor florestal no Brasil.

8 Conclusão

Este artigo teve como objetivo abordar dois pontos: quais são as patologias associadas à falta de proteção jurídica ao direito fundiário no Brasil e quais são as estratégias implementadas pelas empresas florestais para resolver as disputas fundiárias.

As patologias mais frequentes relatadas pela literatura são aquelas que contam com a participação de comunidades locais, grupos indígenas, grupos quilombolas e de movimentos sem-terra, as relacionadas aos procedimentos de regularização de registros de propriedade ou à aquisição de terras facilitada pelo Governo, à posse de terras públicas desocupadas e à sobreposição de registros de propriedade.

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São várias as estratégias de negócio utilizadas pelas empresas florestais para lidar com o direito fundiário. A análise das edições de três anos dos relatórios de sustentabilidade da Fibria, Suzano e Veracel revelou as seguintes possibilidades de ações: diversas iniciativas para promover o esclarecimento, a defesa e a delimitação de direitos por meio de diálogo e engajamento com partes interessadas, nas quais o direito à terra é discutido em campo de forma recorrente; um grupo menor de iniciativas voltadas à realocação do direito entre as partes; uso limitado de um terceiro (Estado) para definir e fazer valer o direito de posse; e uma variedade de plataformas para várias partes interessadas voltadas ao engajamento de diferentes atores na criação de soluções para as disputas fundiárias que afetam as partes. A Teoria da Análise Econômica dos Direitos de Propriedade criada por Barzel (1989, 1997, 2002), e desenvolvida por Dixit (2004, 2009) e Zylbersztajn (2010, 2012), tem sido útil para a compreensão da coexistência desse espectro de estratégias.

Este estudo tem muitas limitações. Em primeiro lugar, baseou-se apenas na análise de publicações, o que introduz uma influência tendenciosa na análise, uma vez que os relatórios de sustentabilidade apresentam as informações sob a perspectiva das empresas e as publicações acadêmicas têm como referência apenas sete empresas. Estudos futuros nesta área devem incluir outras fontes de dados. Em segundo lugar, os casos de três operações florestais certificadas de grande porte podem não representar o universo das empresas que operam no Brasil. Assim, estudos futuros devem analisar dados de um número maior de organizações. Em terceiro lugar, foi analisado apenas o número de estratégias de negócio por categoria, sem levar em conta seus impactos, como o número de conflitos tratados através de cada canal, o número de partes interessadas afetadas ou a extensão de terra objeto de conflito. Enfim, estudos futuros poderiam comparar o ambiente institucional e as estratégias de negócio para proteção do direito fundiário entre países, sub-regiões do mesmo país ou entre setores.

Apesar das limitações, este artigo esclareceu a interconexão entre o ambiente institucional, os

conflitos fundiários e a estratégia de negócio para proteção do direito fundiário.

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Notas

1 Direito Econômico: De acordo com a definição de Barzel, o direito econômico de propriedade é a capacidade de consumir diretamente o serviço de um determinado bem ou de consumi-lo indiretamente por meio da troca (Barzel, 1997, p. 90)

2 O grupo Votorantim adquiriu a Aracruz Celulose em 2009. Após essa data, as duas empresas se transformaram na Fibria.

(16)

Sobre os autores:

1. Carolina Torres Graça, doutoranda em Administração de Empresas pela Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, E-mail: ctgraca11@gmail.com

ORCID

0000-0002-0127-9280

2. Decio Zylbersztajn, Doutor, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, E-mail: dezylber@usp.br

ORCID

0000-0002-4007-4958

Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 56º Congresso organizado pela Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural (SOBER)

Contribuição dos autores

Contribuição Carolina Graça Decio Zylbersztajn

1. Definição do problema de pesquisa √  √

2. Desenvolvimento das hipóteses ou questões de pesquisa (trabalhos empíricos) √  √

3. Desenvolvimento das proposições teóricas (ensaios teóricos) √ √

4. Fundamentação teórica/Revisão de literatura  √ √

5. Definição dos procedimentos metodológicos √

6. Coleta de dados √

7. Análise estatística

8. Análise e interpretação dos dados √ √

9. Revisão crítica do manuscrito    √

10. Redação do manuscrito √

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