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AUTONOMIA DA ESCOLA POSSIBILIDADES, LIMITES E CONDIÇÕES.TXT

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AUTONOMIA DA ESCOLA: POSSIBILIDADES, LIMITES E CONDIÇÕES

SÉRIE ATUALIDADES PEDAGÓGICAS

Volume I

A Secretaria de Educação Fundamental ao publicar este texto pretende socializar j u n t o à comunidade docente algumas reflexões e encaminhamentos a respeito da descentralização, do fortalecimento e da autonomia das unidades escolares, bem como também, as condições para que as mesmas possam efetivamente assumir o suporte técnico e financeiro, ter mecanismos de avaliação de resultados, clareza quanto às funções das instâncias intermediárias e centralizadas do sistema de ensino num modelo institucional de escolas com maior autonomia

pedagógica, financeira e organizativa, na perspectiva de aumentar a produtividade dos sistemas e a melhoria qualitativa do processo ensino-aprendizagem.

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AUTONOMIA DA ESCOLA:

POSSIBILIDADES,

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PRESIDENTE DA REPÚBLICA Itamar Augusto Cautiero Franco

MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO Murílio de Avellar Hingel

SECRETARIO EXECUTIVO Rubens Leite Vianello

SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL Maria Aglaê de Medeiros Machado

COMITÊ TÉCNICO DE PUBLICAÇÕES

Célio de Cunha, José Parente Filho, Helena Maria Sandoval de Miranda, Walter Garcia, Moacyr Carneiro

APOIO TÉCNICO EDITORIAL

Nebiha Gebrim de Souza, Anna Maria Lamberti, Consuelo Luiza Jardon Guimarães, Solange Maria de Fátima G. P. Castro

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C

ADERNOS

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DUCACÃO

B

ÁSICA

SÉRIE

Atualidades

Pedagógicas

VOLUME I

GUIOMAR NAMO DE MELLO

AUTONOMIA DA ESCOLA:

POSSIBILIDADES,

LIMITES E CONDIÇÕES

M

INISTÉRIO DA

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DUCACÃO E DO

D

ESPORTO

S

ECRETARIA DE

E

NSINO

F

UNDAMENTAL

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AUTONOMIA DA ESCOLA: POSSIBILIDADES, LIMITES E CONDIÇÕES CADERNOS EDUCACÃO BÁSICA

SÉRIE ATUALIDADES PEDAGÓGICAS VOLUME I

PROJETO GRAFICO

The Front Page Comunicação & Design Ltda. ILUSTRAÇÃO CAPA Riva Bernstein REVISÃO Miguel Moraes EDITORAÇÃO ELETRÔNICA WJ Fotocomposiçáo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático

l.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor.

© 1993 by

1a Edição BRASÍLIA DF 1993

(7)

S

UMÁRIO

APRESENTAÇÃO... 1

SUMARIO EXECUTIVO... 3

1. INTRODUÇÃO... 5

2. A INSTITUIÇÃO ESCOLAR:UMA IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO... 6

3. ESTUDOS PRECURSORES,TENTATIVAS DE POLÍTICAS... 9

4. AUTONOMIA DA ESCOLA: CONTEXTO E ALGUNS PRÉ-REQUISITOS... 13

5. AUTONOMIA DA ESCOLA E QUALIDADE DE ENSINO... 14

6. AUTONOMIA DA ESCOLA E A QUESTÃO INSUMOS X ORGANIZAÇÃO ESCOLAR... 20

7. AUTONOMIA DA ESCOLA E A DEMANDA POR QUALIDADE... 22

8. Os Riscos E LIMITAÇÕES DA AUTONOMIA DA ESCOLA... 23

9. Os PARÂMETROS DA AUTONOMIA DA ESCOLA... 26

10. UMA NOTA FINAL... 28

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A

PRESENTAÇÃO

atual política da educação básica incorporou e procura aperfeiçoar um conjunto de idéias inovadoras, que tem sido objeto de inúmeros debates nos fóruns credenciados de dirigentes e de educadores do país. Entre elas, destacam-se à da autonomia e do projeto pedagógico da escola, a questão da repetência e da baixa produtividade dos sistemas escolares, gestão e avaliação, padrões mínimos e competências sociais básicas da escola de 1o grau, capacitação em serviço, coope-rativas escolares...

A

Nos Estados e Municípios, verifica-se hoje uma nova geração de dirigentes educacionais, muitos dos quais têm procurado desenvolver experiências inovadoras, seja no campo da gestão e da autonomia da escola, seja em relação ao desenvolvimento técnico-pedagógico.

Assim, com o objetivo de ir ao encontro de uma tendência renovadora que começa a emergir das bases, é que a Secretaria da Educação Fundamental concebeu e criou, no âmbito de sua política de publicações, a Série de Textos de Apoio à Política de Educação Básica, para colocar, ao alcance dos sistemas de ensinos, documentos e estudos que efetivamente venham a contribuir para a atualização e modernização da educação básica.

O texto sobre Autonomia Escolar, de Guiomar Namo de Mello, inicia a série. Trata-se de um trabalho pioneiro que certamente será uma contribuição importante ao debate e às experiências que estão em curso. A autora apresentou-o no Seminário sobre Qualidade, Eficiência e Eqüidade na Educação Básica, realizado em Pirinópolis, de 17 a 19 de novembro de 1991, por iniciativa do IPEA.

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UTONOMIA DA

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OSSIBILIDADES

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ONDIÇÕES

SUMÁRIO EXECUTIVO

nicia-se na educação uma espécie de revolução copernicana que coloca a instituição escolar no centro das preocupações educacionais. Diversos países estão promovendo reformas de ensino que têm entre seus objetivos ampliar o espaço de iniciativa e fortalecer a escola. Por outro lado, pesquisas recentes na América Latina salientam a dinâmica institucional do estabelecimento escolar como explicação do sucesso dos seus alunos. Neste particular, destaca-se o padrão de gestão da escola, que inclui os recursos e o poder que lhe são alocados.

I

A valorização do fortalecimento e autonomia de unidades que executam as atividades-fins das organizações não ocorre só na educação. Novas tecnologias impõem mudanças às organizações no sentido da descentralização, não podendo a escola escapar a estas mudanças. Para que a escola concretize o princípio da eqüidade com qualidade, é necessário adotar sistemáticas compatíveis de financi-amento que conduzam ao aumento significativo do montante destinado às atividades de ensino que nelas, ocorrem. Ao mesmo tempo, impõe-se como requisito indispensável à maior autonomia escolar a existência de um sistema externo de avaliação de resultados, aferidos pela aprendizagem dos alunos de conteúdos básicos e comuns.

Nenhuma destas modificações faz sentido sem priorizar os códigos básicos da modernidade, centrar a atenção na aprendizagem e, portanto, no ensino. A questão pedagógica deve situar-se no centro das preocupações das políticas de melhoria qualitativa.

Em suma, é preciso repensar o gigantismo burocrático dos sistemas de ensino, alocar melhores recursos humanos às escolas e investir progressivamente na atividade-fim. Cada estabelecimento deve ter seu próprio projeto institucional e pedagógico. No entanto, a autonomia da escola não é um fim em si, mas deve visar à melhoria da qualidade do ensino com eqüidade. Esta autonomia não dispensa o

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Estado nem as instâncias centrais da administração, aos quais cabe adotar sistemáticas de financiamento para equalizar as condições de ensino, compensando desigualdades regionais e sociais; estabelecer diretrizes mínimas e flexíveis quanto aos conteúdos curriculares e ao uso racional dos recursos; avaliar os resultados e premiar os que progridem em relação ao projeto da escola; desregulamentar as exigências formais e cartoriais; estabelecer diretrizes alternativas e diversificadas para padrões de gestão cujo ponto comum seja o compromisso com a qualidade e negociar um sistema de retribuição salarial aos profissionais da educação que contemplem também a diversificação salarial em função do progresso efetivo dos alunos quanto aos objetivos de aprendizagem.

A reestruturação deve começar como uma opção da cúpula do sistema. Não é suficiente um processo participativo de baixo para cima em que a autonomia da escola vai se conquistando pelo somatório do poder de decisão sobre aspectos pontuais. Trata-se de um projeto de Estado ou, no mínimo, um programa de governo.

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UTONOMIA DA

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OSSIBILIDADES

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ONDIÇÕES

1. INTRODUÇÃO

m recente publicação sobre o "estado da arte", a respeito das políticas de descentralização em educação fundamental e média na América Latina, Rivas (1991) levantou mais de cem trabalhos sobre o tema, quarenta dos quais de caráter analítico e avaliativo.

E

Entre outros aspectos importantes, Rivas identiflcadiferentes racionalidades político-ideológicas que têm inspirado os processos de descentralização em educa-ção, bem como os modelos de organização institucional neles previstos.

Apesar da diversidade nesses vários aspectos, e levantamento feito aponta poucos estudos ou propostas de políticas nas quais se explicita como estratégia principal da descentralização o fortalecimento e autonomia das unidades escolares. É como se a instituição que efetivamente executa a atividade-fim dos sistemas educacionais, ou seja, o ensino estivesse ausente dos processos de descentralização.

As diferentes racionalidades políticas são discutidas por Rivas como o principal fator responsável pelo êxito ou fracasso da descentralização quando se toma como critério de avaliação seus resultados em termos de melhoria da qualidade do ensino com eqüidade.

Outra hipótese explicativa poderia, no entanto, ser agregada às considerações do autor. Essa hipótese se sustentaria no pressuposto de que os resultados das políticas de descentralização estariam em parte condicionados ao grau com que estas políticas traduzissem a determinação de ir às últimas conseqüências, alocando nas unidades escolares os recursos, as responsabilidades e a capacidade de gestão para produzir um ensino de qualidade e responder pelos resultados de seu trabalho.

Este artigo pretende contribuir para discutir a autonomia da escola no processo de descentralização da educação básica e alguns aspectos envolvidos na questão; a efetiva responsabilidade e poder de decisão atribuídos às unidades escolares, bem como as condições para que elas possam desincumbir-se a contento

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dessa responsabilidade, tais como: o suporte técnico e financeiro; mecanismos de avaliação de resultados; função das instâncias intermediárias e centralizadas do sistema de ensino num modelo institucional de escolas com maior autonomia pedagógica, financeira e organizativa.

2. A INSTITUIÇÃO ESCOLAR:

UMA IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO

stá se iniciando no campo educacional uma espécie de revolução copernicana que coloca a instituição escola no centro das preocupações educacionais. Essa revolução é ainda imperceptível para alguns educadores e estudiosos da educação, sobretudo na América Latina, mas está em processo, ainda que lento, e é muito provável que nos próximos anos venha a se acelerar, mudando significativamente as formas de pensar e de efetuar a gestão dos sistemas de ensino.

E

Países tão diferentes quanto Portugal, Estados Unidos e França estão promovendo reformas de ensino que têm entre seus objetivos principais ampliar o espaço de iniciativa e fortalecer a escola. Publicação da Secretaria de Estado da Reforma Educativa do Ministério da Educação de Portugal refere toda a reorgani-zação da administração educacional a essa meta: transferir para a escola parte substancia] do poder de decisão, entendendo por autonomia da escola a "a capacidade de elaboração e realização de um projeto educativo próprio em beneficio dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo " (Ministério da Educação, s.d.).

O caso dos Estados Unidos, cujo sistema de ensino é dos mais descentrali-zados, exemplifica bem como a descentralização não implica necessariamente em maior autonomia da escola. Chubb e Hanushek (1991) citam o balanço das investigações e políticas baseadas na premissa "mais insumos, melhor ensino", pelo qual se conclui que, isoladamente, nenhum fator - capacitação de professores, equipamentos, instalações físicas, mudanças curriculares - apresenta uma correlação significativa com a melhoria da qualidade do ensino, conclusão esta, aliás, já clara no famoso Relatório Coleman publicado na década de 70. Afirmam então que uma "nova linha de pesquisa, entretanto, tem sido mais promissora. Essa linha se concentra naquilo que é especial em escolas identificadas como de bom desempenho. Esse tipo de pesquisa mudou o foco dos insumos para o processo educacional -ou como as escolas são organizadas "(grifo nosso). Segundo Chubb e Hanushek essa mudança de enfoque tem permitido aos estudiosos da educação norte-americana

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identificar como a burocracia das várias instâncias do sistema- nacional, estadual, municipal e distrital - criam embaraços e limitam a liberdade de ação das unidades escolares, para as quais se destinam os ordenamentos legais e as exigências formais sem que elas tenham nenhum poder de decidir sobre aspectos substantivos de seu trabalho. Da mesma forma, Cetron e Gaile (1991) ao analisarem os problemas de qualidade da educação norte-americana, mostram como a duplicação de estruturas, que decidem sobre aspectos da organização da escola, criam divisões e sobreposições que impedem a unidade escolar de construir sua própria identidade: "Como a maioria das estruturas hierárquicas, o sistema escolar americano tem se focalizado nos métodos e não nos resultados. Assim, decisões acadêmicas e administrativas estratégicas são forçadas sobre as escolas de cima para baixo, levando-se pouco em conta seus efeitos sobre os alunos ou a aprendizagem ou mesmo sua consistência com outras políticas já em andamento. Isso e uma receita para o fracasso".

Na França, conhecida como um dos países de sistema de ensino altamente regulamentado por instâncias centrais, realizou-se um colóquio em 1989 cujo tema é bastante sugestivo: "O estabelecimento - política nacional ou estratégia local". As atas desse colóquio têm quase todas como tema central o problema da descentralização voltada para o estabelecimento escolar. Na introdução do livro que reúne as comunicações e debates do colóquio um dos organizadores afirma: "Uma constatação dominou a organização deste colóquio: a crescente importância do "local", pelo menos nos discursos e projetos. Os estabelecimentos parecem destinados a mais iniciativas, mais autonomia, dispondo de uma independência aparentemente em contradição com a tradição das instituições educativas francesas. A mudança, se confirmada, seria certamente decisiva, alterando significativamente os hábitos, os modos de fazer e de pensar, e sobretudo as formas de gerir e de produzir a educação. É para melhor compreender essas transformações, e talvez também para melhor pensá-las, que este colóquio foi concebido. O objeto central, para dizer a verdade, leva a um deslocamento de polaridade: a passagem de uma visão vertical dos estabelecimentos, com seu conjunto de informações e de diretivas vindas do centro (ministério, objetivos nacionais, programas) para uma visão mais horizontal da instituição, com seu conjunto de solicitações, de pressões, de sugestões, vindas da periferia (região, autoridades locais, caracteristicas econômicas da região e, desde logo, suas características de formação). Dito de outra forma, um deslocamento de perspectiva, que pode se traduzir, em definitivo, em um desloca-mento "decisivo de iniciativas e de projeto". (AECSE, 1990).

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Pode-se argumentar que a escola sempre foi objetivo privilegiado da reflexão e da prática dos educadores. No entanto, como se tentará discutir neste trabalho, tanto a investigação como os procedimentos pedagógicos e estratégias de política educacional têm adotado uma abordagem da escola a partir de categorias ou modelos homogêneos e, quase sempre, não incorporam a diversidade de identidades que as escolas podem ter. Disso resultam explicações, normas de organização, propostas metodológicas e ordenamentos de diversas naturezas que, abstraindo as condições peculiares de cada escola, destinam-se em princípio a qualquer escola.

Uma observação corriqueira do cotidiano escolar revela desde logo como a vida da instituição é quase que inteiramente ordenada de fora para dentro e, do ponto de vista formai, é restrito ou inexistente o espaço de decisão da escola sobre seus objetivos, formas de organização e gestão, modelo pedagógico e, sobretudo, sobre sua equipe de trabalho.

No entanto, na prática, a escola adota inúmeras estratégias para adaptar ou contornar os ordenamentos externos, seja em função da falta de condições mínimas para cumpri-los, seja pelas pressões - muitas vezes conflitantes - exercidas pelo meio social, o alunado, os profissionais que trabalham na instituição.

Os acertos entre exigências formais homogêneas e demandas contraditórias dos protagonistas envolvidos no cotidiano da escola se dão, via de regra, e com exceções que a confirmam, menos em função das necessidades de aprendizagem dos alunos e mais em função dos interesses de professores, líderes de comunidade, diretores, políticos, entre outros.

Apesar dessa margem de liberdade construída à revelia das regulamentações formais, essa escola não é autônoma e sim abandonada a seus próprios interesses e carências. Mesmo assim, para fins de investigação e desenhos de políticas que visem transformar essa situação, as estratégias que as escolas adotam para esses acertos, a combinação peculiar que cada uma realiza entre os recursos financeiros, o material humano, o espaço é o tempo que dispõe para realizar - bem ou mal -a tarefa de ensinar, constituem de fato sua identidade. Conhecê-la e incorporá-la nos marcos conceituais que orientam a formulação de políticas, os desenhos da estrutura do sistema e o planejamento de mudanças, constitui um desafio para a investigação educacional e, provavelmente, uma condição para o êxito das políticas do descentralização.

Em um interessante estudo bibliográfico. Derouet (1987) afirma que "o estudo do funcionamento dos estabelecimentos escolares é incontestàvelmente um domínio de preocupação que emergiu muito fortemente há cerca de quinze anos,

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tanto nos Estados Unidos como na França e no Reino Unido, mas a bibliografia sobre o assunto permanece relativamente pobre e decepcionante. Na tendência que fez evoluir os estudos de Sociologia da Educacão, do nível do sistema educativo em direção a unidades menores, parece que o estabelecimento escolar não logrou conquistar seu espaço entre os dois objetos mais clássicos que são a sala de aula e a relação entre escola e comunidade".

A instituição escolar parece, portanto, ser um objeto de estudo cuja construção não se concluiu e é urgente iniciar este trabalho, na medida em que algumas evidências já existem - como se mencionará adiante - de que a identidade ou modelo institucional da escola, na qual se incluem seus padrões de gestão, suas formas de organização, parecem ter alguma relação com a qualidade do ensino que ela oferece. Se isso se comprova, os parâmetros e marcos conceituais da descentralização deverão incluir as condições necessárias para a constituição de identidades escolares com autonomia, voltadas à melhoria da qualidade do ensino e a democratização do sistema como um todo, flexíveis para interagirem com meios sociais e alunados bastante heterogêneos e organicamente articuladas as instâncias centralizadas do sistema cujos papéis deverão sofrer uma profunda revisão.

3. ESTUDOS PRECURSORES,

TENTATIVAS DE POLÍTICAS

forma como se realizam em cada escola o acerto entre os ordenamentos externos e as demandas de seu meio social, do seu alunado e dos profissionais que nela trabalham, enfim, sua identidade própria, vem sendo estudada há alguns anos (1). Entre os estudos que melhor trabalharam esse objeto na América Latina, encontram-se os de abordagem etnográfica, que datam do início da década de 80 — embora alguns tenham sido publicados mais tarde - realizados por Rockwell (1982), Mercado (1989) e Ezpeleta (1986), no México. No Brasil vale destacar, entre outros, o trabalho de Penin (1989).

A

Muitos desses estudos da década de 80 apenas indiretamente trataram da autonomia da escola no contexto de processos de reorganização e descentralização dos sistemas de ensino. No entanto, eles são bastante sugestivos para a formulação

(1) Para uma revisão comentada de alguns desses estudos consulte-se o já citado trabalho de Derouet

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de estratégias de políticas educacionais que visem fortalecer as unidades escolares e sua organização, tendo em vista atingir metas de melhoria qualitativa com eqüidade, principalmente porque centralizaram suas preocupações na escolarização dos setores populares. Entre as conclusões mais importantes desses estudos esta a de que a forma de organização das escolas tende a se diferenciar de acordo com o nível sócio-econômico do seu alunado. Identidades diferentes são constituídas para escolas de pobres e escolas de classe média, as primeiras tendendo a organizar-se mais para o fracasso previsto para as crianças dos setores populares do que para o êxito da aprendizagem. Essa conclusão, corroborada pela investigação realizada por Ezpeleta (1989), na Argentina, é de grande importância para assegurar que as políticas de descentralização não dissociem a qualidade da eqüidade.

Nos finais dos anos 80 e início dos 90, começam a surgir alguns estudos ou ensaios sobre a descentralização que, levando em conta o fracasso de muitas dessas políticas para promover a qualidade do ensino com eqüidade tal como sugere Rivas (1991), levantam hipóteses sobre a importância de considerar a dimensão local -e, em especial, as unidades escolares — como "locus" privilegiado de atuação. A falta de iniciativa e autonomia no âmbito em que a relação pedagógica efetivamente acontece, a dificuldade em fazer chegar efetivamente às escolas os recursos consumidos pelas máquinas burocráticas e a duvidosa eficácia dos "pacotes prontos", dos ordenamentos externos, da visão homogênea de realidades locais e escolares muito díspares, surgem como possíveis explicações para estratégias de descentralização que produziram efeitos contrários aos previstos: reconcentração de poder, localismo e regionalismo estreitos, aumento das desigualdades sociais.

Alguns desses trabalhos discutem a questão educacional no contexto da crise e da reforma do Estado na América Latina. Um marco nesse sentido é constituído pela análise de Tedesco (1990) sobre o papel do Estado na educação. Mello (1990) analisa também o papel do Estado e, partindo da crítica à municipalização do ensino no Brasil, repõe essa questão em processo de mudanças político-institudonais por que passa o país, insistindo na importância de se ampliar a autonomia das escolas e sua responsabilidade pelos resultados obtidos em termos de aprendizagem dos alunos. Mello e Silva (1991) analisam como a política de expansão quantitativa levou ao esvaziamento do poder de decisão das escolas e procuram situar a descentralização dos sistemas de ensino e a autonomia da escola em torno dos eixos de descentralização e de integração, este último entendido como orientador da função ou papel das instâncias centralizadas do sistema. No já citado trabalho de pesquisa. Ezpeleta (1989) combina estudo etnográfico de algumas escolas argen-

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tinas com anáJise das normativas gerais do sistema e põe em evidência a tensão e reruncionalização que os ordenamentos homogênos geram no interior da escola.

Começa a surgir na bibliografia latino-americana e de outros países um conceito novo, ainda a ser trabalhado, que é o padrão de gestão da escola, abarcando: suas formas de organização administrativa e pedagógica, os estilos de atuação e as relações entre os agentes, com destaque para a figura do diretor, as formas de interação com o meio social e o grau em que alunos e comunidade efetivamente se apropriam da escola como recurso para seu desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida.

O conceito de padrão de gestão aparece já bastante explicitado nos recentes trabalhos de Tedesco (1991, a) e Moura Castro e outros (1991). Neste último, os autores tentam identificar, a partir da pesquisa feita, o que caracteriza uma boa escola. E apontam, entre outros requisitos:

- escola como centro das decisões;

- recursos e poder alocados no nível da escola; - responsabilidade e prestação de contas pela direção;

- salários competitivos que possam atrair melhores professores;

- pais e mantenedores que se preocupam e controlam a qualidade do serviço educacional.

Tedesco, no citado trabalho, discute o tema polêmico da privatização do ensino na América Latina. Entre os muitos dados analisados pelo autor incluem-se resultados de avaliação de aprendizagem realizadas em escolas básicas que atendem crianças de setores populares no Chile e no Uruguai. A comparação entre os dois países revela que no Chile os melhores resultados são obtidos pelos alunos de escolas privadas subsidiadas, enquanto no Uruguai são os alunos das escolas situadas em pequenas cidades do interior os que foram melhor sucedidos na avaliação.

Indagando sobre os fatores que poderiam estar determinando essas diferen-ças, Tedesco levanta a hipócese de que "a explicação dos bons resultados de aprendizagem em alunos provenientes de famílias de baixos recursos não está radicada tanto no caráter estatal ou privado e sim na dinâmica institucional do estabelecimento escolar. Os melhores rendimentos parecem estar associados à possibilidade de definir um projeto educativo do estabelecimento escolar, definido pela consciência de certos objetivos, pela existência de tradições e metodologias de trabalho compartilhadas, espírito de equipe e responsabilidade pelos resultados, ou seja, pela identidade institucional".

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Esse conceito de padrão de gestão tem implicações muito mais amplas e profundas do que pode parecer à primeira vista e pelo menos três delas devem, desde logo, ser destacadas, embora venham a ser retomadas adiante. Em primeiro lugar, reverte a dinâmica do funcionamento do sistema — a revolução copemicana mencionada no início deste trabalho - o que implica redefinir os papéis do Estado e de suas instâncias de poder central. Como conseqüência implica, em segundo lugar, numa reorientação dos padrões de financiamento e alocação de recursos, o que por sua vez exige, como pré-requisito, um conhecimento adequado da estrutura de custos para orientar ações de incremento de recursos e equalização de gastos, estas últimas visando compensar desigualdades sociais e/ou regionais. Em terceiro lugar, acarreta mudanças na forma como vêm sendo estruturadas c regulamentadas as carreiras dos profissionais da educação, uma vez que o padrão de gestão incluiria algum grau de decisão ao nível da unidade escolar a respeito de jornada de trabalho, critérios de admissão e outros.

A nível não mais acadêmico, mas de formulação de políticas, a década de 80 viu surgir também inúmeras experiências que visaram ampliar a autonomia das escolas inspiradas numa racionalidade política (Rivas, 1991) que dava maior ênfase à democratização das relações internas da unidade escolar e à participação da comunidade. Nesses marcos poderiam ser enquadradas várias políticas estaduais e municipais implementadas no Brasil, muitas das quais se traduziram na criação de Colegiados ou Conselhos Deliberativos nas escolas, ampliando a participação de professores, alunos e país na decisão a respeito da sua organização. Em alguns casos essas mudanças estiveram associadas à prática de eleição de Diretores Escoiares, cujos resultados mereceriam uma avaliação específica. Entretanto, essas experiên-cias sofreram limitações bastante sérias na medida em que as estruturas centrais do sistema de ensino e as normas e regras homogêneas para todas as escolas praticamente não foram alteradas e principalmente porque mantiveram-se intocadas as sistemáticas de financiamento e alocação de recursos.

Nos dias atuais algumas políticas educacionais estão sendo formuladas a partir de uma estratégia diferente. Procurando partir da realidade das escolas, e identificar o que é necessário nelas para que exerçam sua função de ensinar com maior autonomia e eficiência, essas novas políticas pretendem localizar nas estruturas centralizadas e nos ordenamentos legais homogêneos - pedagógicos e administrativos - onde estão os principais entraves a serem removidos. Na Argentina desenvolve-se uma tentativa nesse sentido, visando repensar o modelo institucional das escolas médias gerenciadas pelo Ministério Federal e rever os

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papéis deste último. No Brasil, vale ressaltar o esforço das Secretarias de Educação dos Estados de São Paulo (1991) e Ceará (1991) que estão atualmente empenhadas na revisão de toda a estrutura do sistema estadual visando o fortalecimento e autonomia das escolas. O acompanhamento e avaliação dessas políticas seria valioso para dar respostas a muitas perguntas e dúvidas que emergem desses processos de mudança. Neste sentido as avaliações e ajustes que vêm sendo realizados pelo governo do Chile sobre o sistema implantado pelo regime militar também poderão oferecer preciosos subsídios para políticas de descentralização que visem o equilíbrio entre qualidade e eqüidade.

4. AUTONOMIA DA ESCOLA:

CONTEXTO E ALGUNS PRÉ-REQUISITOS

valorização do fortalecimento e autonomia de unidades que executam as atividades-fins das organizações não é um fenômeno que ocorre apenas na educação. Insere-se num processo mais amplo pelo qual vêm passando as socieda-des modernas.

A

O aparecimento das novas tecnologias de informação, comunicação e produção provocou mudanças não apenas na organização do trabalho, mas gerou uma crise nas grandes organizações hierárquicas e verticalizadas que foram compatíveis com o surgimento dos Estados Nacionais como sugere Schwartzman (1988). Segundo esse autor a sociedade moderna torna-se mais complexa pela combinação entre sistemas de informação e comunicação em larga escala e cada vez mais acessíveis a um maior número de pessoas e a redescoberta de que "motivação, criatividade, iniciativa, capacidade de aprendizagem, todas essas coisas ocorrem no nível dos indivíduos e das comunidades de dimensões humanas nas quais eles vivem o seu dia-a-dia".

Torna-se cada vez mais difícil e ineficaz controlar de forma centralizada e vertical as atividades-fins das organizações e sistemas é isto e ainda mais verdadeiro para a estrutura do aparato estatal. As grandes organizações, privadas ou públicas, acabaram por desenvolver uma multiplicidade de estruturas centralizadas que se tornaram fins em si mesmas, perdendo de vista as necessidades de seus usuários e as da sociedade. Tornou-se, portanto, imperativo a partir da incorporação de novas tecnologias de gerenciamento, reestruturar as grandes máquinas burocráticas, redirecionando para suas atividades-fins mais recursos, capacidade de iniciativa e inovação, bem como responsabilidade pelos serviços que prestam. Esse

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redirecionamento tem se revelado possível e necessário pela incorporação de tecnologias microorganizacionais de informação que permitem adotar controles centralizados mais flexíveis, combinados com um forte componente de avaliação de produto ou de resultados.

Nesse contexto mais amplo das mudanças que as novas tecnologias estão impondo às grandes organizações, a descentralização dos sistemas de ensino seria uma estratégia cujo objetivo final estaria na autonomia das escolas, reduzindo no mínimo indispensável os ordenamentos e controles centrais e homogêneos, e abrindo espaço para que diferentes identidades escolares construíssem seu próprio projeto pedagógico e de desenvolvimento institucional.

Esse processo aparentemente simples em sua formulação, é extremamente complexo ao nível de sua execução se for considerado o gigantismo, a centralização e a forte presença de interesses políticos clientelistas, corporativos e ideológicos que as múltiplas estruturas dos sistemas de ensino incorporaram ao longo de seu crescimento.

Desde logo se impõe como requisito indispensável a maior autonomia das escolas a existência de um sistema externo de avaliação de resultados, aferidos pela aprendizagem dos alunos de conteúdos básicos e comuns, para evitar a fragmen-tação bem como criar mecanismos de responsabilidade e presfragmen-tação de contas pelos resultados alcançados.

Por outro lado, e sobretudo no caso dos serviços públicos como a educação, a efetividade desse processo de descentralização depende da adoção de sistemáticas compatíveis de financiamento que conduzam não só à racionalização do uso dos recursos mas a um aumento significativo do montante destinado às atividades de ensino que ocorrem nas escolas - remuneração de professores, instalações, equipa-mentos, entre outros — e a uma gradativa diminuição dos recursos gastos com órgãos centrais de apoio. Isso requer, por sua vez, um conhecimento bem mais apurado do que hoje existe da estrutura de custos do setor educacional tanto público quanto privado.

5. AUTONOMIA DA ESCOLA E

QUALIDADE DE ENSINO

mbora não resolvida inteiramente, a questão do acesso ao ensino fundamental obrigatório está satisfatoriamente equacionada na maioria dos países latino-americanos. Hoje todos eles se encontram diante do desafio de disporem de uma

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cobertura quantitativa tendendo à universalização sem terem sido resolvidos - ao contrário, foram ampliados e acentuados - os crônicos problemas de má qualidade do ensino: a repetência, a evasão e a subescolaridade que o sistema oferece, sobretudo aos setores de renda mais baixa. (2)

Eqüidade como qualidade passou a ser entendida então como fator ordenador das decisões de políticas educacionais, desafio que a aplicação correta desse princípio representa é enorme, uma vez que o continente latino-americano caracateriza-se não por uma heterogeneidade abstratamente definida mas por desigualdades sociais concretamente expressas por diferenças de renda e de acesso aos bens sociais e econômicos que provem melhor qualidade de vida.

A eqüidade só será alcançada se lograr êxito em oferecer a todos um patamar básico comum de escolaridade com qualidade. Atingir este patamar com pontos de partida sociais e econômicos tão desiguais impõe a necessidade de estimular modelos diferenciados e flexíveis de organização escolar, que desenvolvam formas próprias de interagir com seu meio social e capacidade de gestão pedagógica para cumprir eficientemente e tarefa de ensinar o que deve ser comum a todos. Essa desigualdade nos pontos de partida e eqüidade no cumprimento de requisitos básicos comuns, nos pontos de chegada, requer quase que obrigatoriamente maior autonomia das escolas na medida em que é praticamente impossível prever a diferenciação social a partir de instâncias centralizadas de normatização e planeja-mento. Por outro lado, requer também fortes mecanismos de compensação financeira e técnica a fim de que a autonomia não produza efeitos regressivos.

Também neste caso impõe-se a necessidade de um sistema de avaliação de resultados para fornecer informações sobre escolas, regiões ou populações especí-ficas que apresentam dificuldades para atingir o patamar básico e, portanto, necessitam desses programas de compensação ou discriminação positiva que para elas transfiram recursos materiais, humanos e técnicos adicionais.

O tema da qualidade do ensino envolve enormes complexidades pois o próprio conceito de qualidade é vago e mal definido no campo da educação. Em primeiro lugar é preciso distinguir a qualidade da oferta do serviço educativo da qualidade do produto. Ainda que ambas estejam estreitamente associadas, a primeira diz respeito às condições de funcionamento das escolas; a segunda, aos

(2) Consulte-se a respeito, Schiefêlbein. E Repetidon, la ultima barrera para universalizar la educacion primária de America Latina en Proyeto Principal de Educacion en America Latina y El Caribe, OREALC - UNESCO, Boletin n° 18, também Ribeiro, Sérgio Costa. A pedagogia da repetência, mimeo. 1991.

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perfis de desempenho que os alunos deveriam apresentar para que a ação da escola possa ser considerada bem-sucedida em cada ano ou etapa de escolarização.

Existe um amplo reconhecimento de que há um mínimo de oferta social-mente justa sem a qual as escolas não podem funcionar e que esse mínimo deveria ser assegurado a todas elas, independentemente da origem social do aluno que atendem ou da região em que se localizem (Amaral Sobrinho e Xavier, 1991). A presença do professor, por exemplo, e certo grau de capacitação docente, instalações físicas adequadas, jornada do aluno não inferior a quatro horas diárias de efetivo trabalho escolar, existência de equipamentos básicos como carteiras ou bancos, estariam dentro desse mínimo de oferta.

No entanto, mesmo no que diz respeito aos componentes mais óbvios da oferta educacional, como é o caso das instalações físicas, não há consenso sobre padrões básicos de qualidade. Ainda hoje muitos associam qualidade de ensino aos projetos arquitetônicos dos prédios escolares mais do que a qualidade do serviço prestado peias pessoas que ocupam os prédios.

O estabelecimento de padrões básicos de qualidade da oferta dos serviços educacionais constitui desse modo uma área de investigação importante para subsidiar estratégias que visem garantir a eqüidade, pela equalização de gastos e custos e pela compensação de disparidades sociais e regionais. Quais são os componentes ou insumos indispensáveis para promover a aprendizagem é uma questão ainda inconclusiva, como se discutirá no próximo item. Ademais, há o problema da combinação e interação desses componentes materiais de ensino, -aprendizagem, capacitação de professores, n° de alunos por turma, duração da jornada escolar, equipamentos pedagógicos, entre outros - com diferentes formas de organização das escolas em realidades locais também muito diferenciadas social e economicamente.

Em que pese a complexidade do problema é urgente desenvolver investiga-ções que procurem dar respostas a essas questões, uma vez que a eficácia das políticas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino dependerá de informações mais precisas do que as hoje disponíveis sobre padrões básicos de qualidade da oferta não só para subsidiar decisões financeiras, como já mencionado, como para traçar cenários mais adequados para ocupar mais racionalmente a capacidade física já instalada e planejar sua expansão, para estabelecer estratégias de elaboração e distribuição de materiais pedagógicos e de ensino-aprendizagem, de capacitação docente, de melhoria da capacidade de gestão.

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A qualidade do produto educacional ou "qualidade política", para usar a expressão de Demo (1991), constitui um desafio de outra natureza mas não menos complexo. Em primeiro lugar, não se trata de tema que deva ficar restrito aos educadores, mas teria que refletir algum grau de consenso da sociedade sobre quais são as demandas a serem feitas à escola, e como aferir seu atendimento. Que tipo de conhecimento, habilidades, atitudes e valores se quer formar nas novas gerações, levando em conta necessidades individuais, os requerimentos do processo produtivo e as exigências do exercício de uma cidadania plena?

Uma perspectiva promissora a ser explorada foi aberta pela Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, Tailândia, em março de 1990. Pessoas representativas da política e da investigação educacional, dirigentes dos governos e organizações não governamentais, consagraram o conceito de satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. "Essas necessidades compreen-dem tanto os instrumentos fundamentais da aprendizagem (como a alfabetização, a expressão oral, a aritmética e a solução de problemas) como o conteúdo básico da aprendizagem (conhecimentos capacidades, valores e atitudes) que necessitam os seres humanos para poder sobreviver, desenvolver plenamente suas possibilidades, viver e trabalhar dignamente, participar plenamente do desenvolvimento, melho-rarsua qualidade de vida, tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo" (WCEFA, 1990).

Na realidade não há nada inteiramente novo neste conceito de satisfação de necessidades básicas de aprendizagem. Nota-se no entanto uma mudança de enfoque para estabelecer parâmetros de qualidade do ensino (não da educação genericamente) e não mais em termos vagos e demarcados ideologicamente, tais como "desenvolver o espírito crítico", "promover a autodeterminação dos povos" ou a "solidariedade internacional". A ênfase desloca-se para os instrumentos e conteúdos que os indivíduos - homens e mulheres - precisam dominar para que consigam viver melhor, trabalhar e principalmente continuar aprendendo. Os instrumentos de aprendizagem são bastante objetivos: ler, escrever, contar, expres-sar, resolver problemas, em suma, os chamados códigos da modernidade que, como o próprio nome indica, são instrumentais para viver e conviver em sociedades de informação nas quais o conhecimento passa a ser fator decisivo de melhoria de vida, de desenvolvimento produtivo com eqüidade, de exercício da cidadania.

Esse enfoque sugere também estratégias bem definidas para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Ademais de universalizar o acesso buscando a eqüidade, destacam-se duas estratégias que são óbvias mas contraditoriamente

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estiveram relegadas nas políticas educacionais dos anos 80: dar atenção prioritária à aprendizagem e melhorar a função do ensino. A mudança é importante na medida em que, com o agravamento da crise econômica, o ensino diluiu-se em ações e programas assistenciais ou ideológicos que invadiram o ambiente escolar na década passada numa tentativa de atribuir à escola um papel de redenção da pobreza ou de propulsora de mudanças estruturais muito além de suas possibilidades.

Em suma, priorizar os códigos básicos da modernidade, centrar a atenção na aprendizagem e portanto no ensino, melhorar as condições de aprendizagem, implica em situar a questão pedagógica no centro das preocupações das políticas de melhoria qualitativa. Conseqüentemente esse enfoque articula prioridades, estratégias e técnicas, indicando a necessidade de promover o trânsito das grandiloqüentes preposições políticas na sala de aula.

Além disso, o conceito de satisfação das necessidades básicas de aprendiza-gem desloca em parte a ênfase na melhoria e ampliação da oferta para valorizar também a qualificação da demanda e a avaliação de resultados, porque permite o estabelecimento de metas de aprendizagem passíveis de aferição objetiva e que podem ser expressas de modo mais claro e mais simples para a população.

Finalmente, o conceito de satisfação das necessidades básicas de aprendiza-gem sugere estratégias de ações conjuntas do Estado e dos setores não governamen-tais e do setor educacional com outros setores de atividade. Novas alianças baseadas em consensos sobre o que é básico - aprender o indispensável para viver e produzir no mundo moderno - passam a ocupar lugar importante na agenda da modernização e melhoria qualitativa da educação.

O conceito de satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, dada sua flexibilidade e objetividade, constitui um parâmetro promissor para traçar a qualidade do produto do serviço educacional. Mas não esgota a questão. Outro parâmetro a ser levado em conta diz respeito ao perfil do desempenho necessário e desejado diante das profundas mudanças que as tecnologias de informação e gerenciamento vêm provocando no processo produtivo e na organização do trabalho. Este tema vem sendo discutido por diversos educadores e cientistas políticos, dentre os quais se destacam os trabalhos de Paiva (1990). A substituição da divisão taylorista do trabalho pela integração de tarefas que muitas vezes exigem o trabalho de equipe, a recuperação do componente cognitivo dos processos de produção e as mudanças que a informatização está provocando na organização e gerenciamento das empresas em todos os setores, apontam para novos perfis de qualificação da mão-de-obra.

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Inteligência e conhecimento parecem ser variáveis-chave para a moderniza-ção e a produtividade do processo de trabalho, como também a capacidade de solucionar problemas, liderar, tomar decisões e adaptar-se a novas situações. O modelo do adestramento profissional em tarefas segmentadas ou etapas do processo produtivo tende a ser substituído por outro, com grande ênfase na formação básica em ciências, linguagem e humanidades. A afirmação de De Benedetti, dono do grupo Olivetti, em recente entrevista à revista Veja revela que o setor mais moderno do empresariado já se deu conta desse fato. O entrevistado diz que "a matéria-prima mais importante hoje é a inteligência - ou seja, a cultura e, portanto, a escola. A segunda matéria-prima é o mercado. O país ideal é aquele que tem um sistema escolar avançado e uma dimensão de mercado grande" (3).

A necessidade de rever os conteúdos escolares não se coloca apenas em função do processo produtivo mas também das características que a sociedade como um todo vem adquirindo pela disseminação de tecnologias sofisticadas de comunicação e informação. A exposição a essas tecnologias, que atinge a todos, a convivência e incorporação de seus efeitos na vida cotidiana, requer a apropriação de conhecimentos para que as pessoas compreendam as mudanças que estão em processo e sejam capazes de se beneficiar dos avanços tecnológicos; é a população como um todo e não mais uma elite de iniciados que precisa aprender os códigos instrumentais para a leitura desse mundo novo, que muda permanentemente. Esse salto educacional do conjunto da sociedade talvez seja determinante das diferenças quanto à capacidade de produtividade e competitividade dos países.

Finalmente, a questão do conhecimento coloca-se hoje vital para o exercício da cidadania política num mundo que deixa de ser marcado por bipolaridades excludentes - capital x trabalho, classe dominante x classe dominada. Múltiplos movimentos sociais de objetivos mais delimitados e diretamente associados à melhoria da qualidade de vida - direitos humanos, preservação ambiental, defesa do consumidor, por exemplo - parece que tendem a ser as novas formas de organização e participação social visando a justiça, a solidariedade e a democracia. Esse tipo de participação não pode se basear em chavões ou palavras de ordem. Requer o domínio de conhecimentos e informações tanto para produzir resultados efetivos quanto para permitir entender seus objetivos no conjunto das demandas sociais, evitando novas formas de segmentação e corporativismo.

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Assim, de uma perspectiva diferente do grande empresário, ou seja, a da reconstrução do socialismo, surgem idéias convergentes de redescoberta da importância da escola e do conhecimento. Martelli (1991), discutindo as relações entre socialismo, liberdade e democracia, conclui que o conhecimento será a viga mestra da eqüidade social e sua disseminação o único elemento capaz de juntar modernização e desenvol-vimento humano. Entendendo a escola como o motor do desenvoldesenvol-vimento social e o pressuposto dos novos direitos da cidadania, Martelli afirma: "Utilidade e justiça, eficiência e criatividade, autonomia e responsabilidade, podem reconstituir a escola que precisa de um verdadeiro processo democrático de modernização e reforma, de liberalização e autonomia. Uma tarefa mais audaz, mais importante e mais urgente do que qualquer reconversão industrial". Finalmente conclui afirmando: "Numa época em que a complexidade dos poderes (...) pode tornar difícil para a maioria o acesso e a compreensão do que acontece até na sua vida diária, na época em que o pensar e o saber atuar podem recompor cisões ou criar abismos, numa época como esta, o esforço fundamental de quem está do lado da justiça social (...) tem que consistir na promoção da conquista e da difusão das mais amplas, extensas e articuladas ofertas de educação, de informação, de instrução, de formação, de atualização cultural, artística, científica, técnica e profissional".

Vale a pena repetir, para concluir, que em países como os da América Latina o grande desafio da nova qualidade do ensino será garantir a eqüidade nos pontos de chegada. No entanto, essa eqüidade não se atingirá partindo de propostas e ordenamentos homogêneos e sim de práticas escolares e modelos de gestão construídos a nível local, que permitam incorporar as necessidades desiguais e trabalhar sobre elas ao longo do processo de escolaridade de modo a assegurar acesso ao conhecimento c satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos. É nessa travessia que se insere a autonomia da escola e é para vencê-la com êxito que a competência técnica e pedagógica e a capacidade de gestão estão sendo convocadas. Infelizmente, a década de 80 não foi pródiga em investigações e experiências que produzissem respostas sobre como essas competências e capacidades podem ser desenvolvidas.

6. AUTONOMIA DA ESCOLA E A

QUESTÃO INSUMOS X ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

urante décadas tentou-se melhorar a qualidade do ensino aumentando e aperfeiçoando os insumos oferecidos às escolas de modo padronizado -capacitação de professores, material de ensino-aprendizagem, equipamentos.

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salários e condições de carreira, instalações físicas. Todos esses insumos são importantes, e um mínimo deles é indispensável como base para se pensar em autonomia, formas de gestão e melhoria qualitativa, tal como já se discutiu.

Por outro lado, vários estudos, a começar pelo citado Relatório Coleman publicado no início dos anos 70 nos Estados Unidos, bem como o recente e também já citado levantamento realizado por Chubb e Hanushek (1991), indicaram que, tomados isoladamente, esses insumos pouca relação apresentam com aprendizagem dos alunos.

Parece haver formas de organização das escolas que as tornam mais ou menos capazes de fazer uso ótimo desses insumos e combiná-los de modo mais eficaz. Se essa hipótese for plausível o manejo dos insumos não deveria ser feito com critérios iguais para todas as escolas. Ao contrário, estas deveriam ter razoável poder de decisão para- uma vez assegurados os padrões básicos-estabelecer quais insumos adicionais precisam e quando precisam em função de seu próprio projeto pedagó-gico. A prática centralizadora de comprar e distribuir material e livros didáticos, por exemplo, chega às raias do absurdo não só se de dar pouca margem de escolha às escolas, como de só conseguir viabilizar a presença desses insumos na sala de aula quase ao final do ano letivo.

Outro exemplo pode ser encontrado nas estratégias de capacitação que têm como sistemática um corte horizontal de todas as escolas, em geral por componente curricular. Desse modo, um mesmo treinamento é oferecido a todos os professores de uma mesma disciplina, originários de escolas extremamente heterogêneas entre si. Desconhecem-se experiências de treinamento em que a própria instituição escolar e o conjunto de sua equipe docente, técnica e administrativa tenha sido unidade de programas de capacitação planejados a partir das dificuldades por ela detectadas para executar seu projeto pedagógico. Formas regionalizadas de capacitação que reúnam docentes de escolas com características semelhantes, deveriam também ser consideradas, Estratégias desse tipo são discutidas com maior detalhe no citado trabalho de Mello e Silva (1991).

O enfoque na organização escolar, sem diminuir a importância dos insumos, desloca a ênfase para as características dessa organização que, sendo diversas, demandariam estratégias diferenciadas com decisão da escola para definir priorida-des quanto ao tipo de insumos e o melhor momento de introduzi-los.

Os traços ou características das escolas que parecem determinar sua eficácia no uso dos insumos seriam, entre outros:

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a) a já citada existência de um projeto pedagógico abrangendo formas próprias de organizar as condições de ensino-aprendizagem, o uso e distribuição do tempo e do espaço físico, a alocação dos recursos humanos;

b) a forma de gestão e os diferentes níveis de participação dos agentes internos da escola e da comunidade;

c) o tempo e grau de consolidação de experiência da equipe escolar na elaboração e implementação de sua proposta de trabalho;

d) a presença de direção com liderança e autoridade; e) o grau de profissionalismo dos docentes;

f) a existência efetiva de trabalho em equipe.

Estudos como os já citados de Tedesco e Moura Castro e outros (1991) levantam hipóteses que corroboram essas considerações. Novas investigações seriam necessárias para aprofundar o conhecimento sobre essa interação entre a organização da escola e o conjunto de insumos de que ela necessita.

7. AUTONOMIA DA ESCOLA E A DEMANDA

POR QUALIDADE

elhorar o ensino atuando sobre a oferta tem sido a estratégia privilegiada por investigadores e dirigentes educacionais. No entanto, pouco se tem atuado sobre a demanda da população por um ensino de qualidade, idéia cara a Tedesco (1991, b).

M

Qualidade de ensino é um resultado complexo, pouco visível a curto prazo e nem sempre identificável sob a forma de indicadores simples. A população teve um papel decisivo na conquista do acesso à escola, sobretudo no que diz respeito à construção de prédios escolares e/ou criação de novas vagas. No entanto, embora difusamente aspire um ensino de qualidade, população - especialmente os segmentos mais desfavorecidos - não tem conseguido cobrar essa qualidade, senão em seus aspectos mais elementares como, por exemplo, a existência de aulas, a presença do professor e de equipamentos mínimos como carteiras, ou as condições de conservação dos edifícios.

Moura Castro e Oliveira (1991), em artigo bastante provocador, formulam algumas hipóteses sobre o que chamam de "equação política" da educação. Políticos e dirigentes tendem a agir de acordo com a visibilidade e os dividendos eleitorais que suas ações produzem. Os autores afirmam que "construir escolas é

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lucro político, brigar para melhorar a qualidade do ensino vem sendo prejuízo até hoje: as discussões sôbre qualidade desgastam e o resultado não é suficientemente visível". Propõem, no curto prazo, a sensibilização dos setores mais organizados da opinião pública, empresários e meios de comunicação para o risco que o país corre com a subescolarização que estamos oferecendo às novas gerações.

Silva e outras (1991) discutem porque as medidas destinadas à melhoria da qualidade não têm tido continuidade nem sustentação sistemática, tendendo a serem esvaziadas ou desviadas de seus objetivos iniciais, passado o impacto de seu anúncio público, por falta de apoio financeiro e técnico, acompanhamento e avaliação. Essas autoras chegam a conclusões semelhantes a Moura Castro e Oliveira (1991): é urgente sensibilizar a sociedade para cobrar qualidade de ensino, como já cobrou a presença da escola.

Essa cobrança será tanto mais facilitada quanto mais a escola for efetivamente responsável pela aprendizagem de seus alunos, desde que ela disponha das condições para isso. Enquanto a escola, por não dispor de condições e poder de decisão, puder atribuir às "instâncias superiores" as causas de seu mau desempenho, será difícil que a população tenha acesso aos centros de decisão, tradicionalmente inatingíveis e pouco transparentes.

Entretanto, escolas com capacitação e condições de trabalho, mas também responsáveis por prestar contas, poderão ser mais acessíveis à cobrança de seus usuários. Acompanhadas por um sistema de avaliação de aprendizagem dos alunos cujos resultados possam ser apresentados de modo simples, essas escolas poderão ser comparadas por eles e inqueridas a responder por que alunos de condições equivalentes aprendem melhor em uma do que em outra. Um processo que será lento mas promissor de informar à sociedade como estão desempenhando as escolas que ela custeia pode ser valioso para melhorar os resultados do sistema como um todo, na medida em que a demanda puder ser mais exigente.

8. OS RISCOS E LIMITAÇÕES DA

AUTONOMIA DA ESCOLA

rocurou-se evidenciar que tanto movimentos que estão ocorrendo no âmbito interno dos sistemas de ensino como nas demais instâncias e instituições sociais apontam na direção da autonomia da escola. Todavia essa direção não tem ainda marcos seguros e pode estar sujeita a riscos e modismos. Os estudos empíricos

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e avaliativos são poucos — de todos os citados, por exemplo, destacam-se apenas os de Tedesco (1991, a). Moura Castro e outros (1991) e Ezpeleta (1989).

Os interrogantes e dúvidas que estão surgindo na formulação de políticas visando atribuir maior autonomia às escolas, evidenciam não só a falta de segurança técnica como as dificuldades políticas que existem, as quais podem levar essas políticas a produzir efeitos indesejáveis ou até mesmo opostos aos que se tem como meta final, ou seja, um ensino de melhor qualidade com eqüidade.

Receios de diversas naturezas são despertados quando se discute a autonomia da escola, sobretudo no âmbito da formulação de políticas educacionais. Educadores e dirigentes que conhecem capacidade de reconcentração de poder que possuem os aparatos públicos em todos os níveis, receiam que as instâncias locais e a própria escola tornem-se também centros de decisão inacessíveis, impermeáveis às necessidades de aprendizagem de seu alunado e vulneráveis à interferência do autoritarismo e clientelismo político.

Da mesma forma os que se preocupam com a necessária unidade dos sistemas de ensino temem com razão a fragmentação que poderia resultar de um processo sem controle de autonomização das escolas sem cuidar da sua capacidade de gestão e de mecanismos que assegurem a recuperação da visão de conjunto.

Outro motivo de temor decorre da instabilidade e descontinuidade política em países como os nossos, que pode resultarem danos para a educação. Seja porque novos dirigentes podem refuncionalizar a meta de autonomia para transformá-la, na prática, em abandono e descompromisso ao poder público, seja porque recuos num processo de descentralização que visa à escola podem desarticular seu modo de funcionamento tradicional sem que tenha havido tempo de consolidar formas mais autônomas de gestão.

Todos esses receios são procedentes e legítimos. Quando observamos o funcionamento da maioria das escolas públicas e boa parte da particulares, vemos o quanto elas também desenvolveram um padrão de gestão centralizado, sem responsabilidades compartilhadas e sem preocupação em prestar de contas à comunidade, incorporar as aspirações de seu alunado, integrar-se com seu meio social.

A avaliação do processo de municipalização no Brasil, por exemplo, revela um quadro desalentador no qual o aluno municipal custa menos e em geral recebe um ensino de pior qualidade. A reconcentração do poder no âmbito das Prefeituras acabou aumentando as desigualdades educacionais uma vez que - na política do país - o município é a instância mais frágil e desprovida de capacidade de decisão.

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Por outro lado, o âmbito municipal - mesmo sendo frágil em face da esfera estadual e federal - tende a reproduzir os mesmos padrões de centralismo- clientelismo que permeia o aparato do Estado como um todo.

O temor da fragmentação justifica-se pelos antecedentes. Já se assistiu à imposição de modelos curriculares e pedagógicos localistas e estreitos em nome do respeito à cultura e autonomia local.

Da mesma forma, constatamos, até com perplexidade, mudanças de governo e instabilidades político-institucionais refuncionalizarem propostas que acabaram ou não produzindo resultado algum ou produzindo resultados contrários à sua formulação de origem. Mais do que isso, interrompem-se processos de inovação e melhoria do ensino sem avaliá-los só porque foram iniciados por outras administrações. Uma oportuna discussão desse tema de instabilidade política é feita por Silva (1991), nas conclusões da análise que essa autora realizou da experiência da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no período de 83 a 85.

Uma vez reconhecida a legitimidade desses receios é preciso, no entanto, indagar até que ponto em muitos casos os danos causados pela reconcentração do poder, pela fragmentação e pela instabilidade política, não decorrem exatamente da fragilidade das escolas em face das decisões centrais e das mudanças de dirigentes das instâncias onde essas decisões sãotomadas.

A municipalização do ensino, no Brasil pelo menos, nunca teve como meta o fortalecimento da escola. A disputa em torno de qual esfera de governo deve administrar o ensino fundamental acabou deixando em segundo plano a unidade escolar propriamente dita, suas necessidades e características.

A vulnerabilidade diante da instabilidade política decorre como aponta Silva (1991) no trabalho já citado, da falta de sustentação vinda da própria escola para garantir a continuidade de muitos projetos somada à falta de um projeto educacional da própria sociedade.

Os modelos curriculares, tanto os de caráter nacional ou local, nunca foram, na realidade, formulados pelas próprias escolas e sim por instâncias altamente centralizadas do próprio governo federal, pelo menos no caso brasileiro. O localismo e a fragmentação portanto não partiram da escola mas do centro para a periferia do sistema.

Poucos foram as processos de descentralização que levaram a sério a mudança nos padrões de financiamento para tornar realidade a meta da autonomia financeira das unidades escolares, e de adequação de seus custos a realidades sociais diferentes, visando uma redistribuição democrática dos recursos, corrigindo desigualdades.

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Com isso não se quer defender o fortalecimento e a autonomia da escola como uma panacéia, mas apenas afirmar que ela até hoje não foi efetivamente implementada de modo conseqüente num processo amplo de revisão da estrutura e do funcionamento do sistema de ensino.

Se for dada a oportunidade de fazer esse caminho, os receios não devem impedir de tentá-lo. Mecanismos para prevenir ou atenuar alguns dos riscos já estão formulados, ao menos provisoriamente, e um processo de acompanhamento por investigação e avaliação poderia auxiliar na correção dos desacertos que provavel-mente vão ocorrer.

9. OS PARÂMETROS DA AUTONOMIA DA ESCOLA

ão há respostas ainda para as inúmeras e relevantes questões que se colocam diante das estratégias de descentralização e autonomia da escola. Há, todavia, alguns consensos que seria interessante inventariar e alguns parâmetros que provisoriamente poderiam servir como orientação para essas estratégias. E há, finalmente, um amplo campo de investigação e de ousadia política a ser explorado.

N

a. OS CONSENSOS

- É urgente repensar a estrutura dos sistemas de ensino, cujas máquinas burocráticas se agigantaram e multiplicaram. Essas burocracias centralizadas tornaram-se fins em si mesmas, há muito deixaram de ser o apoio das atividades-fins e perdeu-se de vista a unidade escolar que presta o serviço educacional. As escolas, ordenadas de cima para baixo ou do centro para a periferia, vivem em função das normativas externas.

- O fortalecimento da unidade escolar exige que o que de melhor existe dos recursos humanos seja alocado nas escolas e que o investimento na atividade-fim, aumente progressivamente, diminuindo os gastos com as múltiplas e centralizadas instâncias centrais que atuam no sentido de justificar sua existência e não no de efetivamente apoiar as escolas.

- É importante que cada escola tenha seu próprio projeto institucional e pedagógico, mas isso requer capacitação e recursos financeiros disponíveis para serem alocados pela escola em função desse projeto. Essas condições não se encontram dadas de imediato e criá-las não é um processo rápido nem fácil. Será

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preciso dedicar tempo de investigação e atuação político-administrativa nesse sentido.

-A autonomia da escola não é o descompromisso do Governo com o ensino, nem da própria escola com seus alunos; diretrizes centrais mínimas e flexíveis sobre o que é essencial garantir para todos são imprescindíveis.

b. OS PARÂMETROS

A autonomia da escola não é um fim em si mesma mas deve visar a

melhoria da qualidade do ensino com eqüidade. Nesse sentido, a construção de consensos sobre o que é essa qualidade constitui uma tarefa importante e não deve em nenhuma hipótese ficar restrita aos atores internos dos sistemas de ensino. Será preciso encontrar formas de sensibilizar a classe política, empresários, trabalhado res, sindicatos, igrejas, outros movimentos sociais para esse debate e comprometê- los com as decisões.

- A autonomia da escola não dispensa a atuação do Estado nem das instâncias centrais da administração, mas requer uma profunda revisão e fortale cimento de suas novas funções e papéis.

Entre essas funções vale ressaltar, sem pretender esgotar, pelo menos as seguintes:

• adoção de sistemáticas de financiamento e transferências de recursos que visem aumentar os montantes destinados às escolas e à equalização das condições, compensando desigualdades regionais e sociais;

• o estabelecimento de diretrizes mínimas e flexíveis quanto a:

— conteúdos curriculares voltados para o domínio dos códigos da modernidade e conhecimentos que satisfaçam as necessidades básicas de aprendizagem; - uso racional de recursos humanos e espaço físico;

• a avaliação de resultados para aferir aprendizagem dos conteúdos básicos, identificar necessidades de porte financeiro e assistência técnica, premiar os que progridem em relação aos objetivos propostos pela própria escola, e informar a população;

• desenvolver conhecimentos para disponibilizar as escolas alternativas diferenci-adas de capacitação, sobretudo no que diz respeito à gestão pedagógica;

• esforçar-se por desregulamentar ao máximo as exigências formais e cartoriais, criando condições para iniciativas e inovação no âmbito das escolas e focalizando a atenção nos resultados;

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• estabelecer diretrizes alternativas e diversificadas para padrões de gestão cujo ponto comum seja o compromisso com a qualidade de ensino expressos num projeto pedagógico e institucional próprio para cada escola.

• negociar um sistema de retribuição salarial aos profissionais da educação que contemple não apenas titulação formal e tempo de serviço, mas também a diversificação salarial em função do progresso efetivo dos alunos quanto aos objetivos de aprendizagem, fixados pela escola a partir dos padrões básicos que devem ser comuns, e dos patamares adicionais que a escola venha a estabelecer, se for o caso.

10. UMA NOTA FINAL

odas as experiências atuais de reestruturação das organizações visando descentralizar, flexibilizar controles burocráticos, aumentar a autonomia das atividades-fins e valorizar resultados têm revelado que esse não é um programa técnico apenas mas retém poderosos componentes políticos.

T

Seja ao nível de uma empresa seja do Estado como um todo; é uma opção da cúpula do sistema e aí deve ter início. Não é, ou é muito pouco, um processo participativo de baixo para cima em que a autonomia da escola vai se conquistando pelo somatório de poder de decisão sobre aspectos pontuais como, por exemplo, a escolha do diretor, enquanto se mantém intocada a estrutura mesma do Estado e absolutamente sem transparência as fontes e sistemáticas de financiamento, os processos de decisão sobre regras e normas de caráter homogêneo e as práticas políticas dos órgãos centralizados. E um projeto de Estado ou no mínimo um programa de governo e, por isso, é preciso ter em conta que seu ritmo e dificuldades vão depender dos entraves reais que o Estado tem dentro de seu próprio aparato e de como a superação desses entraves será negociada a cada momento.

Com tudo isso não se quer dizer que a descentralização dos sistemas de ensino e fortalecimento e autonomia da escola ocorrerão sem a pressão da sociedade. Muito ao contrário. No entanto, será de pouca eficácia a pressão pulverizada na base se a ela não se somar a disposição daqueles que têm poder político de decisão ou de formação da opinião pública, dentro e fora do aparato estatal.

A autonomia da escola tem que se revelar não apenas uma estratégia eficaz de melhorar a qualidade e promover a eqüidade. Ela tem que se tornar vantajosa quanto a seus custos e benefícios políticos, em conjunturas político-institucionais

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concretas, aí incluída com destaque a negociação permanente dos interesses crescentes. A autonomia da escola, no enfoque deste trabalho, não pretende ser uma nova utopia ocupacional, mas uma estratégia possível e negociável. Por isso ela deve ser entendida como um processo que, no ritmo possível a cada correlação de forças políticas, conquiste a adesão de uns e os interesses de outros, pela vantagem que venha apresentar em termos de seus resultados: ensino de melhor qualidade para todos. Vantagens estas que podem e devem ser traduzidas em benefícios políticos e eleitorais para os projetos de poder que assumam a prioridade da educação, a busca da qualidade com eqüidade enquanto meta, o fortalecimento da escola enquanto meio.

R

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B

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Referências

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