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A importância dos contos de fadas na elaboração do luto infantil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUI

KARINE KLEIN

A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA ELABORAÇÃO DO

LUTO INFANTIL

Santa Rosa 2017

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KARINE KLEIN

A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA ELABORAÇÃO DO

LUTO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia à Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Taís Cervi

Santa Rosa 2017

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KARINE KLEIN

A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADA NA ELABORAÇÃO DO

LUTO INFANTIL

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Profª. Ms. Taís Cervi

________________________________________ Profº. Ms. Elisiane Felzke Schonardie

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Aos meus familiares e amigos, por terem dividido comigo minhas angustias, inseguranças, medo e aflições, por todo o carinho que me deram. A vocês dedico esta conquista.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por permitir que eu chegasse até aqui.

Agradeço aos meus pais por me mostrarem o caminho dos contos de fadas, o quão maravilhosas são essas histórias.

Agradeço ao meu namorado Levi, pela paciência e compreensão.

Agradeço a minha amiga Aline por aguentar meus surtos durante a escrita desse trabalho, e por tentar acalmar meu desespero.

Agradeço a minha orientadora Professora Taís, pois foi com ela aprendi a ir mais afundo nos contos, e por me estimular e me auxiliar na escrita deste trabalho.

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"Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito,

relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e profundamente cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria. Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;

não percam o agora.

Eu era um daqueles que nunca ia

a parte alguma sem um termômetro,

uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um

pára-quedas e,

se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,

começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua,

contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,

se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo"

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A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA ELABORAÇÃO DO LUTO INFANTIL

KARINE KLEIN

TAÍS CERVI

RESUMO

O presente trabalho aborda uma questão de extrema importância na vida das crianças, os contos de fadas e a elaboração do luto infantil. Trabalha a origem dos contos, os quais não eram destinados às crianças, pois possuíam conteúdos que faziam parte somente do imaginário adulto. Sua origem se encontrava em mitos e tradições orais vindos desde épocas remotas. Prestam-se desde sempre, a auxiliar no trabalho de questões inconscientes, na elaboração do luto, na diminuição do sofrimento ao mostrar que a criança não é a única a estar passando por determinada situação, e que não está sozinha nessa hora difícil. Para trabalhar de forma representativa a questão do luto, o trabalho abordou dois contos de fadas clássicos: “Branca de Neve” e “João e Maria”, sendo que um deles trabalha o luto real e outro o luto simbólico, através do abandono.

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ABSTRACT

The present work addresses an issue of extreme importance in the lives of children, fairy tales and the elaboration of childish mourning. It works the origin of stories, which were not intended for children, because they had contents that were only part of the adult imagination. Its origin was in myths and oral traditions that came from remote times. They have always assisted in the work of unconscious questions, in the elaboration of mourning, in the reduction of suffering by showing that the child is not the only one who is going through a certain situation, and that she is not alone in this difficult time. In order to work in a representative way the issue of mourning, the work covered two classic fairy tales: "Snow White" and "John and Mary", one of which works the royal mourning and another the symbolic mourning, through abandonment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . ... 9

CAPITULO 1 – AS ORIGENS DOS CONTOS DE FADAS: UM POUCO DE HISTÓRIA... ... 11

1.1 MITO E LITERATURA ... 15

1.1.1 A Origem Do Mito ... 15

1.1.2 Conto Versus Mito ... 17

1.2 OS CONTOS DE FADAS COMO MÉTODO TERAPÊUTICO ... 19

1.3 PRINCIPAIS ESCRITORES ... 21

CAPITULO 2 – LUTO: SOBRE O LUTO, SUAS FASES E UM POUCO DE HISTÓRIA ...23

2.1 LUTO NA INFÂNCIA ... 25

2.3 O QUE A LITERATURA INDICA PARA SER DITO A CRIANÇA ENLUTADA .28 2.4 OS CONTOS DE FADAS COMO INSTRUMENTOS DE SUSTENTAÇÃO PARA O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO LUTO ... 28

2.4.1 Branca de Neve ... 30

2.4.2 Jõao e Maria ... 31

CONCLUSÃO ...34

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INTRODUÇÃO

Para Cervi (2006) a paixão pelas histórias que trazem em seu desenrolar fantasia e ficção começa desde cedo, de forma que não podemos falar em infância sem elas. Podemos observar que desde o momento em que se começa a falar de infância, os contos passaram a ser a maneira mais comum de ficção e de forma gradativa destinadas às crianças. Nos dias atuais os contos de fadas são coisa de criança, são parte do imaginário delas, mas estes nem sempre foram da maneira como são contados hoje.

Cyrulnik (2005) dá ênfase ao encantamento das crianças com narrações do tipo era uma vez, pois oferecem uma bela passagem, uma oportunidade de felicidade, um envolvimento afetivo no qual aquele que narra faz um convite para que as aventuras verbais sejam compartilhadas com aqueles que escutam. Ao falar da mágica, viagem do era uma vez, também afirma que as crianças que sofreram com algum trauma emocional no passado encontram certa dificuldade para adentrar nessa aventura, uma vez que compartilhar uma história de infelicidade é sofrer uma segunda vez. Marca que a narração oferece uma proteção ao psiquismo da criança, um reviver sua história por meio do faz de conta.

Chauí (1984) filosofa que também estuda os enfrentamentos possíveis dos contos de fadas, trabalha o conteúdo desses contos em relação à crianças e aos aspectos sexuais destas históras. Conta-nos que os contos operam como uma espécie de rito de passagem, ao auxiliarem a criança a administrar o presente, a preparar-se para adversidades futuras e a separar-se do seu mundo familiar, por consequência, sua entrada na vida adulta. Demonstra sua relação com a sexualidade, por abordarem as temáticas de forma dupla. Os contos, por um lado, permitem e estimulam o acesso aos desejos, fantasias inconscientes; por outro, reforçam os padrões de repressão sexual, pois castigam os que não fazem o denominado como certo e mostram o momento adequado e desejado para a manifestação dos conteúdos sexuais, muitas vezes criando os rótulos de masculinidade e feminilidade.

Segundo Franco e Mazorra (2007) a morte de um dos genitores é uma das mais impactantes experiências para uma criança, pois com os pais morre junto a ilusão da onipotência infantil no momento em que ela mais é necessária como fonte de segurança. Diante dessa ausência permanente do vínculo que prove sustentação, a criança se depara com sentimentos profundos de desamparo e impotência. Com a morte de um de seus pais a criança perde o mundo ao qual conhecia, o qual o genitor afastava-se, mas voltava ao fim do dia.

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Safra (2005) apresenta o conto de fadas como uma possibilidade de intervenção na clínica psicológica, afirmando que auxilia no enfrentamento das dificuldades e no aprofundamento dos vínculos da criança com o terapeuta, assim como com seus pais. Afirma que o uso de histórias na psicoterapia é uma intervenção positiva, pois, propícia a inclusão dos pais, que são os contadores no lar, no processo terapêutico da criança.

De forma a esclarecer questões acerca dos contos, do luto infantil e dos contos como método na clínica infantil, o presente trabalho é dividido em dois momentos. No primeiro, trata acerca dos contos de fadas, para isso aborda desde o mito, suas transformações, as semelhanças e diferenças entre mito e contos de fadas, e os contos de fadas como método terapêutico.

No segundo momento, aborda questões a respeito do luto infantil, as fases do luto e sua concepção histórica, o que a literatura indica para as crianças enlutadas, os contos de fadas como instrumentos de sustentação para o processo de elaboração do luto, e por fim, os contos da Branca de Neve e João e Maria relacionados a morte e ao abandono.

A escolha do tema se justifica principalmente devido ao vasto mundo da ficção. Nunca foi tão investido em seres tão pequenos como nos dias de hoje. Nunca foi falado abertamente sobre a morte com os pequenos, precisamos quebrar o tabu da morte e falar sobre ela, não trazendo falsas expectativas de que aquele que está morto poderá voltar.

Os contos nos auxiliam pois, falam a língua das crianças, de forma simples, e ao mesmo tempo indicam aos pequenos que não se encontram sozinhos, que há mais pessoas passando pelo mesmo problema, sentindo a mesma sensação de abandono e desnorteadas do jeito que elas se encontram. Assim, é possível ver o porquê dos contos estarem presentes ainda hoje e serem algo tão atual.

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CAPITULO 1 – AS ORIGENS DOS CONTOS DE FADAS: UM POUCO DE HISTÓRIA

O termo “Conte de Fee” surgiu com os franceses, termo esse que logo se tornou “Fary Tale” em inglês. No Brasil os contos de fadas surgiram somente após o século XIX. Bettelheim (2002, p.14) afirma que “a maioria dos contos de fadas se originou em períodos em que a religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam, diretamente ou por interferência, com temas religiosos”.

Etimologicamente, o termo conto vem do latim computare, que significa relatar uma história e a palavra fada do latim fatum, que quer dizer destino. Relatar significa que uma história pode ser repetida quantas vezes forem necessárias, assim um conto de fadas representa relatar o destino. Esse destino, na existência humana, gera um conflito entre ternura e tragédia, intimidade e universalidade. (ALBERTI, 2006).

Segundo Feitosa (2012) desde tempos longínquos, o homem tem um enorme fascínio pelo desconhecido, pelo sobrenatural, pelo que desafia sua compreensão, o que o leva ao encantamento pelos contos de fadas, visto que eles nos trazem um novo horizonte existencial. Tanto de maneira real ou simbólica, o homem permeia o real e o imaginário, com intuito de conhecer sua própria história, sendo para si próprio um grande mistério.

O desconhecido exerce sobre ele um desafio constante. Assim, como a história nos mostra, desde os primórdios, os homens lançaram-se no encalço do conhecimento e tentaram vencer os poderes e mistérios que ultrapassavam os limites daquilo que, neles, era simplesmente humano. (COELHO, 1987, p.10).

Para Bettelheim (2002) quando pensamos em contos de fadas logo nos vem à cabeça que eles começam com “Era uma vez” e terminam com “Viveram felizes para sempre”. São essas histórias que nos contavam antes de dormir. Sempre existia uma princesa que passava por situações nada agradáveis, e no final era resgatada e salva pelo beijo do príncipe encantado.

Os contos de fadas, diferentemente de qualquer outra forma de literatura, direcionam a criança para a descoberta de sua identidade e vocação, e também sugerem as experiências que são necessárias para desenvolver ainda mais o seu caráter. Os contos de fadas dão a entender que uma vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa apesar da adversidade – mas apenas se ela não se intimidar com as lutas arriscadas sem as quais nunca se adquire a verdadeira identidade. (BETTELHEIM, 2002, p.34).

Além dos valores morais da época que eram reforçados na versão escrita, os contos também eram incumbidos de nos trazer uma visão sociológica e antropológica da organização

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dos vilarejos e aldeias. Em virtude desse fato, na maioria dos contos os cenários nos remetem a aldeias, pobreza, príncipes e princesas, e a nobreza em geral.

Se esperamos viver não só cada momento, mas ter uma verdadeira consciência de nossa existência, nossa maior necessidade e mais difícil realização será encontrar um significado em nossas vidas. É bem sabido que muitos perderam o desejo de viver, e pararam de tentá-lo, porque tal significado lhes escapou. Uma compreensão do significado da própria vida não é subitamente adquirida numa certa idade, nem mesmo quando se alcança a maturidade cronológica. Ao contrário, a aquisição de uma compreensão segura do que o significado da própria vida pode ou deveria ser é o que constitui a maturidade psicológica. E esta realização é o resultado final de um longo desenvolvimento: a cada idade buscamos e devemos ser capazes de achar alguma quantidade módica de significado congruente com o ‘quanto’ nossa mente e compreensão já se desenvolveram. (BETTELHEIM, 2002, p.3).

Embora não tendo absoluta certeza, a literatura aponta a origem dos contos como céltica por volta do século II a. C. Segundo Platão as mulheres mais velhas contavam histórias que continham uma imensa simbologia na educação das crianças. (HISADA, 1998).

Os vestígios mais remotos localizados por [...] estudiosos, remontam a séculos antes de Cristo e provêm de fontes orientais e célticas que, a partir da Idade Média, foram assimiladas por textos de fontes europeias. A despeito das muitas pesquisas desenvolvidas, foi impossível determinar quais teriam sido os textos matrizes ‘puros’, tal a amálgama de fontes que se fundiam nas narrativas recolhidas. (COELHO, 1987, p.16).

Na forma como são conhecidos na atualidade, os contos surgiram na Europa, principalmente na França e na Alemanha, no final dos séculos XVII e XVIII. (LUBETDKY, 1989). Os contos daquela época eram recheados pela Moral Vitoriana, repreendia questões sexuais, sendo que os conceitos de infância e de educação não eram vigentes na época.

No século XII, por volta do ano 1155, no romance de Brut de Wace são resgatadas as lendárias aventuras do Rei Artur e seus fiéis cavaleiros. Ainda por meados do século XII, Os Lais de Marie de France, que foi um gênero de poema narrativo, pode-se dizer lírico, que possuía temas das aventuras de cavalaria do rei Artur, expuseram a cultura céltico-bretã pelas cortes da Europa e sua aceitação pelo cristianismo, religião de maioria na época. (COELHO, 1987). Segundo Bettelheim (2002), surgem na Europa por volta do século XIV a primeira coleção de histórias baseadas no folclore europeu a qual foi denominada como “Gesta Romanorum”, o qual era de origem persa, escrita em latim, que foi antecedente a famosa coleção.

A literatura aponta que essas são histórias transmitidas oralmente de geração em geração, e mesmo com toda a tecnologia existente, ainda não perderam espaço entre as crianças.

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Durante vários séculos essas histórias fizeram parte de momentos de reuniões, onde um bom contador emocionava a todas as pessoas de todas as idades. Com o passar do tempo essas histórias foram sendo passadas para o domínio infantil. (CORSO e CORSO, 2006).

Os contos em sua origem não eram destinados ao universo infantil, essas histórias eram repletas de mortes, cenas de adultério, incesto, canibalismo, mortes hediondas e todos os conteúdos do imaginário adulto. Souza (2005) trabalhando sobre os contos, os descrevendo como histórias que narravam o destino dos homens, seu destino, suas dificuldades e suas crenças no mundo sobrenatural. Eram contados por narradores profissionais, que herdavam essa função de seus antepassados. Normalmente essas narrações aconteciam em campos, lavouras, nas salas de fiar, casas de chá e demais espaços onde os adultos se reuniam. (RADINO, 2001, 2003).

Via-se a necessidade de utilizar essas histórias vinculadas à educação, já que as crianças possuíam um fascínio por elas e, a fantasia incumbida neles ajudava a formar suas personalidades. Caracterizam-se pela presença do personagem “fada”.

Comprova-se que as fadas tiveram origem comum em função do próprio termo que as designa: “fada”. Sua primeira menção documentada em textos novelescos foi em língua latina: fata (oráculo, predição), derivada de fatum (destino, fatalidade). Nas línguas modernas: fada (português); fata (italiano); fée (francês); fairy (inglês); feen (alemão) e hada (espanhol). (COELHO, 2009, p.78).

As fadas surgem apenas por meados do século IX, no livro intitulado “mabinogion”. Nele também tem origem à transformação das aventuras reais que deram origem ao Ciclo Arturiano. (DA SILVA, 2010).

As fadas se tornaram conhecidas por serem seres fantásticos ou imaginários, de beleza sem igual, tendo forma de mulher. Possuíam virtudes e poderes capazes de interferir na vida dos homens comuns, para ajudá-los quando mais nenhuma solução era vista.

Não há dúvida que, em sua origem, as fadas estavam ligadas a cultos ou ritos religiosos. Em grande número de contos irlandeses (de origem celta), a heroína (sempre um ser sobrenatural) aparece como mensageira de Outro Mundo ou surge sob forma de um pássaro (em geral, cisne), que está ligado ao mistério da morte. (COELHO, 2009, p.79).

Para Coelho (1987) a fantasia mais básica das histórias traz os obstáculos que precisam ser derrotados, como um rito de iniciação, para que assim seja possível ao herói alcançar sua própria realização. Tem partida em um problema vinculado a realidade, mas no seu desenvolvimento busca as soluções na fantasia, no faz de conta, mas ao final a ordem se restabelece em uma volta para o real.

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[...] narrativas sem a presença de fadas, via de regra se desenvolvem no cotidiano mágico (animais falantes, tempo e espaço, reconhecíveis ou familiares, objetos mágicos, gênios, duendes, etc.) e têm como eixo gerador uma problemática social (ou ligada à vida prática concreta). Ou melhor, trata-se sempre do desejo de auto realização do herói (ou anti-herói) no âmbito socioeconômico, através da conquista de bens, riquezas, poder material, etc. geralmente, a miséria ou a necessidade de sobrevivência física é o ponto de partida para as aventuras de busca. Eles se originam das narrativas orientais, e enfatizam a parte material/sensorial/ética do ser humano: suas necessidades básicas (estomago, sexo, vontade de poder), suas paixões do corpo. (COELHO, 1987, p.13).

A partir da “descoberta da infância” (ARIÉS, 1981, p.11) os contos passam a ser adaptados para assim poderem contemplar as necessidades da criança, e de sua vida imaginária. Os contos eram instrumentos de fascínio, os quais eram narrados pelas amas, governantas, cuidadoras das crianças que se incumbiam de contar e eternizar essas histórias de origem popular.

Desde o início da infância, os contos nos acompanham, passam pelas diversas fases da nossa vida, e na maioria das vezes, consegue preservar seu encantamento até a fase adulta. Pode-se dizer que é a única forma de “arte” que preserva sua influência sobre nós por tanto tempo, e nunca deixa de provocar reflexões, novas teorias, e novos temas que entram com força no cenário da crítica literária e da pesquisa psicológica e pedagógica. (OLMI, 2009).

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça a multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança. (BETTELHEIM, 2002, p.20).

Dohme (2003) afirma que:

Sem dúvida, pensando no cidadão de amanhã, uma das maiores preocupações dos professores e até mesmo dos pais é de formar um homem e uma mulher que sejam críticos, que tenham capacidade de analisar o que está à sua volta, de avaliar o que está de acordo com seus princípios e o que não está e de tomar decisões de acordo com as suas próprias convicções. (p.21).

No conto da Cinderela as crianças pequenas se encantam com o fato do “amor à primeira vista”, já as mais velhas são capazes de se interrogar a respeito do fato de que sendo bonito, rico e poderoso será o suficiente para alguém se apaixonar. Um conto de fadas bem contado e encenado pode levar a criança a diferentes lugares, ao fundo do mar, acima das nuvens, ao país das maravilhas, futuro e ao passado, uma descrição detalhada a fará sentir o cheiro das flores, ver a grama verdinha, encantar-se com o cavalo que voa majestosamente pelo céu estrelado.

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Porém uma descrição exagerada não permite ao ouvinte colocar sua imaginação em funcionamento (FARIAS e RUBIO, 2012).

Os contos se diferenciam das demais histórias infantis pelo uso da magia e encantamentos, um problema existencial no qual o personagem principal (sempre bom) busca a realização de um desejo pessoal e, certamente, a existência de obstáculos a serem vencidos pelos heróis. (SCHNEIDER; TOROSSIAN, 2009). Além disso, é característica dos contos a existência de um dilema existencial de forma resumida.

Segundo Cervi (2006) não podemos tomar o conto como algo atemporal, como se desempenhassem sempre a mesma função para um mesmo público, obedecendo a sentidos e padrões análogos. Enquanto que as histórias nascem e morrem, os contos desafiam o tempo e perpassam séculos e formas de sociedades, atingindo durante seu percurso públicos diversos.

Corso e Corso (2006) afirmam que em sua origem não favoreceram a apenas algumas pessoas, mas sim, nasceram para todos. Dessa forma, podemos concordar com alguns pensadores como Eliade (1986), que aponta que a origem dos contos está relacionada aos mitos, aos ritos de iniciação e de passagem.

1.1 MITO E LITERATURA

1.1.1 A origem do mito

Fernando Pessoa (1989, p. 41) em verso escreve: “O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus é um mito brilhante e mudo – O corpo morto de Deus, vivo e desnudo”. Isso ilustra a complexidade de se falar sobre os mitos e de adentrar ao espaço do que não se explica. Seguindo o roteiro de Abbagnano (2000), pode-se destacar três significados para o termo mito. Na antiguidade, Mythos opunha-se a Lógos (razão) e ao discurso da filosofia da natureza racional, o qual era tido como verdade absoluta, e dessa forma era contraditório as narrações míticas, as quais sustentavam as sociedades arcaicas.

Segundo Seleprin (2013) os mitos podem ser entendidos como sendo representações de verdades profundas da mente, e a união deles, dependendo de suas origens, formam as diferentes formas de mitologia que conhecemos. Em tempos antigos, o mito reina supremo, pois é um tempo que ele ainda não é conhecido como tal.

Para Seleprin (2013) mito configura o mundo em seus momentos primevos, narra uma história sagrada, estabelece padrões e modelos de comportamentos a serem seguidos, projeta o ser humano em um tempo que precede o seu tempo, situa as histórias e empreendimentos

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humanos em um espaço que não possui dimensão, dessa forma situa os limites da consciência e os significados que instauram a existência humano no mundo. Os mitos reproduzem gestos que criam e são significativos, e que sustentam a realidade já construída. A realidade mítica sempre é cósmica, porque todas as proposições são partes constituídas de um cosmos. Não são objetos que estão perdidos no todo desordenado. Esse cosmos seria um mundo ordenado e vivo, transparente, com harmonia, festa, mas, sobretudo extremamente coeso em sua unidade.

Segundo Cervi (2006) citando Eliade (1986) se andarmos ao lado de tal autor é visto que o mesmo analisa a importância dos mitos, pois ele considera que nas sociedades arcaicas a narração do mito exercia uma função importante na estrutura da sociedade, por tal fato que o mito era considerado como sendo verdadeiro, sagrado, exemplar e significativo.

Elíade afirma que o mito é uma narração que:

[...] conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 'princípio'. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, uma narrativa de uma 'criação': ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. (1986, p.11) [grifo do autor].

Anzieu (2006) afirma que Freud traz um caminho dividido em três etapas, em que se desenvolve sua abordagem da mitologia. A primeira pode ter por representante o texto “A interpretação dos Sonhos” (FREUD, 1900/1987), no qual ele traz que a mitologia é capaz de fornecer auxílio para entender alguns processos do inconsciente. Nos mitos da mesma forma que nos sonhos, projetam-se alguns elementos do inconsciente, que em seus elementos significantes, podem se referir a itens variados, dependendo do sujeito e de sua respectiva história de vida. Consideremos os sonhos os mitos dos indivíduos, então os mitos seriam os sonhos da humanidade expressando os seus desejos. A segunda etapa é através de “Totem e Tabu” (FREUD, 1913/1987), onde Freud se direciona para os ritos e o totemismo e o animismo, tendo como sua ênfase que os mitos são reedições dos ritos e criando a partir disso o mito da horda primitiva que ainda hoje serve como direção para a compreensão psicanalítica acerca da vida coletiva. No mito, o que era negado ao homem passou a ser atribuído aos deuses. A terceira etapa se encerra com “Moisés e o Monoteísmo” (FREUD, 1939/1987), onde Freud afirma que a religião judaico-cristã ainda hoje fornece à nossa sociedade alguns dos mitos que nos foram incumbidos. Anzieu (2006) faz um comentário onde escreve que os mitos falam sobre o mundo

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interior e não sobre o mundo exterior, não sobre o real que nos cerca, mas sobre fantasias, anseios a eles ligados.

Hoje o conto é usado da mesma forma que o mito foi em sociedades antigas, adentram na trama e procuram encaixar suas questões nos esquemas interpretativos e já disponibilizados com antecedência. Ou ainda, se apropriam de partes, usando-as como tijolos de significados que se combinam de forma a erguer a obra de algum assunto que traga questões (CORSO E CORSO, 2006).

1.1.2 Conto versus mito

Pastore (2012) lembra que a palavra mito é originária do termo grego mythos, a qual é derivada dos verbos mytheio (contar, narrar) e mytheo (contar, conversar). Na Grécia antiga (sec. VIII ao sec. VI a.C.) o principal sentido de mythos era a palavra ou discurso, que eram basicamente as narrativas das aventuras e desventuras de deuses e heróis. Naquela época, logos e mythos não eram opostos, pois traziam ambos a respeito de um relato sagrado que de igual forma eram transmitidos de geração a geração de forma oral.

O mito, pode-se dizer que é a tentativa de dizer o que não pode ser dito, fala do sagrado, do mistério, dos deuses. O qual é vivido e transmitido por um grupo ou experimentado por um indivíduo, o encontro com o sagrado é visto como uma mistura de espanto, fascinação, temor e respeito. A emoção diante do temor, do deslumbre diante dos fenômenos, fez o ser humano a emitir seus primeiros sons, que passaram a ser vocábulos, que devido a repetição passaram a ser nomes dos deuses. O sagrado que há no mito é o que atribui sentido as narrativas e é também o que estabelece as diferenças entre o que é santo e o profano, a verdade e a mentira, o bem e o mal (OLIVEIRA; LIMA, 2006).

[...] a religiosidade dessa experiência deve-se ao fato de serem reatualizados acontecimentos fabulosos exaltantes. Significativos de se assistir de novo às obras criadoras dos seres sobrenaturais; deixa-se de existir nos mundos de todos os dias e penetra-se num mundo transfigurado, autoral, impregnado da presença dos seres sobrenaturais. Não se trata de uma comemoração dos acontecimentos míticos, mas da sua repetição. As personagens do mito tornam-se presentes e passa-se a ser contemporâneo. (ELIADE, 1993, p. 23).

O que podemos entender por narrar? Para Benjamin (1994), narrar histórias pode ser entendida como a arte de contá-las várias vezes, uma arte que passa a ser perdida quando essas narrativas deixam de ser contadas, virando um empecilho da transmissão oral de alguma experiência humana. Nesse ponto de vista a narrativa “tem sempre em si, as vezes de forma

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latente, uma dimensão utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa questão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida” (BENJAMIN, 1994, p. 200), pode ser entendido como um movimento continuo de construir e ser construído pela nossa cultura.

Tanto os mitos como as estórias de fadas respondem a questões eternas: O que é realmente o mundo? Como viver minha vida nele? Como posso realmente ser eu mesmo? As respostas dadas pelos mitos são taxativas, enquanto o conto de fadas é sugestivo; suas mensagens podem implicar soluções, mas nunca as soletra. Os contos de fadas deixam à fantasia da criança o modo de aplicar a ela mesma o que a estória revela sobre a vida e a natureza humana. O conto de fadas procede de uma maneira consoante ao caminho pelo qual uma criança pensa e experimenta o mundo; por esta razão os contos de fadas são tão convincentes para ela. Ela pode obter um consolo muito maior de um conto de fadas do que de um esforço para consolá-la baseado em raciocínio e pontos de vista adultos. Uma criança confia no que o conto de fada diz porque a vida de mundo aí apresentada está de acordo com a sua (BETTELHEIM; 2002, p.67).

Podemos entender a narrativa como um método pelo qual é oferecido conselhos e ajuda nos momentos de maior necessidade (BENJAMIN, 1994), já os mitos que eram transmitidos oralmente pelos narradores que compartilhavam com seus ouvintes os ensinamentos e experiências dos seres humanos, mitos os quais deram origem às histórias infantis, as quais com o passar dos tempos se tornaram conhecidas por contos de fadas.

Não surpreende que também a psicanálise mostre a importância que os contos tradicionais têm para a vida psíquica de nossas crianças. Em alguns indivíduos, a lembrança de suas histórias favoritas tomou o lugar das próprias recordações da infância. (FREUD, 1913, p. 292).

Segundo Cervi (2006), percebemos que os mitos são com frequência misturados nos contos, percebemos que possuem certas semelhanças. Elíade (1986, p.172) sofrendo influência de Vries dá ênfase para a existência de uma estrutura comum entre o conto e o mito, e que da mesma maneira apresentam um contraste entre o pessimismo do mito e o otimismo do conto. Bettelheim (2002) também percebeu esse contraste e nos traz que:

o mito é pessimista, enquanto que a estória de fadas é otimista, mesmo que alguns traços sejam terrivelmente sérios. É essa diferença decisiva que separa o conto de fadas de outras estórias nas quais igualmente ocorrem coisas fantásticas, que o resultado seja feliz devido às virtudes do herói, à sorte, ou a interferência de figuras sobrenaturais. (p.54).

Existem várias diferenças entre o conto e o mito, mas também é sabido de suas semelhanças que são de grande valia para o contexto. Corso e Corso (2006, p. 28) afirma que “os contos de fadas têm em comum com os mitos o fato de não possuírem propriamente um

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sentido, são sim estruturas que podem gerar sentidos, por isso toda interpretação será sempre parcial.”

1.2 OS CONTOS DE FADAS COMO MÉTODO TERAPÊUTICO

Os contos desde que surgiram exercem função terapêutica, sendo esse um dos fatos que explica sua permanência e transmissão de geração para geração ao longo dos séculos (GUTFREIND, 2003). Segundo Dieckmann (1986) e autores mais recentes como Hisada (1998) e Melli e Giglio (1999), afirmam que os contos eram muito usados na medicina hindu como método terapêutico para quem apresentava problemas mentais. O conto era oferecido como estímulo em suas meditações. Ele era vivido como a personificação de evoluções interiores da mente humana, pois usavam a mesma linguagem do inconsciente.

Sunderland (2005) só considera uma história como método terapêutico a partir do momento em que a criança utiliza formas criativas de ser e de lutar, contidas também na história. No entanto, aquele pode não ser o momento adequado para a criança. Segundo a autora, o conto pode ser usado como um ingresso para chegar ao inconsciente da criança, facilmente aceito quando a história é bem escolhida e contada a partir das questões subjetivas que envolvem o sujeito naquele momento. A autora ainda sugere contar a história apenas quando a criança estiver aberta e receptiva para ouvi-la.

O conto favorece a introspecção, pois por meio dele a criança tem a possibilidade de pensar sobre seus sentimentos e pode ter esperança de que seu sofrimento é passageiro. A introspecção por intermédio da literatura atrai as emoções do leitor ou do ouvinte e tem o poder de as liberar. O leitor se refere especialmente à criança frágil, ou doente, pelo fato que essa se preocupa demasiadamente consigo, sendo assim, aprecia os textos que exibem seus problemas. A universalização desses problemas é a garantia de que ela não é a única a passar por essas aflições. Os contos são fonte de prazer para as crianças tanto quando ouvem quanto pela sua representação. O autor afirma que prazer produz alegria, e alegria é terapêutica (CALDIM, 2004).

Calligaris (2007 apud PEREIRA e LEMOS, 2013, p.106) diz que a ficção inventa experiências únicas que nos revelam a humanidade que é intrínseca a todos nós. Esse é o intuito da ficção, pois nos traz de maneira simbólica os desejos do homem. Dessa forma “uma vida se faz de histórias as que vivemos, as que contamos e as que nos contam” (CORSO e CORSO, 2006, p.23). Somos levados para um mundo de fantasia, o qual pode servir de mediador para aprendermos a lidar com a realidade. Os personagens facilitam o desenvolvimento do afeto e

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da cognição. Isso é a magia nos contos de fadas, pois eles interrogam, nos provocam angústia, colocam o indivíduo a produzir.

Pazinato (2008) traz que os contos de fadas são usados no âmbito hospitalar de forma a contemplar a elaboração de conteúdos psíquicos. Dessa forma, a autora afirma que a relação entre contista/obra/ouvinte é vista como um exercício da criatividade vista por Winnicott como similar ao brincar. Em Winnicott (1975) o brincar é um instrumento mediador para o crescimento saudável.

Sobre o brincar Crepaldi (2004) nos diz:

Verificamos que, em se tratando de crianças, o que caracteriza o estado de doença é a incapacitação para o brinquedo, o estado de prostração que se opõe à vivacidade e atividade da criança, o prejuízo em seu desenvolvimento, somados ao aparecimento do sintoma ou conjunto de sintomas. (p.75).

Nigro (2004) complementa:

[...] uma das manifestações características do “estar doente”, é justamente a dificuldade de manter a atividade lúdica”. A autora afirma que: “Sem o brincar a criança perde as vias de expressão de suas emoções, perde o espaço no qual poderia estar repetindo situações traumáticas [...]. (p. 75).

A vida para a criança é com frequência confusa, ela necessita poder se entender neste mundo complexo no qual terá de aprender a viver. Para ter sucesso nesse quesito ela deve receber ajuda para que possa trazer sentidos coerentes aos milhares de sentimentos que perpassam por sua cabeça. Precisa de significados para poder arrumar sua “casa interior” e baseando-se então nessas ideias deve ter capacidade para criar ordem em sua vida. Nos contos de fadas a criança é capaz de encontrar esse tipo de significados. Assim, através de séculos, talvez milênios, durante os quais os contos de fadas foram sendo contados e recontados, foram se tornando cada vez mais refinados, e assim passaram a possuir significados encobertos e explícitos, passaram a falar a todos os públicos. Usando como base a psicanálise, os contos nos trazem mensagens a todos os níveis psíquicos (consciente, pré consciente e inconsciente). Abrangendo com todos os tipos de problemas imagináveis, essas histórias falam ao ego em crescimento e trazem coragem para o desenvolvimento, da mesma forma aliviam pressões tanto do pré consciente como do inconsciente. Conforme essas histórias se desenrolam, trazem validade e forma as pressões do id, mostrando como satisfazer tais pressões, que estão vinculadas com o que requerem o ego e o superego (BETTELHEIM, 2002).

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1.3 PRINCIPAIS ESCRITORES

São vários os escritores que levam tanto crianças quanto adultos ao fascínio com suas histórias encantadoras, são variados estilos de escrita, os quais foram sendo remoldados conforme a necessidade e época em que são escritos.

Um dos precursores dessas narrativas foi Perrault (1628-1703). Ele registrava as histórias baseando-se nas narrativas populares, adaptando-as e as abrandando de acordo com as necessidades da corte francesa, adicionando evidências e ocultando detalhes da cultura pagã e da sexualidade. Todos os seu contos, inclusive as versões infantis eram permeados com mensagens de moral. Apesar de ser escritor de contos de fadas, essas eram personagens pouco presentes em suas histórias, ele preferia usar figuras humildes, tais como, lenhadores, aldeões, damas e cavaleiros. Sua obra mais conhecida foi chamada de Contos da Mamãe Gansa, que foi apresentada aos meados de 1697 e apresenta uma versão de Chapeuzinho Vermelho, na qual o lobo sai vencedor no final do conto (FIGUEIREDO, 1998, GÓES, 1991, LIMA, 2000, LUBETSKY, 1989, OLIVEIRA 2001, RADINO, 2003, SILVA, 2004, SOUZA, 2005 apud SCHNEIDER; TOROSSIAN, 2009).

Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) nasceram na cidade de Hanau, na região central da Alemanha, de uma família de pastores da Igreja Calvinista Reformada. Uma família de nove filhos, onde somente seis chegaram a idade adulta. Viveram sua infância na aldeia de Steinau, onde seu pai foi funcionário de Justiça e Administração do Conde de Hessen (VOLOBUEF, 2013).

Os Irmãos Grimm, devido ao movimento romântico instaurado na época, trouxeram aos contos um sentido mais humanitário. Dessa forma a violência que existia nos contos de Perrault abre espaço ao humanismo que de uma forma suave, percorre as histórias escritas pelos irmãos, que dava prioridade a solidariedade e amor ao próximo. Os aspectos agressivos continuavam presentes na figura do lobo e da bruxa má, pois afinal precisava haver o final feliz com a prevalência do bem sobre o mal. Dentre seus contos se destacam “A Bela e a Fera”, “Os Músicos de Bremen”, “Branca de Neve”, “Chapeuzinho Vermelho” e a “Gata Borralheira” (VOLOBUEF, 2013).

Hans Christian Andersen por muitos considerado o pai da literatura infantil. Destacou-se por escrever contos dirigidos diretamente para o público infantil, utilizando o sofrimento neles observado. Como ninguém, Andersen soube retratar o desejo da população, fazendo com que suas histórias assumissem o aspecto de crônicas tristes. Em seus contos encontramos a criança retratada por meio de brinquedos que ganham vida, sendo ela o papel principal (O

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Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio). Em suas histórias encontramos também sereias, fadas e animais fantásticos. Encontramos os valores morais embutidos de formas sutis e a ausência de jargões como “viveram felizes para sempre”. (CORSO e CORSO, 2006, LIMA, 2000, RADINO, 2003, SOUZA, 2005).

Walt Disney (1901-1966) não foi um escritor de contos, mas cabe aqui falar dele. Cineasta e produtor estadunidense de desenhos animados e animador, ficou conhecido pelas diversas releituras dos contos de fadas, como a primeira vez que foi produzida “Branca de Neve e os Sete Anões”, animação esta que foi lançada nos cinemas. As histórias eram de fácil compreensão e refletiam valores da tradição americana. (COSTA; BAGANHA, 1989).

Monteiro Lobato (1882-1948) foi um escritor e editor brasileiro. “O Sítio do Pica-pau Amarelo” é sua obra mais conhecida dentro da literatura infantil. Criador da “Editora Monteiro Lobato” e posteriormente a “Companhia Editora Nacional”. Foi um dos pioneiros na literatura infantil no Brasil e na América Latina. Metade de suas obras é formada pela literatura infantil. Sua principal característica é seu caráter nacional e social. Retrata em suas obras os vilarejos decadentes e a população do Vale do Paraíba, na época da crise do café. Está entre os autores do Pré-Modernismo, período que antecede a Semana da Arte Moderna. (FRAZÃO, 2014).

Lobato nasceu em Taubaté, São Paulo, no dia dezoito de abril de mil oitocentos e oitenta e dois. Foi alfabetizado pela mãe, despertou cedo o gosto pela leitura, leu todos os livros infantis da biblioteca de seu avô, o Visconde de Tremembé. Desde pequeno já dava sinais de um comportamento inquieto, deixou a sociedade escandalizada ao se recusar a fazer sua primeira comunhão. (FRAZÃO,2014).

Para Frazão (2014), Lobato destacou-se no gênero “conto”. Na maior parte retrata vilarejos decadentes da população do Vale do Parnaíba, quando ao meio da crise do café. Nos seus livros é marcado pela linguagem coloquial e acessiva que usa, e também pela realidade misturada a fantasia.

Os contos e autores foram se adaptando conforme a realidade e necessidades da época, não importa a época em que foram escritos, eles sempre encantavam crianças e adultos, como ainda hoje o fazem, ainda hoje sofrem mudanças e adaptações conforme a necessidade dos ouvintes.

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CAPITULO 2 – LUTO: SOBRE O LUTO, SUAS FASES E UM POUCO DE HISTÓRIA

Segundo Oliveira (2001) os filósofos atribuem a experiência do luto ao surgimento da capacidade de reflexão do homem, e representados por Freud, os psicólogos, no momento que inaugura a Psicologia.

A história nos mostra que, em tempos primitivos, a morte significava apenas o fim, o término da vida. O homem fazia uso dela para exterminar seus inimigos, acreditando que ela ocorria somente a eles e, portanto, não lhe dizia respeito. Logo, porém, ele experimentou a morte de um ente querido e então passou a sofrer, tanto porque um pedaço seu ia-se com o outro quanto porque se deu conta que ele também poderia morrer. Assim, o homem conheceu a ambivalência de sentimentos com relação à morte, qual seja, ao mesmo tempo que experimentava um certo prazer na morte do outro, já que não era ele quem morria, sofria a profunda dor da perda. (OLIVEIRA, 2001, p. 23).

Ao longo da história da humanidade a relação do homem com a morte não se manteve estável, por consequência disso também houveram mudanças nos rituais, cerimônias de celebração, assim também influenciam a maneira como a vemos. Houve uma época onde os egípcios acreditavam que os mortos mereciam a mesma atenção que os vivos, sendo assim eles os presenteavam, alimentavam e homenageavam. (OLIVEIRA, 2001).

Segundo Mentone (2007) durante o século XX, como fruto de uma cultura extremamente capitalista, visando a produção acima de tudo, a morte é vista como algo vergonhoso, sendo considerada um grande fracasso da humanidade. A sociedade capitalista que predomina, não vê como natural as expressões de dor e sofrimento, mas vê como uma fraqueza, por isso é exigido ao indivíduo controle da situação. Para tanto, os rituais relacionados à morte não passam de um disfarce do sofrimento.

Para Franco (2002) as duas grandes guerras que ocorreram no início do século passado, foram extremamente atrativas para pesquisadores do tema luto, em função das perdas, sofrimentos que foram em escala mundial. Como resultado das pesquisas realizadas nessa época, as quais tiveram foco nas reações emocionais e fisiológicas do luto, este é ainda hoje compreendido como semelhante a uma doença.

De acordo com Freud (1914-1915):

O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Também vale a pena notar que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida,

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jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-lo a tratamento médico. Confiamos que seja superado após um lapso de tempo, e julgamos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele. (p. 249).

Franco (2002) quando se refere ao trabalho realizado por Wolfelt (1992) acerca do luto trazido pela visão do senso comum, apresenta não somente o conceito de luto, também o diferencia do termo “pesar”. A autora traz que estes são fundamentalmente diferentes.

Pesar: é um complexo de pensamentos e sentimentos sobre a perda, que são vivenciados internamente. Em outras palavras, é o significado interno dado à experiência do luto.

Luto: é o pesar tornado público, quando você se apodera desses sentimentos e pensamentos e os expressa e compartilha com os que o cercam. Chorar, falar sobre a pessoa que morreu ou celebrar datas especiais são apenas alguns exemplos. Mesmo que esta expressão se dê sem a presença de outras pessoas, também pode ser entendida como uma forma saudável de luto. Envolve o olhar da cultura, que lhe dá continência e validade. (WOLFELT, 1992 apud FRANCO, 2002, p.56).

Freud em seu texto Luto e Melancolia (1917) escreve que o luto é um trabalho que o ego tem de realizar para assim se adaptar a perda de um objeto amado, diante da percepção de realidade do qual foi perdido. A elaboração do luto na teoria psicanalítica foi descrita como um processo de identificação com o objeto que foi perdido, no qual há a retirada em etapas do investimento libidinal desse objeto e o investimento é então passado para novos objetos. Tal processo não se constitui o desligamento total do objeto que foi perdido, sabendo que a ligação com o objeto interno permanece e é ressignificada durante o processo de luto. Este trabalho de ressignificação do objeto perdido é o que permite a elaboração do luto.

Segundo Freud (1917) o luto é um processo lento e doloroso, onde suas principais características são uma profunda tristeza, o afastamento das atividades que não estão relacionadas ao objeto perdido, a total perda de interesse no mundo externo e, a falta de capacidade da substituição de um novo objeto amoroso.

Freud (1926) faz lembrar, em Inibições, Sintomas e Ansiedades, do fato da ansiedade de castração, que pertence a fase fálica do desenvolvimento psicossocial, onde se apresenta o medo de sermos separados de algo extremamente valioso, a perda do objeto, nesse caso o pênis. Esse objeto possui alto valor narcísico, pois ele é a garantia ao sujeito, de novamente se unir a mãe, no ato da copulação. Então, entra o superego eliminando novamente essa possibilidade, o que intensifica uma tensão desagradável, da mesma forma do nascimento que é a primeira separação da mãe. Para Cavalcanti, Samczuk e Bonfim (2013) as situações de perigo vão sendo abandonadas gradativamente, conforme o desenvolvimento do ego. Dessa forma, o ego quando ainda o indivíduo é imaturo se vê em perigo de vida, até adentrar a primeira infância, perigo da

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perda do objeto; na fase fálica, o perigo da castração e ainda o medo do superego que vai até o período de latência.

Bromberg (2000) define as fases do luto no adulto, quando não sendo patológico como sendo as seguintes:

A primeira fase do luto é conhecida como entorpecimento. Nesta, o sujeito enlutado entra em choque, não acredita no que aconteceu, pode ter crises de raiva ou de desespero profundo. Aparecem também alguns sintomas somáticos como vazio no estômago e falta de ar. Como defesa pode aparecer a negação de forma inicial, ou a tentativa de seguir como se nada tivesse acontecido.

A segunda fase é conhecida como anseio e protesto, é um período que envolve emoções fortes, na qual há sofrimento psicológico e inquietação, pois mesmo sabendo que a perda é irreversível, ainda existe um forte desejo de recuperar o ente perdido, podendo aparecer crises de choro e de muita dor. O sujeito que está passando por esse processo de luto se apresenta afastado e introvertido, em uma busca sem descanso, como se estivesse procurando o morto, com preocupações e lembranças. Também podem aparecer sentimentos opostos como esperança e desapontamento.

A terceira fase é o desespero, que ocorre geralmente após o primeiro ano da perda, onde o sujeito enlutado aceita que não é possível mudar a situação. É a mais difícil dentre todas as fases, uma vez que a pessoa enlutada não acredita que nada possa ser preservado, caindo em um processo de apatia e depressão. Nessa fase aparecem também alguns sintomas físicos como a insônia, perda de apetite e de peso e também alguns distúrbios gastrointestinais.

A quarta e última fase do luto é a recuperação e restituição, na dita fase o enlutado passa a aceitar mudanças em sua vida e na situação, se havendo com elas e conseguindo eficácia maior, na forma em que a falta de esperança e a depressão passam a juntar-se com pensamentos positivos e menos destruidores. Diz-se que surge uma nova identidade, onde a pessoa já não busca mais o ente perdido. Nesta última fase mesmo possuindo certa instabilidade o enlutado passa a buscar novas amizades e reatar as antigas. (MENTONE, 2007).

Segundo Guarnieri (2016) os sujeitos tendem a negar a morte, pois é sabido que culturalmente ela é impedida de fazer parte do dia-a-dia através do universo simbólico. A morte é vista como um fracasso, algo que deve ser banido da história. No entanto, o sofrimento faz o inconsciente agir, o que possibilita que a personalidade se reorganize. A morte é negada dentro de cada indivíduo para seguir por uma busca de sentido cada vez maior.

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Quando na criança o luto não é patológico, ele se assemelha ao dos adultos, uma vez que suas características são parecidas, como recordações que persistem e imagens do ente que morreu, a saudade, tristeza, principalmente em ocasiões em que a família se reúne, outra semelhança seria a necessidade de conforto, tanto para a criança como para o adulto. (BOWLBY, 1997/1998 apud MENTONE, 2007).

Oliveira (2001) escreve que frente a situações de perdas geradas por separação ou morte, é comum que os pais não saibam qual a melhor maneira de trazerem isso as crianças. Na maioria das vezes os pais não percebem a enorme capacidade de percepção das crianças, tanto em relação a aspectos físicos, como psicológicos. Aberastury (1984) afirma, a partir de um trabalho clínico com criança pequenas, que desde cedo elas percebem os conflitos psíquicos que se passam com os pais, as doenças orgânicas, gravidez, aborto e afins e percebem também a morte. Essas situações comuns da vida, que nos colocam frequentemente a testar nossos limites, nossas falhas e imperfeições, são vividas também pelas crianças sem causar danos, pois, logo ao nascer passamos pela dor da separação (corte do cordão umbilical).

Desde o início a criança mesmo que inconscientemente reconhece a morte, pois ela irá experimentá-la ao longo da sua vida, tanto de forma real como simbólica. O que ela não consegue é nomeá-la, então cabe aos adultos ajudá-las nessa tarefa. A criança observa os fenômenos conforme a visão de seus tutores, e no caso da morte, varia de dois extremos: o caso de quem acredita em reencarnação e não acredita na morte, e o caso dos que vêm a morte como o fim, irreversível. (OLIVEIRA, 2001).

O jogo do Fort Da, descrito por Freud (1913) que são brincadeiras de esconder também podem carregar a representação da morte. Outra brincadeira presente no cotidiano das crianças para lidar com esta são as brincadeiras de perseguição e extermínio de pequenos animais, nos quais demonstram sua raiva proporcional ao medo.

Freud (1913) em seu texto Além do Princípio do Prazer, traz como uma criança de aproximadamente um ano e meio que nunca chorava ao sua mãe a deixar por várias horas, repetia de forma incansável um jogo que se constituía em fazer objetos desaparecerem e reaparecerem. O jogo consistia em a criança deixava cair da cama um carretel de madeira que estava preso a um fio e balbuciava “o, o, o”. Depois disso, puxava o fio em sua direção e se alegrava com a volta do carretel, quando disso balbuciava feliz “Da”. Freud interpretou esse jogo como uma “grande obra cultural” da criança, que de tal forma suporta a saída da mãe se contrapor a isso, renunciar à satisfação de sua pulsão. A criança pode interpretar o desaparecimento e reaparecimento do carretel, com o desaparecimento e reaparecimento de sua

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mãe que a criança possuía obrigação de aceitar passivamente. Com esse jogo ela interpreta seu papel de objeto na relação com a mãe. Dessa maneira consegue abrir para si própria, um papel de sujeito.

Segundo Franco e Mazorra (2007) a morte de um dos genitores é uma das mais impactantes experiências para uma criança, pois com os pais morre junto a ilusão da onipotência infantil no momento em que ela mais é necessária como fonte de segurança. Diante dessa ausência permanente do vínculo que provê sustentação, a criança se depara com sentimentos profundos de desamparo e impotência. Com a morte de um de seus pais a criança perde o mundo ao qual conhecia, o qual o genitor afastava-se, mas voltava ao fim do dia. “Muito cedo, porém, a criança realiza jogos nos quais reproduz o desaparecimento: acende e apaga a luz, enche e esvazia a pia, esconde-se e reaparece”. (OLIVEIRA, 2001, p. 73).

Mentone (2007) baseando-se em estudos de Bowlby com crianças de um a três anos que ficaram em creches e enfermarias sob cuidados de pessoas desconhecidas ele divide o luto infantil em três etapas: a primeira seria a fase do protesto, que tem como característica o choro e agitação da criança quando em sua tentativa de recuperar o ente perdido, tendo a duração aproximada de uma semana. A segunda é a fase do desespero que se dá ao perceber que não haverá retorno do ser amado que foi perdido, no entanto ainda deseja isso de forma veemente. A terceira e última é a fase do desligamento, onde a criança parece esquecer do ente falecido.

Anton e Favero (2011) escrevem que alguns estudos demostram que crianças com idades inferiores a cinco anos ainda vêm a morte como algo transitório e reversível, parecido com o estado do sono e da separação. Nesses casos, é de extrema importância deixar claro através de exemplos vivenciados que a pessoa em questão morreu. Segundo Gauderer (1987) mentir para a criança poderá gerar sentimentos de raiva e frustração em relação ao adulto que tentou a enganar, o que poderá desestabilizar a relação de confiança que possuía com este anteriormente. Entre os cinco e sete anos já pode ser relatado a criança com mais detalhes o fato, já que sua capacidade de julgamento está mais desenvolvida. A partir dos oito anos as crianças em sua maioria já veem a morte como algo irreversível, mas, não como algo natural, dessa forma ela pode entender a morte como uma punição. Nesses casos, o adulto é responsável por reverter essa visão distorcida do fato, de modo que tem a obrigação de amenizar a culpa e a possível psicossomatização. A partir dos nove anos a morte já passa a ser entendida como natural e não induzida por alguém, assim sendo, a criança já é capaz de participar das conversas com os adultos. Dessa forma, independentemente da idade da criança é fundamental contar sobre o acontecimento (morte), sempre adaptando a linguagem e a forma da explicação de acordo com sua compreensão.

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2.3 O QUE A LITERATURA INDICA PARA SER DITO A CRIANÇA ENLUTADA

Quando algum ente morre, é comum dizer às crianças as famosas expressões “foi dormir”, “virou estrelinha”, “papai do céu levou”, no entanto, não se faz perceber que isso dá esperanças da volta desse ente, coisa que não irá acontecer. Para Aberastury (1984) falar as causas da morte para a criança de maneira a esconder ou enganar, não só dificulta o processo de elaboração do luto, mas complica todo processo de entendimento da morte. A autora afirma ainda que permitir que a criança fale acerca da morte do sujeito não irá fazer a dor ou o sofrimento aumentarem, mas irão sim ajudá-la a elaborar esse luto e também lhe trará alívio. A verdade que lhe é ocultada ou contada de forma errônea irá trazer uma enorme confusão e junto uma sensação de desesperança, pelo fato de não ter a quem procurar para lhe ajudar. Dessa forma, quando os adultos se negam a falar verbalmente da morte e suas causas, apenas reforçam a atitude que qualquer ser enlutado teria, que é a primeira fase do luto, a negação, tendo por resultado atrasar o primeiro passo para a elaboração do luto de maneira saudável, que é a aceitação de que aquilo ou a pessoa que se perdeu, não irá voltar. Bowlby (1998) traz que a criança deve saber que o morto jamais irá voltar, e também que seu corpo foi enterrado ou cremado.

Segundo Kovács (1992) “ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se sente confusa e desamparada sem ter com quem conversar”. (p. 49)

Segundo Mentone (2007) os assuntos relacionados à vida e morte estão presentes na criança, principalmente quando se diz da separação definitiva do seu corpo. Sabemos que a criança possui uma grande capacidade de observação, quando o adulto tenta evitar o tema morte, ao contrário de estar protegendo-a está por deixar a criança desamparada, confusa e sem saber com quem conversar sobre esse assunto, o que muitas vezes acaba por resultar na apresentação de sintomas. (KOVÁCS, 1992).

2.4 OS CONTOS DE FADAS COMO INSTRUMENTOS DE SUSTENTAÇÃO PARA O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO LUTO

Para que de fato o conto possa ser “consolador”, atingir seus significados simbólicos e interpessoais, ele deveria ser contado e não lido. Se for lido, deve ser feito com envolvimento

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emocional na história e na criança, mostrando empatia pelo que a história irá significar. Quando a história é contada ela pode ser mais flexível, pois permite um desdobramento, um maior envolvimento com ela (BETTELHEIM, 2002). No trabalho clínico de elaboração do luto, os contos de fadas são instrumentos muito eficazes quando se fala em ressignificação. Os contos trazem de maneira implícita, mas não impondo uma solução, eles deixam que a criança escolha ou não aplicar a si próprio aquilo que a história revela sobre a vida e a natureza humana. (BETTELHEIM, 2002).

No conto dos irmãos Grimm intitulado “Borralheira”, ou “Cinderela” como é mais popularmente conhecido, seus processos internos começam com o luto desesperado pela mãe, o qual foi simbolizado pela existência entre as cinzas. Se ficasse estagnada ali não existiria desenvolvimento interior nenhum. O luto como uma condição temporária para aprender a viver sem a pessoa amada é extremamente necessário. Mas para poder sobreviver de forma saudável ele deve ser transformado em algo positivo, como uma construção de um representante interno do objeto perdido. Tal objeto permanecerá inviolado dentro de cada sujeito, de forma que não importa o que ocorra na realidade. Quando no conto Borralheira chora sobre o galho que plantou, mostra que a memória de sua mãe continua viva dentro dela. Então a árvore cresce o que simboliza que mesmo com a morte da mãe, sua memória se mantém viva dentro dela. (BETTELHEIM, 2002).

O conto favorece a introspecção, afirma Caldin (2004), pois, por intermédio dele, a criança tem a possibilidade de pensar sobre seus sentimentos e tem a esperança de que o sofrimento que a acomete venha a ser passageiro. O autor faz menção especial à criança frágil ou doente, pois essa se preocupa muito consigo mesma e, portanto, tem necessidade de ouvir estes textos que acabam por confortá-las. A universalização dos problemas é a garantia de que ela não se encontra sozinha em sua dor. Considera-se que a leitura ou a narração da história produz reflexões, mesmo quando a criança se encontra sozinha no seu quarto, durante o dia ou à noite; ao se lembrar da história, sente-se reconfortada. Os contos são fonte de prazer para as crianças tanto pelo ouvir quanto pela sua representação. Prazer produz alegria, e alegria é terapêutica, afirma Caldin (2004).

Quanto mais tentei entender a razão destas estórias terem tanto êxito no enriquecimento da vida interior da criança, tanto mais percebi que estes contos, num sentido bem mais profundo do que outros tipos de leitura, começam onde a criança realmente se encontra no seu ser psicológico e emocional. Falam de suas pressões internas graves de um modo que ela inconscientemente compreende e - sem menosprezar as lutas interiores mais sérias que o crescimento pressupõe - oferecem exemplos tanto de soluções temporárias quanto permanentes para dificuldades prementes. (BETTELHEIM, 2002, p. 13).

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Os contos descrevem o que se passa no inconsciente, através de imagens, ações. Quando uma pessoa está chorando ou infeliz a criança reconhece de imediato, por esse fato o conto não necessita se prolongar acerca do assunto. É possível usar o conto da Cinderela como exemplo. Quando sua mãe morre não foi preciso dizer que ela sofreu pela perda da mãe, que chorou, se lamentou, sentiu-se só, desamparada, somente foi dito que todos os dias Cinderela ia ao túmulo da mãe e chorava. A criança subentende o sofrimento que ela estava passando. (BETTELHEIM, 2002).

Bettelheim (2002), acredita que por intermédio dos contos a criança estrutura seu sofrimento com conhecimentos, pois quanto mais alternativas do viés da ficção lhe forem oferecidas, melhor ela poderá elaborar suas questões. De tal forma, podemos definir uma boa história nos baseando em Corso e Corso (2006, p. 303).

Histórias não garantem a felicidade nem o sucesso na vida, mas ajudam. Elas são como exemplos, metáforas que ilustram diferentes modos de pensar e ver a realidade e, quanto mais variadas e extraordinárias forem as situações que elas contam, mais se ampliará a gama de abordagens possíveis para os problemas que nos afligem. Um grande acervo de narrativas é como uma boa caixa de ferramentas, na qual sempre temos o instrumento certo para a operação necessária, pois determinados se tivermos a broca, o alicate ou a chave de fenda adequados. Além disso, com essas ferramentas podemos também criar, construir e transformar os objetos e os lugares.

Com base nesta afirmação pode-se concluir o quanto à forma flexível que o conto toma poderá atingir a diferentes situações.

2.4.1 Branca de Neve

Era uma vez... e assim se inicia mais um conto, o da Branca de Neve. Nasce branca como a lua, cabelos negros como a noite mais escura e lábios vermelhos como o sangue. Mas, a aparência da bela jovem não vem ao caso. Quando ainda pequena Branca perde sua mãe de maneira repentina, passa a viver apenas com seu pai. Quantas crianças não vêm nessa história sua própria realidade, percebem que não são as únicas a passarem por esse momento tão doloroso da perda de uma de suas figuras parentais.

Atualmente as crianças não são criadas mais dentro da segurança de se ter uma família numerosa, portanto mais hoje do que na época em que surgiram os contos como domínio infantil, é fundamental, a criança dos nossos tempos crescer com imagens de heróis que foram desbravar o mundo sozinhos, que apesar de todas as dificuldades que surgiram, eles foram capazes de encontrar lugares seguros. (BETTELHEIM, 2002).

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Bettelheim (2002) nos afirmam que o dilema central dessa história trata de uma garota pré-adolescente buscando superar de alguma forma os desmandos de sua madrasta malvada, a qual nega-lhe a sua existência de forma independente. No entanto, para uma criança pequena o significado dessa história está bem longe disso. Quando da sua mãe morta, distante, tal criança se sente perdida, já a história não lhe permite se desesperar, pois Branca de Neve foi salva, primeiro pelos anões e depois pelo príncipe, a criança não se desespera pela perda da mãe, pois vê que o resgate vem dos homens, no exemplo aqui trazido seria seu pai. O final feliz do conto possibilita a essa criança encontrar uma solução feliz para o impasse que a morte da mãe criara.

É como se o conto de fadas, admitindo que é humano sentir raiva, esperasse apenas dos adultos o autocontrole suficiente para não serem arrebatados por ela, já que seus desejos raivosos e grotescos tornam-se fatos - mas os contos frisam as consequências maravilhosas para uma criança se ela se empenha num pensamento ou desejo positivo. A desolação não induz a criança, no conto de fadas, a ter desejos vingativos. Ela deseja apenas boas coisas, mesmo quando tem amplas razões para desejar coisas ruins para os que a perseguem. Branca de Neve não abriga desejos raivosos contra a rainha malvada. (BETTELHEIM, 2002, p.76).

As histórias modernas estão cheias de falhas, e dão ênfase aos elementos que dão maior sustentação aos contos tradicionais. Em um bom conto de fadas existem elementos que são indispensáveis como, a fantasia, recuperação, escape e também o consolo. Não se pode esquecer do final feliz, esse deve existir para o conto ser completo. É uma virada feliz. Por mais triste e difícil que tenha sido a saga, ao final ocorre uma reviravolta, um alívio, e por fim, seu final feliz (BETTELHEIM, 2002).

2.4.2 Jõao e Maria

João e Maria começa de uma forma super realista. Os pais são pobres e se preocupam de que forma irão cuidar dos filhos. Durante certa noite debatem sobre o futuro dos filhos. Essa é uma característica dos contos folclóricos, eles transmitem uma verdade, no caso a pobreza e a privação, o que não melhora o caráter do homem, mas sim, deixa-o mais egoísta e menos sensível ao sofrimento alheio, e assim muito mais suscetível a cometer atos maus. (BETTELHEIM, 2002).

Bettelheim (2002) afirma que não existe ameaça maior para uma criança do que o abandono, ficar sozinho. Na psicanálise isso é chamado de “o maior medo do homem”, de ansiedade de separação, e quanto mais jovens somos mais presente é essa ansiedade quando nos sentimos abandonados, sozinhos, pois quanto menor a criança, maior será seu perecimento

Referências

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