Unidos pela Cura: exemplo de reengenharia institucional para
a garantia de direitos e equidade em saúde
Glória Moog
1, Vitória Vellozo
2, Laurenice Pires
3Resumo
A política Unidos pela Cura é um exemplo da nova correlação de forças que se estabelece
no processo de negociação, formulação e implementação de políticas públicas, onde tanto atores
públicos como privados buscam resgatar a função do estado de promover políticas de acesso
universal à saúde capazes de gerar evidências de melhoria na saúde da população.
Resultado da ação co-responsável das instâncias de gestão pública do Sistema Único de
Saúde brasileiro (SUS) e de organizações privadas da sociedade civil comprometidas com a
melhoria das condições de assistência à saúde de crianças e jovens, o Unidos pela Cura é a
política de promoção do diagnóstico precoce do câncer infanto-juvenil no Rio de Janeiro.
A política foi concebida e planejada de forma participativa e vêm sendo implementada, pela
ação co-responsável de atores públicos e privados. As diretrizes, técnicas e processuais,
norteadores da política são:
1) A valorização da atenção primária em saúde como vetor que garante a organização
hierarquizada e efetiva tanto da rede de atenção oncológica pediátrica como de qualquer
outra linha de cuidado de enfermidades crônicas de alta complexidade;
2) O reconhecimento do papel indutor da sociedade civil como elemento estratégico para
garantir a articulação entre as diferentes instâncias de poder do setor público; e
3) O reconhecimento da saúde como direito de todos e dever do estado por meio da ação
co-responsável de toda a sociedade.
A definição de uma política de promoção do diagnóstico precoce do câncer infanto-juvenil torna-se
relevante em função da mudança no perfil epidemiológico das causas morte em crianças nas
ultimas décadas. No Brasil, excetuando-se as causas externas, o câncer infanto-juvenil é hoje a 2ª
principal causa de morte para crianças na faixa etária entre 5 e 19 anos. No município do Rio de
Janeiro, mais de 50% dos pacientes chegam ao centro especializado de tratamento com a doença
em estágio avançado e, portanto, com menor possibilidade de cura, maior custo e menor
efetividade para o sistema de saúde.
Palavras-chave: políticas públicas, ação co-responsável; diagnóstico precoce; atenção primária em
saúde.
1 Gerente da área de oncologia pediátrica do Instituto Desiderata. Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz 2 Técnica da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. Doutora e Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz 3 Analista de projetos da área de oncologia pediátrica do Instituto Desiderata. Mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Introdução
Apesar da tradição centralizadora e autoritária do Estado brasileiro, no campo da saúde
sempre houve uma forte articulação entre a sociedade civil e o Estado na oferta de serviços de
saúde. Desde o período colonial, com as Santas Casas de Misericórdia, até a conformação de uma
ampla rede de hospitais filantrópicos em todo o país, o setor público na área da saúde desenvolveu
destacada capacidade de diálogo com a sociedade civil.
Este trabalho, no entanto, pretende refletir sobre a importante participação da sociedade
civil nessa história. Isto porque, não foi por acaso que o processo político que levou à conformação
do Sistema Único de Saúde brasileiro nos anos oitenta, partiu do movimento da reforma sanitária
que reuniu acadêmicos ligados à saúde pública, profissionais de saúde e setores da sociedade
civil
i.
Nessa ocasião, enquanto o Brasil avança na conquista de maior proteção social, garantida
por lei pela Constituição de 1988, os países capitalistas com democracia avançada desde os anos
setenta já se viam envolvidos na forte crise de financiamento e eficiência dos Estados nacionais
modernos. Diversos modelos de reforma do Estado vêm sendo experimentados desde então, com
o objetivo de encontrar formas alternativas e compartilhadas com outros setores da sociedade para
financiar o sistema de proteção social e, ao mesmo tempo, vencer os limites da burocracia estatal
para atender adequadamente às demandas da sociedade. Atualmente, diante da crise econômica
gerada pela exacerbação dos valores capitalistas e da crença cega no poder do mercado em gerar
equilibro econômico, os dramas sociais se ampliam e o enfrentamento destes demanda o trabalho
cooperativo e de fortalecimento mútuo entre o Estado e a sociedade civil.
No Brasil vimos nos últimos trinta anos, de um lado, o crescimento de um Terceiro Setor
iicomposto por associações privadas, sem fins lucrativos e com finalidade pública que lutam para
cumprir sua missão de forma diferente do assistencialismo e do clientelismo que, muitas vezes,
acompanham as ações sociais públicas e filantrópicas em nosso país. Do outro, uma estrutura
pública estatal que oscila entre a tradição centralizadora, autoritária e burocrática e as experiências
de descentralização, preconizadas e organizadas particularmente no campo da saúde pela
Constituição Nacional, e a articulação horizontal com outros atores sociais no processo de
formulação e implementação de políticas públicas.
Neste contexto se deu o processo de negociação, formulação e implementação de uma
política pública na área da saúde, Unidos pela Cura, a partir da mobilização e da ação catalizadora
de uma organização da sociedade civil comprometida com o tema do câncer infanto-juvenil e da
capacidade de resposta de organizações públicas dispostas a dialogar de forma horizontal com a
sociedade.
Nosso objetivo com este trabalho é apresentar uma experiência de parceria público-privada
que busca fortalecer a capacidade do Estado de implementar políticas públicas que garantam o
direito a saúde de forma equânime e com qualidade.
Observamos que a tradição cultural dos países latino-americanos foi forjada pelo
autoritarismo centralizado, o patrimonialismo e o clientelismo. Nesse contexto a sociedade se
organiza de forma dependente do Estado, sente-se impotente e explorada o que não permite o
desenvolvimento de um comportamento cívico responsável e participativo. Entretanto, no final do
século XX com consolidação da democracia nos principais países da América Latina vem
ocorrendo uma mudança expressiva no comportamento da sociedade no tocante ao seu
engajamento e comprometimento com as questões públicas. Segundo Tocqueville, diante de uma
sociedade civil vigorosa o governo democrático se fortalece em vez de se enfraquecer
iii.
Diante desse contexto, é extremamente gratificante perceber que o Brasil tem avançado na
ampliação de seu capital social
iv, isto é, na ampliação das relações informais de confiança e
cooperação, bem como na associação formal em organizações de diversos tipos. No entanto, a
sociedade brasileira ainda tem muito que crescer em atributos intangíveis que amplie seu capital
social, tais como: confiança, reciprocidade, obediência a normas legais que dêem clareza às ações
sociais e fortaleçam o comportamento cívico.
A partir da experiência que deu origem a política pública de promoção do diagnóstico
precoce do câncer infanto-juvenil na cidade do Rio de Janeiro denominada Unidos pela Cura,
podemos observar o amadurecimento tanto das organizações públicas quanto privadas no esforço
de trabalhar de forma cooperativa e responsável e para enfrentar o desafio de oferecer serviços de
saúde com qualidade, equidade e como direito de todo cidadão.
Metodologia
O caráter inovador do modelo de co-responsabilização entre organizações públicas e
privadas no processo de formulação, implementação e avaliação de uma política pública no campo
da saúde foi o critério utilizado para a escolha do objeto de estudo desse trabalho.
Inicialmente, o trabalho de mobilização e articulação em torno do tema da oncologia
pediátrica foi feito por uma instituição da sociedade civil organizada: O Instituto Desiderata
v,
fundado em 2003, tem por missão contribuir para o desenvolvimento de crianças e jovens a partir
de investimentos no fortalecimento e/ou na formulação de políticas públicas nas áreas de educação
e oncologia pediátrica.
Existem no Rio de Janeiro, bem como em outros estados do Brasil, serviços especializados
em oncologia pediátrica com padrão de qualidade internacional. A literatura indica que 70 a 80%
dos casos de câncer infantil podem ser curados, desde que diagnosticados precocemente.
Para compreender melhor essa realidade e construir referências para o planejamento de
suas ações, o Instituto Desiderata tem uma linha de investimento na realização de estudos e
pesquisas. A necessidade de análise de situação do município do Rio de Janeiro em face realidade
da oncologia pediátrica levou a contratação pelo Instituto de estudos à Escola Nacional de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo Cruz para a elaboração de duas pesquisas operacionais.
O primeiro, elaborado por Koifman (2004), aponta as principais tendências epidemiológicas
do câncer na infância no estado do Rio de Janeiro. Segundo o autor, o câncer na infância,
sobretudo na faixa de 0-14 anos, apresenta incidência mais elevada no sexo masculino e padrão
de localização, além de características histológicas e de evolução clínica distintas das presentes no
adulto. Em crianças predominam os tumores hematológicos e os tumores do sistema nervoso
central, sendo responsáveis por cerca de 50-60% do total de neoplasias nesta faixa etária. Quanto
às características de evolução clínica, Koifman adverte que as neoplasias na infância costumam
apresentar uma curta latência e elevado poder invasivo, mas respondendo freqüentemente de
forma adequada à quimioterapia, desde que iniciada nos estágios precoces da doença. Tomando
por referência outros estudos, o autor assinala que a sobrevida para o câncer na infância tem se
ampliado nos países onde o diagnóstico precoce é realizado, sobretudo em países desenvolvidos
onde é maior a acessibilidade aos recentes avanços no emprego de esquemas quimioterápicos.
Assim sendo, o esforço de promover o diagnóstico precoce do câncer pediátrico assume uma
relevância ainda maior.
O trabalho de mobilização em torno do tema da promoção do diagnóstico precoce do câncer
infanto-juvenil foi iniciado em 2003, a partir da articulação com o grupo de maior interesse pelo
tema: os próprios serviços públicos de oncologia pediátrica do Rio de Janeiro. O objetivo foi
conhecer quais as experiências que já tinham sido realizadas para o enfrentamento do problema e
quais os resultados alcançados em função das mesmas. O processo evidenciou que os resultados
restritos e insatisfatórios das iniciativas se deram pelo enfrentamento das diferentes dimensões do
problema de forma desarticulada, fragmentada e intermitente.
Uma vez estabelecido o consenso em torno da complexidade do problema e das possíveis
formas de enfrentá-lo, o trabalho de mobilização foi estendido na direção dos gestores públicos
como o objetivo de ganhar prioridade em suas agendas. Essa foi a primeira e uma das maiores
dificuldades enfrentada pelo movimento em função da baixa prevalência do câncer no contexto da
assistência em saúde pediátrica. Diante desse fato, o que deu força a proposta de elaboração da
política foi a sua aderência metodológica aos princípios que fundamentam o SUS, a saber:
equidade, universalidade e integralidade.
O diálogo com o gestor público municipal avançou a partir da elaboração conjunta do
conteúdo do segundo estudo
vicontratado pelo Instituto Desiderata com o objetivo de confirmar a
relevância do diagnóstico precoce em relação ao aumento das chances de cura da doença e
fornecer subsídios para o planejamento de ações para o enfrentamento do problema.
O estudo, realizado por Brito (2005), parte do fato de que a precocidade do diagnóstico e do
início do tratamento contribui, particularmente, para a utilização de procedimentos menos
agressivos, para a efetividade das terapêuticas adotadas e, consequentemente, para a qualidade
do cuidado e para a diminuição dos custos. A autora faz um retrato do acesso ao diagnóstico e ao
tratamento do câncer na infância, nos quatro principais centros de referência em oncologia
pediátrica no estado do Rio de Janeiro, buscando apontar os fatores relacionados com a maior e a
menor agilidade para se ter a confirmação diagnóstica e para iniciar o tratamento do câncer
pediátrico.
De acordo com o estudo, o diagnóstico do câncer depende de dois fatores: da capacidade
do paciente e sua família em procurar o serviço médico; da perspicácia do médico em pensar na
possibilidade de câncer e estabelecer o pronto diagnóstico e adequado encaminhamento. Mas, em
relação ao câncer pediátrico estes fatores são influenciados pelo fato de ser um agravo com baixa
incidência, cujos sinais e sintomas podem ser relacionados a outras doenças benignas, antes que
se suspeite da possibilidade de ser uma neoplasia. Baseado em entrevistas com responsáveis de
pacientes pediátricos, análise dos respectivos prontuários e em entrevistas com profissionais de
saúde, a pesquisa aponta que quem primeiro percebeu os sintomas foi um dos responsáveis
(77%), seguido do paciente (7%) e do médico (5%).
O trabalho também assinala que os hospitais são a primeira unidade a ser procurada no
momento do aparecimento dos sintomas e que apenas 14% do total das primeiras unidades
procuradas conseguiram diagnosticar o tipo de tumor do paciente. Além disso, as informações
obtidas acerca dos primeiros atendimentos sublinham a desarticulação da rede, possibilitando que
do total de unidades procuradas para diagnóstico dos sintomas, apenas um pouco mais da metade
(52%) tenha encaminhado o paciente.
A riqueza dos achados destas pesquisas em conjunto com o processo de mobilização de
parceiros das três esferas de governo, liderado pelo Instituto Desiderata, forneceu as condições
necessárias para a construção do plano de ação da política Unidos pela Cura, balizada pela
metodologia de planejamento estratégico participativo, produto de um longo processo de
mobilização e de negociação entre um grupo diversificado de instituições e de sujeitos sociais.
O marco inicial deste processo de elaboração da política Unidos pela Cura foi o evento
realizado em dezembro de 2005, organizado pelo Instituto Desiderata que contou com a
participação de representantes dos gestores do SUS das três esferas de governo (federal, estadual
e municipal), os serviços especializados de oncologia pediátrica e organizações da sociedade civil
comprometidas com o tema. O evento teve como objetivo a mobilização para a construção de
co-responsabilidades em torno da política através do debate sobre o desenho operacional da
iniciativa; o envolvimento e papel de cada instituição participante; e o levantamento das prioridades
de trabalho a ser desenvolvido.
Deste seu início a execução do plano, no município do Rio de Janeiro, apontou para três
eixos temáticos de referência: educação de pediatras, fluxo de encaminhamento do paciente com
suspeita e informação para o monitoramento e avaliação da política. As reuniões para confecção
do plano foram organizadas em grupos a partir dessa definição. Reuniões com representantes das
diferentes instituições para a definição da estratégia de implementação de cada eixo temático
foram realizadas ao longo de 2006. No final do ano, reunidos os dirigentes de cada uma das
organizações comprometidas com a política foi instituído o Comitê Estratégico da mesma com
função deliberativa. Na ocasião a tarefa era a de aprovar o plano de implementação da política
elaborado de forma participativa ao longo do ano de trabalho. Atualmente o referido comitê
reúne-se três vezes ao ano para acompanhar os resultados da política e deliberar sobre os ajustes
necessários a sua consolidação e ampliação.
No conjunto, o trabalho cooperativo dentre as diversas instituições resultou na formulação
de uma política que valoriza todas as etapas da assistência hierarquizada em saúde preconizada
pelo SUS, desde a atenção primária, passando pela média complexidade até chegar à alta
complexidade.
Resultados
O que há de original na metodologia adotada para a formulação da política é a
intersetorialidade e a co-responsabilização entre as instituições envolvida no processo. No tocante
a implementação a ousadia da proposta metodológica é o enfrentamento conjunto dos problemas
que provocam o atraso no diagnóstico do câncer infanto-juvenil a partir de um plano de ação em
três eixos de trabalho articulados e complementares:
Educação – capacitação de pediatras e médicos generalistas pela metodologia de
construção ativa de conhecimento baseada na análise de situações problema (Problem
Base Learning - PBL) associadas aos sinais e sintomas do câncer infanto-juvenil.
Fluxo – estabelecido o fluxo de encaminhamento das suspeitas desde a atenção primária
até os hospitais de média complexidade definidos como Pólo de Investigação. Os Pólos
têm o compromisso de atender em até 72 horas as suspeitas encaminhadas pela rede de
atenção primária de sua área de referência.
Informação – criado portal de informação e gerenciamento dos eixos de trabalho da
política. O sistema informatizado permite o acompanhamento dos casos suspeitos desde
a atenção básica até o desfecho da investigação diagnóstica. Os profissionais de saúde
fazem a inscrição on-line nas capacitações gerenciadas virtualmente pelos tutores. Os
dados do sistema permitem o monitoramento e a avaliação da política e a divulgação de
resultados periódicos por meio de Boletins Informativos disponibilizados no site.
Algumas ações foram tomadas para subsidiar as diferentes etapas de implementação da
política. Para o apoio logístico do acolhimento foi elaborado um cartão de encaminhamento e um
cartaz de referência com o fluxo operacional pactuado no âmbito da política Unidos pela Cura.
Esse material foi distribuído por toda rede de atenção primária do município do Rio de Janeiro. Os
dados do cartão de encaminhamento são cadastrados nos 10 computadores instalados nas áreas
de planejamento em saúde do município e imputados no sistema informatizado de controle e
monitoramento da política que permite o rastreamento dos casos encaminhados e o desfecho da
investigação diagnóstica. Como apoio a estratégia de educação foram elaboradas cartilhas que são
disponibilizadas aos pediatras que participam das capacitações. Finalmente a política conta com
um material gráfico que apresenta o conteúdo metodológico e do fluxo pactuado.
Boletins informativos quadrimestrais são editados de modo a permitir o acompanhamento
dos resultados do trabalho. Os gráficos abaixo apresentam os primeiros resultados da política
Unidos pela Cura obtidos a partir dos dados disponibilizados pelo sistema informatizado de controle
do fluxo de encaminhamento das suspeitas e de monitoramento da política, no período de 1º de
Outubro de 2008 a 10 de Agosto de 2009.
PRINCIPAIS RESULTADOS
104 Crianças encaminhadas com Cartão de Acolhimento Unidos pela Cura
95 Crianças acolhidas nos Pólos de Investigação
18 Crianças encaminhadas para os Centros de Referência de Oncologia Pediátrica com suspeita de
câncer confirmada
39 Unidades de Saúde utilizaram o Cartão de Acolhimento Unidos pela Cura para encaminhar
crianças com suspeita de câncer
150 Pediatras e/ou médicos generalistas capacitados para fazer diagnóstico precoce de câncer
PERFIL DAS CRIANÇAS ASSISTIDAS
Fonte: Sistema Informatizado de Monitoramento de Cartões UPC, Agosto 2009, n=104ATENDIMENTO NOS HOSPITAIS PÓLO DE INVESTIGAÇÃO
Fonte: Sistema Informatizado de Monitoramento de Cartões UPC, Agosto 2009, n=89. (*) Excluídos os Cartões UPC sem informação e as crianças que não compareceram. 44 %1
2
3
Fonte: Sistema Informatizado de Monitoramento de Cartões UPC, Agosto 2009, n=89. (*) Excluídos os Cartões UPC sem informação sobre destino e as crianças que não compareceram.
CAPACITAÇÃO DE MÉDICOS PEDIATRAS e GENERALISTAS
TABELA 1‐ Quantitativos de pediatras e médicos generealistas capacitados para diagnóstico precoce do
câncer infantil. Setembro 2007 a Agosto 2009
Locais de Trabalho
N° total
Médicos
Nº Médicos
Treinados
% Médicos
treinados
Rede Ambulatorial
451
97
21,5
Rede Hospitalar
734
35
4,8
Nível Central
67
2
3
Coordenações de Área
de Planejamento
55
2
3.6
Total de Pediatras
1307
136
10,4
Estratégia Saúde da
Família (ESF)
165
14
8,5
Total Treinados
1472
150*
10,2
Fonte: Gerência do Programa da Criança (GPC/SAP/SUBPAV/SMSDC‐RJ) (*)Os 28 tutores estão contidos nos 150 treinados , assim distribuídos: 2 no Nível Central; 6 nas Coordenações de Área de Planejamento; 12 na Rede Ambulatorial; 7 na Rede Hospitalar; e 1 da Estratégia Saúde da Família4
Discussão
Os principais riscos presentes para a consolidação, continuidade e ampliação da política
giram em torno de três questões principais: a necessidade da diminuição gradativa do
protagonismo executivo do Instituto Desiderata na implementação e monitoramento da política
Unidos pela Cura; o desafio de continuidade em função das mudanças políticas regulares da
gestão dos estados e municípios; a restrita capacidade de resposta do gestor estadual responsável
pela organização da assistência as linhas de cuidado de alta complexidade onde o câncer
infanto-juvenil está inserido.
A análise sobre as questões que colocam em risco a política pública Unidos pela Cura
evidencia que duas delas são circunstanciais e poderão ser superadas na medida em que o
processo de implementação se consolida. Esse é o caso da atual limitação na capacidade de
resposta do gestor estadual de saúde em exercer a liderança que lhe cabe no tocante a
organização do fluxo de acesso e da rede de assistência à oncologia pediátrica não só para a
cidade do Rio de Janeiro como aos demais municípios do Estado. Por outro lado, à medida que os
processos gerenciais e operacionais da política forem sendo internalizados pela estrutura executiva
das secretarias municipais e estadual a tendência é se obter um avanço expressivo em direção a
qualificação das linhas de cuidado Também é circunstancial o protagonismo do Instituto Desiderata
no processo de implementação e monitoramento da política. O que se espera é que a medida que
os processo executivos que dão forma a política sejam internalizados na rotina das estruturas
governamentais, o papel das organizações da sociedade civil comprometidas com o tema da
oncologia pediátrica possa ficar mais concentrada em uma agenda de advocacy pela causa.
Na mesma linha, cabe destacar algumas das dificuldades a serem superadas por políticas
que apresentam uma proposta orientada para a qualificação e para integração das ações em saúde
no Brasil:
O hiato imposto pelo distanciamento entre a lógica da ação programática e a rotina dos
serviços é um dos pontos emblemáticos dos problemas a serem enfrentados e que
equivocadamente é minimizado pelo intercâmbio informal entre médicos. Esse procedimento por
um lado, em última análise, oferece uma resposta aos problemas derivados de um sistema de
referência e contra-referência precárias; por outro lado, contribui para perpetuar esses mesmos
problemas. O curioso é que essa dinâmica tem uma racionalidade inquestionável por aqueles que
vivem no contexto em que ela se plasma.
Do modo como se apresenta, o intercâmbio informal entre os médicos é uma prática que
pode ser entendida como uma forma de solidariedade estreita, que se funda em mecanismos de
confiabilidade criados a partir do estabelecimento de compromissos recíprocos, ainda que
assimétricos, capazes de reduzir ou minimizar as circunstâncias de risco, projetados numa
sociedade que se constituiu de forma hierarquizada e plena de canais que permitem a interferência
das relações pessoais nas leis, que nega o conflito e cria alternativas personalistas para lidar com a
precariedade da cidadania no dia-a-dia.
Para romper com essa lógica perversa de atuação é preciso mais do que denunciá-la, como
fazem os intelectuais, tendo em vista que sua prática compromete o acesso equânime de toda a
população aos serviços de saúde. Rejeitá-la, como querem os técnicos em gestão, também não
contribuirá para promover as mudanças necessárias à melhoria na adequação da oferta de
serviços de saúde. É preciso ampliar o acesso aos bens e serviços públicos; e recriar canais de
diálogo, de participação da sociedade e de responsabilidade pública, tornando transparentes os
dilemas que se apresentam para definição de critérios de elegibilidade, buscando soluções
conjuntas para os impasses e para garantir maior legitimidade institucional das decisões tomadas.
A segunda ordem de problemas se entrelaça com a questão descrita acima e diz respeito ao
fato de que a evolução estrutural do setor saúde, em oposição aos princípios constitucionais do
SUS, inspirados no sistema de saúde inglês, assumiu contornos não previstos. No cotidiano o que
se observa é a oscilação entre a proposta de um modelo de proteção social de caráter universal e a
tendência estrutural que o encaminha para a ação residual do Estado, com circunscrição de
clientela-alvo, cuja prioridade e centralidade variam de acordo com as conjunturas.
Dito de outra forma, o ideal igualitário-universalizante da saúde tem conjugado fatores
inerentes à relação mais estrutural entre o Estado brasileiro e a sociedade e, portanto, não se
constituí como um imperativo, mas como um processo de interação que se constrói no cotidiano
das relações sociais e que se funda em elementos de confiança, de reciprocidade e de
responsabilidade social.
Nestes termos é preciso tomar o curso das políticas no campo da saúde não só a partir dos
seus resultados, mas incluindo os eventos que o antecipam, os efeitos não previstos e os atores
envolvidos, uma vez que os espaços institucionais são espaços onde indivíduos e grupos “não
esperam que as coisas lhes aconteçam”. São espaços de disputas de interesses, espaços
possíveis de cooptação, de clientelismo e de corrupção; mas, são também espaços de renovação
de responsabilidade pessoal e social em relação aos outros, possibilitando também novas bases
para geração de circuitos de solidariedade secundária.
Concordamos com Bryan Roberts quando ele, discutindo a dimensão social da cidadania e
seus limites na América Latina, afirma que “a cidadania social depende tanto da qualidade
interpessoal dos serviços prestados e recebidos quanto dos direitos e das responsabilidades
formais. A cidadania social depende, então, da disponibilidade de relações sociais e de um certo
sentimento de identidade e obrigações comuns…”
Visto por esse prisma, o grande desafio para a consolidação da cidadania é a construção de
um sentido de pertencimento, que permita aos sujeitos se reconhecer como cidadãos. Liderados
pela iniciativa de uma organização da sociedade civil, instituições públicas e privadas envolvidas na
formulação de uma política de promoção do diagnóstico precoce do câncer infanto-juvenil no Rio
de Janeiro abraçaram o desafio de reinventar os espaços públicos, como espaços de convivência
cívica que pressupõem o reconhecimento do outro como sujeito com direitos e a consolidação de
uma cultura política democrática desprovida de privilégios.
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i
NEGRI, Barjas “A política de Saúde no Brasil nos anos 1990: avanços e limites” (pg.16) ii
Terceiro Setor: formado por “um conjunto de iniciativas particulares com um sentido público” (Fernandes, 1994:127). “O setor produtivo público não-estatal é também conhecido por ”terceiro setor”, “setor não governamental” ou setor sem fins lucrativos”. (Bresser Pereira e Grau (orgs.) 1999:16). Neste trabalho, o termo terceiro setor inclui somente as organizações sem fins lucrativos que tem finalidade publica. Há, no entanto, necessidade de se chamar à atenção para o fato de que existem autores, como Beatriz M. da Costa, que incluem no campo do terceiro setor as organizações sem fins lucrativos voltadas para o interesse exclusivo de seus associados, como por exemplo, sindicatos e clubes. Primeiro setor – composto por instituições públicas estatais. Segundo setor – formado por organizações privadas voltadas para o mercado.
iii
GUIDDENS, Anttony “Para além da esquerda e da direita”(pg.191)
iv
Adotaremos, inicialmente “a perspectiva do CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe)
que entende Capital social como o conjunto de relações sociais baseadas na confiança e nos comportamentos de cooperação e reciprocidade” (CEPAL, Apud Tonella, 2003:188)
v
Estruturado a partir da análise de vários modelos de articulação entre o Terceiro Setor, o setor público estatal e o setor privado na produção de bens públicos o Instituto entende que a ampliação da escala dos ganhos promovidos por tecnologias sociais inovadoras desenvolvidas por diversas organizações da sociedade civil, só promoverão mudanças sociais estruturantes e sustentáveis se forem feitas em articulação com a estrutura pública estatal. Por esse motivo, o Instituto Desiderata elabora os programas de investimento da área de oncologia pediátrica tendo em vista a atuação cooperativa e co-responsável com instituições governamentais e não governamentais, com o objetivo de participar da formulação de políticas públicas que contribuam para a melhoria das condições de tratamento e cura do câncer infanto-juvenil no Rio de Janeiro, Brasil.
vi BRITO, Claudia “Mapeamento do Fluxo de Diagnóstico e Atendimento do Câncer Pediátrico no Município do Rio de Janeiro:identificando as possíveis barreiras de acesso a esses serviços.”