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As políticas de educação do Serviço Sanitário de São Paulo entre a República Velha e o Estado Novo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

MÁRCIA GUEDES SOARES

AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DO SERVIÇO

SANITÁRIO DE SÃO PAULO ENTRE A REPÚBLICA

VELHA E O ESTADO NOVO

CAMPINAS

2017

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MARCIA GUEDES SOARES

AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DO SERVIÇO

SANITÁRIO DE SÃO PAULO ENTRE A REPÚBLICA

VELHA E O ESTADO NOVO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração Educação.

Orientador: André Luiz Paulilo

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARCIA GUEDES SOARES E ORIENTADA PELO PROF. DR. ANDRÉ LUIZ PAULILO

CAMPINAS 2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DO SERVIÇO

SANITÁRIO DE SÃO PAULO ENTRE A REPÚBLICA

VELHA E O ESTADO NOVO

Márcia Guedes Soares

COMISSÃO JULGADORA:

Prof. Dr. André Luiz Paulilo

Profª. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha Prof. Dr. Reginaldo Alberto Meloni

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Resumo

Este trabalho discorre sobre as políticas de educação voltadas para a infância provenientes do Serviço Sanitário de São Paulo, após a reforma de 1931. Na reforma de 1925 foi implantada a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde e, com essa manobra, a educação sanitária foi instituída como estratégia de resolução dos problemas de saúde pública. Nessa mesma reforma, foram introduzidos novos agentes, dentre eles, as educadoras sanitárias formadas no Instituto de Higiene de São Paulo. Na primeira turma desse curso, formou-se Maria Antonietta de Castro. Com a reforma de 1931, a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde foi extinta e os serviços de higiene voltados para a infância foram especializados, sendo criadas a

Inspetora de Higiene e Assistência à Infância e a Inspetora de Higiene Escolar e Educação Sanitária. Maria Antonietta foi central no desenvolvimento das políticas dessas duas

inspetorias. Pouco antes da reforma de 1931, participou da criação da Cruzada Pró Infância, instituição que se tornou responsável pelo desenvolvimento de grande parte das políticas da

Inspetora de Higiene e Assistência à Infância. Entre as práticas de educação e assistência

voltadas para a primeira infância promovidas pela Cruzada, o foco deste trabalho recai sobre a instituição da Semana da Criança, que se desdobrava em diversas iniciativas. Uma delas foi o

Dia da Lactante, patrocinado por Maria Antonietta, que teve como desdobramentos a

apropriação dos concursos de robustez infantil e dos cursos de puericultura, ambos implantados pelo Serviço Sanitário. Outra ação da Cruzada Pró Infância destacada é a criação da Escola de Saúde no playground do Parque D. Pedro II. O cargo oficial de Maria Antonietta era na chefia das educadoras sanitárias escolares da Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária. Junto delas, desenvolveu práticas de naturezas diversas: curativas e preventivas, vigilância sanitária, assistência socioeconômica e alimentar, trabalhos de colaboração, estudos e pesquisas, cursos práticos, estágios, contribuições, colaborações e ações educativas propriamente ditas. Tanto na Inspetoria de Higiene e Assistência à Infância quanto na

Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária, Maria Antonietta reproduziu o discurso

higienista difundido no Instituto de Higiene, que preconizava a inculcação de hábitos para a

formação da consciência. A análise das práticas relacionadas às políticas de educação do

Serviço Sanitário entre a República Velha e o Estado Novo permite observar apropriações de serviços anteriores e incorporação de serviços que estavam relacionados a instituições criadas na década de 1930.

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Abstract

This work talks about the education policies aimed at children that come out of the Sanitary Service of São Paulo after the reform of 1931. In the reform of 1925 was implemented the Inspectorate of Sanitary Education and Health Centers and, with this maneuver, the Health education was instituted as a strategy to solve public health problems. In the same reform, new agents were introduced, among them, the sanitary educators trained at the São Paulo Institute of Hygiene. In the first class of this course, Maria Antonietta de Castro was formed. With the reform of 1931, the Inspectorate of Sanitary Education and Health Centers was extinguished and the hygiene services directed to children were specialized, being created the Inspectorate

of Hygiene and Assistance to Childhood and the Inspectorate of School Hygiene and Sanitary Education. Maria Antonietta was central to the development of the policies of these two

provinces. Shortly before the reform of 1931, she participated in the creation of the Crusade for Childhood, an institution that became responsible for the development of most of the policies of the Inspectorate of Hygiene and Assistance to Childhood. Among the practices of early childhood education and care promoted by the Crusade, the focus of this work falls on the institution of the Children's Week, which was unfolded in several initiatives. One of them was the Lactating’s Day, sponsored by Maria Antonietta, which had as its outcome the appropriation of the children robustness competitions and the childcare courses, both of them implemented by the Sanitary Service. Another action of the Crusade for Childhood is the creation of the School of Health in the playground of Parque D. Pedro II. The official position of Maria Antonietta was in charge of the school sanitary educators of the Inspectorate of School Hygiene

and Sanitary Education. Together with them, developed practices of a diverse nature: curative

and preventive, sanitary surveillance, socioeconomic and food assistance, collaborative work, studies and research, practical courses, internships, contributions, collaborations and educational actions. Both in the Inspectorate of Hygiene and Assistance to Childhood and in the Inspectorate of School Hygiene and Health Education, Maria Antonietta reproduced the hygienist discourse spreaded at the Institute of Hygiene, which advocated the inculcation of

habits for the formation of conscience. The analysis of the practices related to the education

policies of the Health Service between the Old Republic and the New State allows to observe appropriations of previous services and incorporation of services that were related to institutions created in the 1930s.

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S

UMÁRIO

Introdução ... 8

Capítulo 1 ... 15

Estrutura e Sujeitos do Serviço Sanitário de São Paulo ... 15

Da implantação do Serviço Sanitário de São Paulo à Reforma Emílio Ribas, em 1911 ... 17

Instituições que passaram a constituir o Serviço Sanitário a partir da reforma Arthur Neiva, em 1917 ... 21

Reforma Paula Souza, de 1925, e a implantação da educação Sanitária ... 23

Reforma Arthur Neiva/Salles Gomes, de 1931 ... 27

Disputas entre os formuladores das reformas de 1925 e 1931 ... 28

As novas instituições criadas pela reforma de 1931 ... 32

Os sujeitos envolvidos nas políticas de educação para a infância ... 42

Capítulo 2 ... 48

Inspetoria de Higiene e Assistência à Infância ... 48

Semana da Criança ... 54

A produção de corpos robustos e fortes: concurso de robustez infantil e escola de saúde ... 60

Políticas de educação das mulheres em função maternal ... 68

Maria Antonietta de Castro e os cursos de puericultura ... 71

Capítulo 3 ... 79

A Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária ... 79

Educação e Saúde... 79

Maria Antonietta e as políticas de educação sanitária para a criança escolar... 85

Conclusões ... 105 Referências ... 109 Fontes ... 109 Mensagens e Relatórios ... 109 Periódicos ... 110 Legislação ... 114 Bibliografia ... 116 ANEXOS ... 120

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8

I

NTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende contribuir para a história da educação no Brasil, apresentando uma leitura das políticas de educação de um departamento da saúde – o Serviço Sanitário de São Paulo. Instituído em 1891, esse serviço permaneceu até 1938 e em seus quase 50 anos passou por sete reformas – 1893, 1896, 1906, 1911, 1917, 1925 e 1931. A partir da reforma do Serviço Sanitário de 1925, a educação sanitária foi posta como estratégia de resolução dos problemas de saúde pública. Essa reforma criou a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, que era central no desenvolvimento das novas políticas, baseada em um modelo trazido por Paula Souza1 a partir de sua experiência e formação nos Estados Unidos. Esse modelo preconizava a inculcação de hábitos e formação da consciência sanitária da população. Para tanto, foram introduzidos novos agentes, dentre eles, as educadoras sanitárias, formadas no Instituto de Higiene de São Paulo.

Assim que assumiu a Secretaria dos Negócios do Interior, em dezembro de 1930, Arthur Neiva nomeou Francisco Salles Gomes Júnior para a direção do Serviço Sanitário. Foi implantada nova reforma que extinguiu a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde. Diante desse quadro, meu interesse foi entender o que havia ocorrido com as políticas de educação do Serviço Sanitário. Na historiografia da saúde pública de São Paulo, pouco se diz a respeito da reforma de 1931, sendo enfatizada a reforma de 1925. Na historiografia da educação também não encontrei estudos que se debruçassem sobre as políticas de educação após a reforma de 1931. Assim, o tema deste trabalho me pareceu relevante. Esta foi a última reforma ocorrida no Serviço Sanitário, que foi extinto em 1938, quando foi criado o Departamento de Saúde do Estado2. Por isso, o recorte temporal entre a República Velha e o Estado Novo.

A trajetória da pesquisa não foi linear. Procurando compreender como se configurava a educação sanitária após a reforma de 1931, busquei dados em fontes periódicas. No período próximo a essa reforma, os jornais publicavam matérias que evidenciavam grande preocupação com a manutenção do que estava posto nos serviços de saúde pública de São Paulo. Eram frequentes também artigos que cobravam do governo estadual o cumprimento de acordos

1 Geraldo Horácio de Paula Souza foi diretor do Instituto de Higiene de São Paulo de 1922 a 1951 (ano de sua morte) e diretor do Serviço Sanitário de 1922 a 1927. Ao deixar a direção do Serviço Sanitário, quem assumiu o posto foi o primeiro chefe da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, Waldomiro de Oliveira, que permaneceu até 1930.

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feitos anteriormente com a Fundação Rockefeller, principalmente, em relação ao Instituto de Higiene.

Era um momento em que Getúlio Vargas acabara de assumir o governo federal, nomeando interventores e pessoas para ocuparem os cargos de chefia na máquina do Estado. Senti necessidade de olhar mais de perto para o que havia relativo à saúde pública paulista antes da revolução de 1930 e como estava sendo instituído o novo. Recorri aos textos normativos das reformas de 1931, 1925 e 1917. Juntando as informações desses textos às fontes que estavam compondo o repertório da pesquisa e às informações obtidas na historiografia da saúde (Candeias, 1984, 1988; Ribeiro, 19933; Telarolli Júnior, 1996; Faria, 1999, 2002, 2005; Mascarenhas, 2006; Mello, 2012 e Merhy, 2014), percebi disputas que envolviam os autores dessas reformas.

A reforma de 1917 havia sido instituída por Arthur Neiva, que dirigiu o Serviço Sanitário entre 1916 e 1920. Seu eixo principal foi o atendimento ao interior, com a criação do Código Sanitário Rural e das Delegacias de Saúde. A reforma de 1925, implantada por Paula Souza, aproveitou boa parte da estrutura da reforma de 1917, mas propunha a extinção gradativa dessas delegacias com a criação da Inspetoria de Higiene dos Municípios. Em 1931, Arthur Neiva volta, desta vez como Secretário do Interior. Nomeia Salles Gomes, que não era do círculo de Paula Souza, e ambos implantam uma reforma que retomou as Delegacias de Saúde e extinguiu a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, que era fundamental na implantação do novo modelo proposto em 1925.

Inicialmente, interessei-me por essas disputas. Com um capítulo movido por esse foco, passei pela qualificação, onde recebi preciosas contribuições. Dentre elas, duas de maneira mais incisiva, levando a rever pontos fundamentais do trabalho: a necessidade de uma maior incursão na estrutura do Serviço Sanitário e o foco nas questões relativas às políticas de educação, conceito que teve diferentes significados em momentos distintos da história desse serviço.

Olhar para os diferentes departamentos que constituíam o Serviço Sanitário em 1931 me fez perceber a inter-relação entre eles e as disputas internas que tinham ocorrido no decorrer de sua história, fazendo com que determinadas seções em alguns momentos se sobressaíssem e em outros fossem subordinadas ou extintas, como foi o caso do Instituto

3 Maria Alice Rosa Ribeiro é da área da história econômica e não da saúde, mas inclui seu nome entre esses autores por ter estudos sobre a estrutura do Serviço Sanitário e não ser da história da educação.

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Bacteriológico, símbolo de um modelo a ser ultrapassado nos discursos dos defensores das políticas implantadas pela reforma de 1925. Percebendo as disputas que já haviam ocorrido anteriormente no Serviço Sanitário, passei a ver com outros olhos a extinção da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde. Não necessariamente isso significaria uma ruptura. Uma vez instituída, a educação sanitária não apenas foi mantida, mas ampliada com a reforma de 1931. Seis dos departamentos que compunham o Serviço Sanitário após essa reforma tinham a educação entre suas atribuições. Em quatro deles, havia a participação de educadoras sanitárias. As políticas de educação relativas à infância, antes concentradas em uma só Inspetoria, passaram a ser especificadas em dois lugares – a Inspetoria de Higiene e Assistência

à Infância, voltada para a primeira infância, e a Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária, para a criança escolar.

Para compreender os diferentes conceitos de educação, estudos de Telarolli Júnior (1996) foram fundamentais. Percebi que as políticas de educação já tinham sido pensadas e propostas anteriormente à reforma de 1925. Isso fez com que meu olhar se tornasse mais atento para o discurso dos defensores dessa reforma, que colocavam a educação sanitária como algo que ia além da simples instrução sobre preceitos higiênicos, na medida em que era voltada para a formação da consciência. A partir de então, fui instigada a analisar as políticas de educação da década de 1930 relacionando-as também com políticas anteriores à reforma de 1925. Assim, houve necessidade de se recorrer a novas fontes.

Quanto mais a pesquisa ia sendo aprofundada, mais meu interesse se distanciava da questão das disputas entre os formuladores das reformas de 1931 e 1925. Logo em fevereiro de 1931, Arthur Neiva deixou a Secretaria dos Negócios do Interior de São Paulo4 para ser interventor do estado da Bahia, seguindo outros rumos no decorrer dos anos 1930. Nesse período, Paula Souza tinha como foco principal a manutenção da autonomia e a definição do destino do Instituto de Higiene.

Com base nos periódicos consultados, foi sendo delineada uma rede de relações que envolvia outros sujeitos atuantes no Serviço Sanitário. Os principais nomes que despontaram foram: Waldomiro de Oliveira, primeiro chefe da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde (1925 – 1927) e diretor do Serviço Sanitário (1927 – 1930); Francisco Figueira de Mello, que substituiu Waldomiro de Oliveira na referida Inspetoria desde 1927 e foi mantido

4 Logo em seguida, essa foi transformada em Secretaria da Educação e Saúde Pública, pelo decreto nº 4.917, de 3 de março de 1931.

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no cargo após a reforma de 1931; e Maria Antonietta Mendes de Castro, formada no primeiro curso de educadoras sanitárias do Instituto de Higiene e chefe das educadoras sanitárias na Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde desde 1927, que também foi mantida no cargo após a reforma de 1931 e nas sucessivas reformas pelas quais o serviço de higiene escolar passou.

Esses sujeitos identificados como protagonistas nas políticas do Serviço Sanitário estavam constantemente presentes nos periódicos selecionados, em especial, Maria Antonietta de Castro. Porém, muito me chamava à atenção que seu nome, em grande parte, não aparecesse relacionado a seu cargo no Serviço Sanitário, mas associado à Cruzada Pró Infância. Nesse sentido, compreender essa instituição tornou-se imprescindível. Nos jornais da época, levantei um conjunto documental contendo centenas de artigos referentes às ações da Cruzada Pró Infância no período entre 1930 e 1938. Com base nesse conjunto, percebi a ligação entre Waldomiro de Oliveira e Maria Antonietta de Castro na criação dessa instituição assistencialista, que acabou sendo responsável pelo desenvolvimento das políticas da Inspetoria

de Higiene e Assistência à Infância. Foi possível também identificar práticas de educação

sanitária voltadas para a primeira infância promovidas pela Cruzada.

Os novos sujeitos e suas práticas passaram a ser meu interesse, levando o trabalho a novos rumos, mas mantendo o objetivo de análise da educação sanitária após a reforma de 1931. Para que eu conseguisse analisar as práticas de educação relativas à Inspetoria de Higiene

Escolar e Educação Sanitária as fontes para a pesquisa precisaram ser novamente ampliadas.

Essa inspetoria resultava da união do serviço de inspeção médico-escolar, que estava sob a responsabilidade da Diretoria de Instrução Pública, com parte da extinta Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde. Por ter se apropriado de um serviço que havia sido implantado no Serviço Sanitário em 1911, mas que desde 1916 havia sido transferido para o campo da educação, acreditei ser interessante buscar material referente a essas práticas nesse campo. Fiz várias visitas ao Centro do Professorado Paulista (CPP) buscando por revistas de educação do período que trouxessem informações sobre o serviço de higiene escolar. Foi difícil encontrar material que contribuísse para o meu trabalho. Avançando a busca para materiais da década de 1940, finalmente, encontrei um artigo de Maria Antonietta de Castro, publicado na Revista de

Educação.

Maria Antonietta de Castro assinava o artigo como chefe do Serviço de Saúde Escolar. Nele, ela relatava as práticas das educadoras sanitárias nas escolas no período entre 1933 e 1942. Unindo o conjunto documental que eu havia constituído a partir dos periódicos a

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esse material, Maria Antonietta passou a figurar como personagem central deste trabalho. Procurei organizar a narrativa em torno das práticas em que estava envolvida, relacionadas tanto às políticas da Inspetoria de Higiene e Assistência à Infância quanto da Inspetoria de Higiene

Escolar e Educação Sanitária.

Depois de reunir, separar e produzir meus documentos, a análise desse corpus demandou maior aprofundamento na historiografia da educação e da saúde. Mott (2001; 2005), Freire (2008), Rizzini e Gondra (2014), Paulilo (2013; 2007), Souza (2009), Pykosz e Oliveira (2009), Oliveira (2005), Soares (2003) e Rocha (2003a; 2003b; 2004; 2005a; 2005b) trouxeram grandes contribuições. Esse aprofundamento trouxe novos significados aos documentos. Passei a olhar para as práticas de educação sanitária relativas às duas inspetorias voltadas para infâncias distintas, procurando analisa-las em relação às experiências anteriores de higiene infantil e higiene escolar, à reforma de 1925 e às instituições criadas na década de 1930.

O trabalho ficou assim delineado. No primeiro capítulo, tratando da estrutura do Serviço Sanitário após a reforma de 1931, iniciei a narrativa abordando os diferentes momentos em que cada um dos departamentos que o compunham foram instituídos. Foram mapeadas as instituições que utilizavam a educação como forma de intervenção, concentrando as análises nas Inspetorias de Higiene e Assistência a Infância e Higiene Escolar e Educação Sanitária. Tratei da história dessas duas instituições, desde que seus serviços começaram a despontar no Serviço Sanitário até a reforma de 1931. Foram apontados os sujeitos envolvidos com as políticas dessas duas inspetorias e sua forte relação com o Instituto de Higiene de São Paulo. As principais fontes utilizadas foram textos legislativos do estado de São Paulo, disponíveis digitalmente no site da Assembleia Legislativa, e relatórios de presidentes do estado de São Paulo, alguns fotografados no Arquivo Público de São Paulo e outros disponíveis na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. O recurso ao uso de fontes administrativas, como alerta Paulilo (2007), permite vislumbrar os meios das reformas gerarem procedimentos. Nesse sentido, cruzando informações obtidas nos textos legislativos e nos relatórios do executivo para o legislativo, procurei demonstrar os artifícios de publicação dos dois decretos que instituíram a reforma de 1931.

No segundo capítulo, explorando as políticas desenvolvidas pela Inspetoria de

Higiene e Assistência a Infância, quis evidenciar que pouco antes de sua implantação pela

reforma de 1931, sujeitos que estavam atuando no Serviço Sanitário já haviam se mobilizado para criar a Cruzada Pró Infância. Essa instituição assistencialista teve participação no desenvolvimento de boa parte das políticas para a primeira infância desenvolvidas pelo Serviço

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Sanitário na década de 1930, com protagonismo de Maria Antonietta de Castro. Tendo como fonte principal a imprensa da época, foram relatadas algumas práticas de educação sanitária voltadas para a primeira infância instituídas pela Cruzada Pró Infância. Dei ênfase para a criação de espaços para assistência à maternidade e para a implantação da Semana da Criança, que desdobrava em ações diversas, das quais destaquei o Dia da Lactante, promovido por Maria Antonietta de Castro. Relacionados a esse dia, havia os concursos de robustez infantil e os cursos de puericultura, instituídos pelo Serviço Sanitário na década de 1920 e apropriados pela Cruzada Pró Infância na década seguinte. Ainda em relação à Semana da Criança, é tratada também a criação da Escola de Saúde do playground do Parque D. Pedro II em 1931, iniciativa da Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária em parceria com a Cruzada Pró Infância. Nesse capítulo, os periódicos mais utilizados foram o jornal Folha da Manhã, disponível no site da Folha de São Paulo e os jornais Correio Paulistano, Correio de São Paulo e Diário Nacional, disponibilizados na hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

No terceiro capítulo, o foco recai sobre as políticas de educação desenvolvidas pela

Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária. Em virtude de o serviço de inspeção

médico-escolar fazer parte da constituição desse departamento, e por este serviço ora ter pertencido à saúde, ora à educação e ora aos dois campos, inicialmente, foram apontadas as tensões entre a educação e a saúde no que dizia respeito à higiene escolar. Quanto às práticas das educadoras sanitárias escolares, a partir do artigo de Maria Antonietta de Castro procurei identificar apropriações de práticas anteriores e ações situadas em seu tempo. Foram utilizados outros periódicos, mas a fonte principal desse capítulo foi o artigo intitulado “A educação sanitária nas escolas”, publicado na Revista de Educação em 19445.

Expostas a estrutura do trabalho e as fontes utilizadas, cabe esclarecer o uso feito dessas fontes. Embora sejam distintas por serem umas de ordem administrativa como relatórios e textos legislativos, e outras de comunicação de massa como os periódicos, são consideradas todas “oficiais”, na medida em que mesmo as segundas podem ser consideradas porta-vozes de instituições ligadas ao Estado. O Correio Paulistano, ligado ao Partido Republicano Paulista (PRP), era o que mais trazia notícias relativas ao Serviço Sanitário, especialmente relativas às políticas desenvolvidas por Waldomiro de Oliveira, Figueira de Mello e Maria Antonietta de Castro. Apenas o Diário Nacional trazia algumas críticas às práticas desenvolvidas por este

5 O volume da revista utilizado foi o 30º, de julho a dezembro de 1943. A publicação foi feita pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. A revista era um órgão do Departamento de Educação, dirigido por Sud Mennucci, tendo como redator-chefe José Clozel e como redator Luiz de Almeida.

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departamento. Um exemplo refere-se aos concursos de robustez infantil, que eram apontados como sendo entediantes e cansativos para as crianças, que gritavam e choravam o tempo todo.

Independente do julgamento encontrado no conjunto de documentos, interessava as descrições das ações, procurando extrair delas as práticas de educação sanitária ligadas à infância. A análise dessas práticas não se prendeu ao discurso encontrado nas fontes. Se em um determinado artigo de jornal dizia-se que o concurso de robustez “era de grande interesse da população”, o que importava era saber que havia concursos de robustez e quais eram suas regras, possibilitando análises sobre o que se pretendia com tais concursos em relação ao corpo da criança. Se no artigo de Maria Antonietta é adjetivada a educação sanitária praticada na escola, compreende-se que por traz desses adjetivos está a chefe do serviço. Da mesma forma, o que interessava era apenas a descrição das práticas educação sanitária nas escolas e as possíveis análises que elas suscitavam.

(15)

C

APÍTULO

1

E

STRUTURA E

S

UJEITOS DO

S

ERVIÇO

S

ANITÁRIO DE

S

ÃO

P

AULO

O Serviço Sanitário foi instituído em 1891, permanecendo até 1938. Em seus quase 50 anos, passou por sete reformas – 1893, 1896, 1906, 1911, 1917, 1925 e 19316. A cada reforma do Serviço Sanitário, foram sendo criadas novas instituições, extinguindo ou transformando as anteriores e abarcando, cada vez mais, campos diferentes da vida social. Esse crescimento do Serviço Sanitário está relacionado ao avanço da medicina, movimento que Herschmann (1994) identificou no Brasil a partir da República. Segundo o autor, nesse período, o médico ascende à condição de intelectual prestigiado e a medicina à posição de um saber

regenerativo e crucial para o país. A nova organização do Estado deveria civilizar, dando ao

país uma imagem que o diferenciasse do período colonial e imperial, sintonizando-o com a Europa. Para isso, o Estado contou com importantes aliados, os cientistas. Respaldado pela medicina, o Estado atuou para o fim da autonomia da família e para incrementar o controle social. Cada vez mais, a medicina tornou-se responsável pela orientação da vida privada dos indivíduos.

Herschmann (1994) afirma que o objetivo dos higienistas e sanitaristas era normatizar, conseguindo que homens e mulheres desempenhassem tanto seus papeis como produtores quanto como reprodutores e guardiães de proles sãs e de uma raça sadia e pura. Essa normatização não se limitou à família. A medicalização da sociedade brasileira sugere uma intervenção social intensa, autoritária e sem fronteiras. A medicina diversificava suas linhas de atuação, criando especializações, concentrando-se principalmente nos centros urbanos, enquanto a igreja cuidava das áreas rurais. Era preciso disciplinar a sociedade, incutindo valores e destruindo os vícios e perversões dos velhos hábitos. A medicina ajudou a promulgar leis e reprimir abusos, criando uma nova tecnologia de poder capaz de controlar os indivíduos e as populações, tornando-os produtivos e inofensivos. Essa tecnologia incidia sobre o corpo dos indivíduos e sua saúde e higiene.

Pykosz e Oliveira (2009) consideram o movimento higienista como um dos mais ambiciosos projetos de intervenção social que a modernidade ocidental conheceu, ainda que iniciativas voltadas para a saúde individual e social não sejam prerrogativas apenas dos tempos

6 Nos anexos encontram-se as estruturas que foram dadas ao Serviço Sanitário por cada uma das reformas. Não há anexo referente à reforma de 1906 porque a estrutura do Serviço Sanitário não foi alterada com ela.

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modernos. Pretendendo mais que definir novos padrões de saúde, a higiene tinha na educação de novas formas de sensibilidade uma das suas principais motivações. Segundo Rizzini e Gondra (2014), a medicina como prática era um exercício de persuasão para a aceitação da mudança de um conjunto de hábitos, como bebidas, alimentos, exercícios, relações sexuais, enfim, todo um modo de vida. Nesse sentido, entre final do século XIX e início do XX, para ser eficaz a medicina procurava cumprir uma função efetivamente educativa e a medicina higiênica multiplicava essa potência. Para prevenir o aparecimento da doença, a higiene alargou o raio de ação da ciência médica e instalou um conjunto de instituições e práticas em lugares como igrejas, quartéis, prisões, hospícios, bordéis, oficinas e escolas. Rocha e Gondra (2002) afirmam que a instalação da educação na doutrina médico-higiênica entre final do século XIX e início do XX pode ser entendida como uma estratégia calculada da medicina, que via nesse recurso um modo de manter e expandir sua legitimidade para cuidar dos indivíduos e da sociedade.

Para Costa (2004), a partir da terceira década do século XX, a submissão da família às políticas da higiene passa ser mais incisivamente definida, quando a família foi vista como incapaz de proteger a vida das crianças e adultos. Valendo-se dos altos índices de mortalidade infantil e das precárias condições de saúde dos adultos, a higiene conseguiu impor à família uma educação física, moral, intelectual e sexual, inspirada nos preceitos sanitários da época. Esta educação, dirigida sobretudo às crianças, deveria revolucionar os costumes familiares. Dessa forma, os indivíduos aprenderiam a cultivar o gosto pela saúde, exterminando a desordem higiênica dos velhos hábitos. Para o autor, a norma familiar produzida pela ordem médica solicita de forma constante a presença de intervenções disciplinares por parte dos agentes de normalização. “O controle educativo-terapêutico instaurado pela higiene iniciou um modo de regulação” (COSTA, 2004, p. 15-16).

Instituído nesse momento em que a medicina higiênica passava a contribuir com o Estado na normalização da sociedade, no decorrer de sua história, o Serviço Sanitário de São Paulo foi criando novas instituições, interferindo, cada vez mais, em campos diversos da vida social. A reforma de 1931 manteve alguns dos departamentos instituídos em reformas anteriores, criou novos e extinguiu outros, em especial, a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde, criada na reforma de 1925. Ao todo, o Serviço Sanitário ficou composto por 16 departamentos: Engenharia Sanitária, Estatística Demográfico-Sanitária e Epidemiologia,

Hospital de Isolamento, Instituto Bacteriológico, Instituto Pasteur, Delegacias de Saúde, Seção de Almoxarifado e Farmácia, Inspetoria de Policiamento da Alimentação Pública, Inspetoria

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de Higiene do Trabalho, Inspetoria de Profilaxia da Lepra, Inspetoria de Profilaxia de Moléstias Infecciosas, Inspetoria de Profilaxia da Sífilis e Moléstias Venéreas, Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose, Inspetoria de Higiene e Assistência à Infância e Inspetoria de Higiene Escolar e Educação Sanitária.

Em seguida, discorre-se sobre a história de todas essas instituições que compunham o Serviço Sanitário de São Paulo após a reforma de 1931. Nessa aproximação com cada um desses departamentos, além do funcionamento do Serviço Sanitário, pode-se observar que alguns sujeitos foram se destacando, sendo identificado um grupo que teve forte atuação nas políticas de educação voltadas para a infância desde a reforma de 1925.

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O Serviço Sanitário de São Paulo foi instituído pela Lei nº 12, de 28 de outubro de 1891, regulamentado pela Lei nº 43, de 18 de julho de 1892, modificado pela Lei nº 240, de 4 de setembro de 1893 e reestruturado pela Lei nº 432, de 3 de agosto de 1896. Segundo Ribeiro (1993), nesses primeiros anos em que foi montado e aparelhado, teve à sua frente Sérgio Meira (1891-1892) e Joaquim José da Silva Pinto Júnior (1892-1898). Emílio Ribas assumiu em 1898 e permaneceu até 1916. Nesse período, foram feitas três novas alterações no Serviço Sanitário. O decreto nº 1.294, de 19 de julho de 1905 criou o serviço de inspeção de amas de leite. O decreto nº 1.343, de 27 de janeiro de 1906 dividiu o território do Estado em distritos sanitários e trouxe novas atribuições à polícia sanitária. E, finalmente, o decreto nº 2.141, de 14 de novembro de 1911, que reorganizou a estrutura do Serviço Sanitário do Estado.

Na reforma de 1931 foram mantidas quatro instituições criadas entre o período de implantação do Serviço Sanitário e a reforma Emílio Ribas: a Seção de Estatística

Demográfico-Sanitária, a Engenharia Sanitária, o Hospital de Isolamento e o Instituto Bacteriológico. Desde 1892, a Estatística Demográfico-Sanitária já era uma das atribuições da

Diretoria de Higiene e, em 18967, passou a ser uma das seções do Serviço Sanitário. Nesse departamento, uma das atribuições dos médicos era organizar boletins de registro civil –

7 Lei nº 432, de 3 de agosto de 1896.

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natalidade, casamento, mortalidade – em todo o estado de São Paulo. Com o passar dos anos, novas tecnologias foram utilizadas para a coleta de dados, tornando o trabalho de processamento mais rápido e preciso. Os resultados obtidos eram publicados em anuários e boletins semanais e mensais, sendo todos arquivados para consulta ou intercâmbios com outros países8. Dessa forma, todos os dados da família eram quantificados e registrados, possibilitando e facilitando o processo de controle.

Embora a Engenharia Sanitária tivesse sido incorporada à estrutura do Serviço Sanitário só em 1911, desde 1892 havia um engenheiro sanitário ao lado do Diretor da Inspetoria de Higiene e dos Chefes de Laboratórios, compondo o Conselho de Saúde Pública. A atuação desse profissional foi sendo cada vez mais ampliada. No Código Sanitário de 1917 consta que todas as construções deveriam ser submetidas à avaliação de um engenheiro sanitário. A partir de então, aparece na legislação do Serviço Sanitário as exigências para a construção das escolas. Elas deveriam ser arejadas e dispostas à luz do sol. Sempre que fosse possível, deveriam ter um só pavimento com um porão de, no mínimo, um metro de altura, convenientemente ventilado. As dimensões das salas de aula deveriam ser proporcionais ao número de alunos. A iluminação deveria ser unilateral e esquerda, podendo ser bilateral desde que não fosse de faces paralelas. Enfim, iluminação natural ou a gás, localização e tamanho das janelas, forma das escadas, altura dos degraus, forma das salas de aula e seus ângulos, cor e material empregado, número de latrinas, forma dos assentos e mobília, tudo deveria atender aos requisitos higiênicos e sanitários.

Os Hospitais de Isolamento também começaram a ser construídos logo na implantação do Serviço Sanitário9. Segundo Telarolli Júnior (1996), nesse período, ao lado do Desinfetório Central, o Hospital de Isolamento era considerado um dos elementos mais eficazes na campanha contra a propagação das enfermidades contagiosas, destinado à parcela mais pobre da população. Os internos estavam sujeitos a experiências científicas. A mortalidade era recorrente, até mesmo porque muitos dos internos já se encontravam em estágio avançado de doença. A população tinha medo dessa instituição e resistia à internação, sendo frequente recorrer-se à violência, com a participação de forças policiais para as internações. Na reforma de 1925, o Hospital de Isolamento e o Desinfetório Central foram subordinados à Inspetoria de Moléstias Epidêmicas, sendo incentivado o isolamento domiciliário. Apenas os pacientes sem

8 ALBUQUERQUE, J. P. Mensagem encaminhada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1928, pelo Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, presidente do estado de São Paulo.

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recursos continuavam sendo encaminhados para esses hospitais. Em 1928, quando Waldomiro de Oliveira estava à frente do Serviço Sanitário, em relatório apresentado ao poder executivo afirmava que a carência de educadoras sanitárias impossibilitava que os isolamentos domiciliários ocorressem da forma como estava prescrito10. Em 1931, o Hospital de Isolamento foi restituído como seção autônoma do Serviço Sanitário e a legislação estendeu o isolamento até mesmo aos casos em que a doença ainda não havia se manifestado. Quando de interesse profilático, a juízo da autoridade sanitária, o isolamento poderia ser recomendado até mesmo aos portadores dos germes.

O Instituto Bacteriológico, que também compunha o Serviço Sanitário em 1931, foi instituído logo no início de sua implantação. Segundo Almeida (2005), São Paulo teve papel fundamental no processo de introdução da microbiologia no Brasil com a criação desse instituto para o desenvolvimento de atividades científicas laboratoriais e cursos para formação de especialistas. A autora mostra que, no final do século XIX, as novas possibilidades de intervenção médico-sanitária nos espaços públicos e privados a partir dos princípios da microbiologia causaram reações pouco receptivas, tanto na Europa como no Brasil. As novas concepções microbiológicas com relação às doenças infecciosas sofriam oposição de grande parte dos médicos, das autoridades e da população. Nessa época, o Instituto Bacteriológico foi marcado por uma série de polêmicas quanto aos diagnósticos emitidos, mas, ao mesmo tempo, foi o período de sua consolidação no meio médico-científico do Brasil. As ações voltadas para a implantação do paradigma bacteriológico e a conformação de um sentido novo ao espaço do laboratório na medicina foram resultado de um longo processo de confrontações e negociações. Segundo Telarolli Júnior (1996), o Instituto Bacteriológico de São Paulo teve destaque no período da epidemia de febre amarela, nos anos 1890. Em 1904, extinta essa doença, a instituição não recebeu mais da administração paulista os mesmos recursos de antes, entrando em decadência. Em 191411, tendo seus resultados novamente reconhecidos, foi apresentada proposta de união do Instituto Bacteriológico ao Laboratório de Análises Químicas e Bromatológicas para a formação do Instituto de Higiene, que se tornaria um foco gerador de conhecimento, responsável pela redução dos problemas referentes à alimentação pública. Mas, essa ideia não foi adiante. O Instituto de Higiene de São Paulo, criado em 1918 e oficializado

10 MENSAGEM do presidente do Estado de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque, 1929.

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em 1924, foi resultado de um outro arranjo, fruto de acordos entre o governo estadual e a Fundação Rockefeller.

Na reforma de 1925, promovida por Paula Souza12, o Instituto de Higiene13 assumiu papel de destaque nas políticas do Serviço Sanitário. Nessa mesma reforma, o Instituto Bacteriológico foi subordinado ao Instituto Butantã e alguns de seus serviços foram extintos. Segundo Ribeiro (1993), entre 1925 e 1926 uma epidemia de febre tifoide assolou São Paulo e o Serviço Sanitário foi alvo de críticas, pois de acordo com os próprios funcionários do Instituto Bacteriológico, não havia sido tomada nenhuma medida para evitar a doença. Às críticas que recebera, Paula Souza respondera com a lei do silêncio, baixando uma circular interna proibindo que fossem fornecidos informações e dados à imprensa sem seu prévio consentimento.

Quando Waldomiro de Oliveira assumiu a direção do Serviço Sanitário, o Instituto Bacteriológico foi, extraoficialmente, desligado do Butantã14, voltando a funcionar autonomamente. Na reforma de 1931, com Arthur Neiva como Secretário do Interior e Francisco Salles Gomes na Direção do Serviço Sanitário, a restituição da autonomia do Instituto Bacteriológico foi oficializada e a ele foram designadas amplas atribuições. Em 1937, discutia-se na Asdiscutia-sembleia Legislativa de São Paulo a necessidade de novas instalações para o Instituto Bacteriológico, ideia defendida pelos que reconheciam sua importância para a saúde pública15. Toledo Piza, representante do funcionalismo público, enfatizava a eficiência do Instituto Bacteriológico para a profilaxia de doenças e para a higiene popular, tendo sido a primeira escola de medicina experimental. Miguel Coutinho afirmava que, durante largo tempo, nas administrações do Partido Republicano Paulista (PRP), nada havia sido feito em favor do Instituto Bacteriológico, considerado por ele um monumento do saber e da ciência. O poder executivo de São Paulo também defendia que, dado o crescente desenvolvimento dos seus serviços, era necessária a transferência do Instituto Bacteriológico para outro prédio, mais

12 Geraldo Horácio de Paula Souza dirigiu o Serviço Sanitário de 1922 a 1927.

13 O Instituto de Higiene recebeu diversas denominações ao longo de sua história: Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1918); Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (1919); Instituto de Higiene de São Paulo (1925); Escola de Higiene e Saúde Pública (1931); Escola de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (1938); Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (1945); Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (1969).

14 MENSAGEM apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1930, pelo Dr. Heitor Teixeira Penteado, vice-presidente em exercício do estado de São Paulo.

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adequado ao seu funcionamento16. Foi o que ocorreu em 1940, quando passou a denominar-se Instituto Adolfo Lutz.

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NSTITUIÇÕES QUE PASSARAM A CONSTITUIR O

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ANITÁRIO A PARTIR DA REFORMA

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1917

Em 1916, Arthur Neiva, médico sanitarista do Instituto Oswaldo Cruz, assumiu a direção geral do Serviço Sanitário paulista, permanecendo até 1920. Com a Lei nº 1.596, de 29 de dezembro de 1917, reorganizou esse serviço, mantendo boa parte da estrutura dada pela reforma de 1911. Das instituições criadas na reforma de Arthur Neiva, três permaneceram em 1931: o Instituto Pasteur, as Delegacias de Saúde e a Seção de Almoxarifado e Farmácia.

O Instituto Pasteur de São Paulo foi criado pela iniciativa privada em 1903. Segundo Ribeiro (1997), seguindo os passos do seu congênere francês, o Instituto Pasteur voltou-se para a pesquisa científica, a produção de conhecimento científico, a divulgação do método de investigação bacteriológico, a formação de cientistas dentro da concepção microbiana da doença e a elaboração de produtos — soros e vacinas — destinados a prevenir e encontrar a cura de doenças. Para a autora, parece ter existido uma dificuldade no relacionamento entre o Serviço Sanitário de São Paulo e o Instituto Pasteur e o fato de não se conseguir criar um vínculo cooperativo entre essas duas instituições inviabilizou a manutenção do Instituto Pasteur. Seu patrimônio foi doado ao governo do estado de São Paulo, livre de qualquer condição, exceto a manutenção do nome. Durante quase três anos após sua transferência para o Estado, o instituto permaneceu fechado. Na reforma de 1917, passou a ser um dos departamentos do Serviço Sanitário, sendo mantido nas demais reformas. Porém, desde 1918, quando foi reinaugurado, havia perdido seu caráter amplo de centro de pesquisa para se dedicar, com exclusividade, ao serviço contra a raiva, tornando-se semelhante aos demais institutos Pasteur existentes no país (RIBEIRO, 1997).

Criadas na reforma de 1917, as Delegacias de Saúde foram reintegradas ao Serviço Sanitário em 1931. Arthur Neiva havia criado 11 Delegacias de Saúde, sendo 5 na capital, e 1

16 MENSAGEM apresentada pelo governador J. J. Cardozo de Mello Neto à Assembleia Legislativa de São Paulo a 9 de julho de 1937.

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em cada cidade: Santos, Campinas, São Carlos, Ribeirão Preto, Guaratinguetá e Botucatu. Na reforma de 1917, foi criado também um Código Sanitário Rural. De acordo com Ribeiro (1993), a partir dessa reforma, o delegado de saúde exercia amplos poderes de fiscalização sob qualquer estabelecimento suspeito, ainda que essas ações estivessem acima do direito de propriedade.

Na reforma de 1925, com a criação da Inspetoria de Higiene dos Municípios, com sede na capital, essas Delegacias de Saúde do interior seriam gradativamente extintas. Foi o que ocorreu com as delegacias de São Carlos e Botucatu17. Os serviços estaduais de higiene seriam instalados apenas nos municípios que contribuíssem financeiramente com o Estado, sendo priorizados os que oferecessem maior contribuição. Na reforma de 1931, por meio do decreto nº 4.80918, a Inspetoria de Higiene dos Municípios foi extinta e todas Delegacias de Saúde do interior do Estado foram restituídas, sendo criadas mais duas, em Sorocaba e Bauru. No texto legislativo, os argumentos utilizados afirmavam que essa reestruturação foi feita atendendo aos apontamentos do diretor do Serviço Sanitário, Waldomiro de Oliveira, defensor da necessidade de reorganização da reforma de 1925 no que dizia respeito às políticas para o interior, para que seu atendimento fosse uniforme e de caráter mais fixo.

A reforma de 1917 extinguiu o Laboratório Farmacêutico e criou a Seção de

Almoxarifado e Farmácia, que foi mantida nas reformas de 1925 e 1931, mas, com o decreto

nº 5.254, de 07 de novembro de 193119, foi transformada em Farmácia e Depósito, ainda subordinada ao Serviço Sanitário. Sua atribuição era suprir o Serviço Sanitário de produtos químicos e farmacêuticos e de utensílios e materiais necessários. Neste departamento, é possível avaliar as formas de gestão do dinheiro público efetuadas pelos diretores do Serviço Sanitário. Em 1926, no exercício de Paula Souza, a verba empreendida pelo estado para o Serviço Sanitário aumentou consideravelmente, em virtude das novas dependências criadas pela reforma de 1925. Na gestão de Waldomiro de Oliveira, as despesas do almoxarifado foram três vezes menores que na administração anterior20. Essa expressiva redução ocorreu em virtude do novo processo de compras adotado: a concorrência pública entre os fornecedores. Antes, o

17 MENSAGEM encaminhada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1927, pelo presidente do Estado de São Paulo, Antônio Dino da Costa Bueno.

18 A reforma de 1931 foi estabelecida por meio de dois decretos: nº 4.809, de 31 de dezembro de 1930 e nº 4.891, de 13 de fevereiro de 1931.

19 Decreto 5.254, de 07 de novembro de 1931. Cria a Farmácia e Depósito do Serviço Sanitário, sem aumento de despesas, restabelece o Almoxarifado da Instrução Pública e extingue o Departamento de Material do Estado. 20 MENSAGEM encaminhada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1928, pelo Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, presidente do estado de São Paulo.

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fornecimento era feito por preços estabelecidos nos contratos anuais, firmados entre o governo do estado e as firmas da praça. Frequentemente, os produtos definidos nesses contratos não correspondiam ao que era necessário e tinham baixo nível de qualidade. Assim, o fornecimento de materiais era inadequado e oneroso aos cofres públicos. A partir da década de 1930, o processo adotado por Waldomiro de Oliveira foi instituído para todas as compras do Serviço Sanitário21.

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1925,

E A IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO

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ANITÁRIA

A reforma de 1925 trouxe outras cinco novas seções ao Serviço Sanitário, que foram mantidas na reforma seguinte: as Inspetorias de Fiscalização da Medicina, da Farmácia e

Verificação de Óbitos; Policiamento da Alimentação Pública; Higiene do Trabalho; Profilaxia da Lepra e Profilaxia de Moléstias Infecciosas. Em 1931, na Inspetoria de Fiscalização de Medicina e Farmácia, foi suprimida a verificação dos óbitos e, na Inspetoria de Policiamento da Alimentação Pública, a alteração ocorrida com a Lei 2.420 de 31 de dezembro de 192922 foi

mantida.

A Inspetoria de Higiene do Trabalho também foi alterada pelo decreto nº 4.813, de 31 de dezembro de 1930,passando a auxiliar o Departamento Industrial e Comercial e cooperar com o Ministério do Trabalho no recenseamento dos trabalhadores da indústria e comércio que estivessem desempregados. Cabia à Inspetoria a colocação do trabalhador, a assistência social, a inspeção da saúde dos operários, a garantia dos direitos concedidos por lei e o exame médico de a admissão.

Na legislação da reforma de 1917 alguns artigos tratavam do trabalho infantil e das mulheres. Eles foram suprimidos em 1925 e, na reforma de 1931, a Inspetoria de Higiene do Trabalho passou a regulamentar o trabalho desses sujeitos. Para a admissão de menores, deveriam ser observadas as disposições do Código de Menores, sendo impostas penas de multa para os infratores. Relativo às mulheres, as que exerciam função maternal eram protegidas. Os

21 MENSAGEM apresentada ao Congresso Legislativo, em 14 de julho de 1930, pelo Dr. Heitor Teixeira Penteado, vice-presidente em exercício do estado de São Paulo.

22 Lei 2.420, de 31 de dezembro de 1931. Dispõe sobre a fiscalização dos gêneros alimentícios. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1929/lei-2420-31.12.1929.html. Consulta em agosto de 2015.

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estabelecimentos de trabalho que admitissem operárias deveriam dispor de sala para aleitamento ou, quando julgado necessário pela autoridade sanitária, local para cuidados com os bebês. As interrupções do trabalho, necessárias para a amamentação dos filhos, deveriam ser autorizadas e não poderiam ser descontadas no salário.

A Inspetoria de Profilaxia de Moléstias Infecciosas23 manteve as mesmas atribuições previstas no decreto 3.876, de 11 de julho de 1925, acrescentando a verificação de óbitos24, que era realizada em parceria com a cadeira de Anatomia da Faculdade de Medicina25. Cabia a essa Inspetoria a coleta de dados para pesquisas, o isolamento dos doentes de moléstias infecciosas, o expurgo e desinfecção dos locais onde os doentes convivessem e a montagem de hospitais de isolamento emergenciais. Para a vigilância dos isolamentos domiciliares, a legislação de 1925 previa atuação de enfermeiras. Em 1931, elas foram retiradas do quadro de pessoal e foram colocadas no lugar duas educadoras sanitárias.

A Inspetoria de Profilaxia da Lepra teve regulamentação alterada pela Lei nº 2.416, de 31 de dezembro de 192926, sendo imposta a notificação dos casos declarados ou suspeitos

da doença. Feita a notificação, a autoridade sanitária faria a verificação na residência do doente. Seriam punidas, como infratoras da lei, as pessoas que se opusessem ou de qualquer modo embaraçassem o exame médico do doente e a execução das medidas necessárias. Caso o doente não se conformasse com o diagnóstico, poderia recorrer ao diretor geral do Serviço Sanitário, que submeteria o caso a uma comissão constituída de um médico do serviço oficial, um clínico da confiança do doente e um docente da clínica dermatológica da Faculdade de Medicina ou outro profissional de reconhecida competência. Constatada a doença, eram obrigatórios, em todo o Estado, o isolamento e tratamento. O isolamento se daria em domicílio, quando fosse possível a eficaz vigilância pela autoridade sanitária e quando o doente tivesse recursos para as medidas necessárias. Caso contrário, o isolamento seria feito em sanatórios-hospitais e asilos-colônias. Não tinham educadoras sanitárias atuando nessa Inspetoria, mas os vigilantes sanitários deveriam promover a educação higiênica aos doentes e às pessoas de seu convívio.

23 Designada na reforma de 1925 como Inspetoria de Moléstias Epidêmicas.

24 Na reforma de 1925, essa função era de responsabilidade da Inspetoria de Fiscalização da Medicina e Farmácia. 25 MENSAGEM apresentada pelo governador J. J. Cardozo de Mello Neto à Assembleia Legislativa de São Paulo a 9 de julho de 1937. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1937.

26 Lei 2.416 de 31 de dezembro de 1931. Altera disposições da lei 2.121 de 30 de dezembro de 1926 e do decreto 3.876, de 1925, relativamente à profilaxia da lepra. Disponível em http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1929/lei-2416-31.12.1929.html. Consulta em agosto de 2015.

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O decreto 3.876, de 11 de junho de 1925, que instituiu a reforma Paula Souza, introduziu um novo modelo de intervenção em saúde pública, com a criação da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde (RIBEIRO, 1993; ROCHA, 2003a, MELLO, 2012, MERHY, 2014). Esse modelo era difundido pelo Instituto de Higiene, fruto de acordo entre Estado de São Paulo e a norte-americana Fundação Rockefeller27. Segundo Ribeiro (1993), desde a década de 1910, a Rockefeller vinha atuando com amplos poderes nas políticas de saúde pública no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Em 1917 se deram as primeiras conversações entre a instituição e o estado de São Paulo. No Serviço Sanitário, o diretor Arthur Neiva limitou a ação da Rockefeller, mas a instituição encontrou espaço na Faculdade de Medicina de São Paulo, dirigida por Arnaldo Vieira de Carvalho.

Foi firmado acordo que resultou na criação do Instituto de Higiene e estabelecida a oferta de bolsas de estudos na recém-criada Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Formados na Faculdade de Medicina e escolhidos por Arnaldo Vieira, Geraldo Horácio de Paula Souza e Francisco Borges Vieira foram alunos do primeiro curso (FARIA, 1999)28. Em

1920, de volta a São Paulo, ambos assumiram os cargos de diretor e vice-diretor, respectivamente, do Instituto de Higiene. Segundo Merhy (2014), desde sua volta dos Estados Unidos, Paula Souza tecia críticas ferrenhas ao Serviço Sanitário na imprensa de São Paulo. Após a saída de Arthur Neiva da direção do Serviço Sanitário, Eloy Lessa e José Arruda Sampaio ocuparam o cargo, mas estes não implantaram reformas. Em 1922, Paula Souza assumiu sua direção, mas não promoveu mudanças nas políticas do Serviço Sanitário imediatamente. Segundo Merhy (2014), até 1925, ele foi preparando sua reforma.

De acordo com Rocha (2003a, p.45), no período de 1922 a 1927, em que Paula Souza acumulou os cargos de diretor do Serviço Sanitário e do Instituto de Higiene, esta instituição assumiu um lugar de destaque na formulação da política sanitária estadual, participando, de forma decisiva, da produção de um discurso científico sobre as questões

27 A Comissão Sanitária Rockefeller foi criada em 1901, com o objetivo de erradicar a ancilostomíase e a malária do sul dos Estados Unidos, o que atendia aos interesses nortistas de integrar o sul atrasado e lá constituir novos mercados e reserva de mão de-de-obra. Com essa experiência, criou um modelo de medicina, cujo método de ação se restringia ao combate dos vetores da doença. Em 1913, a Fundação Rockefeller criou a Comissão Internacional de Saúde com o fim de estender suas atividades de saúde pública a outros países. Voltando suas atenções para a América Latina, as atividades da Comissão contribuíram para consolidar a hegemonia dos Estados Unidos na região (RIBEIRO, 1993). Outros estudos analisam a presença da Fundação Rockefeller no Brasil e em São Paulo, como os de Faria (1999; 2002; 2005), Rocha (2003a) e Kobayashi et. al. (2009).

28 Alguns médicos seguiram para cursos na própria Faculdade de Medicina para se especializarem nas áreas de patologia médica, ainda sob auspícios da Fundação Rockefeller. Mas foi para a Escola de Saúde Pública da Johns Hopkins que se dirigiram dezenas de médicos e sanitaristas brasileiros, considerados os melhores na sua especialidade (de 1918 a 1930 foram cerca de 70 bolsas) (Faria, 1999).

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urbanas e da elaboração de estratégias de intervenção. “Discurso e estratégias que, tendo como objetivo central a formação da consciência sanitária, colocam a educação sanitária em primeiro plano, deslocando a ênfase dos já conhecidos métodos de policiamento sanitário para modernos métodos de persuasão”.

Segundo Ribeiro (1993), ao longo da história do Serviço Sanitário de São Paulo, a política se caracterizava pelo policiar o cumprimento das leis e dos regulamentos. A partir da reforma de 1925, a política de saúde pública ganhou uma nova concepção, cujo ponto central era a educação sanitária do indivíduo. Dessa forma, as ações sanitárias deslocaram-se da população em geral para o indivíduo em particular. Policiar habitação, água, esgoto, lixo e

vigiar a cidade ganhavam um novo aliado – a persuasão do indivíduo para forjar a consciência sanitária. De acordo com a autora, a política de saúde definida na reforma sanitária de 1925 é

representada como humanitária, mas o que se assiste é a ideologia e o autoritarismo da prática sanitária, via educação sanitária. Na nova concepção de saúde pública posta pela reforma Paula Souza, o doente era responsabilizado pela doença por ser ignorante. Dessa forma, as diferenças sociais foram escamoteadas e reduzidas a diferenças educacionais. Tratava-se de dar educação a quem tinha fome.

Para Mello (2012, p.752), o decreto 3.876, conhecido como reforma Paula Souza, pode ser considerado um marco de ruptura institucional da saúde pública com a “influência francesa”. De acordo com o autor, até então o próprio código sanitário do Estado era uma adaptação do seu congênere francês. Por influência francesa o autor esclarece que considera o referencial epistemológico da bacteriologia e saneamento urbano, que tem como expoentes Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas, Belizário Penna e Arthur Neiva. De acordo com o autor, com a reforma Paula Souza declarava-se oficialmente uma nova era de organização do Serviços Sanitário, na qual o centro de saúde, de inspiração norte-americana, deveria ser visto como eixo central e o meio administrativo mais eficiente para alcançar a educação sanitária.

Pela legislação da reforma de 1925, a educação sanitária deveria ser generalizada, pelos processos mais práticos, de modo a impressionar e convencer da necessidade de

implantação de hábitos de higiene. Ela deveria ser ministrada ao indivíduo isoladamente ou em

grupos e professada nos centros de saúde, em visitas domiciliares ou aos estabelecimentos escolares, hospitalares, comerciais e fabris. Sempre que os serviços de saúde se dessem fora dos centros de saúde, deveria ser feita propaganda intensiva das vantagens para a população em frequentá-lo. Esses centros eram pontos de difusão de educação sanitária. Eram também órgãos de pesquisa, mantendo um serviço especial de fichamento dos pacientes para as necessidades

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internas e para as investigações científicas de interesse. A educação popular deveria ser ministrada por médicos e educadores especializados, visando a higiene individual, pré-natal, infantil e da criança em idade escolar. Defendia-se a ideia de que a criança e a mocidade deveriam ser aproveitadas o máximo possível para a criação dos hábitos de higiene desejados. Na escola, os objetos de maior atenção eram as crianças desnutridas e que apresentassem deficiências físicas.

Para formar os educadores especializados previstos na reforma de 1925, no ano seguinte foi instituído um curso de educadores sanitários no Instituto de Higiene. O curso tinha por foco especializar professores para que estes pudessem cooperar com a saúde pública, atuando nas escolas, nos lares e nos centros de saúde. Na primeira turma, foi formada Maria Antonietta Mendes de Castro que, como será visto, teve atuação fundamental no desenvolvimento das políticas de educação que tinham como objeto a infância.

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1931

Após a revolução de 1930, Arthur Neiva assumiu a Secretaria dos Negócios do Interior e nomeou Francisco Salles Gomes Júnior29 para a diretoria geral do Serviço Sanitário, visando a implantação da reforma de 1931. Esta foi feita por meio de dois decretos. O nº 4.809, de 31 de dezembro de 1930, atendendo as propostas de Waldomiro de Oliveira deu melhor atendimento ao interior e o decreto 4.891, de 13 de fevereiro de 1931, com foco na capital, reorganizou a estrutura do Serviço Sanitário. Essa foi a política de saúde pública que vigorou pelo período entre a República Velha e o Estado Novo, cuja análise é proposta neste trabalho.

Na historiografia da saúde pública de São Paulo (Candeias, 1984, 1988; Faria, 1999, 2002, 2005; Mascarenhas, 2006; Mello, 2012), especialmente a produzida no interior do

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Instituto de Higiene, como os estudos de Mascarenhas30 e de Candeias31, é lançada luz à reforma promovida por Paula Souza e pouco se diz sobre a reforma de 1931. Mascarenhas (2006)traz um panorama geral dos serviços estaduais de saúde pública desde a primeira República, em que o autor se posiciona contra a reforma de 1931 pela extinção dos centros de saúde.

O Serviço Sanitário do Estado teve sua organização profundamente modificada em dezembro de 1931, quando por um decreto do regime ditatorial foram extintos os centros de saúde e reinstalada a polícia sanitária. Paula Souza não esmoreceu, instalando, numa situação de fato e não de direito, no Instituto de Higiene, em 1933, um centro de saúde que agora leva seu nome (MASCARENHAS, 2006, p.7).

Candeias (1984, p.28, grifos da autora) aponta a importância dos decretos nº 3.876, de 1925, e nº 4.891, de 1931, nas atividades sanitárias do Estado de São Paulo, destacando que essas reformas tornam evidente o reflexo de duas escolas com diferentes pontos de vista, uma favorável a centros de saúde como eixo de toda a organização sanitária e outra opondo-se a essa formação por ver nela um “americanismo impróprio ao nosso meio”. Os estudos da autora, publicados na Revista de Saúde Pública32, trazem embates ocorridos entre Paula Souza e Arthur

Neiva, no período em que este último foi Secretário dos Negócios do Interior de São Paulo, especialmente no que se refere ao Instituto de Higiene.

DISPUTAS ENTRE OS FORMULADORES DAS REFORMAS DE 1925 E 1931

Afirmando que havia sido a persistência de Paula Souza que permitiu que o prédio do Instituto de Higiene começasse a ser erguido em 1926, Candeias (1984) descreve algumas circunstâncias em que Paula Souza se mostrava temeroso em relação ao destino desse edifício e da instituição. Ele se sentia ameaçado pelos diretores do Serviço Sanitário e da Faculdade de Medicina de São Paulo, pelo Secretário dos Negócios do Interior e pela Revolução de 1930.

Enquanto Waldomiro de Oliveira estava como diretor do Serviço Sanitário havia solicitado a Fábio de Sá Barreto (Secretário do Interior, de 14 de julho a 24 de outubro de 1930)

30 Rodolfo dos Santos Mascarenhas (1909-1979) trabalhou no Serviço Sanitário do interior de São Paulo. Convidado por Paula Souza, ocupa o cargo de Professor Adjunto na Cadeira de Técnica de Saúde Pública em 1947. De 1966 a 1972, foi diretor da Faculdade de Saúde Pública. (Reinaldo Ramos, 1979). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89101979000300001&script=sci_arttext. Consulta em março de 2015.

31 Nelly Martins Ferreira Candeias, professora titular aposentada da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

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algumas dependências do novo edifício do Instituto de Higiene, ainda em construção, para abrigar setores do Serviço Sanitário, alegando economia nas despesas. Quando Sérgio de Paiva Meira Filho assumiu a direção da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, Paula Souza escreveu carta para Frederick Soper, representante da Fundação Rockefeller no Brasil, manifestando seu temor de que, em virtude da necessidade de instalações hospitalares, o prédio do Instituto de Higiene viesse a ser solicitado. Mais que isso, Paula Souza temia que essa solicitação seria vista com bons olhos pelo Secretário dos Negócios do Interior, pois em visita feita a Arthur Neiva, havia sido indagado sobre as atividades desenvolvidas pelo Instituto de Higiene.

Durante a visita que lhe fiz ontem, o Dr. Neiva procurou me convencer que não sabia qual a verdadeira situação do Instituto de Higiene, pedindo-me que lhe escrevesse para lhe dizer quais são os objetivos do Instituto de Higiene e sua orientação e que tipo de trabalho se realizou nos últimos anos!! (PAULA SOUZA, 19 de dezembro de 1930 apud CANDEIAS, 1984, p.32-33).

Assim, Paula Souza solicitou ao representante da Fundação Rockefeller no Brasil que respondesse a Arthur Neiva, dizendo quais foram os acordos firmados entre a Fundação e o governo do Estado de São Paulo e de onde vieram os fundos financeiros para a construção do prédio do Instituto de Higiene, deixando claro que eram distintos dos da Faculdade de Medicina. Frederick Soper atendeu, prontamente, ao pedido de Paula Souza33.

Ainda de acordo com Candeias (1984), durante a Revolução de 1930, o prédio em construção do Instituto de Higiene foi invadido pelas “bisonhas tropas do Sul”34. Novamente, após a Revolução, o Secretário da Segurança Pública de São Paulo também abrigou um de seus batalhões nesse mesmo espaço. Em 12 de janeiro, Paula Souza escreveu carta endereçada a ele, cobrando explicações e lembrando que o desvirtuamento dos fins das obras causava má impressão junto à Fundação Rockefeller, com a qual o Governo do Estado tinha um acordo firmado. A autora conclui que “os anos 1930-1931 tinham sido particularmente penosos para o Diretor e Vice-Diretor do Instituto de Higiene, assim como para seus colaboradores” (CANDEIAS, 1984, p.34).

Paula Souza levou o caso do Instituto de Higiene para a imprensa. No periódico

Folha da Manhã, há uma sequência de artigos entre os dias 10 e 15 de abril de 193135, que traz,

33 Em carta datada de 23 de dezembro, relatou detalhadamente o acordo entre a Rockefeller e o governo de São Paulo (CANDEIAS, 1984).

34 Segundo Candeias (1984, p.34), essa expressão foi utilizada por Paula Souza, referindo-se à invasão do exército do sul.

35 UM GRANDE centro scientifico que honra a cultura de nosso estado: a importante missão do Instituto de Hygiene de S. Paulo nas suas actividades de educação sanitaria e pesquizas. Folha da Manhã, 10 e 11 abr. 1931;

Referências

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